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Arquivos Brasileiros de Psicologia

versão On-line ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. vol.68 no.2 Rio de Janeiro ago. 2016

 

EDITORIAL

 

 

Uma publicação seriada depende das submissões e do cuidadoso processo editorial para expor publicamente reflexões de interesse da comunidade, regime que impõe certa aleatoriedade à escolha dos temas veiculados. Este segundo número do volume 68 de Arquivos Brasileiros de Psicologia, com dez artigos inéditos da variada trama de pesquisa própria à psicologia, aglutina algumas das grandes preocupações das ciências humanas e sociais: a adolescência, a velhice, a clínica e a terapia, a educação, a reflexão teórica e o encontro com o outro.

Como veículo de expressão da diversidade, esta edição expõe algo da riqueza metodológica que caracteriza a psicologia. Entre os caminhos de pesquisa relatados nos artigos podemos constatar a presença de entrevistas e questionários, da análise de discurso, de instrumentos de avaliação psicológica, de procedimentos de inspiração psicanalítica, do uso de software para classificação dos dados obtidos, da etnografia, de análises histórico-epistemológicas e da análise contrastiva.

Este número marca a despedida da atual editora cuja participação iniciou-se em 2007. Por essa razão optamos, neste editorial, por fazer um breve balanço do trabalho realizado. Interressa-nos, igualmente, expor aspectos que nos tocam como comunidade acadêmica envolvida com a pesquisa, a formação profissional e a intervenção social, que tem na publicação de seus escritos um dos meios de sua ação.

Em termos quantitativos, foram publicados sob os cuidados desta editoria 27 números regulares e 1 número especial. Esse período deu continuidade ao esforço da equipe anterior de restabelecimento da periodicidade da publicação e de sua qualificação diante da realidade editorial implantada no mundo acadêmico brasileiro na década passada. Nos últimos decênios foram muitos os ganhos decorrentes das novas formas de regulação da divulgação da pesquisa acadêmica em publicações seriadas no Brasil. Eles incluem o acesso gratuito, a ampliação exponencial da visibilidade dos artigos resultante da padronização técnica do material e da indexação, a avaliação cuidadosa do material submetido ao processo editorial e a construção de uma rede de serviços técnicos especializados que apoiam as editorias dos periódicos. Tudo isso resulta na sofisticação técnica do trabalho de editor de um periódico acadêmico. Nesse contexto, gostaríamos de sublinhar alguns aspectos do funcionamento editorial de interesse para nossa reflexão.

É bastante evidente que os periódicos não produzem pesquisas. Eles participam do processo mais amplo de produção investigativa divulgando o trabalho realizado, quase exclusivamente, nas universidades. Entretanto, seria uma simplificação abusiva afirmar que seu papel consiste basicamente na publicização de investigações. O processo é claramente dialético e há, entre os aspectos da experiência editorial, a seleção de escritos resultante de avaliações por pares do conteúdo das submissões e, em certa medida, a indução de temas, de procedimentos e, mesmo, de políticas de escrita por parte das revistas. Estes aspectos são notórios e facilmente identificáveis por pesquisadores/as que divulgam suas pesquisas em periódicos. No entanto, há outros cuja visibilidade se impõe aos editores de forma mais sistemática do que aos autores e demandam a reflexão da comunidade acadêmica sobre seu próprio funcionamento. Nesse momento de conclusão de nossas atividades como editores de Arquivos Brasileiros de Psicologia, tendo em vista o cenário nacional, nosso interesse se dirige ao incremento de uma universidade solidária e mais qualificada.

No Brasil, as políticas de fomento à pós-graduação, presentes de forma mais sistemática a partir de 1990 na área das ciências humanas e sociais, implantou um sofisticado sistema de avaliação tanto dos pesquisadores como dos programas de pós-graduação. O crescimento do número de programas de pós-graduação em psicologia, dos periódicos, dos eventos acadêmicos, a variedade e riqueza das pesquisas produzidas nas últimas décadas, a sedimentação de grupos e a consolidação de intercâmbios de pesquisa, tanto entre brasileiros como entre centros de pesquisas de variados países, estão claramente relacionados às políticas acima mencionadas. Entre esses múltiplos e intensos efeitos cabe também indicar aspectos que demandam nossa atenção e, a nosso ver, mudanças.

