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Arquivos Brasileiros de Psicologia

versão On-line ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. vol.66 no.2 Rio de Janeiro  2014

 

ARTIGOS

 

Perfis cognitivos de crianças e adolescentes com dislexia na WISC-III*

 

Cognitive profiles of children and adolescents with dyslexia on WISC-III

 

Perfiles cognitivos de los niños y adolescentes con dislexia en la WISC-III

 

 

Camila Cruz-RodriguesI; Tatiana Pontrelli MeccaII; Darlene Godoy de OliveiraIII; Karen UekiIV; Orlando Francisco Amadeu BuenoV; Elizeu Coutinho de MacedoVI

IDocente. Curso de Psicologia. Universidade Presbiteriana Mackenzie. São Paulo. Estado de São Paulo. Brasil
IIDocente. Curso de Especialização em Psicopedagogia. Universidade Presbiteriana Mackenzie. São Paulo. Estado de São Paulo. Brasil
IIIDoutoranda. Programa de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento. Universidade Presbiteriana Mackenzie. São Paulo. Estado de São Paulo. Brasil
IVPsicóloga. Universidade Presbiteriana Mackenzie. São Paulo. Estado de São Paulo. Brasil
VDocente. Departamento de Psicobiologia. Escola Paulista de Medicina. Universidade Federal do Estado de São Paulo (UNIFESP). São Paulo. Estado de São Paulo. Brasil
VIDocente. Programa de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento. Universidade Presbiteriana Mackenzie. São Paulo. Estado de São Paulo. Brasil

Endereços para correspondência

 

 


RESUMO

A avaliação cognitiva na Dislexia do Desenvolvimento faz parte do processo diagnóstico e auxilia no planejamento de intervenções eficazes, permitindo identificar o perfil de dificuldades e facilidades em função do desempenho em tarefas específicas. O estudo investigou o perfil na WISC-III de 123 participantes com Dislexia do Desenvolvimento. A idade variou de 8 a 14 anos, sendo 83 (67,5%) meninos e 40 (32,5%) meninas, de escolas privadas (52,8%) e públicas (47,2%). A análise de conglomerados revelou três perfis diferentes, em função do desempenho na WISC-III. A análise de variância (ANOVA) revelou diferenças entre os subgrupos nas medidas gerais e entre os escores dos subtestes na maioria dos grupos. Não houve diferença de série e idade entre os grupos. O grupo com maior dificuldade nos subtestes da WISC-III tinha maior concentração de participantes de escola pública. Os resultados indicam heterogeneidade no perfil cognitivo de crianças e adolescentes disléxicos.

Palavras-chave: Dislexia; Transtorno de Leitura; Cognição; Inteligência; WISC.


ABSTRACT

Cognitive assessment in Development Dyslexia is of paramount important because it is a part of the diagnostic criteria and it can assist in the planning of effective interventions allowing to identify a profile of difficulties and facilities on the specific tasks. This aim of this study was to investigate the profile on the WISC-III. For such, 123 participants with developmental dyslexia were assessment. The age ranges from 8 to 14 years old, with 83 (67,5%) boys and 40 (52,5%) girls, belonging to private (52,8%) and public (47,%) schools. Clusters analysis showed 3 profiles according to WISC-III measures. ANOVA showed differences between all groups in the IQ measures and in majority of the subtests. No differences were found between groups in age and grade. Furthermore, there was a higher number of subjects in public schools in the group with lower performance in the WISC-III subtests.

Keywords: Dyslexia; Reading Disorder; Cognition; Intelligence; WISC.


RESUMEN

La evaluación cognitiva en la dislexia evolutiva forma parte del proceso de diagnóstico y puede ayudar en la planificación de las intervenciones más efectivas permitiéndole identificar el perfil de dificultades y facilidades sobre la base del rendimiento en tareas específicas. El estudio investigó el perfil de 123 participantes con dislexia del desarrollo en la WISC-III. La edad osciló entre 8 y 14 años, con 83 chicos (67,5%) y 40 niñas (32,5%), en escuelas privadas (52,8%) y públicas (47,2%). El análisis de conglomerados reveló tres perfiles diferentes dependiendo de la performance en la WISC-III. El análisis de varianza (ANOVA) reveló diferencias entre los subgrupos en medidas generales, así como entre los puntajes de las subpruebas en la mayoría de los grupos. No hubo diferencias en el grado y la edad entre los grupos. El grupo con la mayor dificultad en las subpruebas de WISC-III tuvo la mayor concentración de los participantes de la escuela pública. Los resultados indican heterogeneidad en el perfil cognitivo de los niños y los adolescentes disléxicos.

Palabras clave: Dislexia; Trastorno de la lectura; Cognición; Inteligencia, WISC.


 

 

Introdução

Os diversos problemas que podem ocorrer durante a aquisição da aprendizagem acadêmica formam uma categoria ampla e complexa, decorrente de diversas causas e fatores ambientais, afetivos e biológicos, que podem estar presentes simultaneamente (S. E. Shaywitz & B. A. Shaywitz, 2008). No entanto, os transtornos de aprendizagem, que abarcam as habilidades de leitura, escrita e matemática, caracterizam-se pelo caráter desenvolvimental e pela origem neurobiológica. Dentre os transtornos de aprendizagem, o Transtorno de Leitura, denominado também de Dislexia do Desenvolvimento, é o mais estudado e caracteriza-se por dificuldades persistentes na leitura nos níveis da decodificação e fluência em indivíduos que possuem habilidades intelectuais preservadas, motivação e condições de escolarização adequadas (APA, 2003; Fletcher, 2009; Lyon & S. E. Shaywitz, 2003).

