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Arquivos Brasileiros de Psicologia

versão On-line ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. vol.69 no.3 Rio de Janeiro  2017

 

ARTIGOS

 

Desenvolvimento da justiça distributiva referente à doação de alimentosi

 

Development of distributive justice concerning food donation

 

Desarrollo de la justicia distributiva referente a la donación de alimentos

 

 

Cleonice Pereira dos Santos CaminoI; Lilian Kelly de Sousa GalvãoII; Miriane da Silva Santos BarbosaIII; Leonardo Rodrigues SampaioIV

IDocente. Programa de Pós-graduação em Psicologia Social. Universidade Federal da Paraíba (UFPB). João Pessoa. Estado da Paraíba. Brasil
IIDocente. Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Campina Grande. Estado da Paraíba. Brasil
IIIDocente. Universidade Federal da Paraíba (UFPB). João Pessoa. Estado da Paraíba. Brasil
IVDocente. Programa de Pós-graduação em Psicologia. Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf). Petrolina. Estado do Pernambuco. Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo foi verificar e discutir como ocorre o desenvolvimento da justiça distributiva da infância para a adolescência, com ênfase na justiça igualitária. Responderam a uma entrevista estruturada que continha uma história sobre crianças que passavam fome e que poderiam ser alimentadas por um personagem fictício, o Sr. Pedro, 158 estudantes de escolas públicas e privadas, de 8 a 18 anos. As informações sobre as crianças variavam: em uma história, as crianças moravam na mesma cidade que a pessoa que podia ajudá-las; em outra, as crianças eram de um país distante; em outra, as crianças eram filhos de terroristas; e, na última, eram crianças que roubavam. Ao final de cada história, perguntou-se se as crianças deveriam receber os alimentos e o porquê. Os resultados demonstraram uma variação das respostas em função da faixa etária dos participantes e da situação-estímulo. Esses resultados foram discutidos, sobretudo, com base na visão epistemológica piagetiana.

Palavras-chave: Justiça distributiva; Justiça igualitária; Crianças; Adolescentes; Psicologia do desenvolvimento.


ABSTRACT

This study aims at analyzing and discussing how the development of distributive justice occurs from childhood to adolescence, emphasizing egalitarian justice. 158 students from public and private schools, aged between 8 and 18 years old, answered a structured interview containing a story about children who experienced starvation and were supposed to be fed by a fictional character, called Pedro. The information about the children varied: in one of the stories the children all lived in the same town as the person who should help them; in a second story the children lived in a different country; in a third story the children's parents were terrorists; in the last story the children were thieves. At the end of each story the interviewers asked whether the children should be fed and why. The results show the answers vary according to the age of the participants and the stimulus-situation. These results were discussed mainly on the basis of Piaget's epistemological view.

Keywords: Key words: Distributive justice; Egalitarian justice; Children; Adolescents; Developmental psychology.


RESUMEN

El objetivo de este estudio fue verificar y discutir como ocurre el desarrollo de la justicia distributiva de la infancia a la adolescencia, con énfasis en la justicia igualitaria. 158 estudiantes de escuelas públicas y privadas, de 8 a 18 años respondieron a una entrevista estructurada que contenía una historia sobre niños que padecían hambre y que podrían ser alimentados por un personaje ficticio, el Sr. Pedro. Las informaciones sobre los niños variaban: en una historia, los niños vivían en la misma ciudad que la persona que podía ayudarlas; en otra, los niños eran de un país distante; y en la última, eran niños que robaban. Al final de cada historia, se preguntó si los niños deberían recibir los alimentos y el porqué. Los resultados demostraron una variación en las respuestas, en función de la franja etaria de los participantes y de la situación-estímulo. Esos resultados fueron discutidos con base sobre todo en la visión epistemológica piagetiana.

Palabras clave: Justicia distributiva; Justicia igualitaria; Niños; Adolescentes; Psicología del desarrollo.


 

 

Introdução

O interesse pelo estudo do desenvolvimento do pensamento sobre a justiça distributiva da infância para adolescência foi despertado a partir da premissa de Piaget (1932/1969), com base em seus resultados de pesquisa, de que a justiça distributiva igualitária, em seu nível mais avançado, torna-se equitativa. Segundo Piaget, a prática da justiça igualitária, em seu estágio mais primitivo, não considera, como na justiça equitativa, as condições pessoais e situacionais daqueles que serão beneficiados, olhando apenas para a igualdade entre os que receberão os benefícios.

A partir da visão de Piaget (1932/1969) sobre o desenvolvimento da justiça distributiva, William Damon (1977, 1980) realizou pesquisas com crianças de 4 a 12 anos de idade e identificou mudanças qualitativas importantes no domínio moral: as crianças mais jovens julgavam com base nos seus desejos pessoais, enquanto que as mais velhas realizavam uma espécie de coordenação entre reciprocidade e igualdade, tornando aceitável tratar as pessoas de forma desigual, quando eram considerados os motivos particulares, as demandas do contexto e os condicionantes envolvidos na situação de partilha. Entre esses dois tipos de julgamento, as noções de justiça distributiva passariam por estágios intermediários nos quais o igualitarismo absoluto ia sendo gradualmente refinado, como havia sido observado por Piaget (1932/1969).

