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Arquivos Brasileiros de Psicologia

On-line version ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. vol.69 no.3 Rio de Janeiro  2017

 

ARTIGOS

 

Representações sociais de violência para profissionais da assistência social

 

Social representations of violence for professionals in the social assistance

 

Representaciones sociales de violencia para profesionales de la asistencia social

 

 

Roberta Belizário AlvesI; Renata Danielle Moreira SilvaII; Maria Cristina Smith MenandroIII; Zeidi Araujo TrindadeIV

IPsicóloga. Secretaria Municipal de Saúde de Vitória. Vitória. Estado do Espírito Santo. Brasil
IIPsicóloga. Universidade Federal do Espírito Santo. Barra de São Francisco. Estado do Espírito Santo. Brasil
IIIDocente. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Vitória. Estado do Espírito Santo. Brasil
IVDocente. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Vitória. Estado do Espírito Santo. Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo foi identificar representações sociais de violência e sua prevenção para profissionais que atendem famílias com direitos violados. Investigou-se também de que forma a família é significada nestas representações. Foi feita análise de um manual de normas técnicas por meio do software Alceste e da análise de conteúdo temática. A violência é concebida como violação de direitos e prejuízo da qualidade de vida. A prevenção da violência é significada como promoção da qualidade de vida, por meio de inserção do usuário no serviço; ações educativas; e trabalho intersetorial. A família aparece frequentemente como elemento presente nas representações da prevenção da violência, como beneficiária, mediadora, parceira e responsável pelo adolescente, e seu sentido varia conforme o conjunto de práticas ao qual se relaciona.

Palavras-chave: Representações sociais; Violência; Prevenção; Família; Assistência social.


ABSTRACT

The study aimed to investigate the social representations of violence and violence prevention for professionals who treat families with violated rights. It also examined how the family is presented in these representations. A manual of technical standards has been analyzed through the Alceste software and thematic content analysis procedure. Violence is seen as violation of rights and impairment of quality of life. Violence prevention is represented as promotion of quality of life through insertion of the user in the service; educational activities; intersectoral approach. The family appears frequently in the representations of violence prevention as beneficiary, mediator, partner and responsible for the teenager, and its meaning varies according to the practices set to which it relates.

Keywords: Social Representations; Violence; Prevention; Family; Social Assistance.


RESUMEN

El objetivo fue identificar las representaciones sociales de violencia y su prevención para profesionales que atienden familias con derechos violados. También se investigó cómo se entiende la familia en estas representaciones. Se analizó un manual de normas técnicas por medio del software Alceste y del análisis de contenido temático. La violencia es vista como violación de derechos y deterioración de la calidad de vida. La prevención de la violencia se entiende como promoción de la calidad de vida, por medio de la inserción del usuario en el servicio; actividades educativas; y trabajo intersectorial. La familia aparece a menudo como elemento presente en las representaciones de la prevención de la violencia, como beneficiaria, mediadora, socia, y responsable por el adolescente, y su significado varía de acuerdo con las prácticas a que se refiere.

Palabras clave: Representaciones Sociales; Violencia; Prevención; Familia; Asistencia Social.


 

 

Introdução

A violência é hoje um problema social, com repercussões para a saúde e o desenvolvimento humano, que vem forçando o poder público a desenvolver e aprimorar estratégias e políticas, e desafiando continuamente os profissionais que lidam com esta temática. Mesmo tratando-se de um objeto polissêmico, pode-se propor alguns elementos iniciais para conceituar a violência. Primeiramente, ela implica o uso intencional de força física, poder ou de ameaça contra alguém, que tenha como resultado ou possibilidade lesões, mortes, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação (Organização Mundial de Saúde [OMS], 2015). Ao mesmo tempo, trata-se uma forma de relação baseada na coação e no uso intencional da força (Chauí, 2010) que é produzida e determinada pela inter-relação entre fatores individuais, relacionais e contextuais (Minayo, 2013).

As mortes por causas externas representam 13,3% dos óbitos na população geral brasileira, e, dentre essas, os homicídios representam a principal causa de morte específica de pessoas do sexo masculino entre 10 e 19 anos (Brasil, 2015). As principais vítimas de homicídio são os jovens de 15 a 29 anos, particularmente jovens negros do sexo masculino (Waiselfisz, 2016).

Estes dados mostram que adolescentes e jovens estão especialmente expostos à violência. Ao mesmo tempo, a família tem sido apontada na literatura científica como um dos principais fatores de risco ou proteção para a ocorrência da violência na adolescência (Alves & Rosa, 2013; Cunha & Rodrigues, 2010; D'Affonseca & Williams, 2013; Morais, Koller & Raffaelli, 2012), o que torna essencial desenvolver ações de prevenção que a incorporem como alvo das intervenções.