Apesar de tratar-se de um transtorno específico, é um quadro que pode abarcar déficits cognitivos diversos, associados à presença de alterações de linguagem oral, motricidade, percepção auditiva e visual (Barbosa, Miranda, Santos, & Bueno, 2009; Bishop & Adams, 1990). Nesse sentido, algumas linhas de pesquisa têm apontado evidências para hipóteses causais da dislexia. Dentre elas, destacam-se a hipótese fonológica (Boder, 1973), a hipótese cerebelar (Baillieux et al., 2009), a hipótese do déficit atencional visual (Valdois, Bosse, & Tainturier, 2004) e a hipótese magnocelular (J. Stein, 2001), além do modelo de múltiplos déficits da dislexia, o qual propõe um desempenho contínuo multivariado, caracterizado por habilidades cognitivas relacionadas à leitura (Menghini et al., 2010; Pennington, 2006).

Distinguir os quadros de Dislexia do Desenvolvimento das demais dificuldades de aprendizagem é fundamental durante o processo de avaliação diagnóstica e para a condução de tratamentos adequados, uma vez que os fatores etiológicos desses quadros são distintos. Enquanto as dificuldades de aprendizagem acadêmica apresentam como causa fatores ambientais e/ou afetivos, a dislexia apresenta dificuldades específicas de leitura, apesar do nível de inteligência adequado e ausência de problemas emocionais, ambientais e sensoriais capazes de explicar essas dificuldades. A Associação Americana de Psiquiatria, que publicou recentemente a 5ª edição do Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais - DSM-V (APA, 2013), propõe os seguintes critérios para diagnóstico dos Transtornos Específicos da Aprendizagem: a) persistência das dificuldades de aprendizagem, apesar da provisão de intervenções-alvo nas habilidades em déficit; b) mensuração das habilidades acadêmicas substancialmente abaixo do esperado para a idade cronológica e prejuízos decorrentes do déficit acadêmico; c) início dos sintomas nos primeiros anos escolares, que podem se tornar manifestos conforme o aumento das demandas de aprendizagem excede as capacidades limitadas; d) exclusão de outras desordens, como deficiência intelectual, atraso de desenvolvimento global e neurológico, visão e audição não corrigidas, adversidades psicossociais e falta de oportunidade educacional.

Consequentemente, os procedimentos diagnósticos do Transtorno de Leitura (Dislexia do Desenvolvimento) podem ocorrer por exclusão dos critérios classificatórios. Enfoques estatísticos são utilizados para estabelecer quando uma discrepância é significativa, sendo o principal deles a discrepância de mais de dois desvios-padrão entre o rendimento acadêmico e o Quociente Intelectual (QI) (APA, 2003). Desse modo, o Quociente Intelectual, além de ser um elemento fundamental no processo diagnóstico, a fim de excluir a presença de deficiência intelectual relacionada a prejuízos de leitura e escrita, pode auxiliar também na identificação de um perfil de possíveis forças e fraquezas cognitivas que direcionam o planejamento de intervenções (Clercq-Quaegebeur et al., 2010).

No que se refere à avaliação do nível de inteligência, estudos indicam haver discrepância entre o nível de inteligência verbal (QIV) e o nível de inteligência executiva ou não verbal (QIE), obtidos a partir das Escalas Wechsler de Inteligência (Arduini, Capellini, & Ciasca, 2006). De acordo com Simões (2002), as Escalas Wechsler de Inteligência são as principais referências e as medidas mais utilizadas para avaliação cognitiva de crianças e adolescentes. Trata-se de baterias de avaliação da inteligência cristalizada, que é a capacidade de recordar e de utilizar informações adquiridas durante a vida a partir do processo de educação formal (Horn, 1965). A partir da aplicação dessas escalas é possível realizar comparações intragrupo ou entre grupos, além de identificar o nível global de aptidão cognitiva. Podem-se observar déficits específicos, caso haja um desempenho inferior em uma tarefa, quando comparado ao desempenho geral, bem como se existem evidências de um atraso global. Os índices específicos obtidos na WISC-III se mostram mais relevantes clinicamente, na medida em que podem fornecer perfis específicos de determinados grupos. Simões (2002) aponta que discrepâncias entre o QIV e o QIE são comumente utilizadas como marcador de especialização hemisférica, déficits de processamento e dificuldades de aprendizagem. A partir dos estudos de Kaufman (1994), a ideia da discrepância entre QIV<QIE foi estabelecida no estudo dos transtornos de leitura. Esse dado é incrementado pelo trabalho de Ingesson (2006), que, ao reavaliar pacientes com dislexia após um período de 80 meses, observou diminuição do QIV e aumento do QIE. Por outro lado, é necessário ressaltar que discrepâncias também são encontradas na amostra de normatização da WISC-III para a população brasileira. Entre QIE e QIV, por exemplo, observa-se que quase 21% da amostra apresenta diferença de 15 pontos para essas medidas, mas não é especificado o direcionamento dessa diferença, ou seja, se a maioria apresenta QIV>QIE ou vice-versa.

