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Arquivos Brasileiros de Psicologia

On-line version ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. vol.67 no.2 Rio de Janeiro  2015

 

ARTIGOS

 

Exploração sexual e rede de proteção na perspectiva da vítima

 

Sexual Exploitation and Safety Network from the Victim's Perspective

 

Explotación sexual y red de protección desde la perspectiva de la víctima

 

 

Luciana Barbosa da Silva VegaI; Simone dos Santos PaludoII

IDoutoranda. Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental. Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Rio Grande. Estado do Rio Grande do Sul. Brasil
IIDocente. Instituto de Ciências Humanas e da Informação. Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Rio Grande. Estado do Rio Grande do Sul. Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O estudo teve como objetivo compreender a percepção da vítima de exploração sexual sobre a violação propriamente dita e o seu conhecimento, acesso e avaliação da rede de proteção existente. Participaram cinco meninas na faixa etária de 11 a 17 anos vítimas de exploração sexual. Entrevistas semiestruturadas foram realizadas com as participantes, e os dados foram submetidos à análise qualitativa. Dentre os principais resultados, foi evidenciado que as vítimas não percebem a condição de violação, fato que favorece a manutenção e perpetuação da exploração. A rede de proteção é desconhecida para as vítimas: mesmo já tendo sido acolhidas por diferentes serviços, não reconhecem seus papéis. O estudo evidenciou que a exploração sexual de crianças e adolescentes é uma realidade que se mantém silenciosa e velada, desafiando os serviços que compõem a rede de proteção e exigindo uma reflexão sob sua forma de ação/articulação no enfrentamento dessa violência.

Palavras-chave: Exploração sexual; Adolescentes; Redes de proteção.


ABSTRACT

The purpose of this study was to understand the perception of the victim of sexual exploitation on the violation itself and her knowledge, access and evaluation of the existing safety network. The participants were five girls aged 11 to 17, all victims of sexual exploitation. We conducted semi-structured interviews with the participants and we performed qualitative analysis on the data. Among the main results, we observed that the victims do not realize their condition of violation, a fact that favors the preservation and perpetuity of exploitation. The safety network is unknown to the victims: even though they had attended different services, they did not recognize their roles. The study showed that sexual exploitation of children and adolescents is a silent and hidden reality that challenges the services that form the safety network, thus, requiring a reflection on how they act and articulate when confronting this violence.

Keywords: Sexual Exploitation; Adolescent; Safety Network.


RESUMEN

El objetivo de este estudio fue comprender la percepción de la víctima de explotación sexual sobre la violación en sí y su conocimiento, acceso y evaluación de la red de seguridad existente. Los participantes fueron cinco niñas de 11 a 17 años víctimas de la explotación sexual. Los resultados obtenidos a través de entrevistas fueron sometidos a análisis cualitativo. Los principales resultados mostraron que las víctimas no se dan cuenta de la condición de violación, un hecho que favorece el mantenimiento y la perpetuación de la explotación. La red de seguridad y la red de atención son desconocidas para la víctima, que no reconoce las tareas de estos servicios, a pesar de haber recibido atención. El estudio mostró que la explotación sexual de niños y adolescentes es una realidad que se mantiene en silencio, que desafía a los servicios que componen la red de seguridad y la red de atención y que necesita planificar las formas de actuación y combate a esta violación.

Palabras clave: Explotación sexual; Adolescentes; Red de protección.


 

 

A exploração sexual de crianças e adolescentes (ESCA) representa uma das piores formas de violação humana, definida como a prática que envolve dinheiro, presentes ou favores e que visa à compra e venda do uso do corpo de crianças e adolescentes, promovendo uma relação desigual de poder que retrata o controle e a violência que se instalam na vida das vítimas (E. Faleiros, 2000; Libório, 2005; Serpa, 2010). Contudo, nem sempre é identificada dessa forma pelas vítimas, pela rede de apoio social e pela própria sociedade. Compreender o que as meninas exploradas sexualmente pensam sobre a exploração e sobre a rede de proteção existente é o foco deste estudo.

Definir a exploração sexual tem sido uma árdua tarefa, inclusive para a área acadêmica. Leal (1999) elencou quatro diferentes formas de exploração sexual: a pornografia, o tráfico para fins sexuais, o turismo sexual e a prostituição na infância e na adolescência. Essas manifestações têm sido corroboradas pela literatura (Libório, 2005; Oliveira & Marcon, 2005). No entanto, para Libório (2004), "as quatro modalidades de exploração sexual encontram-se inter-relacionadas, e influenciam-se mutuamente, formando, às vezes, um círculo vicioso difícil de ser quebrado" (p. 24). Os autores sugerem que, mesmo havendo a incidência das quatro modalidades, em cada região do país, o fenômeno segue um movimento dinâmico, devido à situação econômica, política, cultural e social que acaba refletida nas peculiaridades de cada localidade.

Mais recentemente, tais nomeações vêm sendo debatidas. O termo prostituição (a comercialização da prática sexual com crianças e adolescentes visando a fins lucrativos) tem gerado forte debate, uma vez que traz em seu escopo uma escolha por um mercado de trabalho, descaracterizando a relação de violência e de poder exercida pelo adulto (Cerqueira-Santos, Morais, Moura, & Koller, 2008; E. Faleiros, 2000). A literatura aponta para uma leitura equivocada, por parte da sociedade, em que crianças e adolescentes exploradas sexualmente são rotuladas/percebidas como ativas, atendendo a uma demanda de mercado, revelando uma percepção ainda repleta de estigma, preconceito e machismo (V. Faleiros, 2004). Afirmar a possibilidade de livre escolha ou de consentimento para quem não teve garantidos seus direitos básicos, como a sobrevivência, dignidade, inclusão social e cidadania, é outra forma de violência.

Pesquisadores têm pontuado que nesse contexto crianças e adolescentes são prostituídos, violados e explorados em diferentes esferas, seja sexual, seja econômica, como também na emocional (Alberto, Silva, Gomes, Araújo, & Oliveira, 2009; E. Faleiros, 2004; V. Faleiros, 2004). O termo turismo sexual também tem recebido destaque nos últimos anos (Silva & Ávila, 2010). A terminologia, que até então era amplamente utilizada, sugeria que o mercado do sexo poderia ser uma forma possível de turismo. Para evitar distorções, a Organização Mundial do Turismo publicou em 1999 o Código de Ética Mundial do Turismo (1999), que estabelece que as situações de exploração sexual praticadas por aqueles que viajam dentro ou fora do país vão contra todos os objetivos do turismo. Dessa forma, o termo recomendado é exploração sexual no contexto do turismo, ao invés de turismo sexual.

Assim, ao investigar a exploração sexual de crianças e adolescentes, remetendo às modalidades referentes a esse fenômeno complexo e dinâmico, é preciso atentar e problematizar para além das classificações tradicionais. A ESCA deve ser visualizada em sua dinamicidade, atravessada por diferentes fatores (econômicos, políticos, culturais e sociais) e por diferentes atores envolvidos (vítimas, aliciadores, usuários, agentes de proteção). Essas questões são amplamente discutidas por Kaye (2008), ao debater dois importantes trabalhos de Heather Montgmorey e de Julia Davidson. O autor sugere que Montgmorey (2001, citado por Kaye, 2008) já atentava para a necessidade de problematizar a exploração sexual de crianças ao apresentar um estudo etnográfico pioneiro realizado na Tailândia. De acordo com Kaye (2008), a autora conseguiu acessar, durante quinze meses, diversas vítimas e pôde examinar a construção social atentando para os estereótipos existentes quando a análise é descolada da cultura. O autor sugere que o estudo de Davidson (2005, citado por Kaye, 2008) amplia essa discussão, ao questionar as concepções ocidentais relativas à exploração, que muitas vezes não dão conta dos aspectos sociais, políticos, culturais e econômicos existentes nas comunidades em que as situações de exploração acontecem. Dessa forma, evidencia-se a necessidade de atentar para a exploração sexual como um fenômeno complexo, permeado por diferentes fatores.

 

Exploração sexual e suas interlocuções com risco e proteção

A exploração sexual se estrutura nos pilares da criminalidade, na vulnerabilidade socioeconômica, nas drogas, no desejo de consumo e nas falhas do poder público (Cerqueira-Santos, 2009; Libório, 2004; Mello & Francischini, 2010; Serpa, 2010). Muitas vezes é incitada pela própria família, gerando sentimentos de desamparo, sofrimento e humilhação nas vítimas, situações incompatíveis com o ambiente que necessariamente deveria proteger e garantir direitos e dignidade (Faleiros, 2000). Assim, quando uma criança ou um adolescente se encontram destituídos de proteção às suas necessidades essenciais, outros processos de desamparo social, afetivo e material podem ser potencializados (Libório, 2005). E. Faleiros (2000) já afirmava que a rede envolvida com a exploração, inclusive a família aliciadora, centra-se na exploração do lucro comercial e financeiro que o corpo da criança e do adolescente pode oferecer. No entanto, Oliveira e Marcon (2005) apontam outras redes que também exploram o lucro através do corpo infantil e juvenil, como, por exemplo, bares que servem para concentração de meninos e meninas em busca de clientes, motéis que permitem programas, boates que incentivam tal prática e, ainda, taxistas que funcionam como intermediários nesse esquema de exploração. Machado (2006) evidencia que essa rede ilegal existente em torno da exploração intimida a comunidade a revelar a violência sexual. Além disso, a autora sugere que os fatores sociais, econômicos, históricos e geográficos sustentam costumes sexuais arcaicos.

No outro lado da exploração sexual de crianças e adolescentes estão as redes de proteção, legitimadas pelos diferentes instrumentos existentes no país, como, por exemplo, a Constituição Federal de 1988 (1988), o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei nº 8.069, 1990), promulgado em 1990, o Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes (Brasil, 2002) e a Lei nº 12.015 (2009). Tais documentos sugerem aos governos, às comunidades e à sociedade metas e planos de ações efetivas para a prevenção, o atendimento e o combate dessa violência e para isso convocam diferentes esferas, tais como Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, Conselho Tutelar, Juizado da Infância e Juventude, Promotoria, Delegacia, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Instituições e Programas Governamentais e Não Governamentais, Lideranças Comunitárias e/ou Agentes Comunitários de Saúde, Lideranças de Movimentos Sociais. De acordo com Motti, Contini e Amorim (2008), todos esses serviços e instituições devem atuar de forma articulada e conjunta para garantir a proteção integral da criança e do adolescente. Para lidar com a complexidade do fenômeno ESCA, as redes precisam ter profissionais capacitados e preparados para um atendimento de qualidade, permeado por princípios éticos e políticos que mobilizem ações de luta e garantam qualidade de vida às crianças e adolescentes vítimas da exploração sexual.

Nesse sentido, faz-se necessário avaliar como as redes estão sendo percebidas pela vítima de exploração sexual. Será que todo o aparato legal que subsidia a rede protetiva, ao contemplar dispositivos, ações e intervenções em prol do enfrentamento à exploração sexual de crianças, é percebido pela vítima? Qual a relação que a vítima estabelece com a rede de exploração? Será que os meninos e meninas em situação de exploração compreendem a complexidade da violência sofrida? Essas são algumas questões que necessitam de resposta. Por esse motivo, o presente estudo buscou investigar a percepção da vítima de exploração sexual sobre a violação propriamente dita e o seu conhecimento, acesso e avaliação da rede de proteção existente.

 

Método

Delineamento

Trata-se de um estudo exploratório de caráter qualitativo. Esse método foi escolhido por explorar aspectos de uma situação ainda pouco conhecida; nesse caso, a voz das vítimas de exploração sexual.

Procedimentos para a seleção da amostra

Para acessar as crianças e adolescentes em situação de exploração sexual, foram acionados diferentes serviços da rede de proteção, dentre eles o Centro de Referência Especializado em Assistência Social (CREAS), o Conselho Tutelar, as casas de acolhimento institucional, organizações governamentais e não governamentais. Tais serviços foram escolhidos por conveniência, considerando que atendem de forma direta a meninos e meninas vítimas. Em cada serviço, foi solicitada a indicação dos participantes para a pesquisa. A busca de participantes para o estudo revelou a dinâmica silenciosa existente na exploração sexual e as dificuldades de acesso à vítima nos serviços de proteção.

A inserção ecológica foi a estratégia metodológica utilizada para nortear todas as etapas da pesquisa, desde a imersão da pesquisadora no campo até a coleta de dados propriamente dita (Prati, Paula, Moura, Poletto, & Koller, 2008). Durante cinco meses, a equipe de pesquisa esteve em contato com o contexto da exploração sexual a fim de compreender as vítimas, seus processos proximais, suas interações e seus contextos de vida. A inserção ecológica possibilitou a entrada em um universo velado e esbarrou em muitos fatores que inviabilizam o acesso de suas vítimas, como: o silêncio e a invisibilidade da violência propriamente dita, o machismo e o preconceito, e ainda a impunidade e a falta de conhecimento quanto à dinâmica que permeia a ESCA, na qualificação dos agentes/profissionais que atuam no combate dessa violência.

Participantes

Participaram cinco meninas, com idades entre 11 e 17 anos (M=14,8; dp=2,38), que já estiveram envolvidas com a exploração sexual comercial. Apenas duas meninas foram acessadas dentro dos serviços de proteção, enquanto as outras três, indicadas pelo Conselho Tutelar, foram acessadas em suas residências. A maioria das participantes encontrava-se matriculada e estudando; no entanto, todas apresentavam algum atraso e/ou baixo rendimento escolar, já que estavam cursando entre a 1ª e a 6ª série (M=4,4; dp=2,07). Todas as participantes vivenciavam a situação de vulnerabilidade social/ambiental. Neste estudo as meninas serão identificadas como A, B, C, D e E.

Instrumento

Foi realizada uma entrevista semiestruturada baseada no roteiro desenvolvido por Serpa (2009). O roteiro utilizado e adaptado para o estudo buscou avaliar, através da escuta de crianças e adolescentes, as seguintes questões: a violência que representa a exploração sexual, o que conheciam da/como rede de proteção e como avaliavam o atendimento oferecido pelos serviços da rede. As entrevistas aconteceram de forma individual e foram gravadas em áudio.

Análise dos dados

Os dados coletados foram submetidos à análise qualitativa proposta por Creswell (2007). De acordo com o autor, foram seguidos os seguintes passos: organização e preparação dos dados para a análise, leitura de todos os dados para apreender o sentido amplo, codificação dos dados (criação de categorias e subcategorias), descrição do grupo, dos cenários e das temáticas que retratam o contexto pesquisado, organização da narrativa qualitativa e, por fim, interpretação dos dados.

Considerações éticas

O estudo baseou-se nas preocupações éticas e metodológicas discutidas nas diretrizes e normas reguladoras da Pesquisa Envolvendo Seres Humanos (Resolução 196, 1996), tendo sido aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa na Área da Saúde e cadastrado sob o nº 23116.001961/2010-10.

 

Resultados e discussões

A partir da análise qualitativa emergiram quatro categorias principais de análise: percepção da vítima da exploração sexual sobre a violação propriamente dita, concepções sobre a ESCA, o envolvimento com a ESCA e a relação com a rede de exploração e o acesso, conhecimento e avaliação da rede de proteção existente.

Percepção da vítima de exploração sexual sobre a violação propriamente dita

Os dados coletados revelaram que o envolvimento com a ESCA foi motivado por diferentes aliciadores. O envolvimento direto da família foi identificado nos casos das participantes A, B e D. Nos três casos as pessoas que deveriam exercer o papel protetivo potencializaram a situação de risco ao aliciar e negociar o corpo das filhas. As participantes A e B são irmãs e eram obrigadas pela mãe a manter relações sexuais com um homem religioso que oferecia dinheiro, alimento e presentes para a família. Na época as meninas tinham 9 e 11 anos.

Quando os agentes da exploração sexual são próximos das vítimas, existe uma relação de dominação, e a vítima sujeita-se a ser objeto sexual de oferta e lucro. A participante D era aliciada pela cunhada e pela mãe, tendo sido desde os 12 anos forçada a fazer programas com qualquer homem para conseguir dinheiro, comida, presentes e favores. D apresentava um transtorno cognitivo, identificado pelos profissionais da rede de proteção como um distúrbio mental moderado, que favorecia a manipulação das aliciadoras e de seus exploradores. D era conhecida como Dez Reais. Crianças e adolescentes com alguma necessidade especial podem ser vítimas mais fáceis, pela dificuldade de discernimento do que está realmente acontecendo, no âmbito da violência sexual. Sánchez (2007) enfatiza que tais crianças e adolescentes têm de 2 a 10 vezes mais chances de sofrer violência.

A negligência familiar também foi identificada nos casos das outras participantes do estudo. A participante C esteve envolvida com homens mais velhos que ajudavam a minimizar a condição de pobreza vivenciada dentro de casa. C afirmou ter pelo menos dois clientes por dia. Dessa forma ela podia ter acesso ao dinheiro para comprar comida e levar para casa. A menina perambulava pelas ruas e era explorada por diferentes homens. No momento da entrevista C encontrava-se grávida. A literatura tem sido unânime ao apontar a pobreza como um importante fator de risco para as situações de exploração sexual, pois nesses casos a família acaba transferindo para os filhos a responsabilidade pelo sustento familiar (Alberto et al., 2009; E. Faleiros, 2000; Libório, 2005).

É importante, no contexto analisado, não acarretar toda e qualquer responsabilidade à família, e sim problematizar o papel que a mesma desempenha nesse universo da ESCA, considerando que o núcleo familiar também sofre com a marginalização, exclusão e vulnerabilidade referentes a essa e outras realidades. Aliados a um universo de desigualdades sociais, econômicas e políticas, o desconhecimento de direitos e garantias, bem como a falta de políticas públicas voltadas ao exercício efetivo da cidadania desses sujeitos, seja no que contempla o atendimento, orientação e acompanhamento específicos e qualificados, colocam em evidência o quanto a família se encontra frágil e sob efeito dessa conjuntura (Kaefer, Traesel, & Ferreira, 2010).

A história de E também é permeada pela fragilidade familiar. Ela fazia uso de drogas junto com a mãe, sendo que as substâncias utilizadas eram fornecidas pelo padrasto (traficante). Como o padrasto e sua mãe foram presos, E precisou encontrar estratégias para a manutenção do uso de drogas. Nesse momento, passou a trocar sexo por drogas, situação comum vivenciada por tantas outras meninas e meninos, pois, segundo Trindade (2010), as drogas aumentam a vulnerabilidade para a exploração sexual, gerando um ciclo vicioso difícil de ser rompido.

Embora todas as entrevistadas tenham vivenciado a exploração sexual, a percepção que apresentam sobre a ESCA é diversa e, até mesmo, contraditória. A entrevistada A afirmou que a experiência era ruim. Sua irmã, a participante B, também trouxe relatos negativos relacionados à experiência: "Acho horrível, gente mais nova transando com gente mais velha não acho legal... ele (o religioso agressor) é um monstro... ele ameaçava, se a gente não fizesse o que ele queria, ele iria matar os irmãos onde a gente morava..." A entrevistada D trouxe a mesma percepção, afirmando que a exploração tinha um significado negativo: "Tinha nojo, era ruim, muito ruim". Os sentimentos de vergonha, medo e confusão são elementos recorrentes nas vítimas de ESCA (Cerqueira-Santos, Rezende, & Correa, 2010; Serpa, 2010); no entanto, não são os únicos elementos que perpassam a violação experienciada na ESCA.

Ao definir a situação de exploração sexual, a participante C afirmou: "[...] a minha mãe passando trabalho aí não sabia o que fazer, aí foi que eu arrumei essa pessoa e fiquei com essa pessoa e a pessoa me deu o dinheiro e eu comprei as coisas pra dentro de casa". Diante da situação de pobreza vivenciada pelo núcleo familiar, a entrevistada C acreditava que seu envolvimento com a exploração era necessário e até mesmo positivo, pois dessa forma conseguia ajudar no sustento da família. Alguns autores têm sugerido que as possibilidades de remuneração ou benefícios obtidos através da exploração acabam gerando sentimentos de contentamento que, na maioria das vezes, impedem a adolescente de se perceber como vítima (Libório, 2005; Serpa, 2010). Essa mesma dinâmica pode ser constatada na fala da participante E: "Vou fazer (programas sexuais), vou comprar e vou fumar... eu tinha que fazer, que procurar para sustentar o meu vício... às vezes eu sentia nojo, porque eu ficava com quem eu não queria, ficava obrigada praticamente, não que ela (o cliente) te obrigava, mas a droga te obrigava". O relato da menina retrata uma realidade cruel vivenciada, uma vez que a necessidade da droga se sobrepõe à violação de direitos, descaracterizando o seu papel de vítima. O uso de substâncias psicoativas pode ser incentivado pelos clientes e pelos próprios traficantes para manutenção das relações de autoridade e controle com a vítima de ESCA.

Concepções sobre ESCA

A exploração sexual traz implicações que ultrapassam as relações entre vítima, aliciador e agressor. Os relatos das meninas entrevistadas revelaram diferentes desdobramentos. De acordo com a participante A, "A minha vida mudou um pouco, já pensei em trocar de escola, todos me chamavam de putinha da vila... mas agora sou mais aberta, converso mais com as pessoas, mais namoradeira". A fala dessa participante conduz a duas importantes reflexões. A primeira refere-se à construção de um rótulo conferido pela própria sociedade, que aponta uma menina de 9 anos como corresponsável pela situação abusiva sofrida, situação que já vem sendo apontada por estudiosos (Alberto et al., 2009; Libório, 2004). Já a segunda encontra-se relacionada à apresentação de um comportamento erotizado possivelmente derivado da sua exposição à situação de violência sexual, consequência apontada e discutida por Prado e Pereira (2008).

A participante B tem uma avaliação diferente da de sua irmã. Para ela a exploração "mudou tudo... a gente (a respectiva entrevistada e a participante A) teve que fazer tratamento com psicólogo, além de tomar remédio, calmante". Nessa mesma direção, a participante D também compreendia a violência como algo ruim e disse que só fazia programas porque era obrigada pela mãe e pela cunhada. Os danos psicológicos como depressão, senso de vergonha, perda de confiança e de estima em si mesmo, provocados pela exploração sexual, foram identificados em vários relatos, corroborando os estudos de Delaney (2006).

Contudo, os danos podem nem sempre ser percebidos pela vítima quando esta não compreende que a situação vivenciada é uma violação. É o caso da participante C, que afirmou: "Ah, mudou muita coisa [...] eu fiquei feliz em ajudar a minha mãe". Não perceber a exploração sexual como uma violência, e sim como forma de resolver algum problema - no caso a entrevistada aponta o sustento da casa -, é um indicativo de que a vítima pode a qualquer momento retornar a essa problemática, pois, como C mesma declarou, sentiu-se feliz em ajudar a mãe. Quando a entrevistada alega sentir-se feliz em ajudar a mãe, de certa forma não percebe que para alcançar seu objetivo foi violada e esteve envolvida diretamente com a ESCA.

A participante E também avalia a ESCA como uma estratégia para alcançar aquilo que deseja. Para ela os homens ou clientes não eram responsáveis pela vitimização: "Eles até falavam 'para com isso, não faz isso', me incentivavam, davam conselho". Em diferentes momentos de seus relatos a raiva era expressa, mas sempre direcionada a si mesma, pois para a menina a venda do seu corpo mantinha o acesso à droga.

Em alguns relatos a exploração sexual parece configurar-se como uma escolha em um momento difícil, seja para adquirir drogas ou dinheiro. Essa forma de entender, por parte das vítimas, que através do corpo podem conseguir a solução imediata para alguns problemas é uma forma cruel de responsabilização de um crime cometido contra elas. A literatura já tem sugerido que a possibilidade de acesso ao alimento, ao consumo e ao desejo interfere na maneira como a vítima se percebe silenciando e se estigmatizando (Cerqueira-Santos, 2009; Serpa, 2010).

O envolvimento com a ESCA e a relação com a rede de exploração

De acordo com os dados coletados, o início da violência sexual pode acontecer em qualquer etapa da vida. O envolvimento com a exploração sexual ocorreu cedo na vida de algumas das vítimas. As participantes A e D tiveram a primeira relação sexual através da exploração sexual quando tinham entre 9 e 10 anos. A iniciação sexual já é uma situação difícil de ser vivenciada na adolescência, e quando vem acompanhada da violência viola todos os direitos de qualquer pessoa. No entanto, essa afirmação não implica dizer que não existe violência quando já existe vida sexual ativa. As participantes B, C e E tiveram suas primeiras experiências com namorados, contudo as violações sofridas depois não descaracterizam a exploração do seu corpo.

Talvez a pouca idade, a interrupção do desenvolvimento saudável e a falta da rede de apoio produzam efeitos importantes nas relações estabelecidas com a exploração sexual e os agressores. O primeiro aspecto que pode ser mencionado refere-se à relação que as meninas estabelecem com a própria exploração. Embora todas as entrevistadas, com exceção da participante A (que no momento da pesquisa estava com 11 anos), tenham declarado não ter mais envolvimento com a exploração sexual, suas falas são confusas no tempo, sugerindo que algumas situações podem não ter sido de fato encerradas. Como apenas a participante A informou manter esse envolvimento há dois anos, não é possível levantar hipóteses generalistas sobre esse comportamento. Contudo, cabe refletir sobre a situação particular vivenciada por essa menina, que foi vítima aos 9 anos e, após a publicidade do caso no município, passou a ser identificada como culpada e sedutora. Muitas vezes a dificuldade de romper com o estereótipo estabelecido pela comunidade pode configurar um fator de risco importante para a manutenção de comportamentos sexuais de risco.

O segundo aspecto refere-se à relação estabelecida com os clientes/exploradores sexuais. As falas revelam uma confusão muito grande relacionada a essa figura. Na maioria das vezes, as próprias vítimas acabam acreditando que aquele cliente/explorador representa um amigo e uma proteção, ao contrário de perigo ou violação. Essa inversão está alicerçada na busca de auxílio, atenção, favores e dinheiro. A literatura mostra que as vítimas da ESCA têm dificuldade para reconhecer os seus clientes, e até mesmo os seus familiares, no papel de exploradores, sendo que essas situações mantêm um movimento recorrente e violador, instalando-se a ilusão de parceria, em que a exploração sexual é romantizada como forma de sobrevivência das vítimas (Trindade, 2010). Esse cenário, somado à ausência de políticas públicas efetivas e à frágil atuação da rede de apoio social/protetivo, aponta para discussões urgentes quanto às relações que as vítimas estabelecem com a rede de exploração e quanto às ações da rede protetiva em direção ao enfrentamento da exploração sexual de crianças e adolescentes.

Acesso, conhecimento e avaliação da rede de proteção existente

Questões sobre os serviços de defesa (Conselho Tutelar, Polícias, Delegacias, Promotoria, Juizado e Defensoria), de saúde (unidades básicas e hospitais), de assistência social (Centro de Referência Especializado em Assistência Social, Centro de Referência em Assistência Social, casas de acolhimento) e de prevenção (escolas) foram dirigidas às vítimas participantes do estudo. A maioria afirmou conhecer os serviços quando esses foram nomeados, mas tiveram dificuldade para identificar as funções desses no que diz respeito à ESCA.

A análise dos dados coletados revelou que a rede de proteção das meninas era muito frágil. Tal constatação significa que a rede de apoio social e afetivo (família, escola e serviços da rede de proteção) não era reconhecida em seu papel e não estava atuante, na percepção das entrevistadas. Por exemplo, a participante A atribuiu a função evidente para cada serviço: a escola é para estudar, o posto de saúde é para tomar remédios e cuidar de doenças. As participantes A e B, que receberam atendimento psicossocial no CREAS, não reconheceram o espaço como um local para atendimento da exploração sexual. Embora uma delas tenha afirmado que a exploração a fez conversar com o psicólogo e tomar remédio, a relação entre esse atendimento e o papel do CREAS não ficou evidenciada. Esse dado reflete a dificuldade da vítima em perceber os serviços de proteção mesmo quando usufruiu desses dispositivos. Talvez a falta de reconhecimento possa estar associada às dificuldades que os próprios serviços possuem para definir seus papéis e competências no atendimento à exploração sexual.

Ainda existe certa confusão entre os conceitos de abuso e exploração sexual, fazendo com que muitos usuários dos serviços sejam tratados como vítimas de abuso sexual mesmo quando existe uma situação de exploração evidente. Cerqueira-Santos et al. (2010) identificaram que os serviços de atendimento são ineficazes para as vítimas de exploração justamente pela dificuldade dos profissionais em elaborar intervenções adequadas às vítimas de ESCA. Alberto, Silva, Gomes, Santana e Soares (2012) também identificaram que os agentes sociais ainda não têm clareza do papel das instituições no enfrentamento da exploração sexual.

As participantes A e E também não reconheceram os serviços da rede de proteção: Conselho Tutelar, Posto Policial, Posto Policial da Mulher, Escolas Municipais, Posto de Saúde, Unidade Básica de Saúde, dentre outros, como serviços destinados à vítima de ESCA, mesmo já tendo sido atendidas no Conselho Tutelar e nas casas de acolhimento institucional. Da mesma forma, a participante D afirmou desconhecer a rede de proteção, com exceção da casa de acolhimento institucional em que esteve, pois, ao ser retirada do convívio de sua mãe, ela foi acolhida e tem boas recordações da coordenadora do local, assim como das meninas com quem conviveu no período de sua permanência. Apesar de não conhecer os serviços da rede, nem de ter real consciência de seus direitos, a participante D percebeu a rede de proteção em sua vida, de maneira atuante, como um local agradável, de bem-estar. Nesse espaço ela sai da rua, do aliciamento, da exploração sexual, e volta a sentir que as pessoas gostam dela, que pode confiar e ser protegida.

A participante E se mostrou mais informada sobre os serviços, incluindo as ONGs, o CRAS, as associações de bairro e os grupos de jovens. Embora tenha mostrado conhecer mais serviços que as outras participantes, ainda possui um conhecimento superficial da ação e articulação dessa rede de atendimento, proteção e enfrentamento da exploração sexual. Esses dados incitam uma reflexão sobre a atuação dos serviços no enfrentamento da exploração sexual de crianças e adolescentes.

Interessante ressaltar ainda a percepção das meninas em relação a outro importante ator da rede de proteção: a escola. Afinal, esse é um contexto fundamental para a identificação das situações de violência sexual, mas essa competência não foi referida pelas participantes. Quando questionadas sobre o papel da escola, as respostas voltaram-se para as funções educativas. A escola apareceu como um espaço de expectativas para a construção de um futuro melhor e para a qualificação profissional. Esse dado mostra que as escolas precisam estar mais atentas para essa realidade e ultrapassar sua função básica de educação formal. A escola pode ocupar um lugar fundamental na vida das vítimas, mas para isso precisa ser ativa na proteção.

Rebolho e Fernandes (2012), em um estudo sobre o papel da escola nas situações de exploração sexual, encontraram que 52% dos professores já haviam identificado o envolvimento de alunos e alunas na exploração, sendo que 18% informaram que o ingresso aconteceu por necessidade financeira e 18% informaram que a entrada na exploração era uma opção, revelando crenças que culpabilizam a criança e o adolescente por um crime cometido contra elas. Além disso, os pesquisadores questionaram os educadores sobre os procedimentos acionados pela escola após a identificação dos casos e encontraram que 31% orientam o aluno, 14% encaminham ao Conselho Tutelar, 12% orientam os pais, 3% conversam com outros professores e 40% não quiseram responder à questão.

Tais dados revelam o quanto as escolas podem ser omissas e, até mesmo, preconceituosas com as vítimas, gerando ações que acabam por distanciar a proteção. Os educadores precisam enfrentar ainda muitos desafios para conseguir colocar em prática o seu papel e assumir o seu lugar na rede de proteção. Conforme Rocha, Lemos e Lirio (2011), as ações da escola podem aumentar a eficácia se estiverem em consonância e articuladas a outros agentes e instituições. Quando a escola se percebe como um local de informação, de formação, de consciência quanto a cidadania, direitos e garantias, aqueles que a frequentam também passam a identificar esses papéis.

Todos os serviços e instituições referidos constituem a rede de apoio social para as vítimas de ESCA; contudo, a família pode vir a ocupar um lugar de destaque nessa rede, pois, além de garantir seu espaço de proteção, pode propiciar relações de afeto e autoestima que acabam por oportunizar suportes para o enfrentamento de desafios. No entanto, famílias protetivas ainda não são muito frequentes no contexto da ESCA. Nos casos descritos aqui, muitos familiares participaram de forma ativa no aliciamento das filhas e na manutenção das situações de risco. A participante C revelou que sua família, ao tomar conhecimento da exploração sexual, nada fez: "Eles (a família) não falavam nada, mas eles ficavam brabos e, às vezes, me xingavam". Muitas vezes a apatia da família ou até mesmo o comportamento agressivo acabam por afastar a jovem das possibilidades de proteção. Quando a família se cala, é como se concordasse com a situação vivenciada pela adolescente. O benefício (dinheiro, alimento, presentes) obtido pela menina através do uso do seu corpo pode ser avaliado de forma positiva pela família quando esta se beneficia direta ou indiretamente, fato que prejudica o rompimento com a situação de violência.

Dessa forma, fica ainda mais evidente a importância dos serviços que compõem a rede de proteção, pois são eles que podem contribuir para o rompimento do ciclo violador de direitos. Quando as vítimas não podem contar com suas famílias, precisam reconhecer pessoas, profissionais e/ou serviços que possam acolher seu sofrimento e contribuir para sua proteção. Portanto, se a rede de proteção não for reconhecida por aqueles que se utilizam dela, para que serve? Segundo Silva (2009), a violência sexual sofrida por crianças e adolescentes por si só causa prejuízos imensuráveis. Quando as vítimas não são devidamente acolhidas ou quando não recebem os devidos cuidados e proteção por parte dos agentes sociais, passam a ser duplamente violadas, em um processo de revitimização.

A atuação efetiva da rede que compõe a defesa, o atendimento e a proteção da criança e do adolescente é imprescindível no enfrentamento da violação sofrida. Neste estudo, os serviços que compõem a rede, mesmo quando exerceram seu papel e fizeram parte da vida da vítima, não foram reconhecidos. O não reconhecimento ou a falta de percepção quanto ao papel desempenhado pelas redes de proteção distanciam ações efetivas de enfrentamento da ESCA, mantendo a realidade de exploração na vida das vítimas.

 

Considerações finais

A partir da análise dos dados é possível perceber que as participantes vivenciaram, além da violência propriamente dita, outros fatores que devem ser problematizados como perpetuadores desse contexto violador: a banalização, a culpa e a vergonha. Não perceber ou reconhecer a violência sofrida, como também não conhecer seus direitos ou nem reconhecer a rede como protetiva, representa o aumento da vulnerabilidade. A vivência da exploração sexual e suas consequências têm sido debatidas por diferentes pesquisadores. Libório (2005) destaca a dimensão processual, sugerindo que a entrada na exploração é resultado de muitos fatores, que envolvem aspectos sociais, individuais e violações constantes. Diante dessa característica, a exploração passa a fazer parte da vida de crianças e adolescentes, dificultando sua compreensão sobre seu lugar de vítima.

Cerqueira-Santos et al. (2010) discutem que o não reconhecimento da condição de vítima provoca um afastamento dos programas de assistência e atendimento. No presente estudo esse distanciamento ficou evidenciado. As participantes relataram a busca de outros espaços, como a rede informal, para o rompimento da violência, sendo que os serviços existentes e destinados a essa proteção sequer foram citados. As relações frágeis e empobrecidas entre a rede de proteção constituída e as crianças e adolescentes vítimas da exploração sexual confirmam que um conhecimento superficial e/ou o desconhecimento quanto ao papel protetivo desses espaços podem revitimizar e manter o contexto da exploração. Tais dados alertam para a necessidade de atuações e de intervenções que contemplem todos os aspectos envolvidos na exploração sexual e todos os seus atores (vítimas, famílias, comunidade, profissionais e serviços).

As diferentes vozes aqui relatadas mostraram que a exploração ainda é velada e que, ao ser negada pelas vítimas, elas mesmas acabam sendo silenciadas, oportunizando que tal fenômeno se perpetue. O que não pode continuar acontecendo é a rede de proteção negar sua função básica. Nesse sentido, é necessário problematizar como a rede de proteção está configurada, questionar se existe rede ou se existe um conjunto de serviços. Além disso, é preciso questionar a atuação dos serviços: as práticas nem sempre estão em consonância com suas funções e seus papéis. Não basta existirem serviços e profissionais disponíveis; é preciso que esses dispositivos construam estratégias capazes de acolher as vítimas e suas famílias e estejam articuladas a parceiros que possam efetivar as ações de atendimento, defesa e enfrentamento. Algumas questões precisam ser constantemente revisitadas, e o usuário do serviço precisa ser ouvido frequentemente; afinal, o serviço existe para protegê-lo.

Ao oportunizar a escuta das vítimas, uma questão ainda permanece neste estudo: qual o papel efetivo da rede de proteção para crianças e adolescentes vítimas de exploração sexual, se essas não conhecem ou não reconhecem tais serviços como protetivos e/ou como garantia de seus direitos violados? Talvez esse seja o alerta mais importante ofertado pelas vítimas. As meninas aqui retratadas, embora não sejam representativas do universo de vítimas de exploração sexual, devido ao tamanho da amostra, refletem o cotidiano de uma infância e de uma juventude perpassadas pelo abandono afetivo e protetivo, na falta de direitos e garantias de uma vida digna e saudável. Novos estudos precisam ser conduzidos e novas estratégias precisam ser elaboradas para que as vítimas possam ser de fato acolhidas e atendidas na rede de proteção existente. Políticas públicas eficazes e eficientes são aquelas reconhecidas e bem utilizadas pelo seu público-alvo.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Luciana Barbosa da Silva Vega
vegaluciana@hotmail.com
Simone dos Santos Paludo
simonepaludo@furg.br

Submetido em: 14/05/2014
Revisto em: 29/05/2015
Aceito em: 14/06/2015

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