SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.68 número2Crianças e adolescentes adotivos: como são vistos pela escola?As noções construídas por adolescentes sobre feminilidade nas redes sociais índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Arquivos Brasileiros de Psicologia

versão On-line ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. vol.68 no.2 Rio de Janeiro ago. 2016

 

ARTIGOS

 

Escala de avaliação de humor para adolescentes: evidências de validade1

 

Evidence of validity of the symptom assessment scale mood disorder for adolescents

 

Pruebas de validez de escala de calificación de síntomas del trastorno del humor para adolescentes

 

 

Caroline Tozzi ReppoldI; Léia Gonçalves GurgelII; Claudio Simon HutzIII

IDocente. Programa de Pós-Graduação Ciências de reabilitação. Programa de Pós-Graduação Ciências e Saúde. Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA). Porto Alegre. Estado do Rio Grande do Sul. Brasil
IIDoutoranda. Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde. Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA). Porto Alegre. Estado do Rio Grande do Sul. Brasil
IIIDocente. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Porto Alegre. Estado do Rio Grande do Sul. Brasil

Endereços para correspondência

 

 


RESUMO

Sabe-se que há escassez de instrumentos para avaliação de sintomas de transtornos de humor em adolescentes. Portanto, objetiva-se apresentar a construção e evidências de validade de construto e convergente da Escala de Humor para Adolescentes brasileiros. Para a elaboração dos itens, entrevistaram-se oito profissionais da área da saúde e 24 adolescentes. Para a busca de validade, a amostra foi de 1093 participantes (idade média = 14,4), 54% mulheres. Aplicaram-se as Escalas Beck de Depressão, Desesperança e Ideação Suicida. As análises fatoriais exploratórias extraíram três fatores (humor deprimido, bem-estar subjetivo e mania e risco de suicídio). A escala foi composta por 79 itens e variância total explicada de 27,65%. Houve diferença significativa entre os sexos no terceiro fator. Em relação à idade, houve interações significativas no fator mania e risco de suicídio. Os três fatores apresentaram correlações significativas com as escalas de depressão e de desesperança. Os resultados indicam evidências de validade de construto e convergente da Escala de Humor para Adolescentes.

Palavras-chave: Adolescentes; Transtorno de humor; Estudos de validação.


ABSTRACT

There are few tools for assessing symptoms of mood disorders in adolescents. Therefore, this study aims to present the construction and evidences of construct and convergent validity of the Mood Scale for Brazilian Teens. To elaborate the items, eight health field professionals and 24 adolescents were interviewed. In the search of validity, the sample was of 1093 participants (mean age=14.4), 54 % women. The scales used were the Beck Scale for Depression, Hopelessness, and Suicidal Ideation. Exploratory factor analysis extracted three factors (depressed mood, subjective well-being and mania and suicide risk). The scale consisted of 79 items and the total explained variance was 27.65 %. There was a significant gender difference in the third factor. Regarding age, there were significant interactions between the mania and risk of suicide factors. The three factors were correlated with scales of depression and hopelessness. The results indicate evidence of construct and convergent validity for the Mood Scale for Adolescents.

Keywords: Adolescents, Mood disorders, Validation studies.


RESUMEN

Se sabe que hay una escasez de instrumentos para la evaluación de síntomas de los trastornos del estado de ánimo en los adolescentes. Por lo tanto, el objetivo es dar a conocer la construcción y las pruebas de validez de constructo e convergente del estado de ánimo Escala para adolescentes brasileños. Para la preparación de ítems, se entrevistó a ocho profesionales de la salud y 24 adolescentes. Para la búsqueda de validez, la muestra fue de 1093 participantes (edad media = 14,4), 54% mujeres. Han sido aplicados Escalas de Depresión de Beck, la desesperanza y la ideación suicida. El análisis factorial exploratorio extrajo tres factores (estado de ánimo deprimido, el bienestar subjetivo y la manía y el riesgo de suicidio) .La escala constaba de 79 artículos y la varianza total explicada de 27,65%. Hubo una diferencia significativa entre los sexos en el tercer factor. Respecto a la edad, hubo interacciones significativas en el factor manía y riesgo de suicidio. Los tres factores mostraron correlaciones significativas con las escalas de depresión y desesperanza. Los resultados indican evidencias de validad de constructo y convergente Escala Humor para Adolescentes.

Palabras clave: Adolescentes, Trastornos del humor, Estudios de validación.


 

 

Introdução

Entre os adolescentes, a depressão é apontada como o distúrbio psicológico mais incidente e está relacionada com ideação suicida (Beesdo, Pine, Lieb, & Wittchen, 2010; Jerrell, McIntyre, & Tripathi, 2010; Moreira & Bastos, 2015; Wilcox et al., 2010). Todavia, a ocorrência de sintomas depressivos não remete necessariamente a um diagnóstico psiquiátrico. A expressão do humor deprimido assume formas e intensidades diversas, que variam desde uma resposta assertiva a uma situação adversa até a incapacitação física e cognitiva. Por ser uma manifestação tipicamente subsequente a eventos que envolvem perdas ou desapontamentos, a depressão como estado afetivo passageiro é considerado como um comportamento adaptativo de autoproteção (Del Porto, 1999). Quando assume a conotação de uma alteração persistente e intensa do humor e é associado à presença de alterações cognitivas, vegetativas e motoras, pode ser indicador de disfunções afetivas que requerem intervenções específicas, mesmo entre crianças e adolescentes (APA, 2002). Do contrário, tendem a tornar-se uma condição médica crônica (Daniel, Goldston, Erkanli, Franklin, & Mayfield, 2009; Jerrell et al., 2010), com progressivos prejuízos psicossociais, inclusive àqueles que não apresentam sintomas com grave intensidade.

Apesar dos visíveis danos funcionais que acarretam os sintomas depressivos, a depressão frequentemente não é diagnosticada ou tratada na população infanto-juvenil. Estima-se que aproximadamente 60% dos casos de depressão entre adolescentes não são diagnosticados pelos clínicos gerais (Resende & Ferrão, 2013; Tijssen et al, 2010; Wakefield, Schmitz, & Baer, 2010), o que aumenta as chances de agravamento e o surgimento de comorbidades dos distúrbios afetivos. Um estudo clássico longitudinal revelou que, ao final de uma década de investigação, um terço das crianças que apresentavam indicadores de humor deprimido já preenchiam critérios para o Transtorno bipolar tipo I, e 15,7% apresentavam comportamentos típicos do Transtorno bipolar tipo II (Geller, Zimerman, Williams, Bolhofner, & Crafner, 2001). Esse padrão de piora do prognóstico dos sintomas relativos a alterações no humor é observado também em uma pesquisa dinamarquesa realizada com 4116 pacientes de um hospital psiquiátrico. Os resultados indicam que, desse total, aproximadamente 30% tiveram seu diagnóstico alterado, ao longo de sete anos, em função da piora de seus sintomas ou da sobreposição de outros sintomas (Kessing, 2008); sobretudo quando o início dos sintomas era identificado tardiamente, como acontece com frequência no caso da depressão infanto-juvenil. Outros dados clínicos revelam que, em média, o período transcorrido entre a incidência das alterações afetivas e a realização de um diagnóstico médico nessa população é de 10 anos, havendo nesse tempo evidentes diferenças na expressão dos comportamentos indicadores de desajustamento (Tijssen et al., 2010). Em razão dessas evidências, é crescente o número de estudos que investigam modelos referentes à etiologia, ao curso e aos métodos de identificação precoce da depressão.

Uma das principais contribuições dos achados pediátricos sobre depressão refere-se aos indicadores do humor deprimido. Investigações realizadas a partir das evidências clínicas mostram, desde os anos 70, que crianças e adolescentes com humor deprimido apresentam sintomas atípicos como irritabilidade, hostilidade, empáfia e hiper-reatividade (APA, 2002; Boelen, Vrinssen, & van Tulder, 2010; Demir, Kaynak-Demir, & Sönmez, 2010). Pesquisas que avaliam a trajetória do humor deprimido afirmam que as crianças que passam precocemente por um episódio de depressão maior apresentam um risco aumentado de manifestar outras desordens depressivas futuramente (Jerrell et al., 2010; O'Neil, Podell, Benjamin, & Kendall, 2010; Smith, Harrison, Muir, & Blackwood, 2005).

A taxa de recidiva de episódios de depressão é alta, variando de 50% a 80%, num período entre quatro e seis anos (Fleck et al., 2003; Blasco, Levites, & Monaco, 2012). Nesse sentido, é imprescindível que os clínicos disponham de instrumentos válidos e fidedignos para a avaliação de sintomas clínicos. No panorama científico internacional, alguns dos principais instrumentos para avaliação da depressão de adolescentes são o Children Depression Inventory - CDI, a Children Depression Rating ScaleRevised, a Depression Self-Rating Scale, o Kiddie-Schedule for Affective Disordersand Schizophenia - K-SADS, a Childand Adolescent Psychiatric Assessment - CAPA, o Moodand Feeling Questionnaire - MFQ, a Adolescent Mood Scale - MAS e o Child Behavior Checklist/Young Self Report. Já no Brasil, os principais instrumentos para avaliação do humor deprimido entre amostras juvenis são o Inventário de Depressão Infantil, adaptado para amostras adolescentes por Reppold e Hutz (2003); Escalas Beck de Depressão, Desesperança e Ideação Suicida (Cunha, 2001), indicadas para uso clínico em pacientes a partir dos 17 anos de idade; e Escala Baptista de Depressão Infanto-Juvenil (Baptista & Cremasco, 2013), composta por 50 itens que objetivam avaliar os sintomas depressivos em crianças e adolescentes, por meio de escala do tipo Likert, de zero a dois. Em função da necessidade de aprimoramento do instrumental utilizado para avaliação clínica específica do humor da população adolescente, o objetivo do presente estudo é apresentar a construção e busca de evidências de validade baseadas na estrutura interna e convergente da Escala de Humor para Adolescentes brasileiros.

 

Metodologia

A seguir seguem-se duas etapas metodológicas do presente estudo. A primeira refere-se a elaboração e construção do instrumento proposto. A segunda remete-se ao processo de busca de evidências de validade com base na estrutura interna e convergente do instrumento elaborado.

Elaboração do instrumento

Inicialmente, foram consideradas as diretrizes diagnósticas dos Transtornos de Humor descritas no Manual Diagnóstico de Transtornos Mentais (APA, 2002) e estudos empíricos acerca da saúde psicológica conduzidos sob a abordagem da Epidemiologia Clínica. Utilizou-se o DSM-IV-TR para construção dos itens, e neste estudo manteve-se, portanto, a referência original utilizada. Para estabelecer a evidência de validade com base no conteúdo, foram realizadas entrevistas com oito profissionais da área da saúde juvenil sobre a manifestação clínica do construto e as dimensões cobertas pelo teste. A partir disso, os peritos indicavam se o item era pertinente ou não ao traço latente a que teoricamente deveria se referir e se havia alguma faceta do construto não coberta pelo instrumento. Além disso, foram realizadas entrevistas com 24 adolescentes, do sul do Brasil, entre 12 e 17 anos para coletar sugestões sobre os modos mais adequados e inteligíveis à população juvenil de expressar, em forma de itens, comportamentos representativos do construto. A validade de conteúdo do teste foi evidenciada em diferentes estudos de validade semântica, validade aparente e avaliação por juízes.

A escala é constituída por itens que se referem a comportamentos, sentimentos ou crenças do adolescente e foram elaborados como sentenças declarativas alusivas ao construto coberto pelo teste. A folha de respostas contém dados demográficos dos participantes e uma escala Likert de cinco pontos, na qual o adolescente assinala o quão adequadamente cada sentença o descreve. A Escala apresenta itens tais como: "Nos últimos tempos, parece que nada me faz ficar alegre", "Nos últimos dias, não tenho vontade de fazer nada", "Mantenho o bom humor diante de situações difíceis", "Tenho me sentido irritado", "Há uma grande diferença entre como eu sou e como gostaria de ser", "Frequentemente, tenho a sensação de estar agindo de forma errada", "Gosto da maioria das coisas que faço", "Faço as coisas sem me preocupar com os riscos que corro", "Sei que tenho com quem conversar sobre meus problemas", "Já não me importo mais com o que acontece comigo", "Frequentemente sinto que estou fazendo algo errado", "Costumo achar que as coisas são mais difíceis do que realmente são", "Consigo me desligar dos meus problemas", "Muitas vezes penso que as dificuldades que enfrento são um castigo pelos erros que já cometi", "Tenho mais problemas que meus amigos", "Costumo estar alegre, de alto astral" e "Sinto que vale a pena viver".

Busca de evidências de validade

A amostra foi constituída por 1093 participantes (idade média = 14,4; dp = 1,72), sendo 54% do sexo feminino. Os participantes, selecionados aleatoriamente, eram alunos de escolas da rede pública e privada de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. A administração do instrumento foi realizada de forma coletiva e incluía uma explicação sobre os objetivos do estudo e a leitura conjunta das instruções. Previamente, era solicitado o consentimento livre e esclarecido de um responsável legal pelo adolescente. Era assegurado aos participantes o caráter voluntário de sua adesão à pesquisa e o anonimato dos resultados. Para investigar a validade convergente da escala de humor, o instrumento foi aplicado simultaneamente às Escalas Beck de Depressão, Desesperança e Ideação Suicida - BDI/BHS/BSI (Cunha, 2001), consideradas padrão-ouro para avaliação de humor.

 

Resultados

Após análise dos juízes mencionados, observou-se que suas respostas corroboraram a descrição dos critérios diagnósticos apresentados nos manuais psiquiátricos também consultados, e foram importantes especialmente para a adequação do vocabulário usualmente expresso pelos adolescentes em situações clínicas. Os sintomas mais frequentemente citados para descrever o construto referiam-se a aspectos emocionais. Em sequência, os principais indicadores citados pelos juízes, foram alterações cognitivas e vegetativas. Exemplos de respostas alusivas a alterações dos comportamentos relacionados aos construtos são descritos abaixo, a fim de ilustrar algumas das contribuições advindas dessa etapa do estudo: "ultimamente, choro por qualquer coisa"; "tenho passado o dia inteiro sem vontade de fazer absolutamente nada" e "as pessoas me convidam para fazer as coisas e eu acho tudo péssimo".

Para a busca de evidências de validade de construto foram realizadas análises fatoriais exploratórias (rotação varimax) que mostraram que a melhor solução fatorial era a extração de três fatores. Utilizou-se a rotação varimax, pois as dimensões representadas por cada fator são supostamente ortogonais. O Fator 1, com 41 itens, apresentou um eigenvalue igual a 14,33 e foi responsável pela explicação de 17,92% da variância total. O Fator 2 agregou 17 itens, teve eigenvalue igual a 4,74 e um índice de variância explicada igual a 5,92%. Já o Fator 3, com 21 itens e um eigenvalue igual a 3,05, foi responsável pela explicação de 3,81% da variância. Assim, a escala ficou composta por 79 itens e uma variância total explicada de 27,65%.

Definidos os itens da versão final das escalas, a pertinência teórica dos fatores foi submetida novamente à validade de conteúdo de cinco experts das áreas da Psicologia, Psiquiatria ou Neuropediatria, com prática em avaliação clínica. Esse procedimento teve como propósito auxiliar a compreensão clínica do agrupamento dos itens. Os itens agrupados no Fator 1 referem-se a indicadores de humor deprimido; os do Fator 2 são marcadores de bem-estar subjetivo; os do Fator 3, indicadores de mania e risco de suicídio. Para interpretação dos escores, optou-se por avaliar os fatores em separado e não realizar a soma de um escore total da escala, pois os fatores avaliam construtos teoricamente independentes, conforme se observa nas correlações obtidas (correlação fator 1 e 2 = -0,34; fatores 1 e 3 = 0,57; fatores 2 e 3= -0,16). O levantamento dos escores de cada fator ocorreu através da soma direta dos resultados obtidos nos itens que o compõem. Não houve itens a serem invertidos para o levantamento dos resultados. Quanto à análise de precisão, os resultados mostraram que os fatores apresentaram boa consistência interna. Os dados sobre média, desvio-padrão e precisão dos fatores são apresentados na Tabela 1.

Observaram-se diferenças significativas entre as médias dos participantes masculinos e femininos no terceiro fator (t= -2,52, g.l.=880, p<0,01). A média dos meninos nessa subescala foi 42,0 (dp 12,18) e das meninas 39,9 (dp 12,15). Não houve diferença entre as médias de alunos de escolas públicas e particulares. Em relação à idade, as ANOVAs mostraram interações significativas somente no fator indicador de mania e risco de suicídio (F6,873=3,25, p<0,01). Quanto maior a idade, menor o escore nesse fator.

 

Tabela 2

 

Quanto à distribuição das respostas, observou-se que todos os fatores tiveram uma distribuição normal (Lilliefors p<0,01). O Fator 1 apresentou uma assimetria igual a 0,43 e uma curtose igual -0,41. O Fator 2 obteve uma assimetria igual a -0,69 e uma curtose igual a 0,34 e o Fator 3, assimetria igual a 0,76 e curtose igual a 0,41.

Em relação à validade convergente, os três fatores da Escala de Humor apresentaram correlações significativas com a Escala Beck de Depressão e a Escala Beck de Desesperança, na direção esperada. Correlações positivas foram obtidas entre as Beck e os fatores "Indicadores de humor depressivo" e "Mania e risco de suicídio" e correlações negativas foram obtidas entre as Beck e o fator "Bem-estar subjetivo". A Escala Beck de Ideação Suicida apresentou uma forte correlação positiva com o terceiro fator da escala de humor, que avalia indicadores de mania e risco de suicídio. As correlações obtidas evidenciam a validade convergente da escala de humor. A Tabela 3 apresenta os dados demográficos dos participantes que responderam a cada par de escalas e a Tabela 4 apresenta as correlações obtidas entre a escala de humor e os instrumentos padrão-ouro.

 

Discussão

A análise da estrutura interna dos itens agrupados no Fator 1 permite caracterizar esse instrumento como útil para o rastreamento de depressão, no qual um alto escore é indicador de humor deprimido. Os itens que compõem esse fator expressam comportamentos e sentimentos relacionados a sintomas de natureza afetiva, cognitiva ou vegetativa. Os sintomas afetivos são marcadores de tristeza, desânimo, apatia, labilidade emocional, irritabilidade, autopiedade/autodepreciação, culpabilização, tédio, isolamento social percebido e anedonia. Os sintomas de natureza cognitiva agrupados no Fator 1 são marcadores de pessimismo/desesperança, distratibilidade, dificuldades mnêmicas e fuga de ideias. Dentre as alterações vegetativas, estão marcadores de fadiga, alterações do sono e do apetite e retardo psicomotor. Apesar do fator aparentemente cobrir uma dimensão ampla do construto, o alpha obtido nessa subescala revela um elevado índice de consistência interna (0,93) que ratifica a pertinência desse arranjo fatorial.

Os itens agrupados no Fator 2 têm como característica comum o propósito de avaliar aspectos relacionados ao bem estar subjetivo. Essa dimensão engloba uma avaliação consciente que o sujeito faz sobre sua vida, seja ela considerada no todo ou a partir de sub dimensões específicas, como a família, o self (auto percepção de características pessoais) ou o grupo social. Trata-se de um construto que abrange componentes emocionais e cognitivos. Os componentes emocionais envolvem a experiência de afetos positivos (como alegria, otimismo, contentamento, êxtase, orgulho e felicidade) e de afetos negativos (como, por exemplo, tristeza, culpa, inveja, raiva, vergonha e preocupação). O componente cognitivo envolve o julgamento do indivíduo sobre sua satisfação de vida. Na conjugação desses componentes, a indicação de bem-estar subjetivo tem sido definida nos estudos do campo da Psicologia Positiva como a constatação de um estado de humor que aponta a preponderância de afeto positivo sobre o negativo. No entanto, a definição do construto é difícil, pois deve-se considerar outras variáveis como a idade, fatores socioeconômicos, gênero e cultura. Para tanto, três fatores devem ser considerados para a definição do construto: sua subjetividade, entendimento de que não é somente ausência de fatores negativos e, por fim, é uma medida global e não de apenas um aspecto da vida (Giacomoni, 2004).

Os itens presentes no Fator 2 avaliam aspectos relacionados à autoestima/orgulho pessoal (ex: itens 31, 42, 47, 71 e 73), satisfação com a vida atual e com o grupo social (ex: itens 2, 24, 29, 49 e 78), otimismo (ex: itens 61 e 88) e alegria/felicidade (ex: itens 1, 11, 53 e 76). Nesse sentido, decidiu-se por denominar esse fator de bem-estar subjetivo. Nessa sub escala, altos escores podem ser considerados indícios de proteção à ocorrência de depressão e baixos escores podem ser interpretados como indicadores de humor depressivo. Escores muito elevados no Fator 2, especialmente quando não há razões objetivas para isso, podem ser indicadores também de baixos níveis de aspiração, tendência à racionalização, forte espiritualidade (crença de locus de controle externo) e otimismo, ou uma dificuldade de identificar e enfrentar situações que suscitam afetos negativos, como tristeza ou raiva, por exemplo.

Deve-se fazer a ressalva de que, em situação psicodiagnóstica, é interessante avaliar o efeito da capacidade cognitiva do adolescente sobre os resultados do Fator 2, em especial em relação aos itens sobre auto estima e otimismo. Isso porque um adolescente que apresenta um padrão de funcionamento cognitivo marcado pelo pensamento mágico pode avaliar de forma equivocada os recursos disponíveis e assumir estratégias de ação ineficazes para resolução de problemas (por exemplo: negação ou massiva distração cognitiva). Assim, podem desenvolver, em longo prazo, sintomas emocionais decorrentes dessa frustração.

O terceiro fator da escala agrega itens relativos ao risco do adolescente apresentar episódios de mania e comportamento suicida. As sentenças referem-se a indicadores de envolvimento insensato em atividades perigosas (ex: itens 32, 72 e 85), falta de interesse consigo (ex: item 32 e 51), excesso de confiança/ideação de grandeza (ex: itens 06, 35 e 37), euforia (ex: itens 21 e 36), distratibilidade (ex: item 52), alterações do sono (ex: item 19), comportamentos dispendiosos (ex: item 40), impulsividade (ex: item 34), percepção de risco (ex: item 74), pensamentos niilistas, autolesivos, suicidas ou acusatórios (ex: itens 45, 77, 80, 83 e 84) e tentativa de suicídio (ex: item 60).

Em relação ao Fator 3, verificou-se que os meninos apresentaram maior escore nessa sub escala. Esse resultado vem ao encontro da literatura que indica que os adolescentes tendem a apresentar maior envolvimento em atividades de risco e comportamento impulsivo (Assis & Constantino, 2005; Caballo & Simon, 2005; Spanenberg & Juruena, 2004). Nesses estudos, essa diferença sexual é justificada tanto por fatores orgânicos, quanto pela maior anuência social diante de comportamentos imprudentes apresentados por adolescentes do sexo masculino.

Constatou-se também que os escores do terceiro fator apresentam uma correlação negativa com a idade dos participantes. Esse resultado também era previsível por razões de ordem social e cognitiva. Isso porque o amadurecimento dos adolescentes implica um aumento das expectativas sociais de autocontrole (isto é, controle do comportamento impulsivo), cujo desenvolvimento depende de processos neuropsicológicos que ocorrem ao longo da adolescência e são relacionados, entre outros fatores, à maturação da região cerebral frontosubcortical.

Chama atenção o fato de não haver diferenças sexuais no Fator 1 (Humor Deprimido). Estudos indicam que as meninas, em geral, apresentam maior incidência de humor depressivo que os meninos e que essa diferença tende a aumentar ao longo da vida (Salle, N. S. Rocha, T. S. Rocha, Nunes, & Chaves, 2012). Apesar de não ter sido constatada essa diferença, os dados da amostra investigada revelaram que as meninas apresentam um escore significativamente maior na escala de indicadores de ansiedade, um importante preditor da depressão. Esse dado reforça a importância de intervenções preventivas relacionadas à depressão.

Em relação ao terceiro fator, altos escores nos itens relativos à ideação suicida, comportamento autolesivo ou envolvimento em atividades perigosas indicam a necessidade de uma investigação clínica mais cuidadosa, mesmo nos casos em que a avaliação quantitativa da escala indique que o escore não se enquadra em um percentil clínico. Sugere-se ainda que seja investigada a hipótese diagnóstica de abuso de drogas quando forem observados altos escores nesse fator em situação clínica. Isso porque diversos itens do Fator 3 descrevem comportamentos que são também típicos da adição (euforia, exposição a riscos, alteração da atenção, comportamento autodestrutivo, ideação persecutória, etc).

 

Considerações Finais

Considera-se, como limitações deste estudo, a utilização de uma amostra, apesar de abrangente, apenas do Rio Grande do Sul. Sugere-se a realização de novos estudos incluindo novas populações. Por fim conclui-se que a Escala de Humor para Adolescentes apresenta evidências adequadas baseadas na estrutura interna e validade convergente. Enfatiza-se que, para utilização da escala em avaliações clínicas, os escores devem ser triangulados a informações de outras fontes e analisados sob uma perspectiva dimensional e não como indicador único de categoria nosológica. Sugere-se aos clínicos analisar se os itens que apresentam maiores escores referem-se, principalmente, a queixas somáticas, cognitivas ou afetivas. Essa consideração pode ser útil para definição da diretriz de tratamento preconizada em cada caso.

 

Referências

Assis, S. G. D., & Constantino, P. (2005). Perspectivas de prevenção da infração juvenil masculina. Ciência e Saúde Coletiva, 10(1),81-90.         [ Links ]

Associação Americana de Psiquiatria [APA]. (2002). DSM IV- Manual Diagnóstico Estatístico de Transtornos Mentais (4a ed.). Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

Baptista, M. N., & Cremasco, G. S. (2013). Propriedades psicométricas da Escala Baptista de Depressão Infanto-Juvenil (EBADEP-IJ). Arquivos Brasileiros de Psicologia, 65(2),198-213.         [ Links ]

Beesdo, K., Pine, D. S., Lieb, R., & Wittchen, H. U. (2010). Incidence and risk patterns of anxiety and depressive disorders and categorization of generalized anxiety disorder. Archives of General Psychiatry, 67(1),47-57.         [ Links ]

Blasco, P. G., Levites, M. R., & Monaco, C. (2012). Quase metade dos pacientes com depressão grave tem recidivas num período de seis anos. Diagnóstico & tratamento, 17(2),62-63.         [ Links ]

Boelen, P. A., Vrinssen, I. & van Tulder, F. (2010). Intolerance of uncertainty in adolescents: correlations with worry, social anxiety, and depression. The Journal of Nervous and Mental Disease, 198(3),194-200.         [ Links ]

Caballo, V. E., & Simon, M. A. (2005). Manual de psicologia clínica infantil e do adolescente: transtornos gerais. São Paulo: Santos.         [ Links ]

Cunha, J. (2001). Manual da versão em português das Escalas Beck. São Paulo: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

Daniel, S. S., Goldston, D. B., Erkanli, A., Franklin, J. C., & Mayfield, A. M. (2009). Trait anger, anger expression, and suicide attempts among adolescents and young adults: a prospective study. Journal of Clinical Child and Adolescent Psychology, 38(5),661-671.         [ Links ]

Del Porto, J. A. (1999). Conceito e diagnóstico. Revista Brasileira de Psiquiatria, 21,6-11.         [ Links ]

Demir, B., Kaynak-Demir, H., & Sönmez, E. I. (2010). Sense of identity and depression in adolescents. The Turkish Journal of Pediatrics, 52(1),68-72.         [ Links ]

Fleck, M., Lafer, B., Sougey, E., Del Porto, J. A., Brasil, M. A., & Juruena, M. F. (2003). Diretrizes da Associação Médica Brasileira para o tratamento da depressão (versão integral). Revista Brasileira de Psiquiatria, 25,114-122.         [ Links ]

Geller, B., Zimerman, B., Williams, M., Bolhofner, K., & Craney, J. L. (2001). Bipolar disorder at prospective follow-up of adults who had prepubertal major depressive disorder. The American journal of psychiatry, 158(1),125-127. doi: 10.1176/appi.ajp.158.1.125        [ Links ]

Giacomoni, C. H. (2004). Bem-estar subjetivo: em busca da qualidade de vida. Temas em Psicologia, 12(1),43-50.         [ Links ]

Jerrell, J. M., McIntyre, R. S., & Tripathi, A. (2010). A cohort study of the prevalence and impact of comorbid medical conditions in pediatric bipolar disorder. The Journal of Clinical Psychiatry, 71(11),1518-1525.         [ Links ]

Kessing, L. V. (2008). Severity of depressive episodes during the course of depressive disorder. The British Journal of Psychiatry, 192(4),290-293.         [ Links ]

Moreira, L. C. D. O., & Bastos, P. R. H. D. O. (2015). Prevalence and risk factors associated with suicidal ideation in adolescents: literature review. Psicologia Escolar e Educacional, 19(3),445-453.         [ Links ]

O'Neil, K. A., Podell, J. L., Benjamin, C. L., & Kendall, P. C. (2010). Comorbid depressive disorders in anxiety-disordered youth: demographic, clinical, and family characteristics. Child Psychiatryand Human Development, 41(3),330-41.         [ Links ]

Resende, C., & Ferrão, A. (2013). La presencia de síntomas depresivos en adolescentes en el último año de escolaridad. Pediatría Atención Primaria, 15(58),127-133.         [ Links ]

Reppold, C., & Hutz, C. (2003). Exigência e responsividade parental como preditores de depressão em adolescentes no sul do Brasil. Avaliação Psicológica, 1,175-184.         [ Links ]

Salle, E., Rocha, N. S., Rocha, T. S., Nunes, C., & Chaves, M. L. F. (2012). Depression rating scales as screening tools for depression in high school students. Revista de Psiquiatria Clínica, 39(1),24-7.         [ Links ]

Smith, D. J., Harrison, N., Muir, W., & Blackwood, D. (2005). The high prevalence of bipolar spectrum Of Obsessive-Compulsive Disorder. American Psychiatry, 162,228-238.         [ Links ]

Spanemberg, L., & Juruena, M. (2004). Distimia: características históricas e nosológicas e sua relação com transtorno depressivo maior. Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul, 26(3),300-311.         [ Links ]

Tijssen, M. J., van Os, J., Wittchen, H. U., Lieb, R., Beesdo, K., Mengelers, R., & Wichers, M. (2010). Prediction of transition from common adolescent bipolar experiences to bipolar disorder: 10-year study. The British Journal of Psychiatry, 196(2),102-108.         [ Links ]

Wakefield, J. C., Schmitz, M. F., & Baer, J. C. (2010). Does the DSM-IV clinical significance criterion for major depression reduce false positives? Evidence from the National Comorbidity Survey Replication. The American Journal of Psychiatry, 167(3),298-304.         [ Links ]

Wilcox, H. C., Arria, A. M., Caldeira, K. M., Vincent, K. B., Pinchevsky, G. M., & O'Grady, K.E. (2010). Prevalence and predictors of persistent suicide ideation, plans, and attempts during college. Journal of Affective Disorders, 127(1-3),287-294.         [ Links ]

 

 

Endereços para correspondência:
Caroline Tozzi Reppold
carolinereppold@yahoo.com.br

Léia Gonçalves Gurgel
leiagg@gmail.com

Claudio Simon Hutz
claudio.hutz@gmail.com

Submetido em: 03/10/2013.
Revisto em: 23/05/2016.
Aceito em: 29/05/2016.

 

 

1 Este artigo tem por base pesquisas apoiadas pelo CNPq e pela CAPES.

Creative Commons License