Compreender o fenômeno da violência é, pois, fundamental para qualificar a atenção prestada no serviço público ao usuário e à comunidade. Esta compreensão deve englobar, entre outras coisas, os sentidos que os profissionais atribuem ao objeto de intervenção e às práticas por eles produzidas. Minayo (2011), ao propor a utilização conjugada de abordagens quantitativas e qualitativas em pesquisas avaliativas de políticas e programas sociais, enfatiza a necessidade de compreender o papel das representações, emoções, crenças e relações no andamento das políticas, uma vez que tais aspectos incidem na realização das atividades. Em vista disso, propõe-se a utilização da Teoria das Representações Sociais como uma abordagem para acessar estes sentidos e como ferramenta a ser aplicada na análise de aspectos qualitativos das intervenções.

Representações Sociais são formas de conhecimento do senso comum, formuladas com base em acontecimentos, produções científicas e ideologias, que se transformam em realidades compartilhadas (Moscovici, 2011). São produzidas na ação comunicativa de sujeitos inseridos em relações concretas situadas numa configuração social específica (Jovchelovitch, 2004).

Os processos implicados na gênese das representações sociais são a ancoragem e a objetivação. O primeiro permite que um conhecimento novo se ajuste e se integre no conjunto de categorias acumuladas em nossa rede de significados preexistente. O segundo consiste na construção de uma imagem concreta, ligando uma palavra ou ideia a uma figura. São estes processos que mantêm, reproduzem e, ao mesmo tempo, transformam a vida social (Jovchelovitch, 2000; Moscovici, 2011).

As representações sociais permitem que as pessoas se comuniquem e ajam em conjunto, orientam decisões, escolhas (Moscovici, 2011) e também práticas sociais (Abric, 2011). Por isso, sua compreensão auxilia a entender melhor a forma como os sujeitos se posicionam e atuam no desenvolvimento de seu trabalho. Sendo assim, é possível refletir sobre as práticas dirigidas à violência nos serviços públicos por meio da investigação das representações sociais sobre este objeto dentro desse contexto.

O número de pesquisas que investigam as representações sociais sobre violência entre profissionais de serviços públicos é ainda reduzido. Em levantamento sobre a produção científica recente sobre o tema, verificou-se alguns estudos entre professores (Paula & Kodato, 2010), policiais (Galinkin, Almeida & Anchieta, 2012; Silva, 2012), profissionais do Sistema de Garantia de Direitos (Branco & Tomanik, 2012) e profissionais de saúde (Araújo, Cruz & Rocha, 2013; Costa, Lopes & Soares, 2014; C. C. Oliveira, Almeida & Morita, 2011).

Desta forma, este estudo buscou identificar as representações sociais sobre a violência e sobre sua prevenção por um serviço municipal de assistência social que atende famílias com violação de direitos. Buscou-se, ainda, identificar de que forma a família aparece nestas representações.

 

Método

Delineamento de pesquisa e fonte de dados

Foi realizada a leitura e a análise do manual de orientações técnicas para profissionais de um serviço municipal de atendimento a indivíduos e famílias em situação de violação de direitos e adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa. O serviço integra o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e atua no nível de média complexidade da região metropolitana de Vitória-ES. O acesso ao material se deu após aprovação da pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e autorização formal da Secretaria Municipal de Assistência Social.

Documentos institucionais, tais como o que foi selecionado, são produções que refletem maneiras de ver o mundo, por meio das quais se podem conhecer os indivíduos, os grupos e os contextos que os produziram (Souza & Menandro, 2007). Isto é particularmente aplicável ao documento em questão, que foi produzido por um coletivo de técnicos atuantes no serviço, que discutiram e elaboraram conjuntamente metodologias de trabalho, após dois anos de implantação do serviço no município. Portanto, é o produto final de um processo no qual entram em cena saberes construídos no cotidiano e experiências acumuladas, sendo, pois, fruto de interações, que são o setting de produção e de difusão de representações sociais.

Procedimentos de coleta e análise dos dados

Foram utilizados os seguintes procedimentos: leitura de todo o material; formatação do material para análise; interpretação e elaboração de inferências. O material constituiu um único banco de dados que foi analisado com o software de análise textual Alceste (Analyse Lexicale par Contexte d'un Ensemble de Segments de Texte). A análise de conteúdo foi empregada apenas para analisar de que maneira a família aparece nas representações de violência e de prevenção.

O Alceste se baseia no pressuposto de que o vocabulário utilizado para falar de um objeto reflete as formas de se pensar sobre ele (A. R. A. Nascimento & Menandro, 2006). Em termos operacionais, organiza o vocabulário em classes de palavras distintas segundo a coocorrência de vocábulos, utilizando-se como unidades de análise as unidades de contexto elementar (UCE), que são seguimentos de texto com aproximadamente três linhas. As UCE são agrupadas por meio do teste qui-quadrado (Q2), que mede a relação entre as palavras em coocorrência nas UCE e o quanto elas se relacionam com uma classe (Lima, 2008).

O uso de software de análise de dados textuais tem sido cada vez mais frequente em pesquisas em Representações Sociais (Camargo & Justo, 2013), visto que classes geradas por ele fornecem evidências sobre as formas de discurso empregadas a respeito do tema de interesse, permitindo sua interpretação e indicação de representações sociais sobre um objeto.

A técnica de análise de conteúdo consiste na descrição do conteúdo de mensagens e classificação de unidades de análise (categorização) e posterior inferência sobre as condições de produção das mensagens (Bardin, 1977). O objetivo do emprego desta técnica foi identificar aquilo que é dito sobre o objeto de interesse (temas ou núcleos de sentido). Considera-se essa técnica adequada ao estudo proposto, pois permite acessar os conhecimentos e representações que as pessoas utilizam na linguagem e que são materializadas nos textos (Bauer, 2002).

Buscou-se descrever os conteúdos das representações sociais, assim como analisar o seu contexto de produção (Arruda, 2005), ou seja, o conjunto mais amplo de valores e sentidos, os pertencimentos e as circunstâncias em jogo na produção destas representações. Os resultados acerca das representações sobre a violência e sobre a prevenção da violência são apresentados no dendrograma fornecido pelo Alceste (Figura 1) e os resultados relacionados à forma como a família aparece nestas representações são apresentados na Tabela.

 

 

Resultados

O Alceste classificou 221 UCE (84% do total), que foram organizadas em quatro classes, conforme mostra a Figura 1.

As classes foram ordenadas em dois eixos temáticos. O primeiro, nomeado "Modo de operar ou lógica de funcionamento", é formado pelas classes 1, 2 e 4, respectivamente 12,98%, 6,49% e 31,68% do corpus. Observa-se neste eixo uma relação de maior proximidade entre as classes 1 e 2 (R = 0,71). Esta medida de relação reflete uma semelhança maior de conteúdos entre essas classes, assim como a relação entre os conteúdos da classe 4 e as primeiras (R = 0,30) é menor, mostrando que o conteúdo da classe 4 é bem distinto dos conteúdos das classes 1 e 2. O segundo eixo, "Concepção de objeto", é composto pela classe 3, que representa 33,21% do corpus.

O material textual utilizado como fonte de dados é propositivo, de modo que as classes fornecidas pelo Alceste expressam as intenções, o ideal, o que se deseja e se considera necessário realizar no serviço. As propostas de trabalho do documento contêm em si pressuposições e premissas sobre os objetos e sobre as práticas em relação a eles, que por sua vez indicam as bases e referências culturais e históricas utilizadas, o que se relaciona com as representações sociais. Desse modo, a partir da análise das proposições contidas no documento, é possível inferir-se sobre as representações dos objetos sociais investigados.

No primeiro eixo, o conteúdo está mais relacionado à maneira de funcionar do serviço. Cada uma das classes presentes neste eixo possui um conjunto simbólico distinto, porém as três classes de algum modo informam sobre procedimentos e princípios organizativos do serviço.

A classe 1, denominada "A implicação do usuário e o processo educacional" abrange um conteúdo que expressa noções de cumprimento de obrigações e deveres relacionados a ações normativas como parte de um procedimento educativo. O teor das UCE desta classe se refere tipicamente ao conjunto de atividades oferecidas relacionadas às medidas socioeducativas para adolescentes e jovens que cometeram ato infracional. Portanto, se referem a atividades submetidas a certas regras às quais os adolescentes ou jovens devem obrigatoriamente estar vinculados:

[...] advertência escrita: será realizada pelo educador social e técnico que se fizer presente, sendo construído um termo com [o] adolescente ou jovem se responsabilizando pelo cumprimento das regras estabelecidas pelo serviço, devendo ser assinado pelo socioeducando.

Na classe 2, denominada "A inserção e o contato com o serviço como forma de proteção", a prevenção da violência está relacionada à captação e inserção do usuário de modo a produzir vínculo com o serviço. O contato e a presença com o usuário parecem ser elementos essenciais para conter as situações de violência. A iniciativa de contato e vínculo deve partir da equipe técnica e deve ser ininterrupta. Observa-se isto, por exemplo, na ocorrência das formas agend+, visitas domiciliares e tentativas, que aparecem fortemente relacionadas (maiores Q2) a esta classe, demostrando que a busca pelo usuário é uma diretriz bastante valorizada: "Serão realizadas três tentativas de contato que poderão se dar via telefone, visita domiciliar ou por meio de articulação com serviços de políticas públicas setoriais, a fim de agendar nova data".

A prevenção da violência parece estar, pois, associada ao vínculo e à antecipação ante as situações de violência. O conteúdo desta classe tem complementaridade com o conteúdo da classe 1 (R = 0,71), exprimindo a ideia de que é preciso captar e vincular os sujeitos ao serviço para que desenvolvam capacidades.