A evolução dos julgamentos distributivos ao longo da infância foi confirmada em diversos países, quando se utilizou cenários hipotéticos como situações-estímulo (Boehm, 1962; Dell'Aglio & Hutz, 2001; Grinder, 1964; MacRae, 1954; Sampaio & Cabral, 2015; Sigelman & Waitzman, 1991; Sobesky, 1983; Wong & Nunes, 2003). Também foi corroborada em estudos envolvendo situações reais de partilha, como, por exemplo, no Jogo do Ditador (Blake & Mcauliffe, 2011; Blake & Rand, 2010; Fehr, Bernhard, & Rockenbach, 2008; Smith, Blake & Harris, 2013). De maneira geral, os resultados desses estudos demonstraram que, especialmente por volta dos 8 anos de idade, as crianças têm um apreço muito grande pela igualdade e desenvolvem uma elevada resistência a modelos distributivos não igualitários, mesmo quando estes beneficiam o self (Kogut, 2012). Outros estudos demonstraram a influência de aspectos contextuais sobre a utilização da regra da igualdade, indicando que a maneira como as crianças mais velhas decidem distribuir bens pode ser fortemente influenciada pelos tipos de informações disponíveis no momento da partilha. Por exemplo, Wong e Nunes (2003) e Sampaio, Camino e Roazzi (2007) observaram que, entre 5 e 6 anos, as crianças tendiam a aplicar a igualdade de maneira mais rígida que as crianças entre 7 e 10 anos. Mais especificamente, verificaram que as mais novas tendiam a dar quantidades semelhantes de brinquedos a personagens de histórias fictícias, independentemente do seu comportamento (se era gentil ou mal-educado) ou da idade (se era mais velho ou mais jovem). Por outro lado, as crianças mais velhas tendiam a aplicar uma regra de distribuição que levava em conta as características pessoais dos envolvidos no dilema distributivo.

Em outro estudo, Markovits, Benenson e Kramer (2003) verificaram que, entre 8 anos de idade e a adolescência, as pessoas usavam os mesmos tipos de elementos para elaborar raciocínios sobre a distribuição de comida: qualidade da relação entre os envolvidos na situação, gênero e valor dos recursos disponíveis. Além disso, observaram que as pessoas consideravam justo favorecer pessoas mais próximas, como irmãos, colegas de classe e amigos, quando comparadas a estranhos, em uma situação na qual o valor dos recursos era alto e relacionado à sobrevivência dos indivíduos. Ou seja, nesses casos, o julgamento distributivo passava a ser enviesado por fatores relacionados ao nível de proximidade e familiaridade entre os alocadores e os beneficiários da partilha.

Ainda no que tange ao tipo de justiça praticada em função das informações contextuais disponíveis durante a distribuição, Kenward e Dahl (2011) observaram que, por volta dos 4 anos, as crianças tendiam a ignorar informações disponíveis quando a quantidade de recursos a serem distribuídos era escassa. Em função disso, tratavam igualitariamente dois personagens que tinham atitudes opostas em relação a um terceiro (enquanto que um dos personagens ajudava ao terceiro, o outro o atrapalhava). Por outro lado, quando essa quantidade era abundante, as crianças tendiam a beneficiar o personagem apenas quando ele havia demonstrado uma atitude pró-social durante a situação experimental.

Considerando-se os dados das pesquisas apresentadas, pode-se perguntar se a justiça distributiva igualitária equitativa pode sempre ser vista como a mais avançada para solucionar injustiças, em comparação com a justiça distributiva estritamente igualitária. Além disso, torna-se interessante saber se, em algumas situações, não levar em consideração diferenças particulares ou contextuais constituiria a forma mais avançada de justiça.

Ao procurar responder às questões aqui apresentadas, acredita-se que há situações em que a estrita igualdade é um critério mais adequado que a equidade para a prática de justiça, e, por isso, propôs-se a realização da presente pesquisa. O principal objetivo foi verificar os julgamentos de justiça igualitária de crianças e adolescentes face a situações que envolviam a necessidade de sobrevivência de crianças que passavam fome. Para verificar a influência das características das crianças no julgamento sobre a distribuição de alimentos, quatro situações hipotéticas foram criadas. Essas situações variavam de acordo com características das crianças que passavam fome: características que aproximavam mais, ou menos, as crianças de um possível doador. Neste caso em particular, considerou-se que a proximidade estaria relacionada ao grau de similaridade nas condições de vida (cidade de residência, nacionalidade, status socioeconômico, histórico familiar) entre o alocador e a pessoa beneficiária da distribuição. Com base nesta suposição, julgou-se que a situação mais similar se referia às crianças que passavam fome e que eram da mesma cidade do doador de alimentos, que a intermediária referia-se às crianças de outro país e às que roubavam e que a situação mais dissimilar referia-se às crianças filhas de terroristas. Isto porque o terrorismo é uma prática não usual no Brasil, considerada altamente condenável, que vem sendo objeto de preocupação no âmbito internacional. Segundo Symeonidou-Kastanidou (2004), o terrorismo é definido como uma prática política ou ideologicamente motivada, que visa disseminar pânico entre a sociedade civil por meio de ações violentas. Por meio de seus atos, os terroristas têm o objetivo de intimidar, coagir ou influenciar a política de determinado governo, mesmo que para tal seja necessário dispor da vida de pessoas inocentes. Evidente que a menção ao terrorismo é apenas uma contextualização específica, mas a partir dela, é possível acrescentar outros elementos necessários à tomada de decisão envolvendo a distribuição, quando se consideram as particularidades da situação.

 

Método

Participantes

Participaram do estudo 158 estudantes da cidade de João Pessoa-PB (79 de escolas públicas e 79 de escolas particulares), do sexo masculino (50%) e do sexo feminino (50%), divididos, de forma semelhante, em duas faixas etárias (8-12 anos e 14-18 anos). O grau de escolaridade dos estudantes variou entre o 3º ano do Ensino Fundamental o 3o ano do Ensino Médio.

Instrumento

Foi utilizado um questionário, contendo duas partes: na primeira, foram registrados os dados sociodemográficos dos participantes e na segunda foram apresentadas quatro histórias-estímulo, destinadas a avaliar os julgamentos de justiça igualitária. Essas histórias versavam sobre crianças que passavam fome e que poderiam ser alimentadas pelo Sr. Pedro. Em cada uma das histórias, foram manipuladas as informações sobre os possíveis beneficiários da distribuição: na primeira (1), as crianças eram da mesma cidade que o Sr. Pedro; na segunda (2), as crianças eram de um país distante; na terceira (3), as crianças eram filhas de terroristas; e, na última (4), as crianças roubavam. Ao final de cada história, perguntava-se: "você acha que o Sr. Pedro deveria mandar alimentos para...? Por quê?".

Aspectos éticos

A presente pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal da Paraíba e respeitou as normas vigentes na Resolução no 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, que trata da pesquisa com seres humanos (Brasil, 2012).

Procedimento de administração

Para os participantes com menos de 10 anos, a administração do instrumento de pesquisa foi feita de forma individual (para assegurar a compreensão dessas crianças), em uma sala reservada pela diretoria da escola, enquanto que, para os mais velhos, foi realizada de forma coletiva, em sala de aula.

Procedimento de análise

As respostas foram submetidas a uma análise de conteúdo (Bardin, 1977), realizada por três juízes, que, separadamente, elaboraram uma lista de categorias. Houve uma concordância de no mínimo 2/3 dos juízes a respeito de cada uma das categorias elaboradas, quando essas categorias foram comparadas. As frequências das categorias Favoráveis à doação de alimentos foram analisadas por meio do Teste do Qui-quadrado (χ2) para uma única amostra e do χ2 para duas amostras independentes. Quando ocorreram frequências esperadas menores que 5 em mais de 25% das células, o χ2 não foi realizado. As respostas Desfavoráveis, classificadas em duas categorias, foram analisadas por meio do Teste Binomial (z), exceto no caso em que cada uma das frequências era igual a zero.

 

Resultados

A análise das respostas dadas em cada uma das quatro historietas permitiu classificá-las em "Favoráveis à doação de alimentos" (sim), "Desfavoráveis à doação" (não) e "Em dúvida" (talvez). Nos resultados do Qui-quadrado para uma única amostra, observou-se que, em todas as situações, as frequências de respostas incluídas na categoria "Favoráveis à doação de alimentos" foram superiores às respostas incluídas nas categorias "Desfavoráveis" e "Em dúvida" (Tabela 1). Constatou-se, ainda, que apenas na situação "Criança da mesma cidade" a frequência de respostas à categoria "Desfavoráveis" foi tão baixa quanto a frequência de respostas dadas à categoria "Em dúvida".

Ainda em relação às respostas dadas às diferentes perguntas sobre a historieta do Sr. Pedro, uma análise de conteúdo foi realizada, considerando cada um dos dois grandes grupos de respostas: Favoráveis e Desfavoráveis. Essa análise permitiu classificá-las em dois blocos: 1) Centradas nas crianças descritas nas historietas e 2) Centradas no Senhor Pedro.

Respostas centradas nas crianças descritas nas historietas

Na Figura 1 são apresentados as categorias e os exemplos de respostas que foram classificadas em Favoráveis e Desfavoráveis e que, além disso, tinham como foco central as características das crianças descritas nas historietas.

Ao analisar, por meio do teste do Qui-quadrado para uma única amostra, as respostas Favoráveis para cada situação específica, observou-se que: 1) em relação às respostas à situação "Crianças da mesma cidade", as categorias com frequências significativamente superiores às esperadas foram "Justiça por necessidade" e "Justiça baseada na solidariedade/harmonia". A categoria "Justiça com base nas consequências" obteve frequência compatível com a esperada, enquanto que as demais categorias obtiveram frequências abaixo das esperadas; 2) em relação às respostas às situações de "Crianças de outro país", as categorias com frequências significativamente superiores às esperadas foram "Justiça por necessidade", "Justiça baseada na solidariedade/harmonia" e "Justiça internacional". As demais categorias obtiveram frequências de respostas significativamente inferiores às esperadas; 3) com respeito às respostas para a situação "Crianças filhas de terroristas", a frequência à categoria "Justiça igualitária" foi significativamente mais elevada do que as referentes a outras formas de justiça; 4) no que tange à situação "Crianças que roubam", as frequências das categorias "Justiça por necessidade" e "Justiça com base nas consequências" foram significativamente mais elevadas que as esperadas, enquanto que as demais frequências ficaram abaixo das esperadas (Tabela 2).

Ademais, comparando os resultados obtidos para todas as situações em relação a uma mesma categoria de resposta, verificou-se que: 1) a categoria "Justiça igualitária" obteve frequência significativamente mais elevada na situação "Filhas de terroristas"; 2) a categoria "Justiça por merecimento" obteve baixa frequência de respostas em todas as situações; 3) a categoria "Justiça por necessidade" obteve frequência significativamente mais elevada nas situações "Crianças da mesma cidade", "Crianças de outro país" e "Crianças que roubam"; 4) a categoria "Justiça baseada na solidariedade/harmonia" obteve frequência significativamente mais elevada nas situações "Crianças da mesma cidade" e "Crianças de outro país"; 5) a categoria "Justiça internacional" obteve frequência significativamente mais elevada na situação "Crianças de outro país"; 6) a categoria "Justiça com base no direito" obteve baixo nível de frequência em todas as situações; 7) a categoria "Justiça com base nas consequências" obteve frequência mais elevada na situação "Crianças que roubam" (Tabela 2).

Quanto às respostas Desfavoráveis, também explicitadas na Tabela 2, utilizando o Teste Binomial (o que não foi possível em relação à situação "Crianças da mesma cidade"), observou-se que, em relação à situação "Crianças de outro país", a frequência de respostas da categoria Discriminação foi significativamente inferior às respostas da categoria Nacionalismo. Em relação às duas outras situações, "Crianças filhas de terroristas" e "Crianças que roubam", observou-se o inverso.

Ao analisar, através do teste do Qui-quadrado para uma única amostra, as frequências de respostas favoráveis, por idade, verificou-se que: 1) para as crianças (8-12 anos), as frequências significativamente mais elevadas foram dadas às categorias "Justiça igualitária", "Justiça por necessidade" e "Justiça com base nas consequências"; 2) para os adolescentes (14-18 anos), as frequências de respostas significativamente mais elevadas foram às referentes às categorias "Justiça igualitária", "Justiça por necessidade" e "Justiça baseada na solidariedade/harmonia" (Tabela 3).

Já quando foram comparadas as frequências de respostas Favoráveis das crianças com as dos adolescentes, verificou-se que os adolescentes apresentaram frequência de resposta mais elevada do que as crianças nas categorias "Justiça igualitária" e "Justiça baseada na solidariedade/harmonia". Por outro lado, as crianças apresentaram frequência significativamente mais elevada do que os adolescentes nas categorias "Justiça por necessidade" e "Justiça com base nas consequências" (Tabela 3).

Quanto às respostas Desfavoráveis, os resultados de Testes Binomiais para cada amostra indicaram, de forma significativa, que, para as crianças, a frequência mais elevada ocorreu em relação à categoria Discriminação. Para os adolescentes, não ocorreu diferença significativa entre os totais das frequências de respostas às categorias Discriminação e Nacionalismo. Ademais, quando se considerou os totais de frequências de respostas para cada um dos grupos de idade, o resultado do Teste Binomial indicou que a frequência de respostas Desfavoráveis das crianças foi significativamente superior à dos adolescentes (Tabela 3).

Respostas centradas no Senhor Pedro

Na Figura 2 são apresentadas as categorias e exemplos de respostas classificadas em Favoráveis e Desfavoráveis à doação de alimentos, tendo como foco o Senhor Pedro.

Com respeito às respostas Favoráveis (Tabela 4), só foi possível realizar o teste estatístico com as frequências referentes à situação "Crianças da mesma cidade". Ele indicou que a frequência de respostas à categoria "Obrigação do Sr. Pedro" foi significativamente mais elevada do que as frequências das outras categorias.

Em relação às frequências das respostas Desfavoráveis (Tabela 4), os resultados de testes binomiais aplicados às frequências de respostas para cada situação indicaram que as frequências de respostas categorizadas como "Transferência de responsabilidade" foram significativamente mais elevadas do que as categorizadas como "Presença de consequências negativas", nas situações de "Crianças da mesma cidade" e "Crianças de outro país".

Uma análise das respostas Favoráveis por idade (Tabela 5) indicou que as crianças apresentaram uma frequência de respostas significativamente mais elevada na categoria "Obrigação", enquanto que, nas respostas dos adolescentes, não foi observada diferença significativa entre as frequências de respostas das categorias. Quando os dados da Tabela 5 foram analisados por meio de um teste de Qui-quadrado para duas amostras independentes, não se verificou diferença significativa entre os dois grupos de idades.

Com relação às respostas Desfavoráveis (Tabela 5), os testes Binomiais para cada grupo de idade indicaram que tanto as crianças quanto os adolescentes apresentaram frequências de respostas mais elevadas na categoria "Transferência de responsabilidade". Em apoio a este achado, o resultado do teste do Qui-quadrado para duas amostras independentes não indicou diferença significativa relacionada à variável idade.

 

Discussão

No caso das respostas favoráveis à doação de alimentos, centradas nas crianças, verificou-se que elas se concentraram em diferentes categorias, em função do tipo de situação das crianças que passavam fome. Supõe-se que essa diferença ocorreu em função do tipo de sentimento moral despertado pela situação das crianças nas historietas. Assim, as crianças que roubam despertaram nos participantes um sentimento moral baseado na compaixão e no cuidado; as crianças da mesma cidade despertaram uma moral baseada no sentimento de compaixão e de amor; as crianças de outro país revelaram uma moral baseada no sentimento de empatia; e a situação dos filhos de terroristas provocou uma moral mais baseada no aspecto racional do que nos sentimentos. Note-se que Kenward e Dahl (2011), Wong e Nunes (2003) e Sampaio, Camino e Roazzi (2007) encontraram resultados que mostram a influência de informações disponíveis no contexto sobre julgamentos referentes à justiça distributiva de bens, e que são compatíveis com este tipo de interpretação.

No que concerne à associação entre a variável idade e as respostas favoráveis, verificou-se que as crianças, em comparação com os adolescentes, apresentaram um número mais elevado de respostas categorizadas como "Justiça por necessidade" e "Justiça com base nas consequências". Por outro lado, os adolescentes, mais do que as crianças, apresentaram uma maior frequência de respostas categorizadas como "Justiça igualitária" e "Justiça baseada na solidariedade/harmonia".

Quanto às respostas que foram categorizadas como "Justiça por necessidade", supõe-se que elas exprimam uma forma bastante elementar de sentimento empático: o sentimento de compaixão frente a situação de necessidade, seguido pela motivação para ajudar. Acredita-se que essa categoria de resposta poderia ser incluída no que Gilligan (1988) denomina, do ponto de vista da orientação moral, de perspectiva do cuidado. Note-se que, para essa autora, a pessoa que possui essa perspectiva "não se afastaria de alguém em necessidade" (1988, p. 73). Dentro de outra visão, Hoffman (2003) considera que o sentimento empático pode acionar outros princípios de justiça, além da necessidade. Note-se que o aparecimento da Justiça por necessidade foi facilitado pelo fato da sobrevivência ter sido o elemento central para o julgamento (as crianças estavam passando fome, em outras palavras, tinham necessidade de se alimentar). Esta interpretação parece válida quando se considera que a categoria "Justiça por necessidade" foi a que incluiu, de maneira geral, o maior número de respostas.

Ainda em relação às diferenças relacionadas à idade, pode-se perguntar sobre o que fez com que as crianças adotassem mais a "Justiça por necessidade" do que os adolescentes. Supõe-se que a compreensão da necessidade do outro, durante o desenvolvimento, anteceda a compreensão da solidariedade, da harmonia e da justiça igualitária. Neste sentido, as respostas referentes à "Justiça baseada na solidariedade/harmonia", vistas neste estudo como valores universais, seriam mais frequentes entre os mais velhos.

As respostas categorizadas como "Justiça baseada na solidariedade/harmonia", principalmente as dadas pelos mais velhos, são interpretadas neste estudo como indicadores da capacidade dos participantes de responder com base em princípios morais mais universais. Resta saber se esse tipo de compreensão da Justiça, com base na solidariedade/harmonia, já ocorre aos 8 e 9 anos de idade. De acordo com Piaget (1972/1988), há dois tipos de solidariedade, uma externa, dominada pelo respeito unilateral, e uma interna, em que predomina o respeito mútuo e a cooperação. Para ele, a solidariedade interna só pode ser alcançada quando surge o respeito mútuo, por volta dos 11 anos de idade. Essa suposição piagetiana foi confirmada pelos dados de uma pesquisa realizada no Brasil, por Andrade, Camino e Dias (2008), na qual a definição do respeito e da cooperação, de forma complexa, não foi dada por participantes abaixo de 11 anos e apenas por 46% de 24 jovens de 11 a 14 anos de idade. Assim, pode-se concluir que, no presente estudo, a "Justiça com base na solidariedade/harmonia", de que falam as crianças de 8 e 9 anos, não tem o mesmo significado daquela de que falam os mais velhos.

Com respeito às respostas Favoráveis classificadas na categoria "Justiça igualitária", que apareceram, sobretudo, em relação às "Crianças filhas de terroristas", supõe-se que elas exprimam a negação de um preconceito referente aos pais terroristas, o qual poderia ser estendido aos filhos. Essa suposição apoia-se no elevado número de respostas Favoráveis de "Justiça igualitária" e Desfavoráveis de "Discriminação", dadas às "Crianças filhas de terroristas", bem como no tipo de raciocínio utilizado pelos participantes para justificar as suas respostas (por exemplo, "As crianças não têm culpa de seus pais serem terroristas"). Apesar dessa suposição, não se descarta totalmente a possibilidade de que a "Justiça por necessidade" tenha sido o primeiro tipo de justiça evocado pelos participantes, frente aos filhos de terroristas, apesar de eles terem verbalizado apenas a "Justiça igualitária".

O fato de os adolescentes terem emitido mais respostas Favoráveis de "Justiça igualitária" do que as crianças faz supor que o julgamento dos adolescentes baseou-se em normas sociais que fazem parte de um pensamento convencional, divulgado pela Declaração Universal de Direitos Humanos (Sampaio, Camino, & Roazzi, 2009; Doise, 1998). Esse tipo de julgamento denota uma visão mais ampla da organização social.

No que se refere à categoria "Justiça internacional", as respostas que se destacam são as relativas à situação de "Crianças de outro país". Essas respostas demonstram a capacidade dos participantes conceberem os outros que se encontram distantes, geograficamente falando, como semelhantes a eles próprios, independentemente de terem ou não a mesma identidade nacional (por exemplo, "Porque não se deve preocupar com a distância e sim com a fome das pessoas").Segundo Piaget (1998), a visão internacional da Justiça depende do respeito mútuo, da cooperação e da solidariedade. Conforme este autor, para elaborar uma visão internacional, a qual denomina de "espírito internacional", a criança precisa desenvolver-se socialmente, tornar-se capaz de diferenciar e coordenar, na prática, diferentes perspectivas. Enfim, o indivíduo precisa atingir uma "solidariedade interna". Para Hoffman (1990), esse tipo de resposta depende da capacidade de sentir "empatia pela condição de vida do outro", e "surge quando o indivíduo adquire a capacidade de formar conceitos empáticos, de sentir o sofrimento empático, e de combinar esses aspectos com a representação mental do sofrimento de um grupo, ou classes de pessoas" (p. 52). Diante das perspectivas desses autores sobre a visão internacional, emerge a questão de saber se as respostas classificadas como "Justiça internacional", neste trabalho, podem ser nelas enquadradas. A esse respeito, julga-se que as respostas encontradas refletem apenas uma tendência para essa visão, pois a frequência com que aparecem é baixa e não varia com o avanço da idade. Somente estudos futuros poderão esclarecer a interpretação destes resultados.

Quanto à "Justiça com base nas consequências", acredita-se que as respostas dos participantes, na medida em que seu conteúdo permite inferir uma preocupação com as necessidades e bem-estar do outro, assemelham-se, de certa forma, às respostas por necessidade e, consequentemente, ao que Gilligan (1988) chama de "Ética do cuidado". Entretanto, o fato das respostas terem sido dadas, sobretudo, pelas crianças, permite também interpretá-las como dependentes de uma representação mais relacionada ao concreto do que ao abstrato. Ou ainda, como dependentes de argumentos transmitidos pelos adultos e repetidos pelas crianças, como formas "adequadas" ou "desejáveis" de se comportar socialmente.

Em relação às respostas Desfavoráveis, centradas nas situações das crianças que passavam fome, observa-se que, assim como aconteceu com as Favoráveis, houve uma relação estatisticamente significativa entre o tipo de resposta e as diferentes situações. Assim, com respeito às crianças que passavam fome e eram da mesma cidade que o Sr. Pedro, não ocorreram respostas desfavoráveis baseadas na "Discriminação" e no "Nacionalismo". Em relação às crianças de outro país, predominaram as justificativas desfavoráveis à doação de alimentos baseadas no "Nacionalismo". Finalmente, no que concerne às crianças filhas de terroristas e crianças que roubam, predominaram respostas desfavoráveis, baseadas na "Discriminação".

Quanto às respostas Desfavoráveis classificadas como "Nacionalismo" (por exemplo, "Porque também tem crianças no país dele passando fome"), julga-se que, ao contrário das respostas classificadas como "Visão internacional", elas denotam uma incapacidade dos participantes de alcançar uma sensibilidade mais ampla, que ultrapasse os limites das relações interpessoais e de sua própria sociedade. Em apoio a essa interpretação, ressalte-se que as respostas de "Nacionalismo" foram dadas, quase que de forma exclusiva, à situação "Crianças de outra cidade". Essa mesma interpretação pode ser feita em relação às respostas Desfavoráveis de "Transferência de responsabilidade", referentes ao Sr. Pedro (por exemplo, "Porque isso é obrigação do governo"). Quanto às respostas Desfavoráveis incluídas na categoria "Discriminação", considera-se que elas revelam um pensamento preconceituoso em relação às "Crianças filhas de terroristas" e às "Crianças que roubam". Este preconceito apareceu, sobretudo, nos participantes mais jovens deste estudo. As respostas desfavoráveis podem denotar também que algumas crianças tenderam a analisar a situação pelo viés de uma justiça retributiva mais primitiva, semelhante ao que aconteceu nas pesquisas de Sampaio et al. (2007), Wong e Nunes (2003) e Kenward e Dahl (2011). Nas referidas pesquisas, as crianças preferiram punir os personagens (não distribuir bens aos personagens que supostamente teriam cometido algum tipo de comportamento ilícito). No presente estudo, a culpa dos pais terroristas poderia estar recaindo sobre os seus filhos. Em relação às respostas Favoráveis referentes ao Sr. Pedro, destacam-se aqui as respostas relativas à ajuda para "Crianças da mesma cidade", que indicam um julgamento baseado na obrigação do Sr. Pedro enviar alimentos para essas crianças. Essas respostas são vistas como semelhantes àquelas categorizadas como "Transferência de responsabilidade", na medida em que a "Obrigação" do Sr. Pedro refere-se apenas às crianças de sua cidade, e as de "Transferência de responsabilidade" retiram dele a responsabilidade para com as crianças de outro país. Neste sentido, os dois tipos de respostas indicam um baixo nível de descentração social e, portanto, a dificuldade dos participantes de se sensibilizarem com o que ocorre à distância. Apesar da semelhança entre essas duas categorias de respostas, observa-se uma pequena diferença: em sua maioria, as respostas de "Obrigação" foram dadas por crianças de 8 a 12 anos, enquanto que as respostas de "Transferência de responsabilidade" foram dadas por jovens de 14 a 18 anos. Acredita-se que essa diferença signifique uma maior atenção dos adolescentes a uma resposta que seja mais aprovada socialmente.Uma interpretação alternativa destes resultados é a de que a prevalência de respostas favoráveis à doação de alimentos às crianças da mesma cidade está relacionada à compreensão de que cabe ao Sr. Pedro a responsabilidade pelo cuidado e bem-estar das pessoas que fazem parte do seu grupo social. Conforme defende Deutsch (1975, 1989), existe uma estreita relação entre a maneira como as pessoas aplicam diferentes princípios distributivos, o tipo de relações interpessoais entre os beneficiários da distribuição e os objetivos do grupo no qual ocorre a partilha. Mais especificamente, em grupos nos quais o objetivo principal é a manutenção da harmonia, há uma tendência de as pessoas preferirem a igualdade; quando o grupo considera a necessidade de cuidado e garantia de bem-estar dos envolvidos, prevalece a necessidade; e quando o objetivo principal é o aumento dos lucros e produção, aumenta a preferência por princípios baseados no mérito e no desempenho individual. Desta forma, é possível que os participantes tenham considerado que o Sr. Pedro deve, em alguma medida, ser responsabilizado pelo bem-estar das crianças de sua cidade, o que ajuda a explicar a frequência elevada de respostas na categoria "Obrigação".

 

Considerações finais

No que se refere ao objetivo principal deste trabalho, os resultados mostraram que, ao emitir seus julgamentos sobre a justiça distributiva, os participantes mais velhos, sobretudo, desprezaram as diferenças contextuais referentes aos filhos de terroristas e optaram pela igualdade "pura". Dessa maneira, contrariaram as suposições de Piaget (1932/1969) e Damon (1977) de que a Justiça equitativa deve ser considerada de nível mais elevado, quando comparada àquela puramente igualitária. Como mostram os dados, foram também os mais velhos - grupo de 14 a 18 anos - que deram o maior número de respostas categorizadas como "Justiça baseada na solidariedade/harmonia". Além disso, considera-se que o tipo de igualdade encontrada neste estudo é a recomendada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (Organização das Nações Unidas [ONU], 1948), porque busca atingir uma maior harmonia social. Assim, parece ser mais pertinente explicar a igualdade presente nas respostas dos participantes como sendo baseadas em um princípio geral, cujo nível corresponde ao da justiça igualitária equitativa discutida por Piaget, mas de natureza diferente. Note-se que os respondentes demonstraram, em seus argumentos, não desconhecer o fato de que as crianças eram filhas de terroristas (o que, para alguns respondentes, era um infortúnio, para outros um fato irrelevante diante da fome, e para outros, ainda, um fato que despertava preconceito), mas a maioria conseguiu colocar o princípio da igualdade acima dessas particularidades. Assim, julga-se que essas considerações permitem concluir que as respostas referentes à justiça distributiva de nível mais elevado versaram, como era hipotetizado, sobre a igualdade "pura" e não sobre a equidade. Apesar disso, resta esclarecer se os participantes vivenciaram ou não algum conflito em que o raciocínio próprio da equidade estivesse presente. Verificar essa suposição demandaria uma nova pesquisa.