Na literatura são referidos diversos estudos que indicam discrepâncias e perfis específicos em crianças com Dislexia do Desenvolvimento. Os achados referentes ao estudo realizado por Moffitt e Silva (1987) mostraram que, de modo geral, a discrepância entre QIV e QIE está relacionada com desempenho acadêmico. Dessa forma, quando o QIV é inferior ao QIE, há maior incidência de prejuízo no desempenho acadêmico. Essa relação diminui quando o QIE é inferior ao QIV. Vale ressaltar que tais discrepâncias não foram conclusivas para a finalidade de classificação diagnóstica. Entretanto, tal observação pode ser relevante durante a condução de avaliação cognitiva, uma vez que a presença de déficits de linguagem pode estar associada a um quadro de Dislexia do Desenvolvimento. Portanto, a definição clássica de discrepância considera apenas uma das possíveis correlações: crianças com níveis baixos de QI, consequentemente, apresentarão baixos níveis de leitura, e tais dificuldades serão explicadas pelo baixo nível de QI, e não por serem um Transtorno de Aprendizagem.

Esse critério tende a favorecer a identificação da dislexia em crianças com altos níveis de QI e dificuldades de leitura de menor gravidade. Nesse sentido, pode acabar por excluir os casos mais graves de dislexia que porventura apresentem QI mais baixo.

De acordo com Peterson e McGrath (2009), apesar de a discrepância entre o nível de leitura e o de QI estar incluída na definição tradicional da dislexia, tal comparação pode não se aplicar em muitas crianças disléxicas, uma vez que tanto medidas de QI verbal quanto de QI não verbal são moderadamente correlacionadas às medidas de leitura e de linguagem. Apesar de a causa dessa correlação não ter sido ainda esclarecida, o nível intelectual pode influenciar o desenvolvimento da linguagem e da leitura, bem como o nível de leitura e linguagem pode influenciar o desempenho em testes de inteligência. Essa premissa é observada principalmente em subtestes que avaliam memória operacional verbal e inteligência cristalizada, pois requerem habilidades relacionadas à manipulação de estímulos auditivos verbais e aquisição de conhecimento, esta última sendo fortemente influenciada pela leitura (Griffiths & Snowling, 2002).

Kaufman (1981) identificou um perfil específico no desempenho de alguns subtestes da WISC-III de indivíduos com dislexia. Foram observados maiores prejuízos nos subtestes Código, Aritmética, Informação e Dígitos, evidenciando um perfil denominado ACID (Kaufman, 1981). Desses subtestes, apenas o Código não pertence à Escala Verbal. Posteriormente, Kaufman (1994) propôs um segundo perfil que pode estar presente nos transtornos da aprendizagem, no qual os resultados apontam para prejuízos no subteste Procurar Símbolos, ao invés do subteste Informação, denominando este segundo grupo de SCAD (Procurar Símbolos, Código, Aritmética e Dígitos).

Thomson (2003) avaliou 252 crianças e adolescentes com a WISC-III, e os resultados de seu estudo mostraram que 40% dos participantes com dislexia apresentaram o perfil ACID, enquanto 50% apresentaram o perfil SCAD, sendo que 68% apresentaram escores baixos em Dígitos e Códigos e 62% apresentaram rebaixamento nesses dois últimos, juntamente com o subteste Procurar Símbolos. Ao se verificar o desempenho por índices fatoriais, observou-se que 80% dos disléxicos apresentaram desempenho inferior em Velocidade de Processamento, que é calculado a partir dos subtestes Códigos e Procurar Símbolos, bem como em Resistência à Distração, que é obtido a partir dos subtestes Aritmética e Dígitos. Esses resultados se relacionam com o perfil SCAD.

O estudo de Clercq-Quaegebeur et al. (2010) objetivou investigar o perfil neuropsicológico de 60 crianças francesas diagnosticadas com dislexia a partir da WISC-IV. Os resultados mostraram que nos índices fatoriais Compreensão Verbal (composto pelos subtestes Semelhanças, Vocabulário e Compreensão) e Raciocínio Perceptual (composto por Cubos, Conceitos Figurativos e Raciocínio Matricial), os desempenhos apresentaram-se na média, enquanto no índice Memória Operacional (composto por Dígitos e Sequências de Números e Letras) foi observado um desempenho geral limítrofe, e, por fim, no índice Velocidade de Processamento (composto por Códigos e Procurar Símbolos), o desempenho geral foi abaixo da média. Figueiredo (2002) também ressalta que os resultados de estudos com perfis devem ser interpretados com parcimônia, pois o perfil ACID, por exemplo, também é observado em casos de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade.