O conteúdo da classe 4, nomeada "Trabalho em rede: o papel de cada um", enfatiza a articulação intersetorial e a interdisciplinaridade como parte integrante da prevenção da violência. A referência à articulação intersetorial pode ser percebida a partir das formas mais fortemente associadas a essa classe, como por exemplo, encaminh+ (encaminhada, encaminhar), relatório+ e envi+ (enviado, envio, enviar), que indicam uma dinâmica de trânsito do usuário entre as instituições, como também uma forma de relação entre elas. Outro indício é o aparecimento das formas conselho tutelar, ministério público e delegacia+, além de outras formas também associadas a esta classe, com um Q2 menor (por isso não visíveis na Figura 1), como caps_ad, cras, saúde e vara da infância e da juventude, todas instituições que se constituem como pontos da rede de atendimento a pessoas que vivenciam situações de violência: "Formas de acesso: vara da infância e da juventude, ministério público, conselho tutelar, educação, cras, demanda espontânea. [...] serviços e órgãos da rede farão encaminhamentos dos casos obrigatoriamente com ofício e relatório descritivo da situação".

O conteúdo da classe 4 também faz referência à interdisciplinaridade, com o aparecimento de formas tais como equipe+ e equipe psicossocial, demostrando que o acompanhamento de casos de violência demanda a conjugação de diferentes saberes. O aparecimento da forma pais nesta classe sugere que a família é considerada como instituição social integrante do trabalho em equipe e da articulação intersetorial.

O segundo eixo exprime um conteúdo marcado pelas maneiras de pensar o objeto de intervenção - a violência - e a própria intervenção - a atenção e a prevenção da violência. Na classe 3 (Promoção da qualidade de vida), que integra este eixo, a violência é concebida como violação de direitos e como impossibilidade de usufruir de aspectos que promovem a qualidade de vida, tais como boas relações sociais, acesso a serviços e autonomia. A prevenção é representada como promoção destes fatores relacionados à qualidade de vida, que se efetiva por meio de apoio institucional na forma de orientações, acesso a serviços e a direitos básicos e fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários, o que em última instância promove o fortalecimento da capacidade normativa do indivíduo (autonomia), como mostrado no exemplo de UCE: "Impacto social esperado: contribuir para redução da violação dos direitos socioassistenciais, seus agravamentos ou reincidência; orientação e proteção social a famílias e indivíduos; acesso a serviços socioassistenciais e políticas públicas setoriais".

Na análise lexical, a família não aparece significativamente associada (Q2 elevado) em nenhuma classe específica. Pela leitura do manual se observou que sua ocorrência permeava todo o texto e, por isso, o termo não obteve significância estatística em nenhuma classe, o que se constitui como uma limitação do programa que não consegue captar termos que coocorrem com muita frequência em todas as classes. Do ponto de vista qualitativo, o fato destes vocábulos aparecerem em inúmeros momentos no documento demostra a sua importância analítica, uma vez que a família aparece como elemento sempre presente nas propostas de intervenção, fato que não pode ser ignorado.

Dado que para os objetivos da pesquisa considerava-se importante detectar de que maneira a família aparece nas representações sociais sobre a violência e sobre as práticas em torno dela e, dada a presença maciça deste elemento no texto, a solução encontrada para captar tais sentidos foi a análise de conteúdo das listas de UCE mais típicas de cada classe que é fornecida automaticamente pelo Alceste. Por meio de análise de conteúdo percebeu-se que este elemento está presente em todas, com frequência similar. A Tabela expõe de que forma o termo família apareceu em cada classe, em termos de frequência e sentidos atribuídos ao termo.

Conforme mostra a Tabela, o termo família e suas variantes (pais, responsáveis) apresenta um sentido diferente em cada classe. É considerada como público-alvo na classe 3, como parceira no acompanhamento do adolescente na classe 1, como um recurso a ser utilizado no acompanhamento do adolescente na classe 2, e como responsável na classe 4.

 

Discussão

Alguns elementos do contexto histórico de construção das representações sociais

Para se compreender e contextualizar o aparecimento dessas representações no documento pesquisado, julgou-se importante recorrer a alguns acontecimentos da história recente das políticas públicas no Brasil. Considerar a construção histórica dos objetos permite analisar os elementos do contexto social e histórico a eles relacionados, bem como a análise do processo de ancoragem (Trindade, Santos, & Almeida, 2011; Menandro, Trindade, & Almeida, 2010) . Embora este recorte histórico não seja exaustivo, permite demonstrar que "as representações sociais expressam a tensão constante do cotidiano e suas demandas históricas" (J. G. S. Carvalho & Arruda, 2008, p. 453).

Identificou-se como elementos importantes desse contexto o surgimento da doutrina de proteção integral a crianças e a adolescentes, bem como a mudança na concepção e no foco das políticas de assistência social no Brasil. A Constituição promoveu também uma importante ruptura no campo da assistência social, pois representou a superação de seu assistencialismo histórico, e estabeleceu os direitos sociais como direitos de cidadania. Como desdobramentos a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) foi promulgada em 1993 e a Política Nacional de Assistência Social (PNAS) foi aprovada em 2003, prevendo a implantação do SUAS como modelo de atuação (Conselho Federal de Psicologia [CFP], 2010). O objetivo da nova política passa a ser o desenvolvimento social, rompendo com a compreensão tradicional da assistência ligada à tutela (Brasil, 2005).

As transformações das concepções e práticas da assistência social e a compreensão da criança e do adolescente como sujeitos de direitos formam um contexto histórico bastante favorável para pensar a violência enquanto violação de direitos e a prevenção da violência como o acesso a estes direitos. Estas transformações refletem-se nas concepções expressas no documento pesquisado.

Representações sociais: conteúdos e processos

No eixo "Concepção de objeto", a violência é objetivada como violação de direitos. O termo violação aqui não é empregado somente em relação ao abuso físico ou psicológico, à negligência e ao abandono, mas de maneira mais ampliada, como negação de direitos. Tal representação se ancora na concepção dos adolescentes como sujeitos de direitos, bem como nas noções de qualidade de vida e desenvolvimento social como direitos de cidadania, presentes nas políticas sociais.

A prevenção da violência é vista como garantia de direitos, o que diverge de uma visão tradicional de prevenção da violência pela via da punição e da vigilância. Ou ainda de uma determinada abordagem na qual se procura combater determinados riscos. Prevenção no contexto do documento estudado significa promoção, acesso a direitos.

Esta imagem de prevenção deriva da representação da violência como violação de direitos, que lhe serve como ancoragem. Outra ancoragem possível para esta imagem de prevenção é a ideia de promoção empregada nas políticas sociais. Esta ideia de promoção de direitos está também ancorada no conceito de proteção social da PNAS e na concepção da assistência social como direito e não como caridade.

As maneiras de promover os direitos constituem o tema do eixo "Modo de operar ou lógica de funcionamento". Estão enunciadas nas classes 1, 2 e 4 os objetivos do serviço e as condições para sua concretização.

Na classe 1, relativa às medidas socioeducativas oferecidas aos adolescentes, há um discurso mais normativo se comparado às outras classes. Embora a concepção dos adolescentes como sujeitos de direitos seja uma importante ancoragem para a representação de violência, na classe 1, parece estar em cena também ancoragens em outras concepções sobre o adolescente, como aquelas evidenciadas por Menandro et al. (2010), em que é visto como sujeito ligado ao risco ou à vulnerabilidade por gozar de maior liberdade e não respeitar limites e regras. O foco no estabelecimento de regras e cumprimento de deveres presentes nesta classe denota uma preocupação em regular os comportamentos dos adolescentes e em diminuir com isso sua exposição ao risco.

Este processo educativo de que fala a classe 1 tem também uma conotação preventiva. A ação educativa é um dos elementos presentes na representação da prevenção da violência nesse contexto simbólico, e se relaciona como uma concepção do adolescente como alguém que se encontra em processo de desenvolvimento e aprendizado, muito presente na sociedade e nos meios de comunicação (Menandro et al., 2010).

Esta conotação preventiva da ação educativa está presente no paradigma da promoção da saúde e também se liga às noções de desenvolvimento social e proteção social, presentes na PNAS, que propõe a oferta de ações de desenvolvimento de aquisições pessoais como forma de proteger e restaurar a autonomia, a capacidade de convívio e o protagonismo dos sujeitos (Brasil, 2005). Pode-se supor que a presença da ação educativa como elemento na representação de prevenção esteja ancorada nessas noções, bem como em algo que as precede, a concepção do papel da assistência social como promotora de autonomia.

Na classe 2, o elemento que mais chama a atenção é o esforço em produzir o contato entre o adolescente e o serviço. A imagem que representa as estratégias de prevenção neste caso é a de proteção. Existem muitos elementos presentes na PNAS vinculados a esta imagem, para a qual servem como ancoragens. Nesta política, um dos princípios é a proteção proativa, que objetiva reduzir riscos e danos sociais por meio da oferta de espaços e serviços de acolhida, escuta, informação e concessão de recursos (Brasil, 2005).

Nessa classe, a ideia de prevenção como promoção de aspectos gerais de vida dá lugar à ideia de proteção contra alguns riscos específicos. O que não significa uma contradição, e sim uma complementariedade. Além disso, a imagem de proteção também se ancora em representações de adolescentes como sujeitos ligados a riscos (Menandro et al., 2010), e por isso a necessidade de proteção contra os mesmos.

Na classe 4, o elemento que mais se evidencia é a articulação intersetorial. Sua presença se relaciona a ancoragens na própria PNAS, na qual aparece associada a vários aspectos da política como condição para a efetiva reinserção e para a garantia da matricialidade familiar (Brasil, 2005).

A maneira como a articulação intersetorial se apresenta chama atenção. As formas encontradas com mais frequência e com maior Q2 sugerem que ela é objetivada como troca de informações e encaminhamentos do usuário entre as instituições, não havendo menção à realização conjunta das ações entre as instituições constituintes da rede de atenção. Além disso, setores importantes como habitação e emprego não aparecem, havendo uma preponderância da menção a instituições do setor saúde e do poder judiciário.

No processo de objetivação de uma representação social, há uma seleção e uma reorganização dos elementos relacionados a um objeto de conhecimento, nas quais alguns elementos são realçados e outros são esquecidos (Vala, 2004). Assim, é preciso questionar por que os encaminhamentos são os aspectos mais enfatizados e as ações conjuntas são elementos não abordados.

Se por um lado a articulação intersetorial não é simples justaposição de ações formuladas setorialmente, mas iniciativas conjuntamente elaboradas pelos diferentes setores dentro de uma estratégia comum, por outro lado, apesar de ter havido mudanças na concepção do papel do Estado e da seguridade social, o aparato governamental ainda permanece fragmentado, dificultando a ação intersetorial. Soma-se a isto a hierarquização e a diferenciação de importância entre as políticas setoriais, prevalecendo o domínio das políticas econômicas em detrimento das sociais (S. Nascimento, 2010). Assim, cada política tem seus próprios interesses e práticas, e atende a interesses diversos, o que se contrapõe à intersetorialidade.

Estas contradições se refletem nos discursos e nas ações daqueles que realizam as políticas. No documento analisado, a articulação intersetorial está enunciada, mas se manifesta de forma fragmentada, mediada por encaminhamentos e relatórios, sem menção a ações conjuntas, e deixando de incorporar importantes setores. Assim, embora a imagem expressa no documento esteja ancorada na PNAS, que defende a construção de ações conjuntas, também se ancora em antigas práticas e relações que impossibilitam a horizontalidade necessária às ações conjuntas. Conforme observado por Moscovici (2011), aqui é possível constatar que experiências e ideias passadas permanecem ativas e se infiltram em nossas experiências e ideias atuais, conformando nossas representações. Essas antigas práticas no arranjo organizacional do Estado, ao se reatualizarem, conformam representações de intersetorialidade tais como as observadas no documento, que por sua vez, reforçam práticas fragmentadas na articulação intersetorial.

O lugar da família na prevenção da violência

Enquanto nas décadas de 1960 e 1970 se enfatizavam as dificuldades de socialização dos membros da família num mundo em rápida transformação, na década de 1990 a discussão sobre a "crise da família" foi substituída por sua revalorização na sociedade moderna como espaço fundamental de desenvolvimento e de proteção (Deslandes, Assis, & Silva, 2004; Deslandes & Barcinski, 2010; Mioto, 2015; Rodrigues, Guareschi, & Cruz, 2013). Ao mesmo tempo, transformações históricas no plano econômico e político modificaram a concepção do papel da família nas políticas públicas. Se no período do Welfare State o Estado era considerado o maior protagonista na proteção e promoção dos indivíduos, a partir dos anos 1990, em que mudanças econômicas e políticas em escala global colocam em xeque a capacidade do Estado como agente de bem-estar social, a família ganha importância nas políticas sociais, sendo considerada um importante ator privado de proteção social (M. C. B. Carvalho, 2010). O bem-estar social passa a ser visto como atribuição que deve ser partilhada entre Estado, mercado e sociedade civil (Pereira-Pereira, 2010) e a família passa a ocupar lugar de destaque nas políticas sociais (Teixeira, 2010), sendo considerada ao mesmo tempo beneficiária das políticas e parceira e prestadora de serviços de proteção e inclusão (M. C. B. Carvalho, 2010).

Os resultados do presente trabalho corroboram esta afirmação, apontando que a família também é assim representada no documento pesquisado, no qual é objetivada como fim (usuária; beneficiária), como parceira, e como meio (prestadora de proteção) (Tabela). Acredita-se que as concepções sobre a família e sobre o seu lugar nas políticas públicas desde as referidas transformações são importantes ancoragens para as imagens de família encontradas no documento. Deve-se igualmente considerar a própria PNAS - que é também produto das mesmas transformações - como uma referência importante, tendo em vista a natureza do serviço pesquisado, que se insere nesta Política.

A concepção de família como fim, ou seja, como público-alvo das ações, pode ser observada na PNAS, em que é considerada a base da sociedade e destinatária de especial proteção pelo Estado, sendo por isso o foco de benefícios e projetos em suas diretrizes. A PNAS defende que a família precisa ser cuidada e protegida para garantir o seu papel de protetora, provedora de cuidados, espaço de socialização e promotora de inclusão (Brasil, 2005). Sendo assim, a objetivação da família como fim parece estar atrelada a esta ideia de que o Estado deve cuidar da família para que ela possa cumprir seu papel.

A família vista como meio, como recurso, também aparece na PNAS atrelada à ideia de "mediadora" das relações entre indivíduos e sociedade, na qual se constrói a identidade e a subjetividade, se desenvolve potencialidades e a vida comunitária (Brasil, 2005). Ressalta-se aí a importância do convívio familiar como potencializador destes processos.

Devem-se considerar ainda ancoragens em ideias semelhantes que estão presentes na produção científica de diversas áreas, como na saúde pública e na assistência social (Cavalcanti & Schenker, 2009; N. H. D. Oliveira, 2009). A valorização da família como mediadora do desenvolvimento dos sujeitos é abordada, por exemplo, por Deslandes et al. (2004) em sua pesquisa sobre serviços de atenção a famílias com dinâmica de violência no Brasil, na qual destacam que a família regulamenta modos de ser individuais e estabelece modelos de convivência que têm repercussão na sociedade como um todo.

Quanto à noção de família como parceira, Deslandes et al. (2004) defendem que a família não pode ser vista de maneira passiva ante a mudança social, pois pode transformar o cotidiano de sua comunidade e exercer influência na alteração dos padrões sociais mais amplos. Para os autores há uma semelhança entre os papéis do Estado e da família, pois ambos "regulam, normatizam, impõem e defendem direitos de propriedade, poder, deveres de proteção e de assistência" (Deslandes et al, 2004, p. 18).

Nesta proposição se evidencia a complementaridade de papéis entre Estado e família, em que a última é parceira importante na promoção da qualidade de vida e desenvolvimento social. Esta proposição é central nas políticas públicas atuais que adotam um modelo de bem-estar social pluralista (Pereira-Pereira, 2010), nas quais se considera que a sociedade e a família devem assumir responsabilidades compartilhadas, que antes eram atribuição exclusiva dos poderes públicos.

Além de ser objetivada como fim, meio e parceira, a família aparece ainda no documento pesquisado como responsável. Na leitura das UCE da classe 4, na qual esta imagem da família é prevalente, seu sentido parece se relacionar com a imputação de culpa pela falta de envolvimento ou de cumprimento de regras e metas por parte do adolescente em relação às ações oferecidas pelo serviço. Ou seja, quando todas as tentativas de promover a implicação do adolescente por parte do serviço "falham", recorre-se à família como depositária última do encargo de fazer com que o adolescente se implique.

Segundo Deslandes e Barcinski (2010), após as transformações nas políticas sociais se discute, sob influência do campo da promoção da saúde, não apenas a responsabilização da família sobre a forma de cuidado, mas principalmente formas de promover seu potencial como cuidadora. O que se observou no documento pesquisado é que o discurso da potencialização da função cuidadora e protetiva da família (fim, meio e parceira), presente na maioria das classes (1, 2 e 3), coexiste com o discurso da responsabilização, mais característico da classe 4, que mesmo tendo sido questionado e aparentemente colocado em segundo plano nas políticas públicas, parece ainda estar presente nas representações da sociedade. Seja na mídia ou em setores das políticas públicas, a família é considerada e veiculada como responsável direta pela educação dos adolescentes, para que sejam responsáveis e respeitem limites e regras de convivência (Galinkin et al., 2012; Menandro et al., 2010; Paula & Kodato, 2010). Isso mostra que as representações sociais são produto de sucessivas elaborações no decorrer do tempo e que refletem sempre um conhecimento anterior, fazendo com que ideias e experiências passadas se atualizem (Moscovici, 2011).

É preciso recordar que a intersetorialidade expressa na classe 4 se filia muito mais a uma divisão de atribuições do que a uma atuação conjunta. Neste contexto, estabelece-se uma divisão de papéis, incluindo o da família, que neste contexto é o de garantir que o adolescente compareça ao serviço. Ao mesmo tempo, a reflexão em conjunto com a família sobre estratégias de enfrentamento da falta de implicação do adolescente não aparece como possibilidade.

Abric (2011) propõe que a natureza das situações vai determinar a relação entre práticas e representações. Dentre outras possibilidades, o autor ressalta que as representações determinam as práticas quando se recorre à memória coletiva para manter ou justificar as práticas do grupo. Este parece ser o caso em relação às representações da família como responsável, historicamente estabelecidas na sociedade, e que se prestam neste contexto a justificar as práticas de responsabilização, ainda que seu potencial de cuidadora seja o aspecto mais valorizado nas políticas atualmente.

A razão desta pluralidade de discursos e imagens da família é fato que merece especial atenção. É necessário analisá-la em sua relação com o contexto em que aparece e com os objetivos e práticas a que se presta (Figura 2). Ao tratar do conceito de polifasia cognitiva proposto por Moscovici (2011), Jovchelovitch (2004) esclarece que as formas de saber não se sucedem linearmente, mas coexistem, e isto se dá pela função que estes saberes preenchem. Desse modo, as representações comportam tantas racionalidades quantas forem necessárias para lidar com as situações sociais que se apresentam.

Então, é preciso considerar quais funções as diferentes imagens da família desempenham em relação às práticas enunciadas nas quatro classes de sentidos. Pode-se dizer que, na classe 3, relacionada ao objeto alvo das ações - a violência -, a família aparece como finalidade última, tal qual expresso na PNAS. Porém, nas demais classes, que estão relacionadas ao modo de funcionamento do serviço e expressam cada uma delas um conjunto de práticas distintas, a família aparece de outras formas, dependendo da finalidade das práticas e das situações a serem manejadas. Assim, no processo educativo para construção de autonomia (classe 1), a família é objetivada como parceira. Considerando a inserção no serviço como forma de proteção (classe 2), a família é considerada como meio. Em referência ao trabalho em rede (classe 4), a família é concebida como responsável.

Vê-se, pois, que as representações da família nas ações de prevenção da violência expressas no documento são produto de transformações ocorridas nas políticas sociais, que por um lado conferem à família parte da responsabilidade sobre a proteção social, e por outro lado preveem que a família seja cuidada, ela própria, para poder exercer seu papel protetivo. Esta valorização da família nas políticas sociais traz inúmeras questões para a oferta de serviços públicos (M. C. B. Carvalho, 2010; Pereira-Pereira, 2010), tais como as expectativas em relação à família, ainda muito idealizada; a definição de seu papel e dos limites quanto a cumprir as funções que dela se espera; e o papel do Estado como promotor de direitos. Considerando as relações entre representações sociais e práticas, é preciso ter em conta a imagem que se tem de família para não transferir a ela atribuições que possam ser do Estado.

Por fim, é preciso considerar que as produções científicas no campo da prevenção da violência também são ancoragens para as imagens de família observadas, dado o alcance da difusão de tal produção nos meios acadêmicos e serviços públicos. Em revisão de literatura realizada por Alves e Rosa (2013) foi evidenciado que a família ocupa um lugar fundamental nas propostas de prevenção da violência existentes no Brasil, sendo a variável que mais aparece descrita nos textos como fator determinante da violência (de risco ou de proteção), como também um dos principais focos de intervenção.

 

Considerações finais

Os resultados demonstram que as representações de violência e de sua prevenção, bem como o estatuto atual da família nas intervenções, estão relacionadas em grande parte a transformações recentes nas políticas públicas originárias da Constituição Federal de 1988, que incorporou princípios de paradigmas que buscavam romper com concepções tradicionais e historicamente enraizadas sobre a criança, o adolescente e a família, como também sobre a saúde e a assistência social. O documento analisado, sendo produção de pessoas inseridas no serviço, demonstra como esses novos paradigmas estão sendo apropriados para dar sentido aos objetos de intervenção e com isso orientar as práticas empreendidas.

Com base na distinção entre representações sociais baseadas em crenças e representações baseadas em conhecimentos (Palmonari & Cerrato, 2011), evidencia-se que as representações encontradas neste estudo se baseiam principalmente em conhecimentos, visto que se apoiam em saberes produzidos no campo da saúde e das ciências sociais, bem como na experiência acumulada dos atores envolvidos na produção do documento. Propõem-se duas razões para isso. Primeiro, a fonte de dados trata-se de documento no qual constam normas técnicas, por isso baseado em fontes oficiais. Segundo, as representações sociais são mais baseadas em conhecimento quando indivíduos ou grupos necessitam encontrar evidências sobre um objeto ou fenômeno (Palmonari & Cerrato, 2011). Este parece ser o caso, pois os técnicos que produziram o documento necessitam dar respostas em um serviço que é novo, em um cenário de remodelagem de princípios e diretrizes de uma política de Estado.

Mas ao mesmo tempo evidenciou-se que algumas concepções historicamente arraigadas persistem e coexistem ao lado dessas representações, como por exemplo, as representações do adolescente como sujeito ligado ao risco, a imagem da família como responsável, e a concepção de articulação intersetorial que não abrange a construção coletiva das ações. Estes achados mostram que a transformação do saber não é linear (Jovchelovitch, 2004), e que as representações sociais são resultado de um embate entre o passado e o presente, como afirmam J. G. S. Carvalho e Arruda (2008).

É preciso considerar que a análise realizada possui limitações, pois se restringiu a um único documento de um único serviço, e a análise do contexto de produção também não foi exaustiva, pois seguramente existem outros aspectos a considerar. Mas o estudo apresentado abre caminho para pesquisas futuras que possam aprofundar a compreensão sobre o tema, pois instiga a interrogar em que medida as representações sociais encontradas se expressam nos discursos e na prática cotidiana. Como assinalado por Jovchelovitch (2004), considerando que as representações simbólicas são produzidas nas relações sociais, é preciso investigar a produção dos saberes para além da compreensão do saber em si, como produto acabado, e investigar as relações que produzem o saber.

 

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Endereço para correspondência:
Roberta Belizário Alves
robertabelizario@gmail.com

Renata Danielle Moreira Silva
renatadms@gmail.com

Maria Cristina Smith Menandro
crismenandro@uol.com.br

Zeidi Araujo Trindade
zeidi.trindade@gmaill.com

Submetido em: 11/09/2015
Revisto em: 12/05/2017
Aceito em: 23/06/2017

 

 

1 O software Alceste reduz as palavras à sua raiz; por exemplo, agend+ é a raiz para palavras semelhantes como agendada, agendado, agendar, que são contabilizadas juntas.

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