No que tange ainda aos julgamentos distributivos relacionados à doação de alimentos observados no presente trabalho, considera-se que, enquanto o aspecto racional desempenhou um papel preponderante em relação às respostas sobre os filhos de terroristas, a empatia desempenhou um papel importante em relação às outras situações. Neste sentido, os dados deste estudo corroboram os encontrados por Sampaio et al. (2007), em que os autores verificaram uma associação entre justiça distributiva e empatia. Considera-se, também, que o número menor de respostas favoráveis à situação de "Crianças de outro país", em comparação com as da mesma cidade, foi devido à dificuldade de um envolvimento empático, por parte dos participantes, com o alocador dos bens (Sr. Pedro), que era apresentado como distante daqueles que deveriam ser ajudados. Esta suposição está de acordo com a visão teórica de Hoffman (1990) e com os dados de Markovits et al. (2003), que revelam um viés devido à proximidade (favorecer aqueles que estão em uma relação mais próxima, quando comparados aos mais distantes). Assim, pode-se inferir, de uma forma geral, a partir dos dados apresentados, que os sentimentos tenham desempenhado papel importante nos julgamentos relativos à justiça distributiva, mas que essa importância variou de acordo com a situação. O aprofundamento dessa questão poderia ser realizado por meio de uma pesquisa que considerasse o papel da empatia e do viés empático nesse tipo de justiça distributiva.

Deve-se destacar que os raciocínios utilizados para responder às questões sobre a ajuda às crianças apresentam forte conexão com as situações testadas, embora alguns se repitam de uma situação para outra. Desse modo, não se pode falar de uma estrutura homogênea de pensamento em relação às razões pelas quais os participantes julgam que se deve ajudar as crianças que passam fome.

Ao discutir os resultados do presente estudo, pode-se perguntar sobre quanto os participantes repetiram padrões e estereótipos transmitidos socialmente e quanto reconstruíram o conteúdo das transmissões. Julga-se que as respostas dos participantes mais jovens (8 a 12 anos) pareceram pautadas em normas convencionais e as dos mais velhos (14 a 18 anos) em princípios elaborados por eles próprios. Esses resultados diferem dos encontrados por Piaget (1932/1969) e outros autores (Blake & Mcauliffe, 2011; Blake & Rand, 2010; Fehr et al., 2008; Sampaio & Cabral, 2015; Sigelman & Waitzman, 1991; Smith et al., 2013; Sobesky, 1983; Wong & Nunes, 2003), pois, para esses autores, as normas convencionais começam a ser substituídas por princípios de uma moral autônoma mais precocemente. Diferem também dos dados encontrados por Kohlberg (1984) e outros pesquisadores (Biaggio, 1985; Rique & Camino, 1997), na medida em que os princípios relativos a uma moral pós-convencional aparecem mais tardiamente. Cabe também, em pesquisas futuras, avaliar o quanto as respostas supostamente tidas como convencionais e tidas como princípios correspondem, de fato, a esses níveis de desenvolvimento.

Também merece atenção o fato de que a análise das respostas dos participantes às diferentes situações pode ser realizada tendo como eixo o mecanismo da descentração - do egocentrismo para a cooperação. A esse respeito, considera-se que os participantes mais jovens deram mais respostas referentes a um nível baixo de descentração - nível interpessoal ("Evitar consequências", "Obrigação do Sr. Pedro", "Justiça por necessidade"). Enquanto isso, os adolescentes deram mais respostas relativas a um nível elevado de descentração - nível internacional ("Valores universais", "Justiça igualitária", "Justiça internacional", "Justiça baseada na solidariedade/harmonia").

 

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Endereço para correspondência:
Cleonice Pereira dos Santos Camino
cleocamino@yahoo.com.br

Lilian Kelly de Sousa Galvão
liliangalvao@yahoo.com.br

Miriane da Silva Santos Barbosa
mirianesantos@hotmail.com

Leonardo Rodrigues Sampaio
leonardo.sampaio@univasf.edu.br

Submetido em: 21/12/2015
Revisto em: 12/05/2017
Aceito em: 23/06/2017

 

 

i Agradecemos ao CNPq, pelo financiamento desta pesquisa.

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