A literatura referente ao desempenho de crianças e adolescentes não observa um padrão de respostas específico na WISC-III (D'Angiulli & Siegel, 2003), embora indique que esse grupo clínico apresenta pior desempenho nos subtestes Dígitos e Aritmética. Tais subtestes demandam processos cognitivos como a memória operacional, envolvendo principalmente o componente da alça fonológica e o executivo central (Baddeley, 2000), sendo tais déficits relacionados à manifestação de um problema no nível de representação fonológica (Snowling, 2001). Além disso, Maehler & Schuchardt (2009) mostram que crianças com dislexia que têm baixo QI apresentam as mesmas alterações de memória operacional observadas naquelas que têm QI médio ou superior à média, retomando a importância de se discutir o nível de inteligência com o uso da WISC nos Transtornos de Aprendizagem. O estudo de D'Angiulli & Siegel (2003) aponta prejuízo em todos os subtestes verbais e nos subtestes Cubos, Completar Figuras e Código em crianças com dislexia. Assim, os objetivos deste estudo foram: verificar o perfil cognitivo de indivíduos disléxicos a partir das potencialidades e dificuldades nos diferentes subtestes da WISC-III; investigar a existência de possíveis perfis diferentes dentro de uma mesma categoria diagnóstica a partir da análise de conglomerados; e comparar os desempenhos dos grupos em função da heterogeneidade dos mesmos.

 

Método

Participantes

Participaram da pesquisa 123 crianças e adolescentes com diagnóstico de Dislexia do Desenvolvimento, sendo 83 (67,5%) meninos e 40 (32,5%) meninas. Desse grupo, 65 (52,8%) são alunos de escolas particulares, enquanto 58 (47,2%) são de escolas públicas. A faixa etária variou entre 8 e 14 anos (M=10,65; DP=1,63), sendo 70 (57%) do Ensino Fundamental I e 53 (43%) do Ensino Fundamental II. Os critérios de inclusão no estudo foram: idade mínima de 8 anos, nível de inteligência médio ou superior à média, atraso de pelo menos dois anos no desempenho em testes de leitura e prejuízo em tarefas de consciência fonológica.

Foram excluídas crianças com doenças neurológicas ou psiquiátricas, bem como com atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, quociente de inteligência total (QIT) menor que 80, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) ou outros distúrbios do desenvolvimento. Foi realizada entrevista de anamnese com todos os responsáveis, a fim de excluir participantes com problemas de aprendizagem de origem psicossocial. Todos os participantes foram submetidos a uma bateria de testes neuropsicológicos para avaliação de inteligência, atenção, memória, motricidade, funções executivas, linguagem, leitura e escrita. Por meio desses procedimentos, foram selecionados os participantes que preencheram os critérios diagnósticos para o Transtorno de Leitura indicados pela Associação Americana de Psiquiatria no Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM-IV-TR) (APA, 2003). A participação de todos os participantes foi voluntária, e os pais ou responsáveis assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A Tabela 1 apresenta a descrição da amostra em função das variáveis idade e série escolar.

Instrumentos

Para inclusão dos participantes na amostra, foi realizada uma avaliação de habilidades de consciência fonológica, leitura e escrita, a partir dos seguintes instrumentos: Bateria de Avaliação de Leitura e Escrita - BALE (Macedo, F. C. Capovilla, Diana, & Covre, 2002; Seabra & F. C. Capovilla, 2010), Prova de Consciência Fonológica - PCF (A. G. S. Capovilla & F. C. Capovilla, 1998), Teste de Desempenho Escolar - TDE (Stein, 1994) e Consciência Fonológica: Instrumento de Avaliação Sequencial - CONFIAS (Moojen et al., 2003).

O nível intelectual e o perfil cognitivo foram avaliados a partir da Escala Wechsler de Inteligência para Crianças - WISC-III. Foram aplicados os seguintes subtestes: Arranjo de Figuras, Código - Parte B, Cubos, Completar Figuras, Vocabulário, Semelhanças, Aritmética e Dígitos (Figueiredo, 2002).

Procedimento

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP/UPM, processo nº 947/10/06, CAAE 0051.0.272.000-06, e CEP/UNIFESP, processo nº 1510/05). Após a assinatura do TCLE, foi realizada uma entrevista de anamnese com os pais ou cuidadores dos participantes. Após essa etapa, os participantes foram submetidos a avaliação neuropsicológica, realizada individualmente em uma sala adequada, em três sessões de 1 hora e 30 minutos cada.

Os resultados foram analisados inicialmente por meio de estatísticas descritivas, calculando-se as médias e desvios-padrão. A partir disso, foi feita a análise de conglomerados do tipo K-Means, com o objetivo de identificar possíveis diferenças de perfis entre os disléxicos. Em seguida foi realizada uma ANOVA para comparação do desempenho entre os grupos, com análise de pares Least Significant Difference (LSD). Para todos os testes estatísticos, o nível de significância adotado foi de 5%.

 

Resultados

Primeiramente foi realizada a avaliação de linguagem e leitura. No CONFIAS os participantes apresentaram desempenho equivalente ao nível silábico-alfabético (M=47,00; DP=5,66) e alfabético (M=56,40; DP=8,96), observado em crianças da 1ª série, conforme dados de normatização do instrumento (M=51,00; DP =11,85). Na tarefa de leitura e compreensão de sentenças escritas (TCSE), os participantes apresentaram desempenho médio baixo (M=35,23; DP=7,12), pois foi semelhante ao esperado para crianças pertencentes à 1ª série (M=33,00; DP=7,46). No TDE a média dos participantes na prova de leitura foi de 38,51 pontos, que também corresponde ao desempenho médio observado em crianças de 1ª série. Foram observadas correlações positivas, significativas, porém de baixa magnitude entre o QI Total e o desempenho em consciência fonológica (r=0,32; p=0,008) e em leitura (r=0,32; p=0,005). Dados semelhantes foram observados entre o QI de Execução de consciência fonológica (r=0,39; p<0,001) e leitura (r=0,28; p=0,018). No entanto, não foram verificadas correlações entre essas medidas e o QI Verbal.

As pontuações médias dos escores de QI dos disléxicos mostraram QI Verbal médio de 102,11 (DP= 16,31), QI de Execução médio de 106,22 (DP=14,91) e QI Total de 104,49 (DP=15,66). Ao se compararem os escores para QI Verbal e QI de Execução, observou-se uma diferença estatisticamente significativa entre essas medidas, com maior desempenho no QI de Execução (t(122)=3,42; p<0,01). Isso indica que, de modo geral, os participantes apresentaram maior facilidade em tarefas que requerem habilidades executivas e de visuoconstrução, com desempenho inferior em tarefas de manipulação e acesso a conceitos verbais.

Os resultados obtidos a partir das médias dos pontos ponderados dos subtestes aplicados mostraram que maiores pontuações, ou seja, acima de 10 pontos ponderados, foram observadas nos subtestes Completar Figuras, Semelhanças, Vocabulário, Arranjo de Figuras e Cubos. Já as médias mais baixas, ou seja, inferiores a 10 pontos ponderados, foram observadas nos subtestes de Aritmética, Códigos e Dígitos. A Figura 1 apresenta a média dos pontos ponderados por subteste, obtida a partir da análise com os 123 participantes.

 

 

Conforme os dados apresentados na Figura 1, embora dentro do esperado para a população geral, menores médias foram verificadas em subtestes que requerem habilidades de memória operacional relacionadas ao componente da alça fonológica, cálculo mental, bem como velocidade de processamento. E maiores médias foram associadas a tarefas de exploração e discriminação visual, associação semântica entre dois conceitos, significados das palavras, sequenciamento lógico de ações, assim como habilidades visuoconstrutivas e espaciais.

Devido à heterogeneidade dos prejuízos cognitivos que são incluídos nessa categoria diagnóstica, foi realizada análise de conglomerados para verificar possível existência de agrupamentos com diferenças no perfil cognitivo. Os resultados obtidos a partir da análise de conglomerados revelaram a presença de três grupos com perfis diferentes. O primeiro grupo foi composto por 48 participantes, o segundo por 52 e o terceiro por 23 participantes.

Análise de variância mostrou que os três grupos não diferem em habilidades de consciência fonológica (F[2,64]=2,361; p=0,103) e leitura (F[2,64]=2,697; p=0,075). A Figura 2 apresenta as médias de cada subgrupo em função das três medidas gerais obtidas na WISC-III, sendo elas o QI Verbal, o QI Execução e o QI Total.

 

 

Conforme mostra a Figura 2, o subgrupo 1 apresenta desempenho médio inferior nas escalas de QI Verbal (M=87,35; DP=7,67) e QI Total (M=89,60; DP=6,59) e desempenho médio no QI Execução (M=94,10; DP=9,08). Logo, esse grupo tem maiores dificuldades em tarefas que envolvem aspectos verbais em relação aos não verbais, sendo que a classificação médio inferior do QI Total pode refletir o baixo desempenho na escala verbal. Já o subgrupo 2 apresenta desempenho médio no QI Verbal (M=105,46; DP=8,40), no QI Execução (M=109,35; DP=10,36) e no QI Total (M=107,78; DP=7,00), indicando ausência de discrepâncias entre habilidades específicas. Por fim, o subgrupo 3 apresenta desempenho superior tanto no QI Verbal (M=125,23; DP=11,07) como no QI Execução (M=124,43; DP=10,83) e, consequentemente, no QI Total (M=127,61; DP=8,84). Nesse sentido, os participantes desse subgrupo possuem capacidades cognitivas mais desenvolvidas.

A fim de se verificarem diferenças entre os subgrupos nas três medidas de QI, foram conduzidas Análises de Variância. A ANOVA revelou que os subgrupos de disléxicos diferem significativamente no funcionamento intelectual geral (F[2,120]=222,20; p<0,001), nas habilidades relacionadas a aspectos verbais (F[2,121]=154,87; p<0,001) e, por fim, diferem nas tarefas que requerem habilidades executivas (F[2,121]=76,32; p<0,001). Análises post hoc por pares LSD revelaram diferenças significativas entre os três subgrupos, sendo que os participantes do subgrupo 1 obtiveram desempenho inferior aos do subgrupo 2 (p<0,001) e 3 (p<0,001), assim como os participantes do subgrupo 2 também apresentaram desempenho inferior aos do subgrupo 3 (p<0,001) nas três medidas gerais obtidas na WISC-III.

Além das diferenças observadas nas escalas gerais, também foram analisadas diferenças entre os três subgrupos nos subtestes da WISC-III. A ANOVA de medidas repetidas foi realizada a fim de verificar a magnitude dessas diferenças. Os valores de média, desvio-padrão, bem como os valores das diferenças e significâncias, são apresentados na Tabela 2.

Análises post hoc por pares LSD revelaram diferenças significativas entre o subgrupo 1 e os demais subgrupos nos escores dos subtestes específicos da WISC-III, sendo que os participantes do subgrupo 1 apresentaram escores inferiores em relação ao subgrupo 2 (p<0,05) e ao subgrupo 3 (p<0,05), tanto nas habilidades verbais quanto nas habilidades executivas. Já o subgrupo 2 apresentou desempenho inferior ao subgrupo 3 nas tarefas verbais de Semelhanças (p<0,01), Aritmética (p<0,01) e Vocabulário (p<0,01), que exigem habilidades de associação semântica, cálculo mental com recurso à memória operacional e significado das palavras. Também foram verificados desempenhos inferiores no subgrupo 2, em relação ao subgrupo 3, nos subtestes de execução Cubos (p<0,01) e Arranjo de Figuras (p<0,01), que avaliam habilidades visuoespaciais e formação de sequências lógicas, respectivamente. Porém, os desempenhos dos subgrupos 2 e 3 não diferem nos subtestes Dígitos (p=0,354), Completar Figuras (p=0,113) e Códigos (p=0,502). A ANOVA revelou que não existem diferenças significativas entre os três subgrupos para as variáveis série (F[2,120]=1,76; p=0,175) e idade (F[2,120]=1,66; p=0,194).

A fim de ilustrar esses diferentes perfis, a Figura 3 apresenta as médias da pontuação ponderada de cada subgrupo ao longo dos subtestes.

 

 

Análise dos perfis em função do tipo de escola revelou que a quantidade de participantes de escolas públicas diminuiu do subgrupo 1 para o subgrupo 3 da seguinte forma: subgrupo 1 com 62,5% dos participantes, subgrupo 2 com 44,2% e, por fim, subgrupo 3 com 21,7%. Embora tenha sido observada essa diferença na frequência de alunos de escolas públicas e particulares em cada subgrupo, resultados obtidos a partir do teste de Qui-Quadrado mostraram que não há uma associação significativa entre o tipo de escola e o desempenho no QI Verbal (X2(46)=55,27; p=0,16), no QI Execução (X2(41)=53,81; p=0,08) e no QI Total (X2(46)=60,53; p=0,07). Isso indica que as características do perfil cognitivo desses indivíduos com dislexia não estão associadas ao tipo de escola.

 

Discussão

O objetivo principal deste estudo foi verificar o perfil cognitivo de indivíduos disléxicos a partir das potencialidades e dificuldades nos diferentes subtestes da WISC-III. As análises estatísticas conduzidas possibilitaram verificar os escores nos subtestes e de QI, e, além disso, foram identificados três perfis cognitivos nos disléxicos em função do desempenho na WISC-III.

As medidas de QI da amostra total encontram-se na faixa média em relação aos dados normativos da WISC-III, corroborando os critérios diagnósticos do Transtorno de Leitura no DSM-IV (2003). Participantes disléxicos apresentam capacidade intelectual preservada, com desempenho médio ou superior ao da faixa etária e de escolarização nos escores de QI Verbal, QI Execução e QI Total. As médias dos escores de QI Verbal e QI Execução da amostra indicam discrepância significativa entre eles, sendo que a pontuação foi maior em QI Execução. Esses dados estão de acordo com aqueles obtidos em outros estudos, como os de Arduini et al. (2006) e D'Angiulli & Siegel (2003), que apontam menor nível de QI Verbal em disléxicos. Ainda que a presença de tal discrepância isoladamente não seja conclusiva para fins de classificação ou diagnóstico clínico, os dados do presente estudo apontam para a heterogeneidade de perfis cognitivos na dislexia, corroborando o estudo de Salles e Parente (2006). É fundamental considerar que a dislexia é um transtorno complexo e que se caracteriza por déficits em diferentes funções cognitivas. Essas alterações podem levar à dificuldade de leitura, o que dá suporte ao modelo de múltiplos déficits da dislexia, o qual propõe um desempenho contínuo multivariado, caracterizado por habilidades cognitivas relacionadas à leitura (Menghini et al., 2010; Pennington, 2006).

A diversidade de perfis verificada pela análise de conglomerados reflete a heterogeneidade cognitiva presente na dislexia e evidenciada pela diferença estatisticamente significativa entre as médias de QI Verbal e QI Execução na amostra geral. Esse dado corrobora achados prévios, constantemente relatados na literatura (Arduini et al., 2006; D'Angiulli & Siegel, 2003; Ingesson, 2006; Simões, 2002). De acordo com Kibby (1999, citado por Kibby & Cohen, 2008), o nível de inteligência verbal (QIV), a memória operacional verbal e as habilidades de consciência fonológica estão envolvidos na decodificação de pseudopalavras, e tais habilidades podem ser preditoras de sucesso na aquisição da linguagem escrita.

Em relação às médias dos escores ponderados nos subtestes, na amostra total foram verificados melhores desempenhos nas tarefas de Semelhanças, Vocabulário, Completar Figuras e Cubos. Por outro lado, as médias mais baixas foram observadas em Aritmética, Dígitos, Códigos e Arranjo de Figuras. Em síntese, o perfil dos disléxicos que participaram do presente estudo é similar ao perfil ACID (Kaufman, 1981; Thomson, 2003).

De acordo com Simões (2002), os subtestes Semelhanças e Vocabulário avaliam competências de integração linguística e de expressão do pensamento. O subteste Semelhanças, especificamente, avalia a capacidade de criação de relações lógicas, de síntese e de integração de categorias de conhecimentos expressos verbalmente. Já o desempenho em Vocabulário é decorrente de habilidades distintas, sendo algumas relacionadas à habilidade de linguagem oral e outras relacionadas à linguagem escrita. Alguns estudos têm observado pobre nível de vocabulário em crianças disléxicas, em função de prejuízos nas habilidades de compreensão de leitura (Aaron, Joshi, & Quatroche, 2008; Seabra & Dias, 2012) e, consequentemente, menor exposição à leitura, conforme o Efeito Mateus (Stanovich, 1986). No entanto, o raciocínio, a precisão do pensamento, a definição e a elaboração de discurso são habilidades que podem estar preservadas em participantes com dislexia, o que pode influenciar no desempenho adequado nessa tarefa, como observado no presente estudo.

Melhores desempenhos nos subtestes Completar Figuras e Cubos indicam desenvolvimento adequado de habilidades visuoperceptivas e visuoconstrutivas (Simões, 2002). No primeiro, são avaliados especificamente reconhecimento de objeto, discriminação visual e habilidades para diferenciar detalhes. O segundo requer organização perceptual, com ênfase em raciocínio visuoespacial, para que o indivíduo realize uma montagem de cubos idêntica ao modelo apresentado (Mader, Thais, & Ferreira, 2004). Os achados do presente estudo mostraram que, juntamente com Semelhanças e Vocabulário, esses dois subtestes mostraram maiores médias em relação ao restante, sugerindo que os participantes apresentam maior facilidade nessas tarefas, embora o estudo de D'Angiulli & Siegel (2003) tenha mostrado pior desempenho em tarefas verbais e nos subtestes de execução Cubos, Completar Figuras e Código.

Apesar de os subtestes Aritmética e Dígitos comporem a escala de Resistência à Distração da WISC-III, tais tarefas demandam simultaneamente habilidades de memória operacional. Levando-se em consideração o modelo de memória operacional de Baddeley (2000), crianças com dislexia podem apresentar prejuízo em tarefas que envolvam o subcomponente da alça fonológica, tais como repetição de dígitos, sequências e listas de palavras (Kibby & Cohen, 2008). Além disso, na maioria dos casos, os disléxicos apresentaram habilidades preservadas que dependem dos subcomponentes esboço visuoespacial, executivo central e/ou buffer episódico (Kibby & Cohen, 2008; Kibby, Marks, Morgan, & Long, 2004). Uma vez que a base etiológica da dislexia é, em 67% dos casos, decorrente de déficits fonológicos primários (Boder, 1973) e tais déficits são relatados na definição da Associação Internacional de Dislexia (Lyon & S. E. Shaywitz, 2003), os déficits de memória operacional podem ser decorrentes das pobres habilidades de discriminação e manipulação fonológica. Portanto, os déficits simultâneos de memória operacional verbal e processamento fonológico comprometem a decodificação durante a leitura de palavras. Déficits de memória de trabalho também podem comprometer a compreensão leitora de sentenças e textos (Verhoeven & Van Leeuwe, 2008).

O baixo desempenho observado no subteste Códigos, que faz parte da escala de Velocidade de Processamento, pode ser observado em outros estudos, que apontam a presença de prejuízos motores e visuoespaciais associados à dislexia. Embora os prejuízos mais comumente associados ao quadro sejam relacionados ao processamento fonológico, alguns autores formularam a hipótese cerebelar da dislexia. Essa hipótese se baseia no fato de existirem diferenças estruturais neurais entre disléxicos e bons leitores, que se relacionam com a constituição morfológica, funcional e desempenhos comportamentais (Nicolson & Fawcett, 1990; Ramus et al., 2003; Stoodley & Stein, 2006). Assim, crianças disléxicas podem apresentar déficits em tarefas simples de equilíbrio motor, tapping tasks e de integração bimanual. Essas dificuldades seriam justificadas pela ausência de automatização de tarefas motoras e necessidade de deslocamento significativo de recursos atencionais para realização de tais tarefas, que lentificam a execução e diminuem a precisão (Nicolson & Fawcett, 1990). Outra hipótese explicativa da dislexia que pode ser importante para compreender o prejuízo dos sujeitos no subteste Códigos é a do déficit de atenção visual (Valdois et al., 2004). Uma vez que disléxicos podem apresentar pobres habilidades de busca visual de símbolos e estas se correlacionam com o desempenho em leitura de palavras e nomeação automática rápida, é possível perceber que comprometimentos relacionados à leitura podem ser decorrentes de falhas nos processos atencionais visuais.

A análise de conglomerados permitiu identificar subgrupos com níveis distintos de desempenho. O subgrupo 1 apresentou menores escores em todos os subtestes, em comparação com os outros subgrupos. Observou-se que 58% dos participantes desse subgrupo são estudantes de escolas públicas. Tal desempenho inferior pode ser explicado tanto pela presença da dislexia quanto pelas condições ambientais da escolarização pública. Estudos têm mostrado que a menor exposição à leitura, o reduzido acesso a serviços públicos de avaliação interdisciplinar com fins diagnósticos em neurodesenvolvimento e o diagnóstico tardio de Transtornos de Aprendizagem são fatores de risco que podem prejudicar em maior intensidade o desenvolvimento cognitivo (Cruz-Rodrigues, Barbosa, Toledo-Piza, & Mello, 2009; Griffiths & Snowling, 2002). Nesse sentido, tais fatores podem ter colaborado para o aumento da lacuna de conhecimentos das crianças, o que, por sua vez, pode ter refletido diretamente no nível de inteligência. Uma vez que a WISC-III é um instrumento de avaliação da inteligência cristalizada, os resultados obtidos por esse grupo sofrem influência, sobretudo, da educação e da experiência cultural, que são dependentes de boas habilidades de leitura. Ou seja, ler menos não afeta negativamente apenas o desenvolvimento da leitura, mas também influencia o desenvolvimento da linguagem e do QI, conforme descrito por Arduini et al. (2006) e Ferrer, B. A. Shaywitz, Holahan, Marchione e S. E. Shaywitz (2010). Portanto, fornecer melhor qualidade de estimulação cognitiva no ambiente escolar, com enriquecimento de vocabulário (Nagy & Townsend, 2012) e ensino de estratégias de compreensão linguística oral e escrita (McKeown, Beck, & Blake, 2009), em vez da mera exposição ao material escrito, pode favorecer o desenvolvimento intelectual e linguístico de crianças com dificuldade de aprendizagem (Ferrer et al., 2010). Essa influência ambiental também pode ser verificada com outro dado da análise de subgrupos, pois 77% dos disléxicos do subgrupo 3 são de escola particulares, sendo esse o grupo com maiores médias nos subtestes e, consequentemente, nas escalas de QI.

Considerando que não foram encontradas diferenças entre os subgrupos 2 e 3 para os subtestes de Códigos e Dígitos, tais resultados sugerem que as habilidades relacionadas a essas tarefas podem estar reduzidas em disléxicos com diferentes níveis de desempenho intelectual. Conforme Maehlern & Schuchardt (2009), crianças com transtornos de aprendizagem que têm baixo QI apresentam o mesmo nível de alterações de memória operacional que aquelas com QI médio ou superior à média. Tal dado reforça a hipótese de que o desempenho em tarefas de memória operacional auditiva e integração visuomotora é decorrente dos déficits associados à dislexia. De maneira geral, integrando as informações dos perfis de desempenho nos subtestes, podem ser sugeridos programas de intervenção cognitiva em habilidades de memória operacional e integração visuomotora para todos os subgrupos, sendo que a intensidade e a frequência das atividades devem ser maiores, especialmente no subgrupo 3, por ser o grupo com maior comprometimento. Por outro lado, uma vez que o subgrupo 1 possui melhores habilidades intelectuais e menores déficits de memória de trabalho, procedimentos de intervenção psicopedagógica focados no desenvolvimento de estratégias de compreensão de leitura e de habilidades de estudo podem ser mais adequados.

Os dados obtidos neste trabalho reforçam a ideia de heterogeneidade da dislexia (Fletcher, Coulter, Reschly, & Vaughn, 2004; Hendriksen et al., 2007; Kavale & Forness, 2000) e retomam os múltiplos fatores que influenciam a aprendizagem (Kaefer, 2006). Além disso, evidenciam a importância da investigação interdisciplinar (Barbosa et al., 2009; Bishop & Snowling, 2002; Salles & Parente, 2006) e da análise caso a caso (Salles & Parente, 2008), devido às variações nas características neuropsicológicas anteriormente descritas. Salienta-se a importância da investigação do perfil de desempenho por meio de uma bateria de funções neuropsicológicas e da exploração qualitativa do desempenho nos diferentes subtestes da WISC, que é um dos instrumentos mais utilizados para avaliação da inteligência.

Portanto, investigar o perfil de desempenho em uma bateria de funções neuropsicológicas é uma questão fundamental para a realização de diagnóstico diferencial da dislexia e para o planejamento de processos de intervenção bem-sucedidos em crianças com dificuldades de leitura e escrita. Como possibilidade de desdobramento do presente trabalho, sugere-se a condução de estudos de intervenção que enfatizem tanto habilidades fonológicas (Oliveira, Lukasova, & Macedo, 2010) como outros componentes cognitivos relacionados à leitura, tais como a memória operacional (Kibby & Cohen, 2008; Menghini et al., 2010) e automatização visuomotora (S. E. Shaywitz & B. A. Shaywitz, 2008).

 

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Endereços para correspondência:
Camila Cruz-Rodrigues
camilacruzrodrigues@hotmail.com
Tatiana Pontrelli Mecca
tati.mecca@gmail.com
Darlene Godoy de Oliveira, Karen Ueki
darlenegodoy@gmail.com
Orlando Francisco Amadeu Bueno
ofabueno@gmail.com
Karen Ueki
kazi_nha@hotmail.com
Elizeu Coutinho de Macedo
elizeumacedo@uol.com.br

Submetido em: 21/09/2013
Revisto em: 23/03/2014
Aceito em: 29/03/2014

 

 

* Os autores agradecem o apoio financeiro do CNPq,  da CAPES e da FAPESP.