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Arquivos Brasileiros de Psicologia

On-line version ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. vol.69 no.3 Rio de Janeiro  2017

 

ARTIGOS

 

Crenças parentais sobre os filhos com Síndrome de Down

 

Parental beliefs about children with Down syndrome

 

Creencias parentales sobre los niños con síndrome de Down

 

 

João Rodrigo Maciel PortesI; Mauro Luis VieiraII; Ana Maria Xavier FaracoIII; Adriano Henrique NuernbergIV

IPsicólogo. Doutorando. Programa de Pós-graduação em Psicologia. Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Florianópolis. Estado de Santa Catarina. Brasil
IIDocente. Programa da Pós-Graduação em Psicologia. Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Florianópolis. Estado de Santa Catarina. Brasil
IIIDocente. Departamento de Psicologia. Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Florianópolis. Estado de Santa Catarina. Brasil
IVDocente. Programa da Pós-Graduação em Psicologia. Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Florianópolis. Estado de Santa Catarina. Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo dessa pesquisa é investigar as crenças sobre as práticas de cuidado que pais e mães têm sobre os seus filhos com Síndrome de Down. Participaram 24 mães e 19 pais de crianças com SD. As crianças tinham média de idade de 22 meses. Utilizou-se como instrumento a Escala de Crenças Parentais e Práticas de Cuidado e um questionário sociodemográfico. Os dados foram tratados por meio de análise estatística do tipo descritiva e testes paramétricos. A análise dos resultados revelou que existem especificidades por parte do pai e da mãe no cuidado com os filhos. As mães realizam mais práticas de cuidados primários que os pais, embora ambos os genitores enfatizem essa prática quando comparada as práticas de estimulação. Esses resultados são discutidos em termos de características do desenvolvimento infantil associadas ao contexto ambiental e cultural.

Palavras-chave: Síndrome de Down; Práticas de criação infantil; Pais; Criança.


ABSTRACT

The objective of this research is to investigate the beliefs about care practices that parents have about their children with Down Syndrome. 24 mothers and 19 fathers of children with DS participated in the study. Children had an average age of 22 months. Parental Beliefs Scale, Care Practices and a sociodemographic questionnaire were the tools used. Data were analyzed using statistical analysis of descriptive and parametric tests. Results revealed that there are specificities from the father and mother in the care for the children. Mothers perform more primary care practices than fathers, although both parents emphasize this practice when compared to the stimulation practices. These results are discussed in terms of characteristics of child development associated with the environmental and cultural context.

Keywords: Down syndrome; Childrearing practices; Parents; Child.


RESUMEN

El objetivo de esta investigación es analizar las creencias acerca de las prácticas de cuidado que los padres tienen sobre sus hijos con Síndrome de Down. Participaron 24 madres y 19 padres de niños con Síndrome de Down. Los niños tenían una edad media de 22 meses. Fue utilizado como instrumento la Escala Creencias Parentales y Prácticas de Cuidado y un cuestionario socio-demográfico. Los datos fueron tratados mediante el análisis estadístico de tipo descriptivo y pruebas paramétricas. Los resultados revelaron que existen especificidades por parte del padre y de la madre en el cuidado de los niños. Las madres llevan a cabo más prácticas de atención primaria que los padres, aunque ambos genitores enfaticen esta práctica cuando comparada a las prácticas de estimulación. Estos resultados se discuten en términos de características del desarrollo infantil asociados con el contexto ambiental y cultural.

Palabras Clave: Síndrome de Down; Practicas de crianza infantil; Padres; Niño.


 

 

Introdução

Homens e mulheres possuem diferentes estratégias para gerar e criar a sua prole, o que os diferencia quanto ao comportamento reprodutivo e o cuidado parental. De acordo com a Psicologia Evolucionista, as diferenças e semelhanças entre os papéis que homens e mulheres assumem diante da parentalidade podem ter uma explicação evolutiva e cultural (Vieira & Prado, 2004). Silva e Brito (2005) afirmam que essas explicações ascendem desde a escolha do parceiro, passando pela história reprodutiva de homens e mulheres até às funções assumidas por ambos durante e após a gestação. Estas considerações vêm ao encontro da Teoria do Investimento Parental, proposta por Trivers (1972). Para esse autor, o sucesso reprodutivo depende do alto investimento na prole, principalmente na espécie humana. O cuidado parental entre os seres humanos vai além do fornecimento de alimentos e da proteção contra predadores devido as suas características reprodutivas: prole muito pequena, imatura, com infância muito longa e longo período gestacional (Prado & Vieira, 2003).

