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Arquivos Brasileiros de Psicologia

versão On-line ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. vol.69 no.2 Rio de Janeiro  2017

 

ARTIGOS

 

Psicologia, Trabalho e Gestão?i

 

Psychology, Work, Management?

 

¿Psicología, Trabajo y Gestión?

 

 

Fernanda Spanier Amador

Psicóloga, Docente. Departamento de Psicologia Social e Institucional e Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional. Instituto de Psicologia. Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Porto Alegre. Estado do Rio Grande do Sul. Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo trata dos sistemas de racionalidade que sustentam as práticas em Psicologia do Trabalho, entendendo que eles são emergentes de um feixe de forças sociais ligadas a determinados regimes de verdade que contornam sua consistência e operacionalidade em uma época. Discutimos se, em tempos de Sociedade de Controle, as modulações produzidas no campo social estariam promovendo a emergência de uma Psicologia que se poderia chamar "da Gestão", essa uma psicologia alinhada com as novas estratégias de gerenciamento que marcam o trabalho contemporâneo. Por fim, tecemos considerações a respeito do trabalho enquanto atividade exaltando que cada trabalhador é gestor de seu trabalho, lançando, assim, novas questões no que tange às intrincadas relações entre psicologia, gestão e processos de capitalização subjetiva que marcam os modos de trabalho contemporâneos.

Palavras-chave: Psicologia; Trabalho; Gestão. Psychology, Work, Management?


ABSTRACT

This paper concerns with rationality systems into which practices in Work Psychology are grounded, considering that these emerge from a sheaf of social forces linked to determined truth regimes that delimit their consistency and operability in time. Here, we discuss if in times of Societies of Control, the social field modulations are producing the emergence of what we could call a Psychology "of Management". That would be a psychology aligned with the new managerial strategies which are a characteristic of contemporary work. At last, we weave considerations concerning work as activity, pointing out that each worker is a manager of his own work; in this way, new questions emerge on what concerns the intricate relation between psychology, management and subjective capitalization processes featured in the contemporary ways of work.

Keywords: Psychology; Work; Management. ¿Psicología, Trabajo y Gestión?


RESUMEN

Este artículo trata de los sistemas de racionalidad que sostienen las prácticas en Psicología del Trabajo entendiendo que los mismos son emergentes de un atado de fuerzas sociales vinculadas a determinados regímenes de verdad que rodean su consistencia y operatividad en una época. Hemos discutido si en tiempos de Sociedad de Control las modulaciones producidas en el campo social estarían promoviendo la emergencia de una Psicología que se podría llamar "de la Gestión", que es una psicología alineada con las nuevas estrategias de gestión que marcan el trabajo contemporáneo. Por último, tejemos consideraciones acerca del trabajo como actividad exaltando que cada trabajador es gestor de su trabajo, proponiendo, así, nuevas cuestiones con respecto a las intrincadas relaciones entre psicología, gestión y procesos de capitalización subjetiva que marcan los modos de trabajo contemporáneos.

Palabras clave: Psicología; Trabajo; Gestión.


 

 

A escrita deste artigo problematiza os modos como a Psicologia tem se aproximado do trabalho e entende que não há relação de poder sem a correlativa constituição de um campo de saber, nem saber que não suponha e não constitua relações de poder. Por esta perspectiva, pensamos a respeito dos sistemas de racionalidade que sustentam as práticas nesse âmbito e compreendemos que eles são emergentes de um feixe de forças sociais ligadas a determinados regimes de verdade que contornam sua consistência e operacionalidade em uma época.

Assim, discutimos neste texto a respeito dos modos como a psicologia tem se voltado para as questões do trabalho reconhecendo que os contornos desta relação estão intimamente relacionados às transformações pelas quais passou o capitalismo, bem como aos acontecimentos na esfera das ciências, já que essas nunca foram ingênuas em relação aos ideários de instrumentalização do capital. Sob este ponto de vista, pensamos no movimento das teorizações em direção ao trabalho que foram empreendidos pelo campo psi, o que nos leva a começar pela abordagem de como a psicologia se alia às necessidades do novo arranjo econômico-produtivo-disciplinar do capitalismo no início do século XX. A seguir, nos perguntamos se em tempos de Sociedade de Controle as modulações produzidas no campo social estariam promovendo a emergência de uma Psicologia que se poderia chamar "da Gestão", essa uma psicologia alinhada com as novas estratégias de gerenciamento que marcam o trabalho contemporâneo. Por fim, tecemos considerações a respeito do trabalho enquanto atividade, exaltando que cada trabalhador é gestor de seu trabalho, dimensão essa que lança novas questões no que tange às intrincadas relações entre psicologia, gestão e processos de capitalização subjetiva que marcam os modos de trabalho contemporâneos.

Contornos da psicologia: por entre a indústria, a organização e o trabalho

O advento das indústrias sustentou-se nas bases do modelo taylorista de organização do trabalho, um sistema administrativo proposto por Frederick Taylor e forjado no contexto norte-americano das últimas décadas do século XIX. Partindo da premissa de que o trabalhador tendia ao ócio e à lentidão no trabalho e advogando pela necessidade de intensificar a divisão técnica laboral entre aqueles que pensam e aqueles que executam o trabalho, tal modelo de administração científica encontrou na psicologia da época, de teor eminentemente cientificista, uma aliada. Configurou-se, então, uma psicologia que individualizando, produziu técnicas adaptacionistas baseadas em modelos classificatórios com base na recompensa e punição. Tal psicologia instrumentalizou, também, o modelo de organização do trabalho chamado Fordismo, o qual foi introduzido nas fábricas por Henri Ford nas primeiras décadas do século XX. Intensificando características da organização do trabalho já preconizadas por Taylor, tais como a separação entre concepção e execução, bem como a individualização da prescrição, Ford aprofundou a fragmentação das tarefas e transferiu para as máquinas as atividades possíveis de serem mecanizadas.

Foi assim que, com o advento das indústrias, a psicologia, enquanto campo do conhecimento, se produziu com uma face de Psicologia Industrial (Sampaio, 1998), uma psicologia preocupada com a otimização do desempenho humano, valendo-se da Psicologia Positivista dos laboratórios. Tal psicologia colocou-se a serviço de práticas homogeneizantes sustentadas no controle dos tempos e movimentos dos trabalhadores, de modo a evitar os desvios peculiares da singularidade que poderiam ser nefastos aos critérios de produtividade estabelecidos. Colocando acento nos postos de trabalho, tratou-se de uma psicologia da aptidão voltada para testagens e medidas visando colocar o homem certo no lugar certo, bem como atingir, com precisão, informações relativas ao quantum de esforço cada trabalhador suportaria empreender para, assim, levá-lo ao seu máximo limite.

Contudo, é importante sublinhar que na Europa uma geração de pesquisadores precedeu a chegada da Organização Científica do Trabalho (Clot, 2010). Diz o autor: "A análise do trabalho francofônica, e mesmo o que já se chamava de Psicologia do Trabalho, precedeu a chegada do Taylorismo nas Fábricas, já no começo do século XX, na França" (p. 208). Nesta linha, destacam-se os nomes de Maurice Lahy e Suzanne Pacaud, pesquisadores que, interessados em partir da experiência dos trabalhadores, deslocaram-se de seus laboratórios e posicionaram-se nas fábricas junto aos trabalhadores e trabalhadoras. Empregando métodos que passavam por ocupar os seus postos de trabalho, realizar suas tarefas e, depois, por solicitar-lhes que criticassem sua execução, os pesquisadores visavam partir de uma observação centrada no próprio trabalho, entendendo que, assim, acessavam a especificidade da experiência laboral. Com isso, tais pesquisadores colocaram em cena elementos inéditos para as pesquisas que, na época, eram marcadas, sobretudo, pelos modelos da ciência experimental. Contudo, tal tendência foi cooptada na direção de uma Psicotécnica da Aptidão alicerçada em técnicas de testagem e de previsão dos comportamentos, as quais bem serviram aos ideários do Taylorismo.

Trata-se de uma Psicologia que, alinhada com a tecnologia da disciplina forjada a partir do século XVIII (Foucault, 1996), tomou os trabalhadores como objeto de vigilância e controle, já que o capitalismo em expansão investia em seus corpos enquanto força de produção. Foi assim que Psicologia e Poder disciplinar ligaram-se em intimidade no que se refere às questões relativas ao trabalho, servindo às estratégias de tornar os corpos dóceis e aperfeiçoando-os na direção dos interesses da produtividade. Instrumentalizando mecanismos de controle de processos de trabalho, a psicologia ajudou a esquadrinhar os tempos, os movimentos e os espaços mediante medições que visavam tornar-se predições interessantes ao sistema de administração científica vigente nas fábricas.

A Escola das Relações Humanas, enfatizando as relações dos grupos de trabalhadores e as estruturas das organizações em meados do século XX, emerge em reação aos traços empreendidos pela Administração Científica do Trabalho. Foram criadas, então, as condições de possibilidade para a emergência da chamada Psicologia Organizacional (Sampaio, 1998), a qual ultrapassou os interesses pelos postos de trabalho, típicos da Psicologia Industrial, para enfocar as dimensões de estrutura e funcionamento das organizações e, mais tarde, os processos organizacionais. Acentuando o interesse na esfera ambiental do trabalho, surgem as estratégias de Desenvolvimento Organizacional visando flexibilidade nas relações a fim de evitar conflitos, bem como o emprego de metodologias de cunho motivacional entre os trabalhadores.

Tendo como referência os estudos realizados em empresas pelo australiano Elton Mayo, a Escola das Relações Humanas argumenta que o fato de os trabalhadores se sentirem parte de um grupo é o que incide diretamente sobre o aumento do rendimento no trabalho. Assim, a aproximação da psicologia nesta perspectiva vai se dar, sobremaneira, pela via do trabalho com grupos, o qual, nesta perspectiva, figura como tecnologia para resolução de conflitos no interior dos estabelecimentos de trabalho. Configura-se, então, uma psicologia que, especialmente nas bases de uma Psicossociologia Americana, sustenta-se na crença de que não há incoerência ou oposição entre o crescimento da empresa e a satisfação dos seus funcionários.

É importante ressaltar, contudo, que pari passu a emergência da Psicossociologia Americana forjava-se na Europa, uma Psicossociologia de outra linhagem: falamos da Psicossociologia Francesa. Com caráter de esquerda, o propósito dessa última é o de instaurar nas organizações um funcionamento coletivo pautado em decisões tomadas em grupo e na participação efetiva dos trabalhadores nos processos de trabalho. Também conhecida como Psicologia Social Clínica, a Psicossociologia Francesa explora o que seria uma dupla inscrição do sujeito: aquela dos elementos intrapsíquicos singulares e, também, a referida ao universo social.

Tal perspectiva europeia inspirou a problematização da Psicologia voltada para as compreensões e intervenções grupistas, influenciando, também, na emergência da chamada Psicologia do Trabalho. Trata-se de uma perspectiva que se configura como uma terceira vertente, aquela que coloca em cena a experiência do trabalho e um reposicionamento ético-epistemológico fundamental, uma vez que a obsessão pela produtividade cede lugar a uma compreensão mais próxima dos trabalhadores e trabalhadoras colocando interesse em dimensões tais como poder, conflito, subjetividade e saúde.

Contribuíram, ainda, para a Psicologia do Trabalho, as vertentes de análise que fizeram a crítica à Psicotécnica do Trabalho, segundo Clot (2010). São elas: a Psicologia Cognitiva do Trabalho (PCT), a Ergonomia (E) e a Psicopatologia do Trabalho (PT).

A PCT destaca que é na situação que vamos encontrar a raiz dos recursos do desenvolvimento das aptidões. Assim, elas não estão de início no sujeito, e sim nos problemas postos pela situação, dimensão essa que vem deslocar a questão que alicerçou a Psicologia da Indústria: a de que é possível prever, de antemão, como alguém vai trabalhar. Já a E, sobretudo a de linhagem francófona, vai eleger como foco a dimensão da saúde em suas conexões com a condição social do trabalhador enquanto a PT vai, por uma primeira linhagem de pesquisadores, tais como Louis Le Guillant, Paul Sivadon e Claude Veil, colocar acento no fato de que o trabalho consiste em um lugar dramático para o sujeito. Em uma vertente mais recente, encontramos Cristophe Dejours e seus estudos que levaram à Psicodinâmica do Trabalho, Yves Schwartz e suas formulações pela Ergologia, bem como Yves Clot com a Clínica da Atividade, todas essas, abordagens que se deslocam do chamado campo da Psicopatologia do Trabalho para situarem-se em outro, esse o campo das Clínicas do Trabalhoii.

A Psicologia do Trabalho vai se caracterizar, portanto, pela ênfase na experiência dos trabalhadores articulando conhecimentos de variados campos, entre eles psicanálise, linguística, antropologia e filosofia, aliados, ainda, ao campo da Análise Institucional. Com isso, abre veredas para a tematização do próprio trabalho como instituição, isto é, como universo normativo dotado de forças em movimento capazes de produzir e de reproduzir instituições, como dinâmica histórica que tende a codificar, regular, regrar, normatizar produzindo efeitos do ponto de vista da saúde dos trabalhadores.

Analisando a experiência dos trabalhadores, a Psicologia do Trabalho abre possibilidades para colocar em questão os modos de composição entre Trabalho e Sociedade Disciplinar. Com as mudanças nos modos de organização e de gestão do trabalho que vão se configurando a partir dos anos 1970 e que conferem contornos a uma Sociedade chamada de Controle, passam a interessar os modos de composição entre Trabalho e Controle.

Contudo, considerando-se que na Sociedade de Controle é a imaterialidade do trabalho que passa a ser a matéria-prima privilegiada da produção de capital, essa consubstanciada nas dimensões cognitivas e subjetivas dos trabalhadores a serem permanentemente produzidas e rapidamente capturadas, indagamo-nos se a Psicologia do Trabalho estaria ante um desafio peculiar: o de recusar a sua própria captura, justamente pelas estratégias de controle, em uma "nova Psicotécnica do Trabalho". Perguntamo-nos, então: como a Psicologia do Trabalho pode resistir a sua intensa convocação para servir, agora não mais a produção de moldes, mas a de modulações subjetivas tão requeridas para sustentação do capitalismo cada vez mais flexível? Como resistir às expectativas de sua captura pelos ideários de controle que exigem experts em modulações subjetivas, cognitivas e comportamentais, permanentes?

Haveria uma modulação em curso marcada pela emergência de uma Psicologia da Gestão?

Para prosseguir na discussão aberta pela questão lançada na seção anterior, parece-nos pertinente perguntar se, em tempos de Sociedade de Controle, as modulações produzidas no campo social estariam promovendo a emergência de uma Psicologia que se poderia chamar "da Gestão".

Tal Psicologia da Gestão assumiria contornos peculiares quando considerada em relação à Psicologia das Organizações, essa alinhada com os objetivos gerenciais das empresas, conforme afirma Sato (2010). A autora destaca, analisando duas perspectivas pelas quais o trabalho e as organizações passam a ser objeto de investigação da Psicologia, que uma delas "abraçou problemas e interesses postos pelo corpo gerencial e pelo capital" (p. 41) enquanto a outra, ao tomar os problemas humanos no trabalho como objeto, sendo referenciada à Psicologia Social e à Medicina Social Latino Americana e à Saúde Coletiva, ocupa-se de estudar e de propor ações no que tange à Saúde do Trabalhador. Esta distinção sinalizada por Sato em relação aos percursos das aproximações da Psicologia em relação aos objetos do trabalho e das organizações permite-nos destacar que a primeira perspectiva por ela abordada evidencia uma Psicologia que, aliada ao conhecimento da administração, da engenharia e de ciências do comportamento, acabou por constituir-se como intrumentalizadora das práticas gerenciais.

O que nos parece é que no contemporâneo a psicologia, assumindo uma feição de Psicologia da Gestão, em tempos de Sociedade de Controle, pode estar se encaminhando na direção de instrumentalizar a modulação subjetiva constante requerida pelos novos modos de organização do sistema econômico-produtivo que assume caráter de um capitalismo de acumulação flexível. Nele, a concentração dos trabalhadores nas fábricas se modifica e assistimos ao crescimento de um sistema produtivo que se dissemina pelo tecido urbano e invade o espaço doméstico, sobretudo pelo advento das novas tecnologias de informação e comunicação (Allièz, & Feher, 1988). O trabalho torna-se imaterial (Lazzarato, & Negri, 2001), isto é, cada vez mais intelectualizado de modo que é a personalidade e a subjetividade do trabalhador que devem ser organizadas, comandadas e geridas a fim de manter a engrenagem do sistema produtivo.

As estratégias neoliberais recrudescem e reforçam a lógica de uma sociedade pautada na liberdade dos indivíduos e no funcionamento dos mercados, bem como arrastam consigo a desregulamentação do mercado de trabalho. Com isso, gera-se precarização e intensificação do trabalho. Ao mesmo tempo, difunde-se um discurso de que os trabalhadores precisam se tornar empresas, gerando aquilo que Gorz (2005) define como um processo de autoexploração, o Eu/SA, aquele sujeito autoempreendedor que se coloca freneticamente a serviço dos ideários produtivistas.

Foucault (2008), analisando a doutrina econômica neoliberal que emerge em contraposição a política Keyinesiana e seus ideários de intervenção do Estado na economia e de pleno emprego, mostra como se tornou necessário "introduzir o trabalho no campo da análise econômica, situar-se do ponto de vista de quem trabalha; será preciso estudar o trabalho como conduta econômica praticada, aplicada, racionalizada, calculada por quem trabalha" (p. 307). Com isso, trata-se de fazer com que o trabalhador seja, na análise econômica, não o objeto de uma oferta e de uma procura na forma de força de trabalho, mas um sujeito econômico ativo.

Definindo-se que, do ponto de vista do trabalhador o salário não é o preço de venda da sua força de trabalho e sim uma renda, os neoliberais americanos vão dizer que a renda é simplesmente o produto ou o rendimento de um capital enquanto esse converte-se no conjunto de todos os fatores físicos e psicológicos que tornam uma pessoa capaz de ganhar este ou aquele salário. Assim, o trabalho comporta um capital, uma aptidão, uma competência indissociável de quem a detém e o trabalhador se torna uma máquina que vai produzir fluxos de renda. Segundo Foucault, estamos ante a emergência de uma concepção de capital-competência que recebe uma renda-salário em lugar da concepção de força de trabalho e, assim, emerge, também, o próprio trabalhador como empresa de si mesmo: o Capital Humano. Gerir o trabalho, sob esta perspectiva, converte-se, em certa medida, em gerir o Capital Humano, incrementar sua produção mediante estratégias de produção de subjetividades, de sujeitos como princípio de sua própria sujeição. Trata-se de investir em modos de gerir o trabalho e as vidas enquanto estratégia de governo, de uso ou condução de si e do outro, com vistas ao atingimento de objetivos econômico-produtivos.

Ocorrem, então, significativas transformações nos modos de realizar a gestão do trabalho. Se antes, em tempos de organização do trabalho marcadamente taylorista e fordista a gestão foi caracterizada por um caráter cientificista pelo qual o gestor se personificava e encarregava-se de "garantir" a execução do trabalho conforme sua prévia prescrição, pautado no planejamento e controle exaustivos das tarefas a serem desempenhadas pelos outros em uma lógica de vigilância hierarquizada, ainda que sobre ele a vigilância também se exercesse, hoje, em tempos de Trabalho Imaterial, a gestão dos processos de trabalho sofre importantes transformações, sobretudo, no que tange ao uso, pelos modos de gestão, do caráter vivo do trabalho do outro. Isto é, de sua capacidade inventiva.

A transformação do Trabalho em Imaterial começou a manifestar-se de maneira evidente no curso da década de 1970, isto é, na primeira fase da reestruturação produtiva (Lazzaratto, & Negri, 2001). As principais transformações que o caracterizam se referem ao tempo e a quantidade de trabalho a serem postas em ação pelos trabalhadores e ao lugar do "indivíduo social" que passa a ser pilar de sustentação da produção e da riqueza. Com isto, ocorre uma mudança radical do trabalhador com a produção, a qual não consiste mais em uma relação de simples subordinação ao capital. "Ao contrário, esta relação se põe em termos de independência com relação ao tempo de trabalho imposto pelo capital. Além disto, esta relação se põe em termos de autonomia com relação a exploração, isto é, como capacidade produtiva, individual e coletiva" (Lazzaratto, & Negri, p. 30).

O operário-massa enquanto figura emblemática do taylorismo, o trabalhador massificado não apenas pelos níveis de mobilização das forças de trabalho na produção em série, mas pelo nivelamento de suas qualidades em tarefas cada vez mais repetitivas e simples; massificado porque operavam em grandes contingentes nas fábricas e porque se impediam processos de singularização, cede lugar ao operário-social, esse mais intelectualizado, capaz de assumir responsabilidades e de tomar decisões. Sendo a subjetividade dos operários a que deve ser organizada e comandada, os critérios de qualidade e de quantidade de trabalho são reorganizados em torno de sua imaterialidade, de maneira que mudanças nos modos de se fazer a gestão do trabalho, se impõem significativamente.

Nesta direção, o sociólogo Gaulejac (2007) destaca que nos últimos anos vivemos o incremento de uma Sociedade da Gestão na qual se incentiva o individualismo, sobretudo, na forma de competição e diferenciação por desempenho. Em tal sociedade também é levada em consideração a participação em grupo, buscando-se uma mescla de competição e colaboração. Trata-se de tempos em que vivemos o que o autor chama de Poder Gerencialista, essa uma tecnologia política feita de "um conjunto de microdispositivos que não aparecem como fruto de uma concepção centralizada, de um sistema de dominação pré-estabelecido, mas como um conjunto disparatado de tecnologias, de regulamentos, de procedimentos, de arranjos e de discursos que emergem em dado momento histórico" (p. 107).

O que assistimos hoje, segundo Gaulejac, é a uma recolocação do modelo da disciplina como modo de gestão das coletividades humanas em favor de um novo modelo, diferente daquele pautado no modelo disciplinar do taylorismo que submete os indivíduos. Se na empresa taylorista há um centramento sobre a canalização da atividade física a fim de tornar os corpos úteis, dóceis e reprodutivos, nas empresas contemporâneas regidas pelo poder gerencialista a preocupação não está tanto em controlar os corpos, mas em transformar a energia libidinal em força de trabalho. Assim, passa-se do controle minucioso dos corpos para a mobilização psíquica a serviço da organização.

Neste lastro emergem os experts da gestão, aqueles que, com diversos saberes práticos, têm a função de modelar comportamentos e de estabelecer procedimentos e normas de funcionamento, visando, ao invés de controlar os corpos, mobilizar os desejos, incrementando estratégias de investimento ilimitado dos trabalhadores em si mesmos, levando-os a se engajarem em projetos, mais do que a cumprir ordens, por meio de adesão "voluntária" aos propósitos da empresa, bem como a sempre buscar atingir objetivos maiores do que aqueles fixados pela empresa, configurando, muitas vezes, processos de submissão consentida.

Para os que se pretendem experts em gestão (Gaulejac, 2007), o trabalhador passa a ser visto como objeto de observação para melhoria da produtividade e do rendimento e seu conhecimento, o do trabalhador, é cada vez mais incentivado de modo a se atingir soluções operacionais em uma busca, incessante, pela eficiência e pela eficácia. Do controle dos corpos vai-se a mobilização maciça do desejo na qual cada um deve se responsabilizar por seus resultados e competências, da vigilância física vai-se à vigilância comunicacional mediante táticas pelas quais o tempo regulamentado do trabalho é substituído pelo investimento ilimitado em si mesmo. Além disto, as submissões à ordem cedem lugar ao engajamento em projetos e o exercício do poder não é mais hierárquico e sim, reticular. Ao expert da gestão cabe, de certo modo, fazer de cada trabalhador o gestor de si mesmo.

A partir das formulações apresentadas, voltamos à pergunta inicial que gerou esta seção de discussão: estamos imersos, no contemporâneo, em condições de emergência daquilo que se poderia chamar de Psicologia da Gestão, uma Psicologia da Racionalidade Gerencialista? Assim como a Psicologia da Indústria e a Psicologia Organizacional em determinado momento histórico alinharam-se com as tecnologias sociais de dominação, ante as quais se ergueram as problematizações colocadas pela chamada Psicologia do Trabalho, estaríamos vivendo um tempo de produção de uma Psicologia ocupada em instrumentalizar uma Sociedade da Gestão? Uma Psicologia que investe na produção de trabalhadores-empreendedores de si mediante modos sutis e sofisticados de gestão/governo/controle de si mesmos e do outro? Quais as implicações ético-políticas desse processo?

Contribuições do conceito de trabalho como atividade ao debate sobre Psicologia, Gestão e Trabalho

As análises realizadas por Gaulejac (2007) a respeito do tema da gestão operam uma crítica da racionalidade produtiva contemporânea. Discutindo o que seria uma nova modalidade de Poder, por ele denominada de Gerencialista, essa mais afeita ao controle do que a disciplina, o sociólogo problematiza a emergência dos experts da gestão, daqueles que operam como prescritores de modelos para organizar e realizar o trabalho nas organizações, de maneira a fazê-las funcionarem eficientemente. Trata-se, portanto, de uma abordagem da gestão enquanto exercício de um fazer dirigido ao fazer dos outros, de um conjunto de estratégias de visam um certo governo da vida e do trabalho dos outros, uma vez que, segundo Gaulejac citando Girin, ela consiste em um conjunto de técnicas que visam garantir a perenidade da organização, sendo definida fora das coletividades de trabalhadores. Com isso, Gaulejac nos ajuda a pensar a respeito do que denominamos de uma instrumentalização de estratégias de poder e controle mediante a produção de uma certa modalidade de Trabalho de Gestãoiii.

Contudo, nos ajudam a pensar em uma gestão do trabalho que se dá no seio das próprias coletividades de trabalho, as formulações que tomam o trabalho enquanto atividade, isto é, enquanto movimento incessante de renormatização dos meios de vida no trabalho, uma vez que entre o Trabalho Prescrito e o Trabalho Real, conforme preconizaram os Ergonomistas, há sempre uma distância a ser gerida pelos trabalhadores quando em situação de trabalho. Desde este ponto de vista, a gestão consiste em um problema humano que advém por toda parte onde há variabilidade e história, e no qual "é necessário dar conta de algo sem poder recorrer a procedimentos estereotipados", diz Schwartz (2004; p. 23).

Com essa definição de gestão, Yves Schwartz, no escopo da chamada Ergologia, põe em evidência uma dimensão da gestão laboral que evidencia o quanto trabalhar pode consistir, em contrariar, por vezes, os ideários da gestão enquanto governo da vida e do trabalho do outro. Ressaltando a existência de uma gestão operada no curso do trabalho que implica em lidar com uma certa dimensão "ingovernável" que acompanha as situações laborais, uma dimensão intempestiva que sempre escapa aos ideários prescritivos e que fazem de cada trabalhador o gestor do seu próprio trabalho, Schwartz nos possibilita problematizar a produção dos experts da gestão justamente porque chama atenção para uma expertise gerada no curso do trabalho como atividade, pelos próprios trabalhadores e trabalhadoras.

Para Schwartz, Ducc e Durrive (2007a), "[...] no trabalho, há sempre uma espécie de destino a viver" (p. 193), porque é preciso suprir os vazios de normas, as deficiências e as insuficiências de orientação, de regras e de procedimentos. E ainda, é gerindo a infidelidade do meio que se pode viver. Para viver tal destino, os trabalhadores, então, experienciam dramáticas dos usos de si, isto é, eles se vêm imersos em um processo microgestionário pelo qual arbitram por entre critérios e valores. Há, então, uma gestão do trabalho operada por usos de si, usos esses que podem ser tanto de si por si mesmos (aquele pelo qual os trabalhadores tentam fazer valer ali suas próprias normas de vida, suas próprias referências)iv como de si, pelos outros (por normas técnicas, operacionais, gestionárias, hierárquicas que remetem a subordinação).

Assim, é no nível da atividade que os maiores problemas do político são enfrentados, diz Schwartz, Ducc e Durrive (2007b), pois é nela e por ela que os trabalhadores decidem a respeito de seus modos de trabalhar num movimento que implica sempre, em alguma medida, a geração de efeitos sobre a gestão social das situações de trabalho. Põe-se, então, em evidência, a dimensão gestionária do trabalho como atividade, essa referente à atividade situada e exercida pelos trabalhadores e trabalhadoras em coletividade, podendo ser, em determinados casos, prenhe de potencial crítico referente aos experts da gestão.

Em texto dedicado a discutir a respeito do conceito de trabalho, Schwartz (2011) prossegue em sua argumentação a respeito de que na atividade de trabalho se processam os maiores problemas do político quando afirma que uma atividade de trabalho é sempre o lugar, em maior ou menor escala, de reapreciação, de julgamentos sobre os procedimentos, sobre os quadros e os objetos do trabalho. É neste processo de arbitragens e regulagens, que os trabalhadores lidam com valores relativos à história, à economia, ao social, sustentados sobre as normas operatórias, mas sem descontinuidade com as normas de vida que todo meio histórico veicula. Trabalhar, então, consiste em fazer política.

É nos "furos de normas" (Schwartz, 2011, p. 33), prossegue o autor,

que se engajam reconfigurações de maneiras de fazer, dos laços coletivos mais ou menos intensos, das aprendizagens, das redes de transmissão de saber fazer, dos valores do uso de si, da saúde no trabalho e, finalmente, reinterrogam - construindo ou destruindo - o que significa viver em conjunto. É, portanto, toda vida social que é surdamente recolocada em questão na oficina, no serviço, no canteiro de obra, para ser (re)disseminada pelos milhares de canais de sociabilidade com os outros espaços da vida social (Schwartz, 2011, p. 33).

Com isto, Schwartz enaltece a dimensão do trabalho enquanto atividade que sempre se configura como um fazer coletivo. Contudo, trata-se de um coletivo que se define como tal de um modo bastante específico, ou seja, que nada tem a ver com indivíduos atuando juntos, homogeneizadamente, modeladamente na direção da almejada cooperação e colaboração preconizada, muitas vezes, pela lógica gerencialista nas organizações. Trata-se, em lugar disto, de corpos em sinergia, este um termo preferido por Schwartz, Ducc e Durrive (2007a) em lugar dos termos cooperação e colaboração. Trabalhar enquanto atividade mobiliza, sempre, inexoravelmente e em alguma dimensão, coletivos de trabalhadores, isto é, de pessoas que se encontram umas com as outras no problema do trabalho, naquilo que as força a pensá-lo diferentemente e a dar respostas diferentes e variadas às infidelidades do meio de trabalho. Por isso, quando vivemos a gestão do trabalho enquanto o fazemos no lastro de um coletivo que não é sequer pessoalizado, são forças que se mobilizam numa espécie de passagem a uma inteligência coletiva, que ganha existência em uma zona comum, entre todos.

Da incursão pela contribuição do conceito de atividade ao debate sobre Psicologia, Trabalho e Gestão ressaltamos o aspecto de que todo trabalhador é gestor de seu trabalho, um gestor que gere as variabilidades do meio de trabalho, as quais, muitas vezes, escapam às prescrições laborais. E mais, que é neste processo que reside a possibilidade de uma sociabilidade construída nas bases do comum, do estar com o outro, em lugar de para o outro. Ressaltamos, ainda, que é neste processo que se está operando a favor da vida, daquilo que Canguilhem (2012) define como condição de saúde e de saúde no trabalho: ser sujeito ativo no processo da normatividade que baliza sua vidav.

Com isto, queremos posicionar que nossas questões referentes ao que entendemos estar se gestando no contemporâneo, a emergência de um Psicólogo da Gestão, refere-se aquele que se coloca a serviço da lógica gerencialista pelo exercício de uma certa modalidade de trabalho de gestão. Não muito distante daquilo que Fayol (1984) no livro A Administração Geral e Industrial definiu como gerenciamento, isto é, como função de planejamento, comando, coordenação e controle em uma verdadeira arte de comandar (Moro, 2015), o trabalho de gestão, ou de gerenciamento nas organizações contemporâneas, parece se assentar em atributos do gestor, sendo a gestão localizada na figura daquele que gerencia os outros, que age sobre eles, de modo a tirar o melhor proveito dos agentes que compõem a sua área operacional e incidindo, de modo especial, sobre a produção de dimensões subjetivas requeridas aos novos modos de organização do trabalho contemporâneos. Nesta mesma direção, Walter, Winkler e Crubellate (2013) nos ajudam nesta análise quando realizam uma aproximação entre as proposições de Taylor e Fayol e a figura do pastor, discutida por Foucault (1995), ao abordar a questão do poder pastoral, partindo do princípio de que o poder pastoral remete a uma intervenção sobre a vida dos indivíduos, implicando em obediência ao outro.

Argumentamos, então, que uma psicologia que se leve em conta a perspectiva da gestão do trabalho enquanto atividade pode encontrar meios para um fazer que se dirige a outra perspectiva: aquela do plano que resiste a gestão enquanto gerenciamento de si, muitas vezes sofrido pelo próprio trabalhador que se pretende expert da gestão colocando-se a gerir a vida do outro no trabalho. Operar uma Psicologia do Trabalho em sintonia com a expertise dos trabalhadores gerados na gestão do seu trabalho como atividade abre um horizonte completamente diferente daquele de uma psicologia feita na linha dos experts da gestão.

Com esta argumentação reafirmamos nossa aposta em uma Psicologia do Trabalho que persiste na virada ético-epistemológica a que se propôs quando de sua emergência em relação às práticas psicológicas que se aliaram aos objetivos de gerenciamento, chamando a atenção para as novas roupagens que essa aliança pode assumir no contemporâneo, agora instrumentalizando e atuando, ela mesma, desde o lugar dos experts da gestão. Entendemos que a Psicologia do Trabalho consiste muito mais em um modo de problematizar o trabalho do que, propriamente, em um campo de atuação. Além disto, entendemos como necessário o esforço de permanentemente colocá-la em análise, de maneira a resistir às forças que visam sua captura pelas racionalidades instrumentais do capitalismo.

Análise de implicação para continuar a história do ofício dos psicólogos do trabalho

É no arranjo social peculiar que marca o território do trabalho no contemporâneo neste início de século que se impõe a necessidade de os psicólogos operarem, permanentemente, a análise de suas implicações. A Análise de Implicação, essa uma potente e imprescindível ferramenta proposta pelos Analistas Institucionais franceses, permite-nos afinar a dimensão criadora do pensamento e perturbar as amarras, muitas vezes, tão bem estabelecidas, entre saberes, práticas e poderes. Em nada tendo a ver com o sentido de estar comprometido com alguma causa, o que levaria à crença de que existem os implicados e os não implicados, o conceito de implicação para os institucionalistas franceses remete a uma prática incessante de formulação de perguntas a respeito do que estamos fazendo do mundo e de nós mesmos.

Visando pela análise da implicação encontrar meios para recusar a posição de experts, daqueles que encharcados de vontade de poder exercem seu saber sobre o outro, os institucionalistas, inspiram, assim, a mantermos viva a indagação: como a Psicologia vem enfrentando as questões e os desafios do trabalho contemporâneo?

Uma mirada histórica a respeito das aproximações da Psicologia ao campo do trabalho nos permite compreender que esse movimento é marcado por eternos retornos e sempre arrimado nos jogos de forças sociais que marcam uma época, dando contornos peculiares ao que fazemos. Por esta razão, sustentamos que as análises relativas aos modos como a psicologia se aproxima das questões do trabalho merecem ser insistentemente ativadas sempre, se quisermos afirmá-la enquanto prática política, isto é, enquanto prática que possibilita traçar, com os trabalhadores, o mapa de suas constituições de si e os efeitos de suas práticas no mundo. Prática capaz de arregimentar as forças capazes de gerar resistências, as quais passam, em nosso entendimento, pela criação frente aos poderes subjetivantes da lógica capitalística que atravessam o trabalho e acompanham os modos operatórios de trabalhar.

Por esta razão, propusemos um debate a respeito do que poderíamos chamar da emergência de uma Psicologia da Gestão no contemporâneo, a qual estaria na Sociedade marcadamente de Controle, sintonizada com os interesses gerencialistas, agora operando por dispositivos cuja incidência se dá, notadamente, sobre a produção dos trabalhadores-gestores de si mesmos.

Nesta linha de debate, sinalizamos que a abordagem do trabalho como atividade coloca em cena uma dimensão da Gestão do Trabalho capaz de subverter a premissa de que por um Trabalho de Gestão se pode chegar aos resultados almejados pelos setores de planejamento estratégico das organizações os quais, crendo nas boas práticas de comando da vida dos outros, "chegariam lá". Ressaltamos, ainda, a dimensão de que a experiência do labor implica sempre em uma dimensão ingovernável, o que abre instigantes desafios para a aposta em meios de sociabilidade no trabalho afeitos a modos criadores e coletivos de existência.

Interessa-nos problematizar o fato de que a psicologia possa colocar-se a serviço da produção dos experts da gestão que almejam incrementar o gestor de si mesmo em cada um e em si mesmos, na direção da produção dos empreendedores de si, no lastro das formulações do Capital Humano, conforme analisado por Foucault (2008). Interessa-nos, portanto, a afirmação de uma psicologia que aborda o trabalho enquanto experiência portadora de potência de invenção, ou seja, de possibilidade propositiva de soluções para e no trabalho a partir de um processo de problematização dos próprios modos de vivê-lo nas coletividades de trabalhadores e trabalhadoras.

Há que se buscar a possibilidade de que o próprio trabalho em Psicologia do Trabalho mantenha-se vivo, aberto a sua reinvenção, perene às problematizações que possam retirá-lo de suas aparentes evidências e relançá-lo, em exercício ético, ao eterno retorno de sua desinstitucionalização: a escrita deste texto consiste em um esforço neste sentido.

 

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Endereço para correspondência:
Fernanda Spanier Amador
feamador@uol.com.br

Submetido em: 16/12/2015
Revisto em: 13/03/2017
Aceito em: 22/04/2017

 

 

i Este artigo compõe os estudos que realizamos pela pesquisa Trabalho, Subjetivação e Clínica - análises nos setores da Assistência Social, Justiça e Comunicações, financiada com recursos do CNPq.
ii Campo esse assim denominado para referir-se a um conjunto de abordagens que se ocupa das conexões trabalho-subjetividade (Bendassoli, & Soboll, 2011) e, ainda, conforme Lhuilier (2006), campo que pensa em "clínicas" enquanto modalidades de intervenção que visam a relação trabalho, saúde, sofrimento e adoecimento mediante o enfoque de situações laborais.
iii Referimo-nos aqui a um Trabalho de Gestão operado, geralmente, fora do Trabalho em Situação e reconhecido, muitas vezes, como sendo pertinente a alguns trabalhadores: aqueles que desempenham funções formalmente configuradas nos quadros organizacionais como "gestores". Tal trabalho, não raras vezes, consiste em mover estratégias de gestão que visam atingir seus objetivos por meio de usos de si pelos outros estimulados em seus subordinados, mesmo que também produzido em si mesmos enquanto gestores. Tais usos de si por si pelos outros favorece a reprodução de relações institucionalizadas no trabalho, ainda que por entre modulações subjetivas constantes que marcam os tempos de Trabalho Imaterial. Trata-se de modulações a serviço de transformações que são, contudo, rapidamente capturadas nos padrões reforçadores de modos individualizados de trabalhar ainda que sustentados, paradoxalmente, em concepções de cooperação e colaboração.
iv A partir da leitura de Schwartz, Ducc e Durrive (2007a), argumentamos que mesmo o uso de si por si mesmo é sempre um uso de si que implica o outro. Contudo, isto se dá em uma direção diferente daquela do uso de si pelo outro, na linha do assujeitamento, portanto. Falamos em um uso de si com o outro, esse se dando em uma direção de partilha de um plano comum, de onde emergem processos criadores de si e de modos de trabalhar, processos marcados pela resistência ao assujeitamento.
v A este respeito valem aqui ser ressaltadas as pertinentes considerações no que tange a velocidade com que no contemporâneo os sujeitos são convocados a participarem das modulações de pensar, sentir e agir que servem aos interesses do outro, por meio de estratégias de sujeição, portanto. Trata-se de operar no fio da navalha, por uma tênue linha onde reside a potência da vida e de afirmar as linhas que a expandem, ao invés daquelas que as restringem.

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