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Arquivos Brasileiros de Psicologia

versão On-line ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. vol.68 no.2 Rio de Janeiro ago. 2016

 

ARTIGOS

 

Crianças e adolescentes adotivos: como são vistos pela escola?

 

Adoptive children and teenagers: how they are perceived by the school?

 

Niños y adolescentes adoptivos: ¿cómo son percibidos por la escuela?

 

 

Lúcia Fátima VelosoI; Maria Helena Rodrigues Navas ZamoraII; Maria Lúcia Rocha-CoutinhoIII

IPsicóloga. Universidade Federal Fluminense (UFF). Niterói. Estado do Rio de Janeiro. Brasil
IIDocente. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Rio de Janeiro. Estado do Rio de Janeiro. Brasil
IIIDocente. Programa de Pós-Graduação de Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social. Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Rio de Janeiro. Estado do Rio de Janeiro. Brasil

Endereços para correspondência

 

 


RESUMO

Apesar de os estudos sobre adoção serem numerosos, muito pouco é encontrado sobre como a adoção é percebida pela comunidade escolar. O objetivo desta pesquisa é analisar como crianças e adolescentes adotivos são percebidos pela escola. A hipótese central é que a escola atribui à adoção a causa das dificuldades de aprendizagem e de comportamento dos alunos que são filhos adotivos. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com sete profissionais que atuam na área de educação, no ensino fundamental e médio, em escolas da rede particular da cidade de Niterói-RJ. O material foi tratado pela análise de discurso. Dentre os resultados encontrados pode-se afirmar que as escolas não atribuem unicamente à adoção a causa das dificuldades de comportamento e de aprendizagem dos alunos que são filhos adotivos, apesar das falas repletas de ideias preconceituosas sobre o tema.

Palavras-chave: Adoção; Escola; Preconceitos.


ABSTRACT

While studies of adoption are numerous, very little is found about how adoption is perceived by the school community. The objective of this research is to analyze how adopted children are perceived by the school. The central hypothesis is that the school attributes to adoption the learning disabilities and behavioral difficulties of students who are foster children. We interviewed seven professionals working in elementary and secondary education in private schools in Niterói-RJ. The interviews were seminstructered, fully transcribed and the resulting texts were subjected to discourse analysis. Among the findings it can be said that the professionals do not attribute solely to adoption the behavioral and learning difficulties of students who are foster children, despite the fact that their speech were full of prejudiced ideas about the topic.

Keywords: Adoption; School; Prejudices.


RESUMEN

Mientras que los estudios de adopción son numerosos, muy poco se encuentra en cómo se percibe la adopción por la comunidad escolar. El objetivo de esta investigación es analizar cómo los niños adoptados son percibidos por la escuela. La hipótesis central es que la escuela atribuye a la adopción las dificultades de aprendizaje y de comportamiento de sus alumnos que son hijos adoptivos. Se realizaron entrevistas semiestructuradas con siete profesionales que trabajan en la enseñanza en la educación primaria y secundaria en escuelas privadas en Niterói-RJ. El material se sometió a el análisis del discurso. Entre los resultados, se puede decir que no se atribuyen exclusivamente a la adopción las dificultades de comportamiento y de aprendizaje de los estudiantes que son hijos adoptivos, a pesar de las hablas repletas de prejuicios acerca del tema.

Palabras clave: Adopción; Escuela; Prejuicios.


 

 

A adoção é um tema que tem sido abordado com frequência na literatura (Amazonas, Veríssimo, & Lourenço, 2013; Baptista, Soares, & Henriques, 2013; Camargo, 2006; Eiterer, 2011; Turkenicz, 2012). Apesar do número crescente de estudos, poucos são os que abordam a relação entre escola e adoção. O objetivo deste trabalho é analisar como crianças e adolescentes adotivos são percebidos pelos trabalhadores da educação. A hipótese central é que a escola atribui à adoção a causa das dificuldades de aprendizagem e de comportamento dos alunos que são filhos adotivos.

Com a finalidade de conhecer melhor o tema, foi realizada uma pesquisa qualitativa na qual foram entrevistados profissionais da área de educação que atuam no ensino médio e fundamental em escolas de classe média e alta da rede particular de ensino da cidade de Niterói, uma cidade de cerca de 500 mil habitantes do estado do Rio de Janeiro. O material resultante da transcrição das entrevistas foi tratado pela análise de discurso (Fairclough, 2001), que entende o discurso como uma prática social, constituindo identidades as relações sociais, bem como, no caso, os sistemas de crenças que fundamentam as práticas relacionadas à adoção na escola.

Os resultados revelam discursos ainda influenciados pelos antigos mitos e preconceitos existentes na sociedade e apontam para o fato de que a escola deve passar a trabalhar não apenas a adoção, mas também as distintas configurações familiares. Este trabalho aponta também para a necessidade de se desmistificar a família adotiva, mostrando-a como uma forma de constituir uma família real, com características específicas. Ele contribui para preencher a lacuna existente em termos de material bibliográfico abordando a relação da escola com a adoção.

 

A adoção na história

A adoção é uma prática antiga que visa favorecer a entrada de alguém em uma família, no lugar de filiação, em geral uma criança ou pessoa jovem. A história da adoção de crianças está ligada à do abandono, que coexistem e se sustentam mutuamente (Camargo, 2006). No Ocidente, o abandono de bebês e o infanticídio sempre aconteceram (Weber, 2001), embora tenham variado as motivações, as circunstâncias e as atitudes face ao fato amplamente praticado e aceito (Marcílio, 2006).