A relação estabelecida entre os genitores e a sua prole será influenciada por variáveis individuais do genitor e da prole, além de variáveis sociais e ambientais. Em termos ecológicos e evolucionistas, o grau/estágio de desenvolvimento da prole, da presença ou ausência de um parceiro, do sistema de acasalamento, das condições ecológicas presentes, experiência de cuidado, sexo do genitor, entre outros (Prado, 2005). Além disso, o ser humano contemporâneo tem especificidades com relação aos outros animais e com relação aos tempos mais remotos da evolução, como, por exemplo, a capacidade cognitiva que permite abstração simbólica avançada e pensamento sobre as suas ações. A partir desse aparato cognitivo é que surgem as crenças parentais sobre as práticas de cuidado, ou seja, as teorias ou interpretações dos genitores sobre a importância de determinadas práticas de cuidado com os seus filhos.

Keller (2007), em uma pesquisa do desenvolvimento com base na perspectiva evolucionista, classificou os cuidados parentais, denominando-os como sistemas parentais (cuidado primário, contato corporal, estimulação corporal, estimulação por objetos, contato face a face e envelope narrativo). Os sistemas são definidos como um conjunto de comportamentos biologicamente preparados e ativados pelas demandas ambientais com o objetivo de promover proximidade e conforto quando a criança está em risco real ou potencial. Apesar de esses comportamentos pertencerem biologicamente ao repertório dos pais, eles sofrem influência da cultura compartilhada pelo contexto.

Com base nos sistemas parentais, Keller (2007) ressalta que, nos estudos empíricos realizados, tem encontrado predominantemente a existência de dois estilos parentais, distal e proximal. No estilo distal, o comportamento parental se expressa principalmente no contato face a face e na interação por objetos, promovendo para a criança uma experiência de autonomia e separação. Já o estilo proximal, caracteriza-se pelo contato e estimulação corporal, assegurando à criança uma maior proximidade na relação interpessoal.

Os estilos parentais (distal e proximal) podem ser relacionados a três modelos culturais. O modelo cultural de independência aproxima-se do estilo distal, o qual refere-se à construção do self como individualizado e distinto, valorizando as metas pessoais e as necessidades e direitos do indivíduo. Este modelo é típico das sociedades urbanas pós-industriais, que valorizam os aspectos da autonomia (Keller et al., 2004; Keller, Borke, Yovsi, Lohaus, & Jensen, 2005). Quanto ao estilo proximal, este se adequa à proposta do modelo cultural de interdependência, que concebe o self como relacionado aos membros do grupo, valorizando as metas grupais, papéis sociais, deveres e obrigações. Este modelo cultural é característico de ambientes rurais baseados em economia de subsistência, no qual apreciam aspectos relacionados à heteronomia e à relação (Keller et al., 2004; Keller et al., 2005).

O terceiro modelo cultural, proposto por Kagitçibasi (2005), é denominado como autônomo-relacional e engloba as características dos modelos de independência e interdependência. Este compreende atributos da autonomia e da relação, no qual o self é definido como autônomo quanto a sua ação e relacional quanto à proximidade interpessoal. Este modelo cultural é típico de sociedades interdependentes, urbanas, escolarizadas e de classe média.

