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Arquivos Brasileiros de Psicologia

On-line version ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. vol.69 no.1 Rio de Janeiro  2017

 

ARTIGOS

 

A exposição do amor na internet: público ou íntimo?

 

Cybernetic love exposure: should love be public or intimate?

 

La exposición del amor en internet: ¿público o íntimo?

 

 

Jacqueline de Oliveira MoreiraI; Nádia Laguárdia LimaII; Márcia StengelIII; Breno Ferreira PenaIV; Cecília Silva SalomãoV

IDocente. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas). Belo Horizonte. Estado de Minas Gerais. Brasil
IIDocente. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Belo Horizonte. Estado de Minas Gerais. Brasil
IIIDocente. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas). Belo Horizonte. Estado de Minas Gerais. Brasil
IVDocente. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade Federal do Pará (UFPA). Belém. Estado do Pará. Brasil
VMestre. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas). Belo Horizonte. Estado de Minas Gerais. Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo discute a dimensão da intimidade e a publicização do amor na internet. Partiu-se de uma pesquisa que entrevistou 20 universitários de ambos os sexos para investigar se a internet introduz novas formas de relacionamento afetivo entre adolescentes. Inspirando-se nas respostas, buscou-se produzir uma reflexão teórica sobre o tema da publicização do amor na internet. Assim, discutem-se os efeitos da publicação de eventos da vida amorosa na internet em duas perspectivas: analisando as fronteiras entre público e privado e refletindo sobre questões subjetivas que envolvem essa publicização. Embora critiquem a publicação da vida privada nos meios digitais, alguns entrevistados reconhecem que esta é uma exigência da cultura atual. Verificou-se que, ainda que a ausência de conflitos causada pelo desencontro de corpos possa alimentar a ilusão de um relacionamento perfeito, os laços amorosos mediados pela internet apresentam complexidade equiparável à de relações amorosas não virtuais.

Palavras-chave: Internet; Relacionamento amoroso; Público; Privado; Adolescência.


ABSTRACT

This article discusses the issue of intimacy and the publicization of love on the internet. It is based on a research which interviewed 20 university students of both genders to investigate if the internet introduces new forms of romantic relationships between adolescents. Inspired by the answers, this text proposes a theoretical reflection on the act of publicizing love online. Therefore, the effects of publicizing love life events on the internet are here discussed in two perspectives: analyzing the borders between public and private, and reflecting on the subjectivity involved in the publicization of our romantic lives. Although some interviewees criticize this exposure, some of them consider it a demand of contemporary culture. It could be noticed that, although the lack of conflicts caused by distance may give the illusion of the existence of a perfect relationship, the romantic bonds created by the internet can be as complex as the non-virtual relationships.

Keywords: Internet; Romantic relationships; Public; Private; Adolescence.


RESUMEN

Este artículo trata la dimensión de la intimidad y la publicitación del amor en internet. Esta investigación entrevistó 20 universitarios de 18 años, de ambos sexos, e investigó si internet introduce nuevas formas de relaciones afectivas entre ellos. Las fronteras entre lo público y lo privado en internet referentes a las relaciones amorosas surgieron como cuestión. Se discuten los efectos de la publicación de acontecimientos de la vida amorosa en dos perspectivas: analizando fronteras entre lo público y lo privado, y reflexionando sobre cuestiones subjetivas que involucran esa publicitación. A pesar de que los entrevistados critican la publicación de la vida privada en los medios digitales, reconocen que es una exigencia de la cultura actual. Se verificó que aunque la ausencia de conflictos causada por el desencuentro de cuerpos puede alimentar la ilusión de relación perfecta, los lazos amorosos mediados por internet presentan complejidad equiparable a la de las relaciones amorosas no virtuales.

Palabras claves: Internet; Relación amorosa; Público; Privado; Adolescencia.


 

 

A dimensão pública do amor na contemporaneidade

Charles Jencks, em uma tentativa de apresentar um contorno identitário para nossa contemporaneidade, revela que "a era pós-moderna é um tempo de opção incessante" (Jencks, 1989, citado por Kumar, 1997, p. 115). O autor pretende enfatizar a perspectiva do pluralismo, da crença na liberdade de opção, que julga ser em parte consequência da explosão das informações. O sujeito contemporâneo, com o advento dos dispositivos da internet no ciberespaço, passa a ter acesso a mais informações, sejam científicas, políticas, jornalísticas e até pessoais.

Esse rico manancial de possibilidades e informações abre espaço, inclusive, para uma maior exploração do eu, visto que o sujeito pode apreender sobre os sintomas de uma possível doença em um clique de mouse, pode responder a testes que revelam características de sua personalidade e realizar experiências amorosas sem sair da frente da tela do computador. Nesse sentido, observando que os dispositivos da internet e seus impactos sobre a subjetividade constituem um importante espaço de pesquisa, decidimos trabalhar o tema dos relacionamentos amorosos de adolescentes e a internet. Para isso, realizaram-se entrevistas em que se perguntou sobre a possibilidade de a internet introduzir novas formas de relacionamento afetivo entre adolescentes. Todavia, no presente artigo optou-se pela proposição de uma reflexão sobre um tema tangencial a este, a saber, os enigmas das fronteiras entre o público e o privado na internet no que se refere aos relacionamentos amorosos.

Para que se dê início à discussão proposta, é importante apresentar sucintamente a pesquisa que possibilitou o desenvolvimento desta reflexão. Intitulada "Relacionamentos amorosos de adolescentes e a internet", a referida pesquisa foi financiada pelo CNPq e pela Fapemig, foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob o nº CAAE 28595014.5.0000.5137 e teve por objetivo geral verificar os possíveis efeitos da internet nas relações amorosas entre os adolescentes. Os critérios éticos foram respeitados e os nomes dos entrevistados aqui apresentados são fictícios.

Interessava-nos saber se o advento da internet introduzia questões novas nos relacionamentos amorosos tanto no movimento de busca por um parceiro, quanto nas ações cotidianas de manutenção da relação. Compreender os impactos dos dispositivos de comunicação virtual sobre os laços amorosos nos pareceu importante pelos possíveis impactos desta novidade na subjetividade, mas também pelo fato de que, em um primeiro levantamento bibliográfico no campo da literatura científica brasileira em Psicologia, constatou-se que o tema aparece ainda de forma tímida (Lima, Moreira, Stengel, & Maia, 2016), ou seja, apenas seis artigos trabalhavam a articulação entre os temas internet e relacionamentos (Civiletti, & Pereira, 2002; Dias, & Teixeira, 2008; Donnamaria, & Terzis, 2009; 2012; Nicolaci-da-Costa, 2002; Romão Dias, & Nicolaci-da-Costa, 2005) e apenas dois apresentavam alguma concepção de amor: "Sobre a evolução de vínculos conjugais originados da internet" (Donnamaria, & Terzis, 2009) e "Algumas notas sobre relações humanas mediadas por computadores'" (Donnamaria, & Terzis, 2012)" (Lima et al., 2016). Podemos citar, ainda, o texto de Dela Coleta, Dela Coleta e Guimarães (2008), no qual, a partir de 50 questionários, concluiu-se que os sujeitos acreditam no potencial da internet na fase inicial de um relacionamento, mas que sua continuidade exige um contato face a face. De acordo com Lima et al. (2016), essa "escassez de pesquisas sobre o tema no campo da Psicologia pode ser justificada tanto pela atualidade do tema quanto pelos limites" do instrumento de pesquisa dos autores para o levantamento da produção bibliográfica na área da Psicologia (Lima et al., 2016).

Assim, seguindo a esteira dos artigos citados, esta pesquisa buscou entrevistar 20 jovens universitários de 18 anos de idade, divididos em dez mulheres e dez homens. Os entrevistados são alunos do 1º período de oito diferentes cursos de uma universidade particular: Jornalismo, Engenharia de Energia, Psicologia, Engenharia Química, Ciências da Computação, Comunicação, Engenharia Controle de Automação, Engenharia Eletrônica e de Telecomunicações. Buscamos uma heterogeneidade de cursos para que pudéssemos ter acesso a diferentes perfis de jovens e, assim, possivelmente obter maior variedade de respostas.

É importante ressaltar que se tratou de uma pesquisa qualitativa, portanto não houve a intenção de se generalizarem os dados obtidos. Todavia, a articulação entre a teoria e os resultados obtidos na pesquisa possibilitou a construção de um modelo analítico que pode ser generalizado no sentido de que poderá vir a ser utilizado em outras situações semelhantes, com potencialidade explicativa e operativa. González Rey (2002) afirma que a pesquisa qualitativa não é apenas uma distinção em relação ao método quantitativo, e sim uma opção epistemológica. Ela deve se sustentar por formas distintas de produção de conhecimento que possibilitem tanto a criação teórica acerca da realidade, que é em si multideterminada, dinâmica e histórica, quanto a cuidadosa e ampla elaboração das ideias e fatos procedentes do empírico. Este procedimento metodológico favorece o esclarecimento de processos complexos, bem como a investigação de sentidos subjetivos e de processos de significação a partir dos quais se constrói o conhecimento.

Buscando realizar o objetivo de investigar os sentidos subjetivos que os entrevistados atribuíam ao uso da internet no espaço das relações amorosas, elaborou-se um roteiro de entrevista contendo as seguintes questões:

O que é amor para você?

O que é internet para você?

Fale um pouco sobre suas experiências amorosas na internet e fora dela.

Você já conheceu pessoas, teve relacionamentos amorosos por meio da internet ou conhece alguém que teve? Conte um pouco sobre isso.

Em sua opinião, a internet facilita ou dificulta encontros amorosos? De que forma?

Você costuma falar, publicar, sobre suas relações amorosas na internet? Por que publica e por que não publica sobre tais assuntos?

Como você se utiliza da internet na sua vida amorosa?

Em sua opinião, existe traição na/pela internet? Fale a respeito/dê exemplos.

Vale frisar que, por se tratar de entrevistas semiestruturadas, outras perguntas foram sendo acrescentadas quando se fizeram necessárias. Esses acréscimos, entretanto, foram realizados sem que houvesse grande afastamento do roteiro original.

As respostas às entrevistas constituíram-se num rico material que foi analisado na perspectiva da análise de conteúdo de Bardin (2009), sendo que, no presente artigo, optou-se por refletir sobre o tema do público e privado na sua relação com a internet e o amor a partir das respostas de alguns entrevistados. Não pretendemos, pois, realizar uma catalogação de todas as respostas dos entrevistados, mas, a partir de algumas, refletir sobre os impactos das redes sociais na construção dos relacionamentos e as fronteiras entre público e privado no que tange às relações amorosas. Nesse sentido, este artigo pode ser definido como uma reflexão teórica que se inspira em alguns dados de pesquisa, e não como um relato de resultados de pesquisa.

As respostas revelam a percepção de uma possível mudança que as redes sociais podem produzir em relação às fronteiras entre os espaços público e privado, além dos seus efeitos sobre os sujeitos. Isto ficou claro, pelas concepções formuladas pelos entrevistados sobre os comportamentos dos usuários das redes sociais, que eles promoveram uma reflexão sobre os efeitos da publicação das experiências ou sentimentos pessoais na rede. A entrevistada Dora, por exemplo, enfatiza o risco de a publicação de experiências negativas, como brigas e desentendimentos, sugerir a ideia de algo definitivo, quando, na verdade, pode se tratar de algo provisório, momentâneo. "E aquilo que você postou pode... Pode não ser aquilo que você esteja querendo passar. Então, eu acho que você pode se arrepender". Assim como Dora, Candinha considera que pode ser um risco a publicização de acontecimentos íntimos, porque não é possível precisar as consequências da exposição: "É, eu acho que é se expor é um perigo".

Seguindo essa trilha crítica, ao refletir sobre a ação de divulgar fatos da vida amorosa na internet, Clara sugere que o excesso de convocação para publicizar a vida tem como consequência a diminuição da intimidade: "É a perda da intimidade. Você faz porque as outras pessoas precisam ver o que você está fazendo". Romeu, outro entrevistado, é mais crítico e anuncia que o imperativo da publicação produz um efeito de exposição da vida na forma de vitrine: "Deixaram um pouco de ser só o casal. E passaram a ser meio que um todo. O namoro virou uma vitrine".

Apesar das críticas que fazem à publicação da vida privada, alguns reconhecem que essa é uma exigência da cultura atual e que é difícil não responder a esse imperativo de exposição na rede, principalmente na adolescência, quando o sujeito busca a aceitação social. Célia afirma ter resolvido esta questão através da ação de divulgar coisas consideradas por ela sem importância. Marco, por sua vez, acredita que as pessoas tendem a publicar apenas experiências felizes.

Os temas do imperativo da publicação, da possível diminuição da esfera do íntimo, do efeito de eternização do acontecimento publicado e do movimento de se postarem apenas acontecimentos felizes produziram nos entrevistados um efeito de questionamento e reflexão. Assim, optou-se por organizar esta discussão sobre os efeitos da publicação dos acontecimentos da vida amorosa na internet em duas perspectivas. Na primeira, buscou-se analisar as movimentações das fronteiras entre público e privado, e, na segunda, refletir sobre as questões subjetivas que envolvem a publicização da vida amorosa.

 

O declínio do homem público: as tiranias da intimidade

O título desta seção é uma homenagem explícita ao livro homônimo de Richard Sennett (1988). O autor já na década de 1970 afirmava que a vida pública se tornou um fardo, pois o sujeito mergulha cada vez mais no interior de sua vida afetiva e no seu próprio eu. Nessa perspectiva, o conceito de narcisismo é apresentado como operador teórico para compreender o fenômeno do declínio do homem público, uma vez que as pessoas não são interessantes em si, mas são sempre avaliadas a partir de uma lógica utilitária e narcísica.

Sennett (1988, p. 21) revela que "o narcisismo é uma obsessão com aquilo que esta pessoa, este acontecimento significam para mim". Assim, o metron, a medida é o eu. Contudo, o autor continua o raciocínio denunciando a cilada desta movimentação ao argumentar que a relevância e a importância do outro para a vida do sujeito é mensurada a partir do critério narcísico do significado introjetado e devorado pelo eu. O ato de devoração produz a extinção da diferença, restando o eu com o eu. Ainda segundo Sennett, "essa introjeção no eu, por estranho que possa parecer, impede a satisfação das necessidades do eu; faz com que, no momento de se atingir um objetivo, ou de se ligar a outrem, a pessoa sinta que 'não é isto que eu queria'" (Sennett, 1988, p. 21). Talvez por esta razão, a entrevistada Clara avalia o ato de publicar a vida amorosa na internet como uma perda de intimidade: "É a perda da intimidade. Você faz porque as outras pessoas precisam ver o que você está fazendo". Se, por um lado, toda a vida se encerra no eu, não existindo a distinção entre íntimo, esfera do eu, e público, campo do não eu, por outro, se tudo precisa se tornar público, nada é íntimo. Assim, Candinha inicia sua resposta à pergunta sobre o que e por que posta denunciando o imperativo da publicização: "Então é, a gente publica porque, é... por causa que... ah, o intuito da rede social é publicar, tá?".

Então o amor se tornou, novamente, um tema público? Sennett (1988) reflete sobre as transformações do amor nos séculos XIX e XX, revelando que os vitorianos encaravam o amor como fato público. Dessa forma, por ser expresso através do filtro da repressão, na sombra do amor encontraríamos o sentimento de violação do código social, podendo um encontro amoroso ser interpretado como uma sedução. Segundo o autor, foi a partir de século XIX, no mundo moderno, que se passou a utilizar a palavra "caso" (affair), deixando o amor de ser um fato social para se tornar algo totalmente íntimo. Tendo isso em vista, intrigam-nos as seguintes questões: o imperativo da publicização torna o amor um fato social? O amor perdeu sua dimensão íntima de caso? Como essa publicização da própria vida afeta os adolescentes?

A noção de privacidade, tal qual a conhecemos, surge a partir do Renascimento europeu. Na sociedade de corte não existia a divisão da vida humana em esferas pública e privada (Elias, 1993), servindo a habituação ao espírito de previsão e ao controle mais rigoroso da conduta e das emoções como marcas de distinção e prestígio, valores preciosos para a nobreza. O medo da perda desses valores constituiu uma poderosa força para converter em autocontrole o controle até então exercido por outras pessoas.

O autocontrole exerce pressão constante e uniforme para inibir explosões emocionais e abrandar flutuações extremas no comportamento. Com o constante autocontrole, o indivíduo acostuma-se cada vez mais a reduzir as mudanças súbitas em sua conduta e em suas emoções, e, assim, os sentimentos e as paixões passam a ter uma regulação mais contínua, estável e uniforme em todos os setores da vida. O autocontrole automatiza-se de tal modo que o indivíduo, muitas vezes, não mais o percebe, acreditando que o controle de suas emoções e ações é algo "natural", que faz parte de si, saindo do alcance direto do nível da consciência.

Paralelamente ao autocontrole, as pessoas desenvolvem um hábito de prever consequências em longo prazo, pois a série de ações e o número de pessoas de quem dependem o indivíduo e seus atos aumentam. A convivência em grupo tornou-se mais difícil, pois naquele momento era necessário compreender as atitudes e condutas alheias para saber como agir em cada situação e evitar consequências desagradáveis. Qualquer resvalo poderia significar a perda do prestígio e da posição social. Essa mudança do comportamento e da estrutura da personalidade do indivíduo alterou também a maneira de encarar os demais. Assim, a racionalização e a psicologização surgem como manifestações do processo civilizador. O indivíduo tornou-se melhor habilitado para formar imagens dos outros que fossem mais ricas em nuances e mais isentas de emoções espontâneas, melhorando a capacidade de previsão. Desse modo, como precondições cada vez mais indispensáveis para o sucesso social estavam "a reflexão contínua, a capacidade de previsão, o cálculo, o autocontrole, a regulação precisa organizada das próprias emoções, o conhecimento do terreno, humano e não humano, onde agia o indivíduo" (Elias, 1993, p. 226).

A valorização da privacidade e o declínio da esfera pública da existência incidiram sobre as relações amorosas, demarcando limites entre os comportamentos amorosos considerados aceitáveis e inaceitáveis socialmente. Desde as formas de os homens cortejarem as mulheres, passando pelo flerte, pelo pedido de casamento, pelos passeios, pelas carícias e pelo casamento, até o ato sexual, tudo passa a ser regulado nos domínios privado ou público da existência. Os ritos burgueses conservam as suas origens religiosas e mantêm as lembranças da corte, mas sofrem variações segundo as diferenças sociais. Desde Erasmo, os ritos vão refinando, a cada dia, as fronteiras da intimidade (Elias, 1993).

A expansão do capitalismo, o declínio da esfera pública e a ampliação da esfera privada levaram a uma valorização dos pequenos objetos, íntimos, pessoais. A esfera pública refluiu quase que inteiramente, e a grandeza foi substituída pelo encanto; a esfera pública não pode ser encantadora precisamente por não abrigar o irrelevante (Arendt, 2008). A admiração pública é também algo a ser consumido; ela é consumida pela vaidade individual. Como postula Arendt (2008, p. 67), "os homens tornam-se seres inteiramente privados, isto é, privados de ver e ouvir os outros e privados de serem vistos e ouvidos por eles. São todos prisioneiros da subjetividade de sua própria existência singular...".

As reformas protestante e católica, graças à importância dada à piedade e à confissão, instigaram o desenvolvimento da intimidade no final do século XVIII, sobretudo na Inglaterra e na França. Assim, passam a ser a cultivados os amores secretos, proibidos, e os desejos sexuais inconfessáveis, fontes de sofrimento e culpa.

Essa valorização do espaço privado que surge na modernidade é exacerbada na pós-modernidade. Na sociedade contemporânea, por exemplo, a incidência da proteção da esfera pública das questões referentes às relações amorosas é ainda muito presente. As discussões e a infelicidade conjugal não têm lugar na vida pública, devendo as brigas de casal ser relegadas ao ambiente íntimo, ou ficarão sujeitas a interferências de órgãos externos. Portanto, por mais que a sociedade reconheça que brigas de casal devem ser isentas de interferência externa, quando elas acontecem fora do ambiente privado, estão, por exemplo, sujeitas à intervenção policial.

O advento da internet começa, contudo, a desfazer essas fronteiras na medida em que muitos conflitos amorosos são revelados na rede e compartilhados com o público em geral. O que até então era considerado assunto privado começa a se tornar público. Alguns programas de televisão ou vídeos da internet expõem conflitos íntimos entre casais, entre pais e filhos e entre amigos, além de filmarem cenas de violência doméstica: as câmeras se infiltram dentro dos lares para tornar público o que antes era de foro íntimo. Em redes sociais, fotos íntimas de casais são comumente publicadas, muitas vezes para passar ao público uma imagem de felicidade e de satisfação.

Não se trata, na contemporaneidade, da desvalorização da privacidade, de sua substituição por ideais coletivos ou sociais, ou seja, não há uma substituição da valorização individual pela preocupação coletiva ou pública. O que se constata, na verdade, é uma busca pela exaltação da individualidade, que deve ser exibida ao olhar do outro. É a imposição da privacidade no público. Assim, os relacionamentos devem ser mostrados para o público em geral, para transmitir uma ideia de felicidade e complementariedade do casal. Além disso, há também um gozo em penetrar na privacidade alheia e conhecer a intimidade da vida amorosa para se ter acesso não só à suposta felicidade dos parceiros, mas, especialmente, aos conflitos e à infelicidade conjugal.

Estaríamos caminhando para o fim da privacidade no campo amoroso? Como os adolescentes constroem os limites entre o público e o privado em seus relacionamentos amorosos? Como seria a experiência do adolescente de construção do seu espaço íntimo na atualidade?

 

Para além do princípio de prazer: o privado e o público no despertar da primavera

O trabalho psíquico da adolescência envolve a passagem do âmbito familiar como principal espaço de socialização para outros grupos sociais. O adolescente deve separar-se da autoridade dos pais, pois a representação simbólica que até então lhe conferia um lugar social não mais se sustenta. Há uma quebra nas condições de representação, e isso remete o sujeito ao traumatismo originário. Assim, o adolescente precisa destituir a família e buscar nos grupos e nas instituições sociais novos apoios para a sua identificação.

A passagem do privado do ambiente familiar ao público do espaço dos grupos sociais, para Freud (1905/1974), requer a travessia pelo Édipo, que tem como efeito o abandono do objeto de amor infantil e sua substituição por novos objetos de amor. Assim, a interdição do incesto possibilitaria ao jovem o ingresso no espaço público e a vivência de outros amores, para além dos pais. Entretanto, essa inserção no espaço público requer um delicado trabalho de separação entre o público e o privado, com a delimitação da intimidade. Para Freud (1905/1974), esse trabalho psíquico envolve a construção da fantasia, que opera como um véu que recobre a castração, ao mesmo tempo em que proporciona o desligamento da autoridade dos pais (Lima, 2014).

A internet é um espaço público no qual os adolescentes buscam, muitas vezes, por seus parceiros amorosos. Ela possibilita tanto o encontro quanto o desencontro amoroso. Dessa maneira, o adolescente pode utilizar o espaço virtual tanto para se aproximar do outro quanto para evitar o encontro corpo a corpo. Na internet há uma aproximação virtual, mas um distanciamento físico dos corpos pela tela do computador, que se interpõe entre os corpos. Isso significa que a aproximação virtual se dá a partir de palavras e imagens, promovendo um encontro "sem corpos" que se presta à projeção das fantasias. Mas de que forma a realidade virtual interfere na experiência amorosa? Para fazer essa discussão, buscamos aproximar a realidade virtual da realidade psíquica.

Diante da tela do computador, os adolescentes ficam fascinados pelas inúmeras possibilidades de relacionamento, pelo grande número de pessoas que se oferecem como "produtos" na vitrine para os consumidores vorazes, ávidos pela experimentação. Na rede, os jovens conhecem pessoas, conversam, compartilham fotos e dados pessoais. Todavia, protegidos pela tela do computador, eles também podem criar diversos personagens, experimentar diferentes papéis e identidades. Nesse sentido, o "não encontro" dos corpos no espaço virtual favorece a projeção das fantasias.

Para Freud (1924/1996), as fantasias são produções do inconsciente que visam à realização do desejo. O acesso à realidade perpassa a fantasia, que opera como um véu, uma tela que se interpõe entre o sujeito e a realidade. A fantasia é o suporte do desejo e determina as relações que o sujeito estabelece com o mundo e com as outras pessoas. Freud adverte que a função da fantasia é a de corrigir a realidade insatisfatória: ao abordar o romance familiar dos neuróticos, o autor comenta que toda fantasia é determinada pela realização do desejo e pela retificação da vida real. Assim, a fantasia tem a função de encobrir a castração.

Entretanto, cada sujeito utiliza o espaço virtual de uma maneira própria. Algo do espaço virtual pode fisgar o seu gozo e, por isso, o atrai, sendo possível ao sujeito encontrar na tela do computador um campo propício à projeção das suas fantasias. A fantasia encobre algo traumático, que Lacan (1974/2003) designa como o real. Trata-se, ao mesmo tempo, de uma tela que fecha ao sujeito o acesso ao real e, inversamente, uma tela que abre para o sujeito um ponto de vista sobre o real (Naveau, 2011). A fantasia é um relato invariável para o sujeito, um cenário que dá uma significação ao gozo (Naveau, 2011). Dessa forma, a fantasia vela e, ao mesmo tempo, aborda o real.

Freud (1905/1974) nos ensina que cada sujeito busca no outro o objeto da sua própria fantasia, e o encontro presencial com esse outro leva ao reconhecimento da dimensão da falta, pois não há uma equivalência entre o que se busca no outro e o que se encontra. Esse encontro corpo a corpo evidencia a castração, a impossibilidade da complementariedade entre os sexos.

O encontro virtual, por sua vez, exclui os corpos. Podemos levantar a hipótese de que, ao se relacionar com o outro através do mundo virtual, o sujeito busca se esquivar da castração, alimentando a fantasia de que é possível a complementariedade entre os sexos. É este movimento de evitação da falta que lançamos como hipótese para compreender por que os sujeitos privilegiam publicar na rede mensagens e imagens de felicidade. Na entrevista, Márcio, refletindo sobre o porquê de as pessoas publicarem, diz: "Elas devem estar felizes, né? Tentando, sei lá... Dividir a felicidade delas com os outros". Nesse sentido, perguntamos: ao publicar momentos felizes as pessoas buscariam eternizar esses momentos?

Acreditamos que sim, porque uma definição possível de realidade se encontra articulada com a ideia de compartilhamento. O que é a realidade? Podemos considerar um fato como uma realidade se outras pessoas compartilham da visão do mesmo. Assim, ao compartilhar uma determinada experiência, o sujeito busca validar essa experiência. A entrevista de Dora ilustra esta ideia:

Cê pode tá passando por uma experiência agora e aí depois de cinco minutos que você postou você resolver. Aí fica um, um... Um negócio estranho. Fica parecendo que você não tem estabilidade, apesar de que realmente se você briga e resolve, briga e resolve, cê num tem estabilidade.

É possível observar na fala dos entrevistados a busca por uma estabilidade, uma constância, uma unidade do sujeito. A unidade é da ordem imaginária e do eu, a instância psíquica responsável por tentar garantir ao sujeito essa integração. No que se refere à transição adolescente, essa tentativa de manutenção da "totalidade" é um motivo de atração (ponto que pode atrair os sujeitos), uma vez que eles se encontram em um momento de certa ruptura da unidade corporal imaginária. Trata-se de um momento de fragilidade do eu e, assim, o adolescente busca certezas que lhe garantam, ainda que imaginariamente, uma consolidação e síntese do eu.

Além disso, acreditamos na existência de um pacto tácito que define algumas possíveis regras do gerenciamento da exposição pública nas redes sociais, como, por exemplo, a maior apresentação de momentos felizes em comparação com os infelizes para ocultar as dificuldades, impedindo que a infelicidade amorosa ganhe visibilidade nos murais das redes sociais. Podemos indagar se esse movimento de não exposição dos momentos infelizes seria apenas uma repetição mimética de comportamentos tradicionais, ou seja, da limitação dos conflitos amorosos a ambientes privados. Arriscamo-nos a sugerir que o excesso de postagens felizes pode representar um movimento de denegação no sentido freudiano (1925/2006), ou seja, no momento em que publica uma imagem de felicidade incondicional, o sujeito garante a existência da tristeza. Assim, mesmo que não se mostre nas postagens, a tristeza aparece concomitante à felicidade através da negação.

Segundo Freud (1925/2006), o mesmo ego responsável por garantir a unidade imaginária é quem se encarrega de colocar para fora de si o que é ameaçador. Neste caso, ao eliminar aparentemente a tristeza da rede, ele dá consistência à sua existência: "Como demonstrei noutro lugar, o ego-prazer original deseja introjetar para dentro de si tudo o quanto é bom e ejetar de si tudo o quanto é mau. Aquilo que é mau, que é estranho ao ego, e aquilo que é externo são, para começar, idênticos" (Freud, 1925/2006, p. 267).

Todavia, é preciso ressaltar que, apesar dessa tentativa, o espaço virtual não garante essa unidade ou completude. Mesmo nos relacionamentos virtuais, o sujeito se depara com os equívocos e as contradições do discurso que atestam sua inconsistência. O sujeito pode se confrontar com o real mesmo no ambiente virtual, por exemplo, quando se depara com uma imagem ou palavra que tocam em algo que não pode ser nomeado, que pode fazê-lo emergir da virtualidade.

Nesse momento em que o sujeito é atravessado pelo real, diante de um encontro faltoso, se desvela aquilo que a fantasia vem velar, a saber, o sujeito castrado, dividido por sua própria incompletude. A imagem virtual que passava uma ideia de consistência vacila, restando ao sujeito o mal-estar de ter submergido à presença do gozo inominável. A internet, portanto, mesmo no campo amoroso, não garante a unidade do eu, pois o sujeito pode ser confrontado com o insuportável que pretendia ignorar.

Assim, a exposição do amor na internet incita o gozo em consumir - que pode ser o consumo do amor. Nessa perspectiva, a cada frustração amorosa, o sujeito busca um novo parceiro na vitrine virtual. O parceiro amoroso é tratado, portanto, como um objeto passível de ser descartado quando não satisfaz mais o sujeito.

Miller (2004a) destaca o gozo do olhar na cultura atual. Segundo o autor, na sociedade atual, a vergonha foi posta um pouco de lado em prol da busca pela exposição pública. Nessa perspectiva, as pessoas cada vez mais incentivadas pelas novas mídias gozam de olhar e serem olhadas, a exemplo dos reality shows da televisão.

Esse modo de gozo centrado no olhar, contudo, foi de sobremaneira intensificado pelas redes sociais virtuais. Ver e se dar a ver, em um movimento pulsional que cada vez mais escraviza o internauta - principalmente os adolescentes, completamente inseridos nessa tecnologia -, que goza ao olhar e ao se comparar às imagens do outro na árdua tarefa de se tornar objeto olhado. Ao mesmo tempo, esse eu torna-se também objeto a ser exaltado pelo outro, que também o olha virtualmente 24 horas por dia.

Nessa perspectiva, conclui-se que vivemos em uma sociedade escópica, na qual a imagem narcísica é glorificada como o troféu mais precioso a se oferecer ao olhar do outro, na tentativa de garantir a si mesmo seu valor social. Entretanto, como ressalta Bauman (2008), faça o que se fizer, nunca será o suficiente para o sujeito inserido na sociedade líquida contemporânea, pois as pessoas totalmente submersas no capitalismo vigente se transformaram em mercadorias. É preciso, assim, que cada um obedeça à lógica incessante do mercado e esteja sempre e freneticamente renovando e agregando mais valor a sua imagem, por meio do consumo e de sua exposição ao outro, sendo esta postura enxergada como a melhor estratégia de marketing pessoal para o sucesso.

De acordo com Lasch (1983), na sociedade capitalista atual, que conta com traços fortemente narcisistas, o que vale é exaltar a imagem de si mesmo para autoadmiração narcísica. As pessoas, com isso, abrem mão da vontade de ser e passam a focar-se em "parecer", já que a busca por aceitação e ascensão social se ancoram cada vez mais na imagem e no consumo. As escolhas amorosas, nesse contexto, também passam a ser mais valorizadas pela aparência do que pelo ser. Contudo, cumprir as exigências de consumo do mercado não é tarefa fácil e, assim, como afirma Bauman (2008), o fracasso na sociedade de consumidores é visto como de culpa exclusiva do próprio sujeito, que passa, muitas vezes, a se excluir e a ser excluído do convívio social e amoroso.

Essa lógica de consumo favorece diretamente o sistema capitalista. Ela se torna, ainda, uma exigência subjetiva, pois assume um caráter imperativo para o sujeito, tornando-se, deste modo, um terreno propício para as ações do supereu, instância psíquica que, segundo Lacan (1973/1985), é a única responsável por obrigar o sujeito a gozar.

O supereu, no ensino lacaniano, segundo Geraz-Ambertín (2003), é uma instância sedenta por gozo e exige que cada um goze não importando como vai obter este resultado. O supereu pode, por exemplo, cobrar de alguns o cumprimento minucioso da lei e de outros o descumprimento desta como forma de obrigar cada um a materializar seus modos de gozo. Onde o sujeito se sentir oprimido por suas próprias faltas, lá estará o supereu para amaldiçoar seu fracasso e suas desilusões amorosas e ressaltar sua culpa e suas dívidas morais, de performance ou quaisquer outras que se mostrarem mais convenientes para punir. Para o supereu, por meio de suas leis caprichosas com imposições intermináveis e insuperáveis, cada um sempre estará em dívida e culpa, já que ninguém nunca consegue alcançar as metas de gozo esperadas por essa instância, que sempre está disposta a exigir um pouco a mais.

Pode haver, assim, e em muitos casos a experiência parece comprovar isso, a existência de uma confluência entre os imperativos superegoicos e as exigências de consumo e amor perfeito da sociedade de consumidores. O mercado impõe: Seja melhor que o outro, consuma incessantemente cada vez mais! Demonstre para o outro seu poder! Publique na rede virtual suas imagens de sucesso! Mostre na internet (para ser o melhor) suas conquistas amorosas, suas viagens e mesmo seu amor perfeito, tudo isso envolto pela felicidade, que também se tornou exigência de mercado.

Nesse contexto, quando os sujeitos, e principalmente os adolescentes, ávidos por aceitação social, são fisgados por essas demandas midiáticas de mercado, acabam por se ver obrigados a tentar cumpri-las, o que, muitas vezes, se torna uma tarefa inglória, inalcançável, podendo se tornar até mesmo um imperativo de gozo superegoico. Esse movimento que incita o gozo no sujeito se daria também via realidade virtual, estando esse sujeito em uma busca frenética e compulsiva por negar suas falhas e faltas por meio de intermináveis "imagens virtuais de felicidade", ou mesmo quando esse sujeito, diante das inconsistências em sua vivência do amor virtual, vê-se embaraçado com sua própria castração e goza da culpa de não conseguir sustentar como imaginava possível a felicidade e a completude, sua ou do casal.

Diante de tantas exigências de exaltação de si, de felicidade, de amor e consumo, as pessoas, que, muitas vezes, a qualquer custo se sentem compelidas a atendê-las, tornam-se vulneráveis ao sofrimento. Acossado por negar a castração ou perplexo por sua presença, há um gozo que pode ser despertado ou mesmo potencializado no sujeito via redes sociais da internet, pois, apesar de se propor uma nova realidade, a virtual, esta vem inserida no mundo atual e é acessada por pessoas de carne e osso, com seus desejos e modos de gozo que também podem capturá-las nos encontros e desencontros amorosos que perpassam o virtual.

 

Considerações finais

Como aponta Lacan (1974/2003), a dificuldade da adolescência é suscitada pelas questões sobre o que fazer com o sexo que desperta na puberdade. Mesmo que a internet possa oferecer respostas imediatas para diversas perguntas no mínimo intervalo de utilização dos mecanismos de busca virtual, há algo que escapa às informações. A compulsão por postar, as falhas na transmissão de uma mensagem para o outro, a busca pela exposição e os riscos a que as pessoas se expõem na rede atestam uma dimensão pulsional que não consegue ser representada pela linguagem, a dimensão real do gozo.

Expor-se, transpor as barreiras do privado para o público é sempre um risco, já que não há garantias sobre os seus efeitos sobre o outro. Expor-se ao teste do olhar alheio é também pôr em risco a unidade imaginária do eu. Por mais que seja possível pensar em uma redução do ambiente privado ou até em uma invasão do privado na esfera pública, o que se marca nas relações amorosas mediadas pela internet é que elas evidenciam como o conhecimento ofertado pelo virtual não é suficiente para contornar a questão da vida amorosa. Todo relacionamento amoroso é marcado pela falta. O amor, na sua vertente de falta, faz quebrar a ilusão da completude proporcionada pela internet. Onde não há respostas há falta, e onde há falta pode haver sujeito.

A internet pode sugerir uma proximidade, uma completude ilusória, mas a relação amorosa desperta questionamentos, expõe suas arestas, desfazendo em algum momento essa ilusão de completude. A tela da virtualidade pode ser utilizada como um anteparo para velar o real do gozo, mas ela não garante essa proteção. Em algum momento, o sujeito pode se deparar com o estranho que o virtual não consegue ocultar. Assim, mesmo na internet, os relacionamentos amorosos podem ser conflituosos, fontes de angústia, incompreensões e desencontros.

Tudo isso aponta para a necessidade de continuidade dos estudos acerca dos relacionamentos amorosos e a internet, assim como da relação que se estabelece entre a esfera privada e a pública. Futuramente, quais serão os efeitos da virtualidade na vida amorosa desses sujeitos hoje adolescentes? Na medida em que a virtualidade se incorpora cada vez mais em nossa vida, ganhando ares de naturalidade, especialmente às gerações mais novas, como será a vinculação entre vida pública e privada? Essas são algumas questões que se apresentam e que se espera que sejam discutidas em estudos futuros.

 

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Endereço para correspondência:
Jacqueline de Oliveira Moreira
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Cecília Silva Salomão
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Submetido em: 07/09/2015
Revisto em: 16/10/2016
Aceito em: 22/10/2016

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