O produtivismo exacerbado presente em nossa comunidade acadêmica pode ser claramente observado nos periódicos. Esse talvez seja o local em que a busca de reconhecimento e valorização hierárquica deixa suas marcas mais negativas. Em seu cotidiano, uma editoria lida com problemas como a submissão massiva de textos "inacabados", com autorias extensas, frequentemente referidos à pesquisas ainda incipientes ou elaboradas por pesquisadores iniciantes. São textos que requerem, não raro, atenção mais cuidadosa da equipe de edição, reclamando um acabamento mais delicado para geração de um produto que contribua de forma rica para a comunidade acadêmica. Sabemos que em ciências humanas e sociais tal burilamento exige tempo, diálogo, leituras, procedimentos rigorosos que têm se tornado incompatíveis com os rigores quantitativos dos sistemas avaliativos, tanto de pesquisadores individuais quanto de programas e outros centros dos quais fazem parte.

A prática de submeter escritos que podem ser considerados ainda em elaboração sobrecarrega o processo editorial. Aos editores cabe, como parte de suas funções, o exercício do trabalho ingrato de recusar grande número de submissões por seu estado embrionário, tomando por base os pareceres circunstanciados de avaliadores. Os índices de recusa têm sido muito elevados, ultrapassando a metade do material apresentado ao periódico. Tal realidade não se restringe a esta revista. No plano das relações individuais, não é incomum que autores/as se relacionem com a equipe do periódico de forma intolerante e até mesmo agressiva, modo muito distante do espírito colaborativo que deveria reger essas relações. O crescimento expressivo do número de submissões amplia também a demanda por pareceristas qualificados. Demanda que tem se tornado cada vez mais difícil de atender, quer pela recusa direta quer pela indiferença à solicitação, quer pela pressa com que alguns pareceres são realizados. Para um periódico como este, generalista e bem avaliado, é frequentemente impossível convidar avaliadores do círculo de relações da equipe editorial dada variedade de temas e a quantidade de submissões. Conquanto este relacionamento ríspido deva ser objeto de atenção, convém indicar que muitas são as manifestações de reconhecimento do esforço de produção regular da ABP tanto quanto de apreço pelo que ela representa desde 1949, por parte da comunidade.

No plano do fomento à pesquisa em nosso país, no cenário sombrio dos últimos tempos, algumas questões se colocam. O escasseamento de verbas vem se intensificando e o notável panorama de publicações acadêmicas de qualidade e de acesso gratuito no Brasil encontra-se ameaçado. A gratuidade do acesso aos artigos aqui firmada é algo singular se comparada a outros países. Assim, observamos o estabelecimento de novos procedimentos de gestão do mundo editorial. Um deles, o deslocamento do financiamento dos periódicos dos órgãos de fomento para os autores, projeto já consistente nos dias atuais e que contribui para a hieraquização das pesquisas por meio de artifícios alheios a sua qualidade. No âmbito do apoio dos órgãos de fomento há inconsistências que merecem a atenção e o debate ampliado dos pesquisadores. Alguns editais de apoio às publicações acadêmicas impõem, como condição para participação, a indexação do periódico a um conjunto muito restrito de indexadores que não respeitam a diversidade das áreas. Um indexador de significativa relevância para uma área é desconsiderado pelo órgão de fomento e sumariamente excluído do critério de seleção. Recentemente o CNPq restringiu o apoio aos periódicos que estivessem em pelo menos duas das seguintes bases ISI (Thomson Co.), Scopus (da Elsevier), PubMed (US National Library of Medicine) ou Scielo. Este periódico - indexado na Scopus e também na PsycInfo, Lilacs, Latindex, Clase, Psicodoc, Redalyc, Pepsic, entre outros - não pode submeter proposta ao edital a despeito da relevância de alguns desses indexadores para a psicologia.

Os periódicos científicos correspondem, certamente, a uma parte apenas do grande emaranhado que é a pesquisa no mundo acadêmico. No entanto, eles aglutinam alguns nódulos que clamam pelo envolvimento coletivo tanto quanto por modificações quanto à políticas individuais, grupais, institucionais, subjetivas e governamentais. A manutenção do sofisticado e relevante sistema de publicações acadêmicas de acesso livre, fruto de imenso trabalho, implica o envolvimento de nossa comunidade. É o convite que esta editoria gostaria de formular aos colegas editores, pesquisadores e autores.

Para finalizar, registramos um enfático agradecimento aos estudantes, graduandos, mestrandos e doutorandos, orientandos de Vera L. Besset no PPGP do IP-UFRJ, que ao longo dos últimos anos tornaram possível a edição desta revista, aceitando o desafio de integrar sua equipe. Para eles essa participação foi, sem dúvida, uma oportunidade de formação ímpar. Para a ABP ela representou, certamente, a viabilização de sua continuidade. No ultimo ano, destacamos, nominalmente: Carla O. Fernandes, Rogério de A. Barros e Bernardo Arbex. Em anos anteriores, Bruna Brito, Gabriella Dupim e Marina V. Espinoza.

 

Francisco T. Portugal

Vera L. Besset

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