Recentemente Keller (2012) e Keller e Kärtner (2013) propuseram uma releitura sobre os modelos culturais de parentalidade. Esses modelos contribuem para compreensão sobre as crenças e práticas de cuidados realizadas pelos pais nos diversos contextos culturais. As autoras apontam que três modelos culturais distintos são provenientes de contextos sociodemográficos específicos. Em todos os modelos os genitores atribuem importância de formas diferentes à autonomia e a relação quando interagem com os seus filhos. Os dois primeiros modelos (autonomia-psicológica e relação-hierárquica) seriam modelos mais tradicionais e estariam relacionados com os estilos distal e proximal, respectivamente e o terceiro modelo seria o cruzamento dos modelos autonomia-psicológica e relação-hierárquica, denominando-se autonomia psicológica comunal ou social. Esse último se aproxima da definição do modelo autônomo-relacional de Kagitçibasi (2005).

No Brasil, há uma produção científica consistente que tem investigado as crenças parentais adotadas na criação dos filhos. Por exemplo, o estudo conduzido por Seidl-de-Moura et al. (2009) teve como um dos objetivos investigar as crenças nas práticas de cuidado de 200 mães primíparas oriundas do estado do Rio de Janeiro. Quanto aos resultados, estes apontam que as mães cariocas valorizam os aspectos relacionados à estimulação e apresentação adequada da criança.

Vieira et al. (2010a) pesquisaram as características dos sistemas de crenças parentais de mães brasileiras quanto às dimensões de autonomia e interdependência. Participaram 600 mães com filhos menores de seis anos. Ressalta-se que metade da amostra foi composta de mães das capitais estaduais e a outra metade oriunda de cidades pequenas no interior do Brasil. Os resultados indicam que as mães de ambos os contextos valorizavam os aspectos associados à autonomia. Embora as mães que residiam nas pequenas cidades atribuíam maior importância à dimensão da interdependência, ao contrário das mães da capital, que valorizavam de modo semelhante as duas dimensões (autonomia e interdependência).

Outro estudo realizado pelo grupo de pesquisadores (Vieira et al., 2010b) também averiguou as crenças das mães sobre suas práticas em diferentes contextos brasileiros. A amostra constituiu-se de 350 mães primíparas, oriundas de diferentes regiões do país. Os resultados apontaram que as crenças mais valorizadas foram a apresentação adequada da criança e o fator de estimulação. Além disso, o maior nível de escolaridade das mães está relacionado com as crenças referentes à estimulação.

Um estudo semelhante foi realizado por Martins, Vieira, Seidl-de-Moura e Macarini (2011), que teve como objetivo investigar as crenças sobre as práticas de cuidado de mães de pequenas cidades e capitais brasileiras. O instrumento utilizado foi a Escala de Crenças Parentais e Práticas de Cuidado (ECPPC). Os resultados encontrados evidenciam diferenças entre os grupos de mães pesquisados. As mães das cidades pequenas deram maior importância às práticas de cuidado relacionadas aos cuidados primários do que as mães residentes nas capitais e estas, por sua vez, ressaltaram as práticas de cuidado relacionadas a estimulação da criança. Salienta-se que o nível de escolaridade também foi apontado como uma variável que influencia no modo de criação dos filhos nas diferentes regiões.

Macarini, Martins, Minetto e Vieira (2010) realizaram uma pesquisa de revisão bibliográfica acerca da produção científica brasileira sobre práticas parentais e constataram que são poucas as pesquisas que investigam esse fenômeno junto aos genitores de crianças com deficiência. Os autores ressaltam que são ainda mais raros os estudos preocupados em investigar as práticas parentais com crianças que possuem deficiência intelectual. A produção científica nacional na área de famílias de crianças com esse tipo de deficiência demonstra uma escassez de estudos, principalmente as investigações que incluam o pai (Henn, Piccinini, & Garcia, 2008). Recentemente, Henn e Sifuentes (2012) realizaram uma revisão bibliográfica entre os anos de 1995 a 2009 sobre as pesquisas que contemplassem o pai de crianças com alguma deficiência e constataram que não houve avanços na produção científica nesta área. Além disso, as autoras constataram que nenhum estudo brasileiro teve como objetivo estudar os valores, atitudes e estilos parentais dos pais de crianças com deficiência.

Diversos estudos têm demonstrado que o fato inesperado do nascimento de uma criança com deficiência tem o potencial de gerar dificuldades de interação dos genitores com essa criança, devido à ruptura das expectativas de um bebê ideal e o sentimento de despreparo para lidar com as demandas desta criança (Brasington, 2007; Pereira-Silva & Dessen, 2003). Outros estudos como Schmidt e Bosa (2003) e Fiamenghi e Messa (2007) questionam a relação causal entre o maior estresse dos genitores e o quadro ou deficiência apresentada pela criança, sem considerar os múltiplos fatores envolvidos nesse processo, incluindo as crenças parentais sobre a deficiência. Sendo assim, a Síndrome de Down (SD), por ser considerada uma das síndromes mais frequentes, foi escolhida para ser o objeto de investigação deste estudo. A SD é uma alteração genética que provoca modificações no desenvolvimento físico e mental (Kozma, 2007). Consequentemente, a criança com SD possui um ritmo de desenvolvimento diferenciado das demais crianças sem essa condição, contribuindo com o aumento das dúvidas dos pais sobre os cuidados adequados para os seus filhos com SD (Henn et al., 2008). Não obstante, o objetivo principal foi investigar as crenças sobre as práticas de cuidado que pais e mães têm sobre os seus filhos com Síndrome de Down. Os objetivos específicos foram: a) Descrever as variáveis sociodemográficas dos pais e mães; b) Identificar as crenças sobre as práticas de cuidado; e c) Comparar as diferenças e semelhanças nas crenças sobre as práticas de cuidado entre pais e mães.

 

Método

Participantes

As famílias eram oriundas de quatro instituições especializadas no atendimento de crianças com Síndrome de Down na região do Vale do Itajaí, localizado em Santa Catarina. Optou-se por cidades da mesma região porque o objetivo era acessar as famílias em contextos culturais semelhantes e a participação de famílias oriundas de outras regiões poderia apresentar aspectos culturais distintos.

Participaram desse estudo 19 pais e 24 mães, totalizando 43 participantes, sendo que todos eram genitores biológicos da criança com SD. Como critério de inclusão na amostra, os casais deveriam ter um filho ou filha na faixa etária de zero a três anos, com laudo diagnóstico que contemple o CID-10: Q90 - Síndrome de Down. Já o critério de exclusão adotado foi a comorbidade desse diagnóstico com outros transtornos mentais ou síndromes de origem orgânica. Trata-se de uma amostragem não probabilística intencional, pois o pesquisador dirigiu-se apenas às famílias de crianças com o diagnóstico de SD atendidas por estas instituições. A faixa etária das crianças foi estabelecida como um critério de inclusão na amostra por corresponder a um dos momentos críticos do desenvolvimento humano, no qual o investimento parental é decisivo para a sobrevivência dos filhos.

Instrumentos

Escala de Crenças Parentais e Práticas de Cuidado (E-CPPC): construída e validada para o contexto brasileiro por Martins et al. (2010), obteve alfas de Cronbach satisfatórios, variando de 0,68 a 0,83. O instrumento tem como base o modelo teórico de Keller (2007) e tem por objetivo mensurar o constructo dos sistemas parentais. A escala é composta por duas subescalas, Práticas Realizadas (PR) e Importância Atribuída à Prática (IAP), contendo 18 itens idênticos distribuídos em duas dimensões: cuidados primários (inclui itens dos sistemas cuidados primários e contato corporal) e estimulação (inclui itens dos sistemas estimulação corporal, estimulação por objetos e contato face a face).

As subescalas diferem somente em relação à natureza da pergunta feita à respondente. Na subescala PR é avaliada a frequência de realização das práticas declarada pelo genitor, segundo uma escala de cinco pontos que vai de 1 (nunca) até 5 (sempre). Já na subescala IAP, os mesmos 18 itens são avaliados por meio do grau de importância atribuído a cada prática, segundo uma escala de cinco pontos que vai desde 1 (pouco importante) até 5 (muito importante). Para responder à escala, deve-se solicitar aos pais que se lembrem da sua rotina quando seu filho possuía até um ano de idade ou, então, que pense na sua rotina atual, caso a criança ainda esteja nessa faixa etária.

Cabe salientar que foram realizadas modificações na consigna dos itens nove (Responder a perguntas) e 17 (Ouvir o que tem a dizer) das subescalas PR e IAP. Estas alterações foram necessárias devido às dúvidas dos genitores nas primeiras aplicações do instrumento. Mas o principal motivo que levou o pesquisador a pensar na modificação foi o constrangimento causado nos genitores ao responder esses itens, pois todas as crianças da amostra ainda não se expressavam verbalmente. Diante disso, o pesquisador, em conjunto com os membros do núcleo de pesquisa, discutiu a melhoria da consigna sem perder o seu sentido. O item nove foi alterado para seguinte forma: "responder às solicitações da criança" e o item 17 foi modificado para "prestar atenção aos sinais de comunicação da criança". Essas adequações favorecem uma compreensão mais abrangente desses itens, pois ampliam o sentido de comunicação presente na consigna, contemplando qualquer forma de comunicação da criança.

O questionário sociodemográfico é composto por 15 questões concernentes a dados da família (cidade de residência, composição familiar, número de pessoas que moram na casa, idade e escolaridade dos membros da família, renda familiar, principal cuidador da criança e características da residência.

Procedimentos de coleta dos dados

Primeiramente foi realizado contato com as instituições especializadas no atendimento destinado às crianças com SD da região para solicitar a assinatura da Autorização Institucional, permitindo o acesso às famílias. Após o consentimento das instituições, o projeto foi registrado na Plataforma Brasil (CAAE 12515313.8.0000.0121), submetido à avaliação do Comitê de Ética com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina.

Após a aprovação do projeto pelo Comitê de Ética foi solicitado às instituições o acesso ao cadastro das crianças atendidas que se enquadravam nos critérios de inclusão. Com base nesta pré-seleção dos participantes, foi realizado pelo pesquisador o convite para participação neste estudo, por meio do contato telefônico ou pessoalmente com os genitores, enquanto eles aguardavam o atendimento dos seus filhos nas instituições pesquisadas. Quando os genitores não estavam na instituição, o pesquisador agendava um horário e local da preferência deles para realização da coleta de dados.

No primeiro contato, o pesquisador explicava os objetivos e métodos da pesquisa para o participante e em seguida solicitava a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e dava seguimento com a aplicação dos instrumentos. O questionário sociodemográfico foi aplicado pelo pesquisador e as respostas foram anotadas por ele no próprio instrumento. Por fim, foi aplicada a Escala de Crenças Parentais e Práticas de Cuidado (E-CPPC). Todos os participantes responderam a escala separadamente, a fim de evitar que a resposta de um dos genitores influenciasse a resposta do outro.

Análise e tratamento dos dados

Inicialmente verificaram-se os missings e outliers das respostas dos participantes. Ou seja, os itens que estavam em branco (sem resposta) e os valores discrepantes. Quanto aos missings, optou-se por utilizar a média de respostas dos demais para aquele item. A opção pela utilização das médias deve-se ao fato de que ela fornece uma ideia da amostra, ou seja, um parâmetro, ponderando a diferença nas respostas dos participantes. Após o tratamento dos valores dos missings, foram calculados os escores de cada fator para cada subescala. Desta forma, o escore máximo a ser atingido na escala era de cinco pontos. Posteriormente, extraíram-se as médias de pais e mães separadamente, por se tratar de grupos diferentes. Os valores obtidos foram transportados para o programa de análise estatística para realização do teste de normalidade, com o intuito de verificar os valores de skewness e kurtosis. Todos os valores obtidos estão dentro do esperado para considerar a normalidade da distribuição da amostra. Além da análise do tipo descritiva, foram empregados testes paramétricos, como o Teste t para medidas pareadas para averiguar as diferenças nas médias obtidas dentre o grupo de pais e o de mães e o Teste t para medidas independentes para comparar as médias entre o grupo de pais e mães e para correlacionar as variáveis de escolaridade dos genitores com as crenças parentais, empregou-se o teste de correlação (r) de Pearson.

 

Resultados

Caracterização sociodemográfica dos participantes

A média de idade dos participantes foi de aproximadamente 34 anos (M = 34,05) para os pais e 32 anos (M = 32,13) para as mães. Quanto ao estado civil atual, a maioria dos casais, 83,3% (n = 20), declarou-se como casados ou em união estável. Dentre as famílias pesquisadas, em 54,2% (n = 13) delas as crianças com SD são os únicos filhos do casal. Constatou-se que a mãe é a principal provedora dos cuidados destinados ao filho, inclusive 50% (n = 12) delas não exercem atividade remunerada e se dedicam em tempo integral à criança, o que não ocorre com nenhum dos pais homens, pois todos exercem atividade remunerada fora de casa. Consequentemente, os pais apresentam maiores níveis salariais do que as mães. Todavia, a escolaridade de ambos os genitores variou entre analfabeto à pós-graduação completa. Ressalta-se que as mães apresentaram uma maior média de anos concluídos de estudo. No entanto, o Teste t revelou que esta diferença em relação à escolaridade não foi significativa (p > 0,05).

Quanto a idade das crianças, esta variou entre quatro e 42 meses (média de idade em meses: 22,21 DP = 13,27). Em relação ao sexo das crianças, 50% (n = 12) eram do sexo feminino. Quanto à situação escolar das crianças, 33,3% (n = 8) frequentavam escola regular e a instituição especializada e a maioria, 66,7% (n = 16), frequentava somente a instituição especializada.

Caracterização das crenças parentais

Na Tabela observam-se as médias e desvio padrão do grupo de pais e mães na Escala de Crenças Parentais e Práticas de Cuidado (ECPPC), mais especificamente, a média geral dos pais e das mães para as duas dimensões em ambas as subescalas (PR e IAP). Além disso, também podem ser visualizados os resultados do Teste t para medidas pareadas (dentre o mesmo grupo) e o Teste t para medidas independentes (entre os dois grupos).

Com base na Tabela, verifica-se que as práticas realizadas pelo grupo de pais são diferentes, sendo que eles declararam ter mais cuidados primários do que de estimulação. Quanto à importância atribuída às práticas, também foram observadas diferenças significativas nas médias dos pais, ou seja, eles, além de priorizar as práticas de cuidados primários com os filhos com SD, também acreditam que essas são mais importantes que a estimulação. Quando foram comparados os resultados das duas subescalas (PR e IAP) para o mesmo fator, houve diferença significativa quanto aos cuidados primários, sendo assim, constata-se que os pais atribuem maior importância às práticas de cuidados primários do que efetivamente realizam essas práticas com os filhos. A comparação das duas subescalas para o fator de estimulação não demonstrou diferença significativa. Diante disso, os pais demonstram que a importância que atribuem às práticas de estimulação e às práticas que eles efetivamente realizam com a criança são semelhantes.

No grupo de mães também foi realizado o Teste t para medidas pareadas para comparar os valores dentre as participantes. Quando foi comparado se as mães realizam mais práticas de cuidados primários ou de estimulação, houve diferença significativa. Esta constatação sugere que as mães realizam mais cuidados primários do que estimulação com os seus filhos com SD.

Em relação à importância atribuída às práticas realizadas de estimulação e cuidados primários, as mães não apresentaram diferença relevante. Apesar das mães apresentarem mais práticas relacionadas aos cuidados primários, quando se compara a importância atribuída às práticas, elas não diferenciam os cuidados primários e a estimulação. Este resultado pode ser visualizado nos valores semelhantes das médias destes fatores para subescala IAP, no fator cuidados primários e para o fator estimulação. A comparação das práticas relacionadas aos cuidados primários com a importância atribuída a estas práticas também não encontrou diferença significativa, o que sugere uma coerência entre as práticas realizadas e a importância que as mães atribuem a elas. Esta constatação é corroborada pelos valores semelhantes das médias PR fator cuidados primários e IAP fator cuidados primários. Quanto às práticas relacionadas à estimulação e a importância atribuída a estas práticas, verificou-se uma diferença significativa. As mães atribuem maior importância às práticas de estimulação do que efetivamente realizam com os seus filhos com SD.

Por meio da Tabela, também observou-se que as práticas realizadas por pais e mães quanto aos cuidados primários apresenta uma diferença significativa. Os pais realizam menos práticas de cuidados primários do que as mães, mas comparando a importância atribuída a esta prática, eles a valorizam mais do que realmente realizam com a criança. No que se refere às práticas realizadas relacionadas à estimulação, pais e mães não diferem nos cuidados destinados ao filho com SD. O grau de importância que os pais atribuem às práticas de cuidados primários também não demonstrou diferença significativa. A comparação da importância atribuída pelos pais e mães quanto à estimulação demonstrou diferença significativa, ou seja, as mães valorizam mais as práticas relacionadas a estimulação que os pais. Conclui-se que as mães prestam mais cuidados primários e atribuem maior importância à estimulação do que os pais.

A outra análise proposta nesta pesquisa buscou correlacionar as variáveis de escolaridade dos pais e das mães com as crenças parentais. Para verificar a relação entre essas variáveis utilizou-se o teste de correlação (r) de Pearson. Tanto os pais, r = 0,53 p < 0,05, quanto as mães, r = 0,44 p < 0,05, com menor nível de escolaridade tendem a atribuir maior importância às práticas relacionadas aos cuidados primários. Quanto à importância atribuída aos cuidados primários, às práticas de estimulação e à importância atribuída a esta dimensão, não houve correlação estatisticamente significativa para pais e mães quanto ao seu nível de escolaridade. Aparentemente, a estimulação é uma prática valorizada independentemente do nível de escolaridade dos genitores, pois não foram encontrados níveis de correlação significativa entre essa dimensão da ECPPC e o nível de escolaridade nos dois grupos investigados.

 

Discussão

Com relação às características sociodemográficas, a maioria das famílias era do tipo nuclear, os genitores eram casados ou estavam em uma união estável. A média de idade dos pais foi de 34,05 e das mães de 32,13. Em outros estudos que investigaram as famílias de crianças com SD, também se constatou que a maioria dos genitores era casada ou estava em união estável e as famílias eram do tipo nuclear (Minetto, Crepaldi, Bigas, & Moreira, 2012; Silva & Aiello, 2009). Quanto à faixa etária mais elevada dos genitores, outros estudos também corroboram com os resultados encontrados na amostra dessa investigação (Minetto et al., 2012; Sobrinho, 2009). Gusmão, Tavares, & Moreira (2003) destacam o fato de que a idade materna é considerada um fator de risco para o nascimento de crianças com SD.

Por outro lado, Hodapp (2007) sinaliza que a idade da mãe de filhos com SD pode ser considerada um fator de proteção quando está correlacionada com maior nível de escolaridade, o que consequentemente influencia na qualidade do ambiente familiar e favorece o desenvolvimento dos filhos. Portes, Vieira, Crepaldi, Moré e Motta (2013) destacam que o conjunto das condições, principalmente do microssistema, como o contexto familiar e as instituições de educação no qual as crianças com SD interagem, vão atuar como fatores - potencialmente de proteção ou de risco - no sentido de que podem agir de modo combinado ou isolado. Desse modo, compreende-se que a idade materna pode se apresentar como um fator de risco ou de proteção para população com SD e dependerá de outras condições deste contexto, como o nível de escolaridade da mãe, para exercer alguma influência sobre o desenvolvimento da criança.

Verificou-se que, em geral, tanto os pais como as mães das crianças com SD realizam mais práticas voltadas para os cuidados primários do que de estimulação. Quanto à valorização das práticas realizadas, os pais também atribuem maior importância aos cuidados primários. Por outro lado, as mães não apresentam distinção quanto a importância de cuidados primários e estimulação. Quando os resultados dos genitores foram comparados, observou-se que as mães prestam mais cuidados primários e atribuem maior importância à estimulação do que os pais.

Entende-se que a maior ênfase dos pais no provimento de cuidados primários possa estar relacionada à idade das crianças, pois a maioria delas tinha menos que três anos de idade. A dimensão cuidados primários do instrumento utilizado inclui itens referentes à alimentação, higiene, abrigo, segurança e proximidade corporal entre o genitor e a criança. Estes aspectos estão diretamente associados às necessidades básicas de sobrevivência do bebê, o que corrobora para a hipótese de que esses cuidados tenham prevalecido em virtude da idade das crianças dessa amostra.

Destaca-se que, no presente estudo, o fato de as mães realizarem mais práticas de cuidados primários que os pais pode ser um reflexo das características sociodemográficas dessa população. A metade das mães participantes não exerce atividade remunerada fora de casa, o que pode ter contribuído para o aumento das práticas de cuidados primários. Além disso, as mães atribuem maior importância que os pais à estimulação. Este resultado pode estar associado com o fato de que elas são as responsáveis por acompanhar as crianças nos atendimentos nas instituições especializadas e, consequentemente, recebem maiores informações sobre o desenvolvimento da criança e orientações para a sua estimulação em casa.

A seguir serão apresentados alguns estudos sobre as etnoteorias parentais com as mães de crianças com desenvolvimento típico, devido a escassez de estudos que contemplem as famílias de crianças com deficiência, ainda mais as com SD. Além disso, todos os estudos encontrados relacionados às crenças sobre as práticas de cuidado incluíram apenas as mães nas suas investigações, sendo assim, não haverá como realizar uma comparação com os resultados oriundos do pai obtidos nesta pesquisa.

As mães das cidades pequenas do estudo de Martins et al. (2011), as mães oriundas de uma cidade pequena com baixo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) e as mães de uma capital com um IDH elevado da pesquisa de Vieira, Martins, & Lordelo (2013) apresentam certa semelhança com as mães do presente estudo, pois estas também preconizaram as práticas de cuidados primários. Os itens mencionados anteriormente, pertencentes a dimensão de cuidados primários na escala ECPPC, são muito semelhantes a descrição utilizada por Suizzo (2002) para definir a dimensão "apresentação apropriada da criança", sendo esta relacionada com práticas voltadas para a higiene adequada da criança em lugares públicos e ênfase nos comportamentos socialmente aceitáveis (Kobarg & Vieira, 2008). Assim, resultados semelhantes foram encontrados em diversas pesquisas nacionais com mães de crianças com desenvolvimento típico que fizeram uso dessa última dimensão (Kobarg & Vieira, 2008; Piovanotti, 2007). Nesses estudos, a apresentação apropriada foi mais valorizada pelas mães do que as práticas de estimulação, sendo assim, esses resultados são consoantes aos achados nesse estudo quanto à ênfase das mães das crianças com SD com a realização de cuidados primários. Outros estudos constataram que as mães não distinguem as práticas relacionadas à apresentação apropriada dos fatores de estimulação (Seidl-de-Moura et al., 2009; Vieira et al., 2010b).

Segundo Keller (2007), o sistema parental denominado de cuidados primários, é considerado o aspecto filogenético mais remoto do cuidado parental e está associado diretamente às ações dos pais que visem garantir a sobrevivência da prole, como alimentar, proteger e manter a higiene dos filhos. Outro sistema parental, denominado contato corporal, foi agrupado na dimensão cuidados primários do instrumento utilizado nesse estudo. Esse sistema é definido pela proximidade corporal e por carregar a criança no colo com a função básica de promover o calor emocional. Keller et al. (2005) afirmam que esse tipo de cuidado tem predominado em contextos interdependentes. No presente estudo, considera-se que as práticas de cuidado primário estão mais relacionadas à interdependência da criança em relação ao grupo social, enquanto as práticas de estimulação estariam mais relacionadas à autonomia.

Nesse sentido, poderia-se pensar em uma orientação cultural mais interdependente do ponto de vista das crenças sobre as práticas de cuidado compartilhadas pelos pais e as mães de crianças com SD. O modelo cultural de interdependência concebe o self como relacionