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Arquivos Brasileiros de Psicologia

On-line version ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. vol.66 no.2 Rio de Janeiro  2014

 

ARTIGOS

 

A representação materna em crianças com mães depressivas

 

Maternal representation in children with depressive mothers

 

La representación materna en niños con madres deprimidas

 

 

Paula Casagranda MesquitaI; Sílvia Pereira da Cruz BenettiII

IEspecialista em Psicologia Clínica. Universidade de Passo Fundo (UPF). Passo Fundo. Rio Grande do Sul. Brasil
IIDocente. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). São Leopoldo. Rio Grande do Sul. Brasil

Endereços para correspondência

 

 


RESUMO

Pesquisas apontam que a depressão materna é um fator de risco para a psicopatologia infantil. O objetivo deste estudo foi identificar as representações maternas de crianças com mães com Transtorno Depressivo. Trata-se de um estudo de casos múltiplos com três duplas de mãe-criança, tendo as crianças entre 7 e 10 anos. Os instrumentos foram Inventário de Depressão de Beck (BDI), Child Behavior Checklist (CBCL) e MacArthur Story Stem Battery (MSSB), instrumento que utiliza narrativas para avaliar as representações parentais. Nas narrativas infantis, prevaleceram representações maternas disciplinares, associadas a conflitos e pouca afetividade nas interações. Conclui-se que a identificação das características da representação materna é um recurso importante para o desenvolvimento de intervenções psicoterapêuticas adequadas, bem como de programas que visem à prevenção da psicopatologia infantil.

Palavras-chave: Representação materna; Depressão materna; Relação mãe-criança.


ABSTRACT

Research indicates that maternal depression is a risk factor for child psychopathology. The aim of this study was to identify maternal representations of children with mothers with Major Depressive Disorder. It is a multiple case study with three pairs of mother-child between 7 and 10 years old. The instruments were the Beck Depression Inventory (BDI), Child Behavior Checklist (CBCL), and MacArthur Story Stem Battery (MSSB), an instrument that uses narratives to assess parental representations. In the children's narratives maternal representations were disciplinary, with conflict and lack of affective interactions. We concluded that the identification of the characteristics of maternal representation is an important resource for the development of appropriate psychotherapeutic interventions, as well as programs aimed at prevention of child psychopathology.

Keywords: Maternal Representation; Maternal Depression; Mother-Child Relationship.


RESUMEN

Las investigaciones indican que la depresión materna es un factor de riesgo para la psicopatología infantil. El objetivo de este estudio fue identificar las representaciones maternas de niños con madres con trastorno depresivo. Se trata de un estudio de múltiples casos con tres pares de madre-hijo en que los niños tienen entre 7 y 10 años. Los instrumentos utilizados fueron el Inventario de Depresión de Beck (BDI), Child Behavior Checklist (CBCL) y MacArthur History Stem Battery (MSSB), un instrumento que se utiliza de narrativas para evaluar las representaciones parentales. En las historias de los niños han prevalecido las representaciones maternas disciplinarias, asociadas a conflictos y falta de interacciones afectivas. Se concluye que la identificación de las características de la representación materna es un recurso importante para el desarrollo de intervenciones psicoterapéuticas apropiadas, así como programas destinados a la prevención de la psicopatología infantil.

Palabras clave: Representación Materna; Depresión Materna; Relación Madre-Hijo.


 

 

Reconhecer as especificidades das condições psicológicas parentais, principalmente nas situações associadas a problemas de saúde mental, constitui um foco importante de investigação, que pode auxiliar no apoio aos pais no cuidado infantil (Pegoraro & Caldana, 2008). Estudos realizados sobre a saúde mental infantil e psicopatologia parental no Canadá (Bassani, Padoin, Philipp, & Veldhuizen, 2009) e nos Estados Unidos (Kopp & Beauchaine, 2007) identificaram que crianças que vivem com pais com algum transtorno psiquiátrico têm maior risco, tanto para a manifestação de psicopatologia quanto para acidentes, incluindo uso maior de serviços de saúde e até mortalidade. Igualmente, a pesquisa americana destacou que crianças com mães que apresentam comorbidades evidenciaram taxas mais altas de depressão infantil.

Considerando a depressão materna, estudos recentes de revisão sistemática apontaram associações importantes com o desenvolvimento infantil e adolescente (Goodman et al., 2011; Mendes, Loureiro, & Crippa, 2008). Mendes et al. (2008) analisaram estudos empíricos sobre depressão materna no período de 2002 a 2007, identificando 30 artigos empíricos, 17 longitudinais e 13 transversais. Nos oito estudos transversais que avaliaram problemas de comportamento nas crianças, sete encontraram associação com a depressão materna. Todos os estudos longitudinais avaliados verificaram associação entre a depressão materna e as variáveis comportamentais, a psicopatologia infantil e os aspectos cognitivos, tanto no período pré-escolar quanto no escolar. Além disso, indicaram que a depressão materna era um aspecto negativo à saúde mental infantil, independentemente do momento de vida em que a criança foi exposta a essa situação. Igualmente, Goodman et al. (2011), em uma meta-análise com 193 estudos sobre a associação entre mães com depressão e problemas de comportamento nas crianças, encontraram resultados similares ao estudo de Mendes et al. (2008). Assim, a depressão materna foi significativamente relacionada aos níveis mais elevados de internalização, externalização e psicopatologia geral nas crianças. Porém, acima de tudo, destacaram a necessidade de maior compreensão da relação causal entre psicopatologia materna e problemas na infância e adolescência, apontando a relevância de dispensar mais atenção às crianças que estão em tal situação, visando à detecção precoce e ao desenvolvimento de formas de instrumentar práticas preventivas.

É justamente na perspectiva de compreensão de quais processos da dinâmica relacional mãe-filho estão associados nas manifestações de psicopatologia infantil que abordagens teóricas, como a da teoria psicanalítica, podem oferecer elementos interessantes para o trabalho interventivo. Nessa abordagem, manifestações de psicopatologia são entendidas, em parte, como derivadas das relações primárias, associando-se à psicopatologia infantil com características do funcionamento psíquico materno (Barbieri, Jacquemin, & Alves, 2005); em específico, aspectos representacionais dos vínculos estabelecidos na primeira infância são considerados como eixos centrais do desenvolvimento psíquico infantil. Dessa forma, a partir de dois principais construtos psicanalíticos (Ainsworth, 1969), o da teoria da relação de objeto (Freud, S., 1905/2006) e o da teoria do apego (Bowlby, 2009), tais aspectos são abordados em diversos trabalhos dedicados à compreensão de tais vínculos (Franco & Campos, 2010; Waniel, Priel, & Besser, 2006).

As experiências internalizadas do eu com o outro servem como base para a construção de estruturas representacionais complexas, que seriam as representações de objeto, as quais incluem esquemas conscientes e inconscientes de si e do outro, funcionando como modelos através dos quais as experiências afetam o comportamento, os sentimentos e a cognição (Priel, Besser, Waniel, Yonas-Segal, & Kuperminc, 2007). Na Teoria do Apego, os padrões de apego estão permeados pela qualidade da relação estabelecida entre a mãe e a criança (Bowlby, 2009), sendo o apego um vínculo afetivo no qual os pais proporcionam a satisfação das necessidades da criança, incluindo um conjunto de comportamentos do bebê que visam à proximidade com a mãe e à exploração do ambiente. O apego também é influenciado pelo modo como os pais, ou substitutos deles, se comportam, pois nesse laço afetivo há uma ligação recíproca entre a interação da criança e o comportamento materno (Ainsworth, 1969; Bowlby, 2009). A partir dos padrões de apego, o sujeito constrói modelos internos do mundo e de si próprio neste mundo (Bowlby, 2004, p. 254).

A noção de representação parental, portanto, integra conceitos tanto da teoria das relações de objeto quanto da teoria do apego, sendo que em ambos os modelos a representação de objeto é que medeia as respostas da criança e as expectativas dos outros (Priel et al., 2007). Assim, as representações acerca das figuras parentais incluem, por um lado, as experiências interpessoais reais e, por outro, aspectos intrapsíquicos associados à dinâmica do mundo interno do indivíduo. Esses elementos constituem o foco de investigações sobre o papel das internalizações precoces no desenvolvimento do comportamento, da cognição e do afeto do indivíduo ao longo da vida.

Muitos estudos que investigam a representação parental têm utilizado amplamente como instrumento principal o MacArthur Story Stem Battery - MSSB (Emde, Wolf, & Oppenheim, 2003). Além das representações maternas, esse instrumento avalia o estilo e a coerência da narrativa, os conflitos familiares, a presença de culpa e medos, a ansiedade, a capacidade de regulação emocional e reações infantis diante da não satisfação dos desejos, os temas orais, entre outros (Warren, 2003a). As representações podem ser consideradas como multideterminadas, mas são influenciadas pelas percepções das crianças de suas experiências de vida, as quais demonstram, através de suas narrativas, estratégias para lidar com desafios particulares e suas expectativas de resultado (Warren, 2003a). Em função dessas características, o MSSB é considerado uma ferramenta inestimável para os clínicos, sendo um método de construção de significados no qual as crianças podem compartilhar tanto seus pontos fortes quanto seu sofrimento (Robinson & Mantz-Simmons, 2003).

Em síntese, visando explorar de forma aprofundada o desenvolvimento psicológico infantil nos casos de psicopatologia materna, este estudo de casos múltiplos teve como objetivo identificar as representações maternas sob a perspectiva das crianças cujas mães têm diagnóstico de Transtorno Depressivo recorrente moderado ou grave. Em relação às crianças, foram analisadas as manifestações clínicas infantis, bem como a identificação da expressividade emocional, dos processos defensivos, das estratégias de resolução de conflitos, do comportamento social e dos conflitos familiares.

 

Método

Delineamento

A presente pesquisa caracteriza-se por um estudo de delineamento qualitativo, através de um estudo de casos múltiplos (Creswell, 2010).

Participantes

Os participantes foram três duplas de mãe-criança. A faixa etária das crianças era de sete a dez anos. Os participantes foram selecionados por conveniência, a partir de indicações de psicólogas que trabalham com a saúde pública no interior do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Os critérios de inclusão foram: a) crianças sintomáticas ou assintomáticas; b) mães com o diagnóstico de Transtorno Depressivo Recorrente Moderado ou Grave, com ou sem sintomas psicóticos, segundo o CID-10 (Organização Mundial da Saúde, 1993). Como critérios de exclusão: a) mães que estivessem internadas no Hospital Psiquiátrico no período de coleta de dados; b) mães que apresentassem apenas um episódio depressivo ou um Transtorno Depressivo Recorrente Leve.

As duplas mães/crianças foram identificadas por nomes fictícios: Rosângela e Rafael, Mônica e Marcos e Gisele e Gustavo. As mães tinham idades entre 25 e 45 anos, com Ensino Fundamental (EF) incompleto. Quanto às crianças, Rafael tinha 9 anos e estava no 4º ano do EF, Marcos tinha 10 anos e estava no 3º ano do EF e Gustavo tinha 7 anos e estava no 2º ano do EF.

Instrumentos

Entrevista semiestruturada com a mãe. A entrevista abordou aspectos da história materna, incluindo história de vida e situação clínica, voltando-se também para os aspectos da história da criança.

Ficha de dados sociodemográficos

A ficha sociodemográfica foi utilizada para a obtenção de dados gerais sobre a mãe e a criança, como idade, escolaridade, estado civil, endereço, cidade natal e cidade onde residem atualmente, número de irmãos, relacionamentos amorosos da mãe, que geraram ou não filhos, e condições socioeconômicas.

Inventário de Depressão de Beck (BDI)

O BDI foi criado por Beck e Steer (1993). No Brasil, foi validado por Cunha (2001). O tempo de aplicação é, em média, de 5 a 10 minutos. Para quantificação de sintomatologia depressiva, são considerados: de 0-11 - sintomas mínimos/ausentes; 12-19 - sintomas leves; 20-35 - sintomas moderados; 36-63 - sintomas graves. Para triagem depressão/não depressão, em população geral (sem diagnóstico prévio), 0-19 - ausência de depressão; 20-63 - presença de depressão. Ou seja, no BDI, quanto mais alta a pontuação atribuída, mais problemática a situação da pessoa no item que está sendo investigado (Paranhos, 2009). Neste estudo foi utilizada a versão adaptada e padronizada à população brasileira (Gorenstein, Yuan-Pang, Argimon, & Werlang, 2011).

Child Behavior Checklist (CBCL)

O CBCL é um Inventário de Comportamentos na Infância e Adolescência (Achenbach, 1991). É utilizado para investigar manifestações clínicas na infância e na adolescência, sendo um instrumento validado internacionalmente. O CBCL, no Brasil, foi validado por Bordin, Mari e Caeiro (1995). O inventário avalia a Competência Social e os Problemas de Comportamento, sendo composto de 138 itens, destinados aos pais e mães ou cuidadores da criança ou adolescente, para que forneçam dados referentes aos mesmos. O CBCL possui oito escalas de síndromes, retraimento, queixas somáticas, ansiedade/depressão, problemas sociais, problemas do pensamento, problemas de atenção, problemas sexuais, comportamento de quebrar regras e comportamento agressivo. A criança é classificada como Clínica (escore maior ou igual a 70) e Limítrofe (escore de 63 a 69).

MacArthur Story Stem Battery - MSSB

O MSSB é um método que utiliza narrativas para estudar áreas que abrangem tanto o desenvolvimento moral quanto a expressividade emocional, o comportamento pró-social, a representação parental, a agressividade, o controle, o temperamento, a natureza dos processos defensivos, a regulação emocional e as estratégias de resolução de conflitos (Emde et al., 2003). Em contato pessoal com um dos autores do instrumento, foi obtido o consentimento para uso das narrativas, bem como do manual de correção MacArthur Narrative Coding Manual, de Robinson, Mantz-Simmons, MacFie, Kelsay e Holmberg (2007). O manual apresenta seis categorias de avaliação: o conteúdo dos temas, incluindo avaliação de conflitos interpessoais, da relação empática, de agressão e de temas morais; os códigos emocionais das narrativas em que a avaliação abrange temas de perigo, segurança, destruição de objetos, o poder da criança, a reação, a separação, a esperança, a incoerência emocional, a primeira reação e o conteúdo final das narrativas; a codificação das representações parentais, buscando investigar a representação da criança a respeito dos pais, em categorias que são: triangulação, disciplina e controle, representação positiva (proteção, afeto, cuidado e ajuda) e representação negativa (punição, rejeição e ineficácia); os códigos de performance, que avaliam o controle, a raiva, a alegria, a angústia, o interesse, a tristeza, o comportamento, até aspectos da coerência narrativa e estilo de performance; as estratégias de evitação, que apresentam escalas avaliativas como: de exclusão, repetição, negação e ruptura familiar; os códigos de dissociação, que avaliam a fuga de assunto doloroso, identificação com agressor, propensão a fantasia, distração, absorção e material traumático. Alguns itens são avaliados em presentes (1) e ausentes (0), e outros itens são avaliados a partir de codificações numéricas que vão de 0 a 10.

Procedimentos de coleta de dados

Os participantes foram selecionados por conveniência, a partir do contato com psicólogas da área da saúde pública no Estado do Rio Grande do Sul, os quais encaminharam as mães com diagnóstico de Transtorno Depressivo, avaliadas e diagnosticadas pela equipe técnica do local, conforme o CID-10 (Organização Mundial da Saúde, 1993). Posteriormente, fez-se contato telefônico com as possíveis participantes, avaliando a disponibilidade de participação na pesquisa. Os encontros foram agendados em consultórios de psicologia de três municípios da região norte do Estado. No primeiro contato, a pesquisadora esclareceu os objetivos da pesquisa, bem como as dúvidas das participantes, e, posteriormente, as mesmas assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Procedimentos de análise de dados

A análise e a interpretação dos dados no estudo de caso envolveram uma descrição detalhada dos indivíduos, bem como uma busca por sentido dos dados encontrados, aprofundando o processo de compreensão e realizando uma interpretação dos dados coletados (Creswell, 2010). Assim, após a aplicação dos instrumentos, os dados brutos, como as entrevistas e histórias do MSSB, foram transcritos e organizados. Os dados coletados através dos instrumentos BDI e MSSB foram interpretados e analisados com base nas instruções de cada manual, já descritos nos instrumentos da pesquisa. Já o CBCL foi analisado a partir do software de avaliação do programa. A correção dos instrumentos foi supervisionada por uma psicóloga com experiência clínica, para a fidedignidade do material. Posteriormente, foi realizada uma exploração aprofundada de cada caso, identificando-se aspectos relevantes quanto à história de vida da mãe e da criança e a história clínica da mãe, como também foram explorados os resultados de cada instrumento separadamente, para posterior integração e interpretação de cada caso, com base na teoria psicanalítica. Após a análise individual de cada caso, utilizou-se a técnica proposta por Yin (2010), Síntese dos Casos Cruzados, analisando-se conteúdos coincidentes e divergentes.

Procedimentos éticos

O trabalho atendeu às exigências éticas contempladas na resolução para pesquisas com seres humanos, segundo a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde e CFP 016/2000. Dessa forma, a pesquisa se iniciou com a aprovação do Comitê de Ética (CEP 12/005) em Pesquisa da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, RS, Brasil. Os participantes concordaram com a pesquisa, mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, no qual estavam claros os objetivos da pesquisa, bem como as questões éticas inerentes a ela.

 

Resultados

Caso 1 - Rosângela e seu filho Rafael

Rosângela tem 45 anos e está em uma união estável há 27 anos, com uma prole de cinco filhos. Embora todos os filhos sejam registrados pelo marido, dois deles não são filhos biológicos do mesmo, sendo esse um segredo que ela guarda consigo. Na primeira infância Rosângela morou com a avó materna. Na adolescência ajudava a família financeiramente e, mais tarde, fugiu de casa e se prostituiu. Trabalhou em uma casa de família, engravidou aos 18 anos e casou com o filho dos patrões. Rosângela sempre se sentiu triste, mas teve o diagnóstico de depressão há seis anos, devido a problemas no trabalho. Ela foi internada em hospital psiquiátrico seis vezes e fez várias tentativas de suicídio. Rosângela apresentou Depressão Grave na avaliação do BDI.

Rafael tinha 3 anos de idade quando Rosângela foi diagnosticada com depressão; portanto, o menino vivenciou as dificuldades maternas já nos anos iniciais de desenvolvimento. A gestação de Rafael não foi esperada, nem mesmo desejada, e Rosângela tinha dificuldade de cuidar do filho. Descreve Rafael como um menino normal, muito carinhoso, que "gosta de brincar, correr", inteligente na escola, não tem preguiça, acorda cedo e arruma a cama, diferente de todos os outros filhos. Rafael dorme até hoje junto com a mãe.

Na avaliação das manifestações clínicas na infância, utilizando o CBCL (Achenbach, 1991), Rafael obteve resultado clínico para sintomas de internalização e externalização, apresentando comportamento agressivo, problemas somáticos e comportamento opositor e desafiador.

Por sua vez, as narrativas de Rafael no MSSB retrataram um contexto de conflito, pois suas histórias incluíam xingamentos verbais na família, exigências de comportamento obediente e sentimentos de culpa frente a suas ações. A representação materna foi de uma figura disciplinadora, negativa e ineficaz. Frente a conflitos, houve presença de indicadores de psicopatologia na regulação emocional do menino, com prevalência de abstrações fantasiosas e com características dissociativas, em função da dificuldade na elaboração e enfrentamento de situações geradoras de angústia. Também ocorreram narrativas associadas ao Poder da Criança, em que ele tenta resolver um problema que seria de responsabilidade de um adulto.