Deixada à própria sorte durante séculos, a infância pobre era ou mão de obra barata ou relegada à marginalidade. A proteção à infância hoje é um valor, mas nem sempre foi assim (Eiterer, 2011). A própria noção de infância foi construída histórica e culturalmente, não sendo um fato natural, como mostra o conhecido estudo de Ariès (1978). Como aponta Ayres (2009), "a invenção e a valorização da infância e seu movimento de institucionalização se deram simultaneamente ao processo de invenção da família e da escola" (p. 98). Criança, família e escola foram se modificando a partir do final do século XVIII, com a emergência do capitalismo (Donzelot, 1980). Ayres (2009), Costa (1979) e Machado (1978), entre outros, mostram a importância política de se controlar a família na modernidade, bem como sua aliança com o poder médico.

A adoção, como é conhecida na modernidade, começou a surgir após as grandes guerras, quando a orfandade aumentou e a institucionalização ainda era pensada como a principal solução (Guimarães, 2010). Nessa época, contudo, estudos mostraram que a permanência nos orfanatos causava danos, reforçando, assim, a prática da adoção.

No Brasil, a adoção foi marcada por "posturas caritativas, repressivas, assistencialistas até se chegar propostas de acolhimento e escolhas responsáveis" (Marques, 2011, p. 29). A informalidade parece ter marcado a história das práticas similares à adoção, como os chamados "filhos de criação", em geral filhos de pobres mantidos na casa de pessoas de posses como membros da família, mas tratados como empregados. Outras práticas, como a circulação de crianças (Fonseca, 2002) e a adoção à brasileira mostram uma tendência a evitar a burocracia (Vargas, 1998).

A primeira lei brasileira sobre adoção data de 1828, como aponta Weber (2001), mas até 1916, os textos jurídicos abordando o tema eram praticamente inexistentes. Ayres (2009) mostra que, na reforma do Código de Menores de 1977, o discurso favorável à adoção deveu-se às milhares de crianças nos internatos, afastadas de suas famílias pobres (Arantes, 1995; Marques, 2011). O Código possibilitava a retirada do pátrio poder dessas famílias e as encaminhava para outras.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e a Convenção Internacional de 1989 influenciaram a elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a Lei 8069/90 (Brasil, 1990). Esta lei equipara o filho natural ao adotivo, define que a adoção passa a ser irrevogável, prioriza as necessidades e direitos da criança e adolescente e facilita o processo para os aspirantes à adoção.

 

Novas configurações familiares

A família, sendo uma construção social, vem se transformando (Alves, Cabral, Ladvocat, Passos, & Sodré, 2002; Dias, Aguiar, & Hora; 2010; Guimarães, 2010). De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2010, citado por Cardoso, 2011), nas duas últimas décadas, as ditas funções maternas (e paternas) podem ser ocupadas por avós, tios, irmãos e padrastos.

Contudo, ainda persistem as expectativas da sociedade em relação à família tradicional (Camargo, 2006). A concepção naturalizante de família faz com que ela seja vista como produto da reprodução biológica, percebendo esse modelo como o da família ideal. A tarefa procriativa da família, entre outros fatores, pode, por exemplo, fundamentar os preconceitos em relação às uniões homossexuais (Ceccarelli, 2007; Vilhena, A. C. B. Souza, Uziel, Zamora, & Novaes, 2011).

Para Ceccarelli (2007), as diferentes configurações familiares eram ignoradas ou consideradas marginais em relação à família tradicional. O autor sustenta, a partir de estudos psicanalíticos, que não existe uma organização familiar ideal que possa garantir o desenvolvimento sadio do sujeito, uma vez que "do ponto de vista psíquico, as famílias são sempre construídas e os filhos sempre adotivos, pois são os laços afetivos que, como todo investimento que vão organizar o significante família" (p. 18).

 

Preconceitos e mitos na adoção

Barthes (1987) define mito como uma distorção da realidade que produz uma significação natural e eterna. Motta (2001) cita como função dos mitos, desde épocas primitivas, atribuir sentido, significado e finalidade aos aspectos da existência humana, principalmente àqueles carregados de dúvida, ansiedade e perigo. Os mitos são transmitidos através das gerações e fazem parte da herança cultural humana.

H. P. Souza (2008) define preconceito como "uma opinião formada sem conhecer os fatos, ponderar ou levar em conta a sua contestação. Gera atitudes discriminatórias" (p. 152). Weber (1999) afirma que "a sociedade cria preconceitos sobre aqueles que são estigmatizados, exclui os diferentes como uma maneira de tentar garantir a sua própria normalidade" (p. 19) e que os mitos descrevem ideias que são universalizadas. E, no caso da adoção, traduzem um modo estereotipado de compreendê-la, podendo desenvolver o preconceito. Weber (2000) ressalta que a associação a mitos e a valorização dos laços de sangue fazem com que a adoção tenha o significado de um problema para a população em geral, psicólogos, psiquiatras, professores e, também, pai adotivos.

Andrei (2001) aponta que vários preconceitos estão baseados no mito de que a adoção é um desvio da norma universal da filiação consanguínea. O preconceito do "sangue ruim" está ligado ao "filho de sangue", ou seja, ao temor de que a criança adotada tenha herdado "vícios de comportamento ou de caráter dos seus pais biológicos" (p. 46). Weber (2001) afirma que a cultura dos laços de sangue é tão forte que faz com que as pessoas acreditem que só através deles uma relação é legítima. Camargo (2012) ressalta que essa cultura privilegia a adoção de bebês, o que pode estar ligada ao mito de que crianças mais velhas estariam marcadas pela rejeição. Camargo (2006) mostra que ao mito do laço de sangue pode se associar o mito da revelação, que se fundamenta na ocultação para o adotivo da sua origem. Para isso, futuros pais exigem que a criança tenha traços fisionômicos semelhantes aos deles, "fato esse que culminou com a cristalização de mitos e preconceitos em torno da adoção, principalmente, adoção tardia e da adoção inter-racial" (Camargo, 2012, p. 41). Para Andrei (2001), além disso, o preconceito racial justificaria a recusa em adotar crianças negras.

Segundo Schettini Filho (1989), há em nossa cultura uma supervalorização da ligação hereditária. Berthoud (1997) afirma que o maior preconceito está relacionado à herança genética e a transmissão de traços negativos de caráter e temperamento. Maldonado (1995) concorda que a hereditariedade pode servir como justificativa a comportamentos indesejáveis.

Outro mito que pode alimentar o preconceito contra a adoção é o do amor materno incondicional (Badinter, 1985). Ele influencia a forma como é vista a mãe que entrega seu filho para adoção. Para Motta (2001), porém, elas são mães abandonadas pelo Estado, pelo pai do seu filho, pela família e recorrem à doação de seu filho como única alternativa. Essa mãe, via de regra, fica esquecida no processo de adoção (Ferreira, Ghirardi, & Silva, 2012).

Outro mito refere-se à possibilidade do adotado estabelecer vínculos com os pais adotivos. Berthoud (1997) afirma que "a qualidade do apego em famílias adotantes é similar à encontrada em famílias biológicas" (p. 68). Camargo (2006) alerta que o vínculo na adoção é uma via de mão dupla: a família adota a criança e a criança adota a família. Eiterer (2011) reforça a ideia de que o vínculo entre os membros da família deve ser conquistado independente da consanguinidade. Alvarenga (1999) mostra que os pais, ao satisfazerem as necessidades do filho, tornam-se pais psicológicos, construindo uma relação nas mesmas bases da paternidade biológica.

Schettini (2007) considera um fato universal os pais encontrarem dificuldades com a educação dos filhos, mas nas filiações por adoção, muitas vezes, elas são percebidas de forma exagerada. Acreditar que o filho biológico é um filho sem problemas é uma ilusão, tanto quanto é falso presumir que a adoção será a causa de todos os problemas que a criança venha a ter. Ferreira (1994) e R. Souza (2006) mostram que, pelos preconceitos sociais, muitas vezes, é exigida da criança adotada uma conduta mais correta do que a de outras.

Ao analisar a adoção por homossexuais, Camargo (2012), Cecílio, Scorsolini-Comin e Santos (2013) e Uziel (2007), e afirmam que nesse caso o objeto-alvo dos preconceitos e mitos é quem vai adotar. Argumentos como os prejuízos que o filho de um casal homoafetivo teria na constituição de sua identidade reforçam os preconceitos.

 

Adoção, segredo e aprendizagem

Para Polity (2004), a dificuldade de aprendizagem pode ter como causa fatores orgânicos, intelectuais, cognitivos e emocionais. A autora assinala que, na ausência de fatores orgânicos ou de déficit intelectual, as tramas familiares podem justificar as dificuldades de aprendizagem, tornando o saber ameaçador, fazendo com que a criança opte pela renúncia à curiosidade, como forma de evitar os segredos.

Analisando o segredo mantido por algumas famílias adotivas, Maldonado (1995) afirma que as crianças que não foram oficialmente informadas sobre a adoção podem apresentar dificuldades de aprendizagem, pois sabem que há muitas coisas que não podem saber e acabam bloqueando a curiosidade e a capacidade de aprender. Fernandez (1990) afirma que um problema de aprendizagem que constitui um sintoma deve ser entendido em sua função dentro da família. A impossibilidade de simbolizar é que provoca o sintoma e ele vem expressar algo sobre o que a família não pode falar. Levinzon (2009) afirma que esses sintomas são sinais de sofrimento e aparecem acompanhados de angústia.

Schettini Filho (1999) é enfático ao afirmar que "muitos adotivos que apresentam dificuldades de aprendizagem revelam capacidade intelectual compatível com sua faixa etária, e, em alguns casos, demonstram inteligência acima da média de seu grupo" (p. 61). O desconhecimento sobre sua origem, e não a adoção, é que pode ocasionar bloqueios na aprendizagem.

 

Escola e adoção

A instituição escolar passou por um grande desenvolvimento a partir da segunda metade do século XX. A importância social da escola aumentou e "o próprio aprendizado da vida em sociedade foi-se deslocando da família para a escola" (Turkenicz, 2012, p. 396). Eiterer, Silva e Marques (2011) afirmam que, sendo a educação um direito fundamental e a escola um espaço pedagógico, o ensino formal deve ser ministrado em igualdade de condições para todos, sem distinção. Assim, pensar a escola na perspectiva da inclusão implica "investir na formação de cidadãos socialmente solidários, críticos e engajados na defesa dos direitos sociais" (p. 9).

Eiterer (2011) afirma que há uma visão predominante e idealizada de família, composta de pai, mãe e filhos. É um equívoco tomar esta idealização como modelo na escola, "restando às crianças e aos jovens arcarem com o peso dos preconceitos de quem as julga" (p. 79). Segundo Marques (2011), ainda se usa a expressão "família desestruturada" para se referir aquelas que diferem do modelo patriarcal burguês (p. 26).

A escola não pode ficar alheia às mudanças que ocorrem em seu meio, devendo ressignificar o conceito de "famílias disfuncionais" (Chuster, 2004, p. 198). Paiva (2004) afirma que a comunidade escolar tende a perceber a adoção como a causa de problemas ou sintomas diversos, transformando-a em eixo do trabalho com essas crianças. Um dos papéis da escola, como ressaltado por Alloero, Pavone e Rosati (2001), é contribuir para a reformulação do "conceito de paternidade e maternidade, entendido não apenas como derivado de uma relação biológica, mas também, e, sobretudo, como consequência de uma relação afetiva, construída dia após dia" (p. 221).

H. P. Souza (2008) afirma que muitos professores não recebem conhecimentos sobre a adoção em sua formação acadêmica e não sabem como lidar com ela. Alloero et al. (2001) alertam que a falta de uma formação pode levar o professor a ter atitudes equivocadas como, por exemplo, "a manifestar uma proteção especial ao aluno, ou criar mitos sobre sua origem ou ainda, atribuir aos pais biológicos tudo aquilo que ele considera inaceitável na criança" (p. 224).

H. P. Souza e Casanova (2011) ressaltam que é papel da escola evitar que a criança adotada sofra preconceito, trabalhando as diferenças entre os alunos e a existência de diferentes tipos de famílias. Para Alloero et al. (2001), ao trabalhar a adoção na sala de aula, vários cuidados precisam ser tomados, já que "a família real é extremamente diferenciada e diversificada" (p. 233). A escola deve abordar a existência de crianças, que por vários motivos, não vivem ou não têm pai, mãe ou os dois e precisam ser cuidadas por outras pessoas, como avós, tios ou instituições (H. P. Souza & Casanova, 2011). Para H. P. Souza (2008), a escola é um local adequado para se trabalhar as diferenças de cor, credo e de estrutura familiar. Para a autora, os livros didáticos praticamente não abordam a adoção, mas "os professores podem abordar o tema ao estudar a família, a reprodução humana, a cidadania, a vinculação afetiva" (p. 170). Silva (2011) considera importante levar para a escola a discussão sobre o preconceito e a exclusão social nos processos de adoção.

 

Método

Participantes

Foram entrevistadas sete profissionais que trabalham na área de educação, na rede particular que atuam no ensino médio e fundamental na cidade de Niterói-RJ. As participantes foram indicadas por pessoas conhecidas. O número de participantes não foi determinado a priori. O critério da saturação foi utilizado, ou seja, quando as respostas foram tornando-se repetitivas, paramos as entrevistas.

Seguem algumas características das entrevistadas, que tiveram seus nomes alterados para preservar o sigilo.

Sofia: professora do ensino fundamental, com quarenta e dois anos de experiência e mestrado na área de educação; atuou na rede pública, foi orientadora pedagógica, diretora e pedagoga.

Lourdes: orientadora educacional, psicopedagoga, com trinta anos de experiência como professora e dois como orientadora educacional.

Izabel: professora que atua na rede pública e particular, com experiência de vinte e três anos no cargo.

Esther: orientadora educacional, atuando no ensino fundamental, com dez anos de experiência na atual escola.

Sara: orientadora educacional no ensino médio com trinta anos de experiência, já tendo atuado como professora.

Selma: orientadora educacional no ensino fundamental com quinze anos de experiência, já tendo atuado como professora.

Margareth: psicopedagoga, psicóloga, com dezoito anos de experiência.

Instrumentos

A entrevista foi utilizada como técnica de coleta de dados, numa pesquisa de natureza qualitativa, com o objetivo de aprofundar o tema. A entrevista foi semiestruturada e seguiu um roteiro previamente elaborado e testado em uma entrevista piloto.

Procedimentos

As profissionais foram entrevistadas individualmente nos locais e horários de sua conveniência. As entrevistas foram gravadas em áudio e transcritas na íntegra. As participantes foram esclarecidas quanto aos objetivos da pesquisa, ao sigilo em relação a suas identidades e todas assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

As entrevistas foram tratadas pela análise de discurso (Fairclough, 2001; Pinto, 1999), que consideram esse instrumento o lugar de manifestação da ideologia de uma sociedade na subjetividade de seus membros. Através da análise dos discursos das profissionais, buscam-se as ideias sociais compartilhadas por esse grupo, já que se acredita que os discursos refletem e reforçam as ideologias existentes nos contextos em que estão inseridos e também seus conflitos. Considera-se aqui a análise de discurso crítica, que não opera a partir do pressuposto da neutralidade e compromete-se com a transformação da realidade pesquisada (Magalhães, 2005). Uma vez transcritas integralmente as entrevistas e a realização do tratamento dos dados para análise de discurso (Rocha-Coutinho, 1998), chegou-se ao reconhecimento das seguintes categorias: Família e Novas Configurações Familiares; Preconceitos e Mitos sobre a Adoção; Adoção, Segredo e Aprendizagem; Filhos Biológicos e Filhos Adotivos; Escola e Adoção; Adoção como Causa dos Problemas de Aprendizagem e Comportamento.

 

Resultados e Discussão

Família e novas configurações familiares

Quando perguntadas sobre o que entendem por família, a maioria das entrevistadas aponta a importância dos vínculos afetivos, ressaltando a convivência entre as pessoas como fundamental nas relações: "Família para mim é convivência" (Sofia).

Para algumas, contudo, ainda persiste o modelo familiar tradicional em suas visões do que consideram família: "Pai, mãe e irmãos" (Selma).

De forma geral, as entrevistadas percebem a mudança pela qual a família vem passando ao longo do tempo, culminando com a existência de várias configurações familiares: "Tem as famílias de homossexuais, tem famílias de avós, existe família até de irmãos, eu já me deparei com isto na escola" (Sofia).

As mudanças ocorridas na instituição familiar ao longo do tempo, percebidas pelas entrevistadas vão ao encontro do que é apontado pela literatura sobre o tema. Autores como Turkenicz (2012), Eiterer (2011) e Camargo (2006) analisam a família como um fenômeno social e histórico, destacando que na sociedade atual o modelo tradicional da família nuclear convive com outros arranjos familiares, como a família monoparental, a proveniente de recasamento, e a homoparentalidade. Cardoso (2011) destaca a tendência da família contemporânea em precisar da colaboração dos avós para a criação dos filhos, inclusive muitos avós passaram a ter atribuições relativas às de pais, sendo responsáveis pela educação e subsistência de seus netos.

Preconceitos e mitos sobre a adoção

A maioria das entrevistadas aponta a questão genética, a importância dos laços de sangue e a possível transmissão de determinadas características indesejáveis, como fatores que influenciam na percepção social da adoção. É importante acentuar que as entrevistadas situavam o preconceito nos outros e não em si própria: "O que essa criança traz de bagagem, né? Como era essa família? O que essa família passou para essa criança? O que foi passado para ela, será que tem como mudar?" (Izabel).

Então, eu fico pensando, não sei como seria... essa criança. Eu sei de tudo. Eu olhando pra minha filha hoje, eu vejo os defeitos e as qualidade, e a gente tenta, talvez até de uma forma errada, tentar encaixar em algum espaço, né?, nas pessoas da família. Eu não sei se eu conseguiria fazer isso, é o medo, então, eu não adotaria (Selma).

Questão genética. Existe um preconceito muito grande. Eu vejo isso na sociedade, observo de algumas pessoas também. O medo do que aquela família vai trazer, o medo do que tem o DNA daquele jovem ou daquela criança que vem para família, e muita gente tem informação do que eu escuto, de que o filho adotivo é aquele que vai trazer problema, dificilmente é aquele que traz alegria, noventa, cem por cento, vinte e cinco por cento no máximo traz alegria, os outros tantos dá sempre uma alteração, e não tem tanto esse amor que a família tem por ele, entendeu? (Lourdes).

Como pudemos observar nas falas acima, o desconhecimento sobre as origens biológicas pode ocasionar medo. A força dos laços consanguíneos, para elas, pode influenciar o fato de alguns pais adotivos se sentirem impotentes na educação de seus filhos, diante da rigidez com que são vistas as características imutáveis herdadas biologicamente. "Eu percebo que muita gente tem medo de adotar porque não conhece a família de quem vem, muitas vezes não conhece a família de onde vem" (Lourdes).

Eu acho que havia um receio, de repente, essa criança podia ter uma genética, já escutei várias vezes isso... né?, como essa criança vai chegar, se vai conseguir cuidar dessa criança, o que ela traz, se a bagagem que ela traz vai pesar muito, se vai conseguir colocar do jeitinho da família (Izabel).

E aí quando se deparam com alguma dificuldade e aí lançam mão da família biológica, esses traços vêm de lá, eu não vou dar conta disso. E aí cria uma situação difícil de lidar e aí é como se você fosse refém da situação, em que não pudessem fazer nada (Margareth).

As falas das entrevistadas refletem a influência do mito dos laços de sangue na percepção das crianças e adolescentes adotivos. Esse resultado reforça a ideia de autores como Berthoud (1997) que acredita que o maior preconceito ligado à adoção está relacionado à herança genética. Ladvocat (2002) afirma que as famílias adotivas têm medo de que seus filhos demonstrem sinais de suas famílias de origem. Andrei (2001) comenta que, mesmo não existindo comprovação científica para a ideia de que características de comportamento e de caráter possam ser transmitidas hereditariamente, muitas pessoas acreditam nesse mito, alimentando o preconceito contra a adoção.

A adoção tardia é temida pela sociedade e nossas entrevistadas acreditam que as pessoas preferem adotar bebês porque acham que podem moldá-los mais facilmente à cultura familiar:

As pessoas ainda temem, outras acolhem bem, mas ainda temem. As pessoas preferem bebê, no imaginário das pessoas, acham que podem moldar o bebê aos hábitos da família, na cultura, a criança vai ser inserida mais facilmente se for bebê. A criança e adolescente já têm uma formação, uma convivência anterior, mas muitos temem isto, já ouvi muito isto (Sofia).

Eu acho que a criança quando de pequena de repente é mais fácil você tá trazendo pro meio que você vive, tá ditando as suas regras, criando ali, e aí vem aquele velho ditado, é de pequeno que se torce o pepino (Margareth).

A possibilidade da adoção de um adolescente é vista com espanto ou como um ato de coragem: "Adolescente muito menos, eu raramente escuto alguém que tenha esta coragem" (Sofia).

De adolescentes?!!! (espanto, como se não tivesse ouvido direito). A maioria que conversa comigo acha que se tem que adotar, tem que adotar uma criança recém-nascida, porque aquela criança vai ser criada de acordo com os valores daquela família, vai ser educada de acordo com aqueles princípios, em contrapartida aquela criança que vem adolescente, já vem com aprendizados, com uma história, ou que não vai agradar aos pais que estão adotando, ou que esses pais não vão conseguir né, modificar essa história que já veio construída, é o que eu ouço, né (Margareth).

As falas das entrevistadas confirmam a atual cultura da adoção no Brasil, que privilegia a adoção de recém-nascidos. Esse tema foi estudado por Camargo (2006, 2012), Ladvocat (2002), Vargas (1998), que analisam o mito de que na adoção tardia, a criança mais velha estaria marcada pelo abandono, pela rejeição, pela institucionalização, tornando-se quase impossível adaptar-se à família adotiva. Baseados nesse mito, muitos pais não optam por adotar uma criança mais velha.

As entrevistadas apresentaram discursos preconceituosos com relação à adoção por homoafetivos:

Eu vejo, hoje, o casamento gay, eu acho muito legal, não tenho preconceito, é muito legal se eles não adotassem crianças, porque a adoção é um problema sério para os filhos deles, eles têm vergonha, eles têm... é... tudo, eles ficam... assim, muito assim, como eu vou dizer, medrosos, inseguros, preocupados, eu percebo uma tragédia, essa, não achei um que desse certo. (...) Então, (o aluno) sofreu muito com essa questão dos dois pais, das duas mães, e, normalmente, não são muito ajustados, né? (Sara).

"Hoje até temos a família de homossexuais" (Sofia). Contudo, Selma avalia que a escola é um reflexo da sociedade, nela existindo famílias compostas por pais homoafetivos e que os filhos não apresentavam problemas por essa razão: "É engraçado que aqui na escola, a gente percebe o que acontece na sociedade, tudo que acontece na sociedade, eu já tive casos de gay, o pai que se relacionava com o menino, e o menino levava isso numa boa".

Os discursos das profissionais entrevistadas vão ao encontro dos estudos realizados por Camargo (2012) e Uziel (2007), que afirmam que no caso da adoção por homoafetivos o alvo dos preconceitos não é a criança ou o adolescente e sim quem vai adotar. Socialmente, a homossexualidade é tratada como indesejável, patológica, geradora de problemas e o desenvolvimento dos seus filhos é uma fonte de preocupação.

Adoção, segredo e aprendizagem

Dentre as entrevistadas, Sofia e Lourdes consideram que o segredo sobre a adoção traz reflexos na aprendizagem e no comportamento dos alunos: "A dificuldade de aprendizado muitas vezes vem pela dificuldade de relacionamento, de transparência, de relação, tudo passa pela família, entendeu?" (Sofia).

Mas essa é a tal história do segredo, num verbaliza, e você vai conversar com ele, ele é uma criança que também não tem vontade de nada. [...] às vezes, o problema chega aqui, na escola, e o problema não tem nada a ver com aquele menino, ele só tá denunciando alguma coisa, que vinha na família, e quando a gente abre com a família, a família tem uma série de questões, uma série de dificuldade que não foram faladas (o segredo sobre adoção), que não eram colocadas (Lourdes).

Também para Izabel, a adoção não está ligada diretamente à dificuldades, mas à falta de clareza sobre o assunto pode ocasioná-las: "Não vejo como a adoção possa interferir desde que isso fique claro, acho que essa clareza é que faz a diferença".

Isso é reforçado por Sofia, que considera que, mesmo tendo capacidade e potencial, os alunos que não sabiam de suas adoções, apresentavam problemas: "Dos que eu acompanhei, raramente eles tinham uma boa socialização, desempenho ótimo como os outros e nós percebíamos que eles eram capazes, com potencial, era como se tivesse alguma coisa faltando na criança".

Parece que os discursos das profissionais entrevistadas confirmam os resultados encontrados por pesquisadores como Ladvocat (2002), Schettini Filho (1999), Weber (1999), Polity (2004), Maldonado (1995), Fernandez (1990) que estudaram a repercussão do segredo sobre a adoção mantido pelos pais adotivos na aprendizagem e comportamento dos seus filhos. Os autores salientam que mesmo apresentando dificuldades no seu aprendizado, normalmente, a criança adotada apresenta um nível de inteligência compatível ou superior à média de sua idade, confirmando a inexistência de fatores orgânicos na causa da dificuldade de aprendizagem, ligando-a assim à família. Por fim, os autores ressaltam que a adoção não pode ocasionar bloqueios e impedimentos na aprendizagem, mas sim o segredo sobre ela.

Os segredos podem causar tensão na família, criando um clima de mistério, fazendo, geralmente, com que a criança pela sensibilidade, capte a situação familiar e a explicite através da renúncia à curiosidade, interferindo desse modo na construção do seu conhecimento, podendo ocasionar problemas de aprendizagem, resultando no baixo rendimento escolar. Os autores enfatizam que a cultura de adoção no Brasil valoriza muito os laços consanguíneos na formação familiar, fazendo com que muitos pais optem em não revelar a história adotiva para seus filhos, com o objetivo de proteger a família do preconceito social.

Filhos biológicos e filhos adotivos

A maioria das entrevistadas se refere ao fato de que a existência de diferenças entre os filhos de uma família biológica e de uma família adotiva depende do comportamento da família e da educação dada aos filhos:

Não vejo diferença. Essa diferença vai existir a partir do momento que essa família não assumiu essa adoção, não incorporou essa adoção (Izabel).

Depende muito da criação, do núcleo, problemas podem ter nos biológicos, nos adotivos, eu não vejo muita diferença assim, só se..., depende da situação criada, se for uma família que vai, que tem altos e baixos, mas cria legal, ele (filho adotivo) vai igual ao outro (Sara).

Sara observa que pode haver ou não diferenças entre o filho de uma família biológica e o filho de uma família adotiva, sendo que o adotivo pode ter problemas:

Tem casos que vai normalzinho, fica igual a todo mundo, bem tratado, evolui bem, já tem casos complicados né. [...] E eu já trabalhava com educação, eu já via os transtornos de alguns adotados. [...] Então, eu tive o incendiário, eu tive vários cleptomaníacos [...] roubava besteirinha, tudo, é, é, e a, a, assim... o que mais que eu tive de diferente, cleptomaníaco, e nãnanão... muitos agressivos, e alguns, até, que saíram no ano passado, mimados (Sara).

Selma considera que a história anterior à adoção pode marcar negativamente o comportamento e o aprendizado do filho adotivo:

Como eu trabalho com os menorezinhos, eu percebo, eu percebo assim, é uma questão familiar, lá de trás, biológica mesmo, eu não sei se de repente, não sei se teve uma boa alimentação, não sei se uma questão de formação, muitos problemas de déficit de atenção, de dislexia em torno disso. Não tive nenhum caso assim, mais agressivo, mas já tive de autoestima... ou eles querem aparecer demais, ou eles ficam fechados demais (Selma).

Sara e Selma não associam a adoção a problemas na escola, embora se refiram ao filho biológico como "normal", em oposição ao adotado:

A adoção é natural, é muito boa e não cria nenhum problema. Depende, o filho normal também não cria problema? Eu acho que não é adoção que cria problema, o problema tá ali, na família, ou na pessoa, ou na hereditariedade, mas o próprio filho tem a hereditariedade também, então, não é da adoção, eu acho que é da pessoa (Sara).

Quando eu falo do caso do TDA (Transtorno de déficit de atenção), do TDAH (Transtorno de déficit de atenção com hiperatividade), da baixa autoestima, eu também tenho de filho biológico, normal, entendeu? Então, é só os adotados que tem? Não. Então, eu acho que isso varia muito. Não é a adoção que vai fazer o peso dessa balança (Selma).

Os discursos das entrevistadas, em grande parte, parecem reforçar as ideias levantadas por autores como Schettini Filho (1989) e Weber (2001) de que a filiação adotiva geralmente é comparada com a filiação biológica e amparada, muitas vezes, nos mitos e preconceitos que envolvem a adoção. A filiação biológica ainda é vista como natural e verdadeira, em detrimento da adotiva.

Escola e adoção

As entrevistadas foram unânimes em seus discursos sobre a importância, na formação profissional, da aquisição de conhecimentos sobre adoção. Algumas entrevistadas consideram insuficientes as informações sobre adoção que tiveram em suas formações: "Na minha formação profissional eu tive, mas não tanto, quanto eu gostaria de ter. Mas eu fui buscar por minha conta mesmo" (Sara). "Eu lembro muito pouca coisa na faculdade a respeito de adoção, especificamente, por alto, mas nada profundo" (Selma).

Algumas ressaltaram que o educador não está preparado para lidar com a diversidade na escola: "Eu acho que na verdade, a formação do educador não está preparada para trabalhar essas diversidades(familiares)" (Margareth). Sofia considera importante o conhecimento sobre adoção na formação continuada, fazendo parte inclusive do Projeto Político Pedagógico da escola: "Mesmo de não ter uma criança adotiva na escola, a escola já deveria incluir esta discussão no seu projeto político-pedagógico, como uma formação continuada do professor, para quando surgisse uma criança, a escola já deveria estar preparada".

Os discursos das entrevistadas confirmam os estudos H. P. Souza (2008) e Eiterer (2011) ressaltando que muitos professores não adquiriram conhecimentos sobre adoção em sua formação acadêmica, não sabem como lidar com a criança que revela sua origem adotiva e apontam a necessidade de pensar a família adotiva como um dos possíveis arranjos familiares existentes na sociedade. H. P. Souza (2008) vai mais além ao propor que, diante de tamanha diversidade encontrada no ambiente escolar, a escola realize trabalhos que enfoquem as diferenças de raça, credo e estrutura familiar dos seus alunos.

Adoção como causa dos problemas de aprendizagem ou comportamento

Sofia e Margareth acreditam que quando um aluno que é filho adotivo apresenta problemas de aprendizagem e de comportamento, muitas vezes, o professor atribui a causa dessas dificuldades à adoção.

Algumas vezes atribui, infelizmente (Sofia).

Atribuem. Atribuem mesmo aqueles professores que, às vezes, falam - que bonito! Né. Que legal! Puxa a família adotou, é do bem e tal, mas por outro lado se a criança apresenta um problema ou vai crescendo e vai modificando uma característica, é a adoção, foi a adoção, e aí vai lááá, muitas vezes na família biológica também. Muitas vezes não diretamente na família que está criando, mas a biológica, se remete a família biológica (Margareth).

Esther considera que antes se colocava um peso maior sobre a adoção, mas na atualidade, apesar de existir um olhar diferenciado sobre esse aluno, o peso recai na história anterior à adoção:

Eu acho que (antigamente) ainda tinha essa coisa, mas é adotado. Não vou dizer que não exista um olhar diferenciado, entendeu? [...] Até mediante situações assim, que até a própria família traga para a gente. Nessa entrevista inicial, na própria anamnese que a gente faz com a família, à vezes, a família traz a questão desse aluno que a mãe se envolveu com drogas. Então, você tem um olhar e acaba tendo um olhar mais cuidados para aquela situação. Mas não atribui isso à questão da adoção, né? Foi um problema durante a gestação (Esther).

Entretanto, a maioria das entrevistadas acha que, quando um aluno que é filho adotivo apresenta problemas de aprendizagem ou de comportamento, os professores não atribuem a causa à adoção: "A minha realidade são de professoram que realmente acolhem, né? Procuram ajudar, e não colocam isso como uma desculpa para aquele aluno não ter um aprendizado" (Izabel). "Você passa essa informação para os professores, é indiferente, ele é bem aceito. É indiferente [...] Já tivemos vários (adotivos), nunca senti nem um olhar diferente, nada, nada diferente" (Selma). "Eu acho que não. Eu acho que isso na nossa sociedade está tão normal, apesar dos preconceitos, a gente não tem mais esse pensamento, não" (Esther). "Não. A maioria das vezes os professores nem sabe que essa criança é adotiva, nem sabe, então não tem isso" (Lourdes). "Não, porque às vezes eles (os professores) nem sabem.... Não rola preconceito em relação a isso" (Sara).

Não houve consenso nos discursos das profissionais entrevistadas. A maioria concorda que os profissionais da educação não atribuem à adoção a causa das dificuldades de aprendizagem e de comportamento dos alunos que são filhos adotivos. Esse resultado não confirma os estudos de pesquisadores como Paiva (2004), que considera que professores e coordenadores de escola, que lidam com crianças adotadas apresentando dificuldades, tendem a perceber a adoção como a causa de seus problemas ou sintomas, tornando-a o eixo do trabalho com essas crianças. Hamad (2010) enfatiza que os preconceitos relacionados à adoção podem justificar para os professores o fracasso escolar do aluno que é filho adotivo. Alloero et al. (2001) alertam que os professores podem atribuir à hereditariedade ou às carências afetivas vividas antes da adoção, tudo que consideram inaceitável na criança adotada. Luchi (2007) avalia que os docentes estão sujeitos aos mitos e preconceitos envolvidos na adoção, fazendo com que alguns interpretem qualquer dificuldade do aluno através do viés de ter sido adotado.

 

Considerações Finais

A importância do discurso é destacada por Rocha-Coutinho (1994), ao afirmar que o sujeito se constrói pelo discurso e é constituído por ele. As falas de nossas entrevistadas estão em consonância com as ideias e crenças socialmente construídas sobre a adoção, podendo influenciar sua atuação profissional com os alunos adotivos.

Partindo do principio de que o sujeito é uma construção social, os discursos das profissionais que atuam na educação podem construir e reforçar as crenças sociais sobre a adoção. Apesar de afirmarem que os professores não atribuem a causa das dificuldades à adoção, hipótese central dessa pesquisa, seus discursos estão repletos de ideias preconcebidas com relação à adoção, influenciados pelos mitos e preconceitos existentes a esse respeito na sociedade. Isso converge para a atribuição de grande peso, por parte dos diversos membros da escola, da adoção nos problemas dessas crianças.

A partir de suas falas, pode-se observar que as relações familiares contemporâneas são marcadas pela convivência entre as pessoas que moram juntas, privilegiando-se os laços afetivos. É interessante notar, contudo, que, apesar das profissionais perceberem isso, ainda parece persistir a relevância dos laços de sangue na percepção da família, apontando, assim, para uma contradição nos seus discursos. A despeito da existência na sociedade atual de várias configurações familiares, a família adotiva ainda é vista com preconceito, pois se continua a acreditar na transmissão de características negativas através da hereditariedade, estigmatizando o filho adotivo.

A partir dos discursos, podem-se perceber também os reflexos negativos que o segredo sobre a adoção mantido pelos pais ocasiona na aprendizagem e no comportamento de seus filhos.

A filiação adotiva geralmente é comparada com a filiação biológica, que ainda parece ser percebida como natural, verdadeira e normal. Em contrapartida, a família adotiva, geralmente, é associada a problemas.

A carência de informações sobre adoção durante a formação profissional é unânime entre as entrevistadas. As profissionais enfatizam a necessidade da aquisição de conhecimentos sobre o tema a fim de poder lidar com os alunos adotivos na escola. As entrevistadas também avaliam que o professor não está preparado para lidar com a diversidade, de modo geral, Mesmo assim, elas afirmam não existir preconceito em relação à adoção na escola, evidenciando certa contradição.

Este panorama sobre a visão da escola sobre crianças adotivas e as famílias que as adotaram mostra que é fundamental que a escola trabalhe as diferenças entre seus alunos, incluindo as distintas configurações familiares, como é o caso das famílias adotivas, e proponha uma reflexão crítica sobre a realidade social. Ao tornar-se um espaço de reflexão sobre os vários tipos de constituição familiar, a escola pode contribuir significativamente para o respeito às diferenças e a garantia dos direitos sociais.

 

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Endereços para correspondência:
Lúcia Fátima Veloso
luciaf.veloso@hotmail.com

Maria Helena Rodrigues Navas Zamora
zamoramh@gmail.com

Maria Lúcia Rocha-Coutinho
mlrochac@imagelink.com.br

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