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Arquivos Brasileiros de Psicologia

versão On-line ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. vol.67 no.3 Rio de Janeiro  2015

 

ARTIGOS

 

Pontualidade do professor: atribuições causais de alunos em sala*

 

Teacher's punctuality: causal attributions by students in class

 

Puntualidad del maestro: atribuciones causales de estudiantes en clase

 

 

Lude Marieta Gonçalves dos Santos NevesI; Fabio IglesiasII

IMestre. Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações Universidade de Brasília (UnB). Brasília. Distrito Federal. Brasil
IIDocente. Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações Universidade de Brasília (UnB). Brasília. Distrito Federal. Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A literatura sobre serviços educacionais tende a focar o engajamento e desempenho dos estudantes, que frequentemente depende de seu manejo do tempo. Mas como os alunos reagem quando o professor chega atrasado para a aula? Baseado no modelo de atribuição de Weiner, este trabalho investigou o efeito do atraso do professor nas reações emocionais, incômodo e julgamento de aceitabilidade de 232 estudantes de ensino médio. Um cenário de desenho fatorial 2 (atraso vs pontualidade do aluno) x 2 (causa interna vs externa para o atraso do professor) mostrou que causas externas foram mais aceitáveis e menos incômodas que causas internas. Esses resultados foram independentes da pontualidade ou atraso do próprio aluno. São discutidas implicações para as primeiras impressões influenciadas pela pontualidade em sala no contexto de interações de alunos e professores.

Palavras-chave: Atrasos; Atribuição de causalidade; Manejo de aula.


ABSTRACT

The literature on educational services tends to focus on students' engagement and performance, which frequently depends of their time management. But how do students react when teacher gets late in class? Based on Weiner's attribution model, this article investigated the effects of teacher's delay on 232 high school students' emotional reactions, annoyance, and judgments of acceptability. A scenario of factorial design two (student's delay vs punctuality) X two (internal vs external cause for teacher's delay) showed that external causes were more acceptable and less annoying than internal causes. These results were independent of student's own delay or punctuality. Implications for how first impressions are influenced by punctuality in class are discussed in the context of students' and teachers' interactions.

Keywords: Delays; Causal attributions; Class management.


RESUMEN

La literatura sobre los servicios educativos tiende a centrarse en el compromiso y desempeño de los estudiantes, a menudo dependiendo de su manejo del tiempo. Pero ¿cómo reaccionan los estudiantes cuando el profesor llega tarde a clase? Basándose en el modelo atribucional de Weiner, este estudio investigó el efecto del atraso del maestro en las reacciones emocionales, incomodidad y aceptabilidad de 232 estudiantes de secundaria. Un escenario de diseño factorial 2 (retraso vs puntualidad del estudiante) x 2 (causa interna vs externa para el del maestro) mostró que las causas externas fueron más aceptables y menos incómodas que las causas internas. Estos resultados fueron independientes de la puntualidad o retraso del proprio estudiante. Se discuten las implicaciones para las primeras impresiones influenciadas por la puntualidad en classe en el contexto de interacciones de estudiantes y maestros.

Palabras clave: Retrasos; Atribuciones causales; Gestión de clase.


 

 

Introdução

Assim como em qualquer outra oferta de serviços, a dinâmica das relações educacionais está sujeita a atrasos, tanto por parte dos alunos quanto dos professores. Uma parte considerável da dinâmica em sala é ditada pelas normas formais e informais que estabelecem o início de uma aula, que deve ser otimizada num horário sempre restrito. Na escola o foco tende a estar mais voltado para o atraso do aluno, uma vez que isso representa, entre outros aspectos, prejuízos em sua avaliação e em seu desempenho. Mas como os alunos interpretam o atraso do professor na hora da aula começar? Quais os motivos aceitáveis para o atraso e as interpretações relevantes neste caso? Este trabalho investigou as reações de alunos do ensino médio a diferentes circunstâncias de atraso do professor, com base no modelo teórico de Weiner (2006), considerando a relação entre atribuições causais, emoções e atitudes.