Com base nesses aspectos, pode-se entender que o vínculo da criança com a mãe apresenta-se instável e marcado por ansiedade. Essas questões podem refletir a própria dificuldade materna em reconhecer e atender às demandas do filho. Por exemplo: mesmo frente à angústia e às condutas agressivas do filho, Rosângela o descreve como uma criança sem problemas, o que não condiz com a imagem real do menino. Nesse sentido, na entrevista ela valoriza os aspectos de obediência do menino, "ele arruma a cama", indicando ser rígida com o filho, essencialmente preocupada com as questões disciplinares, em menosprezo às questões afetivas.

Caso 2 - Mônica e seu filho Marcos

A história familiar de Marcos é marcada por muitas situações de risco, que incluem desde doença crônica na família, gravidez na adolescência da mãe, situação socioeconômica difícil, falta de apoio emocional e de suporte da figura paterna, bem como do grupo social e familiar. Mônica tem 31 anos de idade, é solteira e tem três filhos. Sempre teve vários problemas de saúde, por isso está aposentada por invalidez. Ao longo dos anos, já se sentia deprimida, mas seu quadro se agravou após um incêndio em sua casa, quando se diagnosticou o Transtorno Depressivo. Refere que seus sintomas são irritabilidade, nervosismo, tristeza e raiva.

A gestação de Marcos, de 10 anos, não foi programada. Mônica ficou muito feliz com a notícia, mas o pai não participou da gestação nem é presente na vida do menino. Desde seu nascimento, Marcos convive com os sintomas depressivos da mãe. Na escola, repetiu o ano e teve dificuldade no relacionamento com os colegas. Em consulta com um neurologista, o menino foi diagnosticado como hiperativo. A percepção de Mônica sobre Marcos é que ele é um menino generoso, querido e que tem boa aprendizagem na escola.

Em síntese, a história de vida de Mônica está marcada por muitas dificuldades, que a deprimiram e que hoje limitam seu papel como mãe, pois se mostra muito irritada no trato com os filhos. Mônica não teve suporte familiar e orientação durante a infância e adolescência, seus relacionamentos amorosos foram conturbados e rápidos, então relata uma história solitária e triste, com muitos fatores estressores. Na avaliação do BDI, ela apresentou sintomas correspondentes à categoria depressiva grave.

Marcos, por sua vez, apresentou manifestações clínicas no CBCL com sintomas como sentimento deprimido, problemas afetivos e comportamento agressivo. A introversão e o humor deprimido do menino foram também manifestados no MSSB, bem como angústia e dificuldade em nomear e expressar seus sentimentos, fatores que demonstram um sofrimento psíquico que não é percebido pela mãe.

Nas narrativas, a mãe é representada predominantemente como disciplinadora, em temas de conflitos interpessoais que envolvem obediência e punição. Dessa forma, ela não é percebida como figura protetora, nem mesmo afetiva. Os temas envolvem situações de obediência e conflitos verbais, como também morais, incluindo punição e disciplina, demonstrando um contexto de vida e funcionamento familiar focado na disciplina dos filhos. Além disso, na construção da narrativa, o que envolve criatividade e imaginação ou organização e coerência foi prejudicado. Essas dificuldades de Marcos também são evidenciadas na escola, devido à sua repetência e outras questões escolares. Assim, pode-se evidenciar que Marcos não tem o suporte necessário da figura materna, nem da paterna, para a resolução de seus conflitos e mostra-se solitário em meio à rotina disciplinar e se deprime. Ele demonstra sua raiva e sofrimento de forma impulsiva e agressiva na escola. Assim, o comportamento social do menino está comprometido, evidenciando dificuldade no relacionamento interpessoal.

Caso 3 - Gisele e seu filho Gustavo

O caso de Gustavo é marcado por muitos fatores estressores, como violência doméstica, alcoolismo e dificuldades socioeconômicas na família. Gisele tem 25 anos, estudou até a 7º série do Ensino Fundamental, é casada e tem um filho, Gustavo, de 7 anos. Ela refere que passou a vida deprimida. Seu pai era alcoólatra e agredia sua mãe. Gisele fumava na infância, como também trabalhava como faxineira para ajudar financeiramente a família. Na adolescência, casou e engravidou. Seu marido também é alcoólatra. Durante a primeira gestação, foi agredida pelo marido e perdeu o bebê. Depois dessa perda, Gisele ficou deprimida, teve problemas com alcoolismo e duas tentativas de suicídio. Nesse período foi internada e recebeu o diagnóstico de Transtorno Depressivo. Os resultados do BDI indicaram sintomas correspondentes à categoria depressiva grave.

Quando Gisele engravidou de Gustavo, necessitou fazer repouso. Ela ficou deprimida, sentia muito medo de perder a criança, como perdera seu outro filho; assim, as dificuldades maternas foram vivenciadas por Gustavo desde a primeira infância. Gisele se ligou muito ao menino e o amamentou até os 5 anos de idade. Caracteriza Gustavo como um menino inteligente, meigo, obediente, "perfeito" e que tem bom aprendizado. Sobre o processo de escolarização, ele evidenciou muitas dificuldades na adaptação escolar por ser muito tímido; os colegas também batiam nele e roubavam seu lanche.

Em síntese, no caso de Gustavo observa-se que as dificuldades maternas associam-se a uma história de vida marcada pela violência familiar e perdas que geraram um quadro depressivo grave (BDI). Gustavo, da mesma forma, manifestou sintomas de internalização que envolvem depressão e angústia.

As narrativas de Gustavo revelam uma situação familiar em que o menino se mostra solitário e com pouco suporte emocional para resolver conflitos comuns que acontecem na infância, como dificuldades na escola. A figura materna foi representada como disciplinadora, negativa e ineficaz, pois não consegue estar presente e ajudar a criança em suas dificuldades e necessidades. Esses episódios evidenciaram sentimentos de desamparo, solidão e carência do menino. A representação de uma mãe afetiva, com momentos de carinho e atenção, foi pouco relatada nas narrativas. Ocorreram também narrativas com episódios associados ao Poder da Criança, quando ele tenta resolver problemas que são da responsabilidade de um adulto; o adulto não assume a resolução desses problemas. Finalmente, nas narrativas de Gustavo houve elementos dissociativos. Nesse caso, ele utilizou a propensão à fantasia, o que demonstra dificuldade em lidar com o conflito ou tema expresso na história, indicando sofrimento psíquico e desorganização do ego.

 

Discussão

As relações estabelecidas entre a mãe e a criança constituem uma temática amplamente discutida na psicologia do desenvolvimento e clínica, áreas em que os cuidados nos primeiros tempos de vida são percebidos como essenciais para o desenvolvimento físico, cognitivo e emocional da criança. Nesse caso, manifestações de psicopatologia são entendidas, em parte, como derivadas das relações primárias, associando-se a psicopatologia infantil a características do funcionamento psíquico materno (Barbieri et al., 2005; Mills, 2004; Pegoraro & Caldana, 2008).

Diversas pesquisas têm indicado que a depressão materna é um fator de risco para a psicopatologia infantil. Entretanto, ainda que a presença de sintomatologia materna não se constitua necessariamente como um determinante exclusivo de psicopatologia na infância, identificar e compreender a dinâmica do vínculo formado nos casos de patologia parental é uma tarefa essencial para o trabalho clínico e para a prevenção.

No presente estudo, focalizamos o interesse no entendimento das representações maternas sob a perspectiva da criança, nos casos de mães com diagnóstico de Transtorno Depressivo. Assim, tentou-se identificar tanto os elementos associados às características de vida e aspectos intrapsíquicos das próprias mães quanto aqueles expressos pelas crianças em relação à representação materna. Dessa maneira, no que tange às crianças, procurou-se identificar a presença de manifestações clínicas, bem como compreender os processos representacionais ligados às verbalizações temáticas identificadas nas narrativas e as estratégias de resolução de conflitos.

Como um todo, eventos traumáticos, conflitos familiares importantes e vínculos instáveis marcaram as histórias de vida das mães investigadas. Essas situações foram exemplificadas em casos de gravidez na adolescência, violência familiar, problemas conjugais, luto e dificuldades socioeconômicas. Além dessas vivências, as mães apresentavam quadros depressivos importantes no nível clínico, que comprometiam a capacidade relacional, sendo que as características de dificuldades no estabelecimento de relacionamentos estáveis estavam presentes em todos os casos.

Considerando o grupo de crianças deste estudo, observou-se que todas apresentaram diagnóstico clínico de internalização, sendo que duas delas também estavam na faixa clínica de comportamentos de externalização. Além disso, dificuldades no comportamento social manifestaram-se em todo o grupo. Em termos de desempenho escolar, porém, somente uma delas estava apresentando problemas de aprendizagem.

Conforme apresentado, as narrativas infantis, através do instrumento MSSB, permitem o estudo das representações maternas, dos conflitos familiares, da culpa, dos medos, da ansiedade, da regulação emocional e das reações diante da não satisfação dos desejos. No caso do presente trabalho, verificou-se que a representação das mães era de figuras predominantemente disciplinadoras, preocupadas com as questões morais e a educação dos filhos. E, apesar de presentes em algumas histórias, as expressões de afeto eram raramente representadas, o que demonstra pouca afetividade na relação mãe e filho. Ainda foram representadas mães negativas - ineficazes, aquelas que não conseguem dar suporte aos filhos quando solicitadas.

Os estudos de Belden, Sullivan e Luby (2007) corroboram os achados deste estudo, em que também foram encontradas representações negativas e disciplinadoras nas narrativas do MSSB das crianças que tinham mães com depressão grave. Esse tipo de representação foi associado ainda a um comportamento materno que não trazia suporte à criança e que demonstrava pouca afetividade.

Conforme Toth, Rogosch, Sturge-Apple e Cicchetti (2009), o cuidado estabelecido por mães depressivas caracteriza-se por práticas punitivas e de pouca participação e interesse na criança. Esse aspecto é eliciador de representações negativas por parte da criança, afetando da mesma forma a qualidade do apego estabelecido, que se caracteriza por um padrão ansioso de vinculação.

Representações negativas da mãe também foram identificadas em casos de violência doméstica, maus-tratos e institucionalização. Observou-se que a representação negativa relacionou-se à qualidade da interação e vinculação dos pais com os filhos. Grych, Wachsmuth-Schlaefer e Klockow (2002), também no âmbito violência doméstica, encontraram crianças com representações menos positivas da mãe e mais conflitos interpessoais, bem como o estudo de Page e Bretherton (2003) observou que as crianças com uma representação mais violenta da mãe apresentavam mais problemas sociais e menos competência social que crianças com uma representação positiva da mãe.

Essas situações apontam que as crianças constroem representações que estão ligadas à estrutura psíquica da mãe e às experiências que elas têm com a mesma (Waniel et al., 2006). Dessa forma, levando em conta o aspecto temático nas narrativas das crianças, neste estudo, ou seja, como as crianças representaram o contexto geral do enredo, vimos que temáticas conflitivas e associadas à punição prevaleceram. Warren (2003b), em uma síntese sobre estudos, utilizando-se do MSSB em crianças em situações de risco para saúde mental, apontou que crianças com comportamento de internalização representam nas narrativas relacionamentos entre pais-filhos conflitivos e, principalmente, pais com condutas restritivas. A criança, por sua vez, é retratada como incompetente frente ao conflito, apresentando muita ansiedade. A figura materna é descrita como não solícita, não oferecendo soluções para os conflitos infantis.

Na perspectiva da criança, essas dificuldades se manifestam em problemas na capacidade de regulação emocional. Oppenheim (2003) sugere que a regulação emocional está relacionada ao funcionamento emocional e comportamental das crianças e às dificuldades psicológicas dos pais. Dessa forma, a dificuldade de resolução emocional foi associada com problemas comportamentais e emocionais parentais.

No presente estudo, uma das formas encontradas pelas crianças de resolução frente à angústia provocada pela temática das narrativas e à indisponibilidade de figuras benevolentes era de finalizar o conflito com um final feliz, ainda que comprometendo a coerência e a lógica do relato. Todas as narrativas das crianças estudadas tinham o conteúdo final positivo. Entretanto, essa finalização era incoerente com o conteúdo anterior da história (negativo). A utilização desse recurso tem o objetivo de gerar alívio dos temas conflitantes.

Esse mesmo tipo de finalização da história também foi encontrado em estudos com crianças em situação de violência ou de institucionalização. Por exemplo, em um estudo comparativo de crianças vítimas de maus-tratos e não vítimas, houve uma diferença particularmente interessante entre os grupos, que foi a mudança de bom para mau (Hodges, Steele, Hillman,  Henderson, & Kaniuk, 2003). Ou seja, a criança maltratada mostra um personagem representado inicialmente como bom, mudando para mau, ou vice-versa, dentro da mesma narrativa e sem qualquer razão racional aparente para a mudança (Hodges, Steele, Hillman, & Henderson, 2003) indicando incoerência narrativa.

Nas crianças negligenciadas, institucionalizadas e que sofreram violência familiar, também foram observadas histórias desorganizadas e incoerentes (Hodges, Steele, Hillman, Henderson, & Kaniuk, 2003; Grych et al., 2002) e menos habilidades verbais (Torres, Maia, Veríssimo, Fernandes, & Silva 2012). Ainda, em outros trabalhos, foram encontradas correlações entre histórias incoerentes e problemas de comportamento em crianças pré-escolares (Von Klitzing, Kelsay, Emde, Robinson, & Schmitz, 2000).

As crianças da pesquisa utilizaram estratégias de esquiva e códigos de dissociação nas histórias do MSSB. A presença desses elementos revela que elas estão em sofrimento e não conseguem suportar os temas e os sentimentos conflitantes. Como consequência, a criança utiliza recursos secundários de restauração do ego e do laço objetal, que está internamente desorganizado e não está sendo regido pelo princípio da realidade. Dessa forma, quanto maiores forem as dificuldades no relacionamento parental, bem como a exposição a fatores de risco, mais estratégias de esquiva e sinais de dissociação são utilizados pelas crianças (Grych et al., 2002; Macfie, Cicchetti, & Toth, 2001).

Nesse contexto, é possível observar que o quadro depressivo da mãe reflete-se na interação da mesma com o filho(a), bem como na sua capacidade de reconhecer e atender às suas necessidades. Essa dificuldade acabou gerando, nas narrativas das crianças estudadas, a presença do Poder da Criança, situação em que ela tenta resolver um problema que seria de responsabilidade de um adulto. Isso porque o adulto não assume a responsabilidade dessas ações, e, assim, a criança desempenha seu papel. Estudo similar, em casos de crianças maltratadas, também apresentou o poder da criança nas narrativas infantis (Macfie et al., 1999).

Muitos estudos têm relacionado a saúde materna com as dificuldade infantis em diferentes diagnósticos maternos, como no Transtorno de Personalidade Borderline (Macfie & Swan, 2009), na Depressão (Mendes et al., 2008) e no Transtorno Bipolar (Petresco et al., 2009). Dessa maneira, com base em todos os dados obtidos, é possível compreender a importância das situações clínicas da mãe para a organização da capacidade emocional na criança, bem como para a representação materna e para o estabelecimento de relacionamentos estáveis. Principalmente, a interação mãe-criança mostra-se comprometida diante da instabilidade e da ansiedade que marcam tal interação.

Embora este estudo não tenha o objetivo de buscar correlação entre a psicopatologia materna e as dificuldades clínicas da criança, é importante salientar a condição emocional da mãe para o entendimento das questões emocionais da criança, bem como para a elaboração de estratégias de intervenção clínica e de programas de saúde com propósito preventivo. Portanto, mesmo que neste trabalho a análise do funcionamento psíquico das crianças e mães tenha se limitado às características da representação materna e ao quadro depressivo da mãe, os resultados encontrados permitem levantar algumas hipóteses acerca da relação entre mãe-criança e da experiência da criança com a depressão materna com base na representação construída.

Nesse sentido, o quadro de depressão materna com sintomatologia importante, fatores de risco e a experiência da interação das crianças no contexto familiar influenciam a forma como elas interpretam a realidade e constroem as representações dessas vivências. Nesta pesquisa, as representações maternas foram negativas e disciplinadoras, e as crianças manifestaram problemas de ordem afetiva, comportamental e social, indicando uma vulnerabilidade emocional e a necessidade de intervenções psicoterápicas em contexto clínico.

Finalmente, alguns aspectos relativos aos resultados deste trabalho necessitam ser mencionados. A vivência depressiva das mães participantes da pesquisa estava ligada a um contexto em que prevaleciam muitas situações traumáticas que, certamente, estavam também associadas à manifestação dos quadros clínicos maternos. Nesse caso, reconhece-se que comorbidades também podem ter influenciado a interação mãe-filho. Outro aspecto refere-se ao delineamento de estudos de casos que, ao mesmo tempo em que oferecem uma compreensão aprofundada do fenômeno investigado, apresentam limitação em sua generalização.

Ainda assim, levando em conta todas as dimensões envolvidas na depressão materna, para além do enfoque clínico, é possível identificar que muitas formas de apoio e cuidado podem ser desenvolvidas a fim de prevenir o impacto negativo no desenvolvimento infantil. Nesse caso, os profissionais, frente à patologia materna, podem, de imediato, atuar no sentido de promover formas de apoio à mãe e cuidado alternativo, a fim de auxiliar e evitar possíveis danos emocionais às crianças.

 

Considerações finais

A representação mental é um fenômeno complexo, principalmente como processo psíquico que se dá em meio a situações de depressão materna, violência familiar e dificuldades socioeconômicas. Até o momento, são poucos os estudos que apresentam o objetivo de investigar a representação materna em crianças que têm mães com depressão, visando compreender esse processo em sua complexidade. Nesse sentido, a contribuição deste trabalho centrou-se no objetivo de identificar as representações maternas sob a perspectiva das crianças cujas mães têm diagnóstico de Transtorno Depressivo recorrente moderado ou grave.

Nos três casos investigados, verificou-se a presença de quadros depressivos graves nas histórias maternas, associados a vivências traumáticas ao longo de suas trajetórias de vida. Por sua vez, as narrativas infantis incluíram representações maternas associadas a figuras predominantemente disciplinadoras, preocupadas com as questões morais e a educação dos filhos. Além disso, as figuras maternas foram representadas como negativas e ineficazes frente a solicitações de suporte dos filhos e também menos engajadas em interações afetivas. Por último, a avaliação das crianças apontou para a presença de manifestações de problemas de ordem afetiva, comportamental e social.

Dessa forma, a identificação da necessidade de intervenções precoces nos casos de psicopatologia materna, focalizando principalmente a interação mãe-criança, é uma das importantes contribuições deste trabalho. Nesse sentido, para além de uma perspectiva de responsabilização materna, estudos sobre as representações infantis também se mostram relevantes no que tange a possibilidades na criação de intervenções psicoterapêuticas adequadas, bem como de programas e práticas públicas que visem à prevenção da psicopatologia infantil.

Assim, considerando a importância de instrumentos que possam auxiliar pesquisadores e profissionais, em suas atividades clínicas, a compreender as representações parentais infantis, apresentou-se o MacArthur Story Stem Battery (MSSB) como um instrumento que permite identificar esses propósitos. Ainda assim, é importante o desenvolvimento de novos estudos, investigando diferentes psicopatologias parentais e suas representações infantis, com caráter quantitativo, bem como de estudos longitudinais, que seriam fundamentais para a ampliação da compreensão das representações infantis acerca das figuras parentais em diferentes contextos.

 

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Endereços para correspondência:
Paula Casagranda Mesquita
paula.cmesquita@yahoo.com.br
Sílvia Pereira da Cruz Benetti
sbenetti@unisinos.br

Submetido em: 20/11/2013
Revisto em: 11/04/2014
Aceito em: 26/04/2014