Chegar atrasado para compromissos parece ser uma característica tipicamente associada ao brasileiro, tanto em casos anedóticos quanto na literatura da psicologia transcultural (Smith, Bond, & Kagitcibasi, 2006). Existem evidências de que no Brasil as pessoas atrasadas podem ser vistas como de maior status, já que parecem possuir mais compromissos e, portanto, justificar-se-ia a dificuldade de serem pontuais (Levine, West, & Reis, 1980). Essa imagem contrasta com a da pontualidade valorizada em outros países, principalmente os norte-americanos e do norte da Europa, que têm ritmos de vida mais acelerados, mais regrados e menos tolerantes a atrasos (Levine & Norenzayan, 1999). Esses dados brasileiros sugerem também uma dificuldade de reclamar da pessoa atrasada, uma vez que haja relação de dependência entre quem espera e quem é esperado. No contexto escolar, em que professores assumem uma posição hierárquica, a relação com os alunos em sala de aula pode ser analisada em função das chamadas bases de poder identificadas por Raven (1993). J. A. Dela Coleta, M. F. Dela Coleta e Guimarães (2005) verificaram, por exemplo, que a percepção de alunos universitários sobre o comprometimento e competência de professores é mais positiva quando a relação é estabelecida em bases de reconhecimento da legitimidade de papéis e uso de recompensas, sendo mais negativa quando se vale da coerção.

Um dos elementos fundamentais na maneira como se avalia o atraso para um compromisso é o motivo alegado ou percebido para a sua ocorrência. As pesquisas sobre atribuição de causalidade diferenciam, de forma sumária, essas causas percebidas como internas ou como externas. A literatura se ocupou inicialmente em investigar processos que resultam em uma atribuição como externa (elementos contextuais) ou interna (elementos disposicionais), tratando-a, portanto, como variável dependente. J. A. Dela Coleta e M. F. Dela Coleta (2006) examinaram a evolução desses estudos desde a obra pioneira de Heider (1958), ficando evidente que a maior parte deles manteve o foco nos antecedentes da atribuição.

Diversas teorias de percepção e cognição social colaboram para a compreensão desse fenômeno (Fiske & Taylor, 2008). O erro fundamental de atribuição (Ross, 1977) entende o tipo de atribuição interna como um atalho básico de explicação do comportamento. Quando se observa uma pessoa tropeçando, por exemplo, é mais fácil entender que ela é desastrada ou distraída em vez de se perguntar se havia uma pedra onde não deveria haver. De maneira semelhante, Miller e Ross (1975) descrevem em seu modelo da atribuição interesseira que as pessoas têm a tendência de realizar atribuições externas a partir do próprio fracasso, mas atribuições internas a partir do próprio sucesso, algo que se verifica com frequência no desempenho escolar.

Os trabalhos sobre a relação percebida entre comportamentos e traços disposicionais constituem alguns dos estudos de maior destaque que se ocuparam dos antecedentes da atribuição, especialmente a teoria da inferência correspondente de Jones e Davis (1965). Já a teoria da covariação de Kelley (1967) relacionou a covariância da percepção de certas causas com seus efeitos, tendo identificado os critérios de consistência, consenso e distintividade de eventos como definidores do tipo de atribuição. No contexto escolar, diversos estudos investigaram as atribuições de professores sobre seus alunos considerando a relatividade de seus comportamentos frente a outros alunos. Na teoria da auto-percepção de Bem (1972) o que se investigou foi como as pessoas fazem atribuições sobre si mesmas, tendo sido apontada a necessidade de discutir se a atribuição é realmente uma consequência de certos comportamentos ou se é um mediador de comportamentos. Fica evidente, portanto, que os modelos evoluíram pouco a pouco para que a atribuição passasse a ser compreendida, também, como uma variável independente.

A teoria atribucional de Bernard Weiner e colaboradores, inicialmente testada em um estudo sobre como se pune/recompensa o sucesso/fracasso de alunos em função de sua habilidade e esforço (Weiner & Kukla, 1970), foi a que mais claramente posicionou a atribuição como uma variável independente. Esse modelo prevê uma sequência iniciada pela observação de um evento, seguida de uma atribuição causal que determina os julgamentos de responsabilidade, reações emocionais e, finalmente, os comportamentos e atitudes propriamente ditos em relação a quem foi observado, conforme a Figura 1.

O modelo foi aprimorado e testado em diversos contextos (Weiner, 2006), representando hoje um dos mais influentes na área de motivação em psicologia social. No caso da psicologia escolar e educacional proliferaram principalmente estudos sobre atribuições causais de alunos e de seus professores sobre eles frequentemente relacionados a desempenho, processos seletivos, avaliação de regimes didáticos e sistemas de feedback, autoestima e diversidade cultural (Martinko, 2004).

O aspecto mais interacional da teoria foi desenvolvido de maneira evidente na área de comportamento do consumidor, pela importância que se dá à qualidade percebida do atendimento, aos julgamentos de responsabilidade sobre falhas no serviço (Folkes, 1984; Folkes & Kotsos, 1986) e como gerenciá-las. O efeito de pedir desculpas para atrasos também foi investigado de maneira experimental em situações reais e simuladas, mostrando que usar uma desculpa pouco convincente tem o mesmo efeito que não oferecer qualquer desculpa, além de reduzir o desejo de contatos posteriores com quem chegou atrasado (Weiner, Amirkhan, Folkes, & Verette, 1987). Apesar do grande número de estudos que utilizaram o modelo atribucional de Weiner no contexto escolar (Martini & Del Prette, 2005), poucos investigaram questões de interação social quando se consideram normas sociais de pontualidade e início de uma aula.

A pesquisa de Dillon (1998) é uma dessas exceções, tendo avaliado o quanto participantes julgavam razoáveis 48 desculpas diferentes para um aluno que faltou à aula. As desculpas tidas como menos aceitáveis foram aquelas controláveis pelo aluno e que poderiam ser mudadas por ele mesmo (ex: "precisei ir para a academia"), enquanto as mais aceitáveis foram as externas ao aluno (ex: "fui convocado para ser jurado") ou mesmo internas, desde que não controláveis por ele (ex: "fiquei resfriado"). Algumas desculpas foram vistas como bastante ambíguas (ex: "o despertador não tocou"), revelando uma diferença de perspectiva de quem as apresenta e de quem as julga. Garantir que o despertador toque pode ser visto pelo observador como uma causa interna de quem apresenta a desculpa, enquanto o ator pode perceber a causa como externa.

Entendido como problema de justiça distributiva, os alunos reconhecem que o colega que atrasa a entrega de um trabalho, por exemplo, deve ser tratado de maneira diferenciada pelo professor e ser punido com a nota zero em comparação a quem entrega o trabalho pontualmente (Sales, 2000). Uma revisão de pesquisas brasileiras publicadas no período 2000-2009, entretanto, não identificou pesquisas que tenham incluído, na temática da justiça, da moralidade e da convivência escolar, o problema específico dos atrasos que podem envolver professores e alunos em sala de aula (Oliveira, Caminha, & Freitas, 2010). São bastante investigadas as crenças educacionais de professores sobre os alunos e como elas facilitam ou dificultam a aprendizagem em sala de aula, com claras associações entre a baixa expectativa do professor sobre alunos de baixa renda e o desempenho que estes apresentam (Paiva & Del Prette, 2009). Ainda assim, pouco se conhece a respeito da perspectiva do próprio aluno sobre o professor em relação ao seu engajamento e cumprimento das atividades normativas de aula. Mesmo um levantamento abrangente de ocorrências de injustiça em sala, que incluiu o julgamento de 35 situações diferentes, não contemplou qualquer problemática relacionada ao atraso do professor (Beluci & Shimizu, 2007).

Destarte, quais as reações dos alunos ao atraso do professor se ele oferecer explicações internas ou externas? Haverá diferença se, nesses casos, o próprio aluno chegou atrasado ou pontualmente para sua aula? Essas perguntas de pesquisa, que não parecem ter sido respondidas pela literatura da área, inspiraram os objetivos gerais e específicos deste trabalho.

Segundo o modelo teórico de Weiner (2006), atribuições de causa interna sobre eventos geram reações emocionais, atitudinais e comportamentais negativas, enquanto atribuições externas geram reações positivas. Assim, a hipótese primária desta pesquisa é a de que alunos do ensino médio relatam maior incômodo, emoções negativas mais intensas, maior probabilidade de reclamar e menor aceitabilidade ao professor que se atrasa devido a uma causa interna. Isso significa, portanto, a previsão de que os alunos avaliam mais positivamente o professor que oferece uma causa externa. Como outros modelos teóricos revisados neste trabalho preveem diferenças na atribuição do observador em função de sua posição, a hipótese secundária é de que os alunos pontuais são mais exigentes: sentem-se mais incomodados, com menor aceitabilidade aos motivos apresentados e mais propensos a reclamar, independente da causa apresentada pelo professor. Para operacionalizar o teste das hipóteses primária e secundária, esta pesquisa utilizou cenários que simulam essas situações em sala de aula.

 

Método

Participantes

Participaram deste estudo 232 alunos (54,7% do sexo feminino) de duas escolas de ensino médio no Distrito Federal, selecionadas por conveniência, sendo uma pública (42,7%) e uma particular. Metade dos alunos cursava a primeira série do ensino médio (moda de idade = 15 anos) e a outra metade cursava a terceira série do ensino médio (moda de idade = 17 anos), com distribuições altamente leptocúrticas. As subamostras por escola eram equivalentes na composição por sexo, com ligeiro predomínio de mulheres em ambas, assim como equivalentes por idade em cada série de ensino.

Instrumento

Foram elaborados cenários experimentais com quatro versões, para que os participassem avaliassem situações em que foram manipuladas as causas de atraso do professor em sala (externa ou interna) e a pontualidade do próprio aluno que o avalia (pontual ou atrasado).

Um cenário descrevia a situação em que, quando o aluno chega pontualmente a uma aula importante, o professor chega atrasado e explica que o pneu do carro furou enquanto ele se deslocava para a escola (aluno pontual e causa externa, n = 61). Outro cenário contava a história do aluno que chega pontualmente a uma aula importante, enquanto o professor chega atrasado, explicando que dormiu demais e perdeu a hora (aluno pontual e causa interna, n = 58). A terceira versão, por sua vez, descrevia o aluno chegando atrasado para a aula e o professor explicando que se atrasou devido ao pneu furado no caminho para a escola (aluno atrasado e causa externa, n = 53). Na quarta versão ambos se atrasam para a aula importante, mas dessa vez o professor explica que dormiu demais e perdeu a hora (aluno atrasado e causa interna, n = 60).

Em seguida à descrição das versões do cenário, os participantes eram convidados a imaginar com que intensidade teriam reações emocionais positivas (tranquilidade, alívio e satisfação) e negativas (nervosismo, indignação e injustiça). Cada reação emocional constituiu um item para ser avaliado numa escala de seis pontos ancorada nos extremos (0 = nenhum(a) e 5 = extremo(a)) que obteve índices psicométricos satisfatórios (α = 0,70; KMO = 0,68). Os três itens sobre reações emocionais negativas foram compostos numa única variável denominada emoções negativas (α = 0,70) para testes de relações com as demais variáveis deste estudo. As emoções positivas, no entanto, não constituíram índices psicométricos satisfatórios que possibilitasse o teste de relações com as demais variáveis.

Considerando a situação hipotética descrita, o respondente ainda utilizava uma escala de 0 a 10 ancorada nos extremos (0 = nenhum e 10 = total), composta de três itens para avaliar o quanto a situação era compreensível (item sobre aceitabilidade), o quanto era incômoda e qual a sua probabilidade de reclamar do atraso para o professor.

Procedimentos

Inicialmente foi realizado um contato com diretores de uma escola particular e uma pública do DF que autorizaram a aplicação do questionário em sala de aula. Foi então realizado um estudo piloto com 35 alunos, de mesmas características daqueles que compuseram a amostra final, para reunir evidências de validade semântica do instrumento (cenários juntamente com as escalas de reações emocionais e avaliações). A forma final foi estabelecida depois que esses participantes sugeriram pequenas modificações na apresentação, relatando verbalmente e por escrito a compreensão total do conteúdo e julgando-o adequado para os fenômenos investigados.

A apresentação dos cenários foi desenvolvida com um delineamento fatorial entre-sujeitos 2 (causa externa e interna) x 2 (aluno pontual e aluno atrasado). Os participantes avaliaram as situações hipotéticas descritas e assinalaram as suas prováveis respostas de aceitabilidade, incômodo e emoções negativas frente aos casos. A coleta de dados foi realizada tanto na porta das escolas, abordando alunos que saíam das aulas, quanto dentro das salas de aula, após a leitura da proposta de pesquisa e consentimento dos participantes voluntários. Foi explicado quanto tempo em média levava para responder (por volta de 10 minutos) para depois iniciar a entrega de questionários para o próprio participante responder.

 

Resultados

O banco de dados foi primeiramente submetido a um procedimento de análise exploratória, a fim de verificar a ocorrência de casos faltosos, erros de digitação e casos extremos. Foram verificados também os pressupostos pertinentes a cada teste estatístico, não tendo sido identificadas ameaças substanciais às análises utilizadas que exigissem a exclusão de dados ou a transformação de variáveis.

Análises multivariadas da variância utilizando a versão do cenário como fator fixo revelaram diferenças significativas para a aceitabilidade do motivo do atraso (quanto o participante achava a situação compreensível) e para o nível de incômodo. O atraso do professor devido a uma causa externa (o pneu do carro furou) revelou médias significativamente maiores de aceitabilidade que o atraso por causa interna (o professor dormiu demais e perdeu a hora), F(3, 220) = 10,78; p < 0,001. Esses resultados são descritos na Figura 2.

Testes post hoc de Tukey, no entanto, mostraram que essas diferenças ocorreram apenas entre os cenários que diferem quanto à causa do atraso do professor, sem diferenças estatisticamente significativas para a pontualidade ou atraso do próprio aluno. Diferentes motivos para o atraso do professor, independentemente da pontualidade do aluno, influenciam sua avaliação e julgamento da situação.

Já os níveis de incômodo foram significativamente maiores para o atraso devido a uma causa interna do professor, F(3, 220) = 5,61; p < 0,001. Testes post hoc de Tukey identificaram diferenças significativas para o incômodo sentido em função da pontualidade ou atraso do próprio aluno, quando apresentada uma causa interna de atraso do professor. Não foram verificadas diferenças significativas para a probabilidade de reclamar do atraso para o professor e nem para reações emocionais positivas ao professor que, mesmo tendo seu pneu do carro furado no caminho para a escola, se esforça para comparecer à aula (causa externa).

Considerando o papel das emoções no modelo de Weiner, foi esperado que os alunos pontuais fossem mais exigentes (mais incomodados, menor aceitabilidade e mais propensos a reclamar, independentemente da causa apresentada pelo professor). Foi previsto também que os participantes relatariam mais intensamente os sentimentos de nervosismo, indignação e injustiça nas versões de atribuição de causa interna e os sentimentos de alívio, satisfação e tranquilidade nas versões de atribuição de causa externa. A causa interna do atraso do professor gerou reações emocionais negativas mais intensas, F(3, 220) = 4,77, p < 0,01.

Os dados mostraram também que houve uma interação do sexo do respondente com a versão do cenário na variável aceitabilidade, F(3, 220) = 2,95, p = 0,03. Esses dados revelaram que os homens apresentaram níveis de aceitabilidade maiores e níveis de incômodo menores que as mulheres (Tabela 1).

 

 

 

Discussão

A teoria da atribuição de causalidade de Weiner (2006) possibilita o desenvolvimento de hipóteses para determinados julgamentos em função de características específicas da situação induzida. A hipótese primária foi sustentada, mostrando como cada causa apresentada para o atraso do professor gerou reações diferentes pelos alunos. Os dados deram suporte à previsão de que os participantes relatariam reações negativas (maior incômodo, emoções negativas mais intensas, maior probabilidade de reclamar e menor aceitabilidade) ao professor que se atrasa devido a uma causa interna (dormir tarde e perder a hora da aula).

O fato de não haver diferenças significativas entre todas as versões do cenário para as variáveis dependentes contempladas possivelmente se deve ao controle da pontualidade do aluno no cenário, uma vez que independentemente de ter chegado a tempo ou atrasado para sua aula importante, os participantes relataram uma avaliação negativa frente ao atraso do professor. Como a pontualidade do próprio aluno só gerou diferenças significativas quando o cenário apresentava uma causa interna para o atraso do professor, a hipótese secundária foi parcialmente sustentada. À luz das teorias em cognição social (Fiske & Taylor, 2008), esse achado pode ser compreendido como uma evidência de atribuição interesseira, já que pouco variou se a causa do atraso era interna ou externa: o professor foi julgado rigorosamente pelos participantes desta pesquisa. Da mesma maneira, de acordo com a teoria sobre o erro fundamental de atribuição, o aluno tende a julgar as causas das circunstâncias de atraso do professor mais como internas, já que a percepção em questão não é sobre si mesmo. Já nos cenários em que o aluno chegou atrasado não houve diferença significativa das reações aos cenários em que o aluno era pontual, corroborando o modelo.

As pesquisas sobre rendimento escolar mostram como o professor influencia o aluno em sala de aula (Weiner, 2006), então a percepção do atraso do professor pode gerar julgamentos de atribuição negativa, independente do tipo de causa apresentada. Considerando os resultados encontrados por Weiner et al. (1987), essa percepção pode ser medida de maneira mais objetiva e menos subjetiva. Cardoso e Penin (2009) mostraram a importância de se utilizar recursos digitais para separar observação (com registro objetivo) e interpretações (menos acuradas e mais inferenciais) em situações como as de tempo de atraso do professor.

Possivelmente uma situação de atraso real, e não simulado, poderia gerar atribuições mais positivas quando o professor explicitar uma causa externa a sua vontade, como o pneu do carro furar no caminho para a escola. Da mesma maneira, a não constatação de diferença significativa na probabilidade de reclamar pode ser devido a uma variável interveniente: o medo dos alunos serem retaliados por demonstrar opiniões negativas sobre o professor, mesmo numa situação hipotética como a que foi descrita.

Ressalta-se ainda a importância de avaliar diferentes reações ao atraso do professor sob a ótica de poder e status em sala de aula, à semelhança dos estudos desenvolvidos por Rodrigues e Assmar (2003), que investigaram as diferentes bases de poder de Raven (1993) aplicadas a situações de aquiescência ao pedido e consequente retaliação. Embora esse estudo tenha sido aplicado a situações de submissão de enfermeiras a médicos, poder-se-ia realizar estudos futuros investigando a teoria atribucional de Weiner com a variável poder interferindo na relação aluno-professor no ambiente de sala de aula. O micro-sistema de sala de aula inevitavelmente reflete o maior status do professor sobre o aluno: interpretando o mestre como legítimo em seu atraso (é uma pessoa ocupada e importante que precisa coordenar diferentes atividades pedagógicas e administrativas na sua função docente), os alunos não expressaram tendências significativas para reclamar do atraso do professor.

Os dados relativos a sexo corroboram também os estudos revisados por Weiner (2006) diferenciando avaliações em função de sexo. As mulheres parecem ser mais exigentes em relação ao atraso do professor, principalmente levando em consideração se elas estão atrasadas ou pontuais. Os homens, por sua vez, parecem ser mais lenientes e empáticos com o professor que se atrasou, possivelmente devido ao processo de identificação com a situação de ter que trocar o pneu do carro. Considerando as diversas aplicações do estudo desse fenômeno (Tauber, 1997), a presente pesquisa se posiciona como uma contribuição para a perspectiva emocional e avaliativa do próprio aluno sobre o atraso do professor, algo que fora especulado por Dillon (1998), mas não investigado empiricamente desde então. Embora possa parecer de importância menor uma discussão sobre o atraso do professor em sala frente a questões mais amplas que envolvem rendimento e autoestima, ela guarda implicações relevantes para como se constroem as relações em sala e como podem determinar diferentes níveis de engajamento do aluno. Em uma cultura em que o atraso para compromissos é algo bastante tolerado e recorrente, é preciso compreender seus efeitos para além do prejuízo objetivo da perda de tempo valioso de ensino, voltando-se também para os efeitos maiores na formação do aluno e na criação e transmissão de normas sociais.

Utilizando a teoria de Weiner (2006) aplicada ao comportamento de ajuda, Pilati, Leão, Vieira e Fonseca (2008) encontraram que a percepção de falta de controle do alvo (sujeito que recebe as avaliações de atribuição) sobre a situação leva a estados de afeto positivo e maior intenção de ajuda por parte do observador e que quanto maior o custo, menor a intenção de ajuda, verificando inicialmente se a situação descrita de fato dispara a atribuição de causa interna, externa e suas características. Esse estudo demonstra a importância de se realizar uma checagem de manipulação para a adequada utilização do modelo teórico, já que resultados anteriores corroboram as relações previstas. Nesta pesquisa, no entanto, ao interpretar a situação de atraso do professor (de maneira objetiva), os alunos participantes percebem como o professor poderia ter controle sobre a situação do pneu do carro ter furado. A possível ambiguidade da situação nesta pesquisa, além das limitações de uma simulação, mostram que a redação de cenários experimentais deve ser cuidadosa e atenta tanto à norma social relativa às causas de atrasos do professor quanto às variáveis específicas do modelo (estabilidade e controlabilidade da causa do atraso, por exemplo).

A mesma situação inicialmente planejada para manipular uma atribuição de causa interna (perder a hora porque dormiu demais) pode ter sido interpretada como uma situação incontrolável pelo professor (p.ex., ele não consegue acordar cedo) e, portanto, ter sido avaliada de maneira empática e positiva pelos participantes. Mas uma situação inicialmente manipulada para atribuição de causa externa (o pneu do carro furou) pode ter sido interpretada como uma atribuição de causa interna (p. ex., o professor que é relaxado e não faz manutenção regular do carro). Esse problema também foi identificado por Dillon (1998) ao apresentar para os participantes razões para alunos faltarem a aula, que acabam tendo interpretação assimétrica, caso a avaliação seja feita por professores ou por alunos.

Considerando a pouca quantidade de estudos nacionais sobre a relação aluno-professor sob a ótica do próprio aluno, além da crescente preocupação com o rendimento escolar em função das interações em sala de aula, é apontada a necessidade de uma agenda de pesquisa voltada para discutir atribuições de causalidade no contexto escolar. A demanda por essa aplicação é ainda maior quando se considera o que foi discutido sobre como brasileiros percebem e lidam com o gerenciamento do tempo (Levine et al., 1980). Este estudo mostrou como a teoria de Weiner (2006) precisa ser mais utilizada para ajudar a compreender diferentes motivações para as avaliações e reações emocionais frente ao atraso do professor. Diversamente das outras teorias atribucionais de percepção social, esse modelo valoriza o papel das emoções como uma variável importante para ocasionar reações atitudinais e comportamentais (como comportamento de ajuda ou reclamação) em decorrência da avaliação detalhada de elementos de análise da causa de situações do cotidiano, principalmente no ambiente educacional (Antaki & Brewin, 1982).

No caso do ambiente de sala de aula, nota-se como os alunos relataram reações emocionais negativas intensas, causando grande incômodo e pouca aceitabilidade da situação. Cabe investigar em estudos futuros que situações de poder e que atribuições estão envolvidas na decisão de reclamar quando se percebe uma falha no serviço (Folkes, 1984). Programas de avaliação nacional, como o Sistema de Avaliação do Ensino Básico (SAEB), apontam fatores fundamentais para o desempenho do aluno, sendo especialmente relevantes para investigação na psicologia escolar e educacional as questões que envolvem a prática didática, os hábitos de estudo, o perfil do diretor da escola e o relacionamento do aluno com o professor (INEP, 2006). Essas relações, suscetíveis a falhas (como o atraso do professor), podem também ser investigadas em estudos futuros sob o aspecto de seus efeitos na qualidade do ensino e do desempenho dos alunos, já que dependem, entre outros, dos recursos utilizados, das competências didáticas e, não menos importante, do envolvimento dos alunos.

O sucesso escolar é tipicamente atribuído pelo aluno do ensino fundamental e médio a causas internas, como o esforço pessoal, enquanto o insucesso é atribuído a causas externas a ele, como o uso de métodos inapropriados de ensino (Almeida, Miranda, & Guisande, 2008). Pode-se inferir que iniciar uma aula com atraso faz parte da percepção de uma relação inapropriada entre aluno e professor, embora esse aspecto possa passar despercebido, pouco valorizado na literatura da área ou mesmo algo absolutamente corriqueiro no Brasil (Levine & Norenzayan, 1999). Ainda refletindo sobre as relações num serviço educacional, este estudo se limitou a simular cenários de atraso do professor, gerando relato de atitudes frente a esse atraso. Considerando as diferenças entre atitudes e comportamentos (Cardoso & Penin, 2009), para pesquisas futuras é indicada a utilização de medidas comportamentais de reações ao atraso do professor.

Esta pesquisa oferece potenciais contribuições metodológicas, teóricas e práticas. Valendo-se de cenários experimentais para testar diferentes hipóteses levantadas pela revisão de literatura, testou um modelo consagrado de atribuição de causalidade aplicado à situação de atraso do professor em sala de aula (sob a ótica do aluno). Além de proporcionar a compreensão de um fenômeno que pode influenciar o desempenho escolar de alunos (Boruchovitch & Martins, 1997), suas aplicações podem ser também úteis para profissionais que atuam nas escolas, assim como em outros tipos de organização, atendendo às agendas de pesquisa baseadas na teoria atribucional (Martinko, 2004; Weiner, 2006). Da mesma forma, constituem insumo para compreender como atores e observadores utilizam motivos, legítimos ou ilegítimos, para resolver conflitos interpessoais relacionados ao atraso em compromissos em diferentes contextos, de relevância para a psicologia transcultural e para a psicologia social aplicada à escola.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Lude Marieta Gonçalves dos Santos Neves
ludemarietag@gmail.com

Fabio Iglesias
iglesias@unb.br

Submetido em: 14/10/2014
Revisto em: 27/07/2015
Aceito em: 07/09/2015

 

 

* Texto referido a pesquisas apoiadas pela CAPES (bolsa de mestrado: primeira autora), CNPq (Edital Universal) e FINATEC (Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos-Edital de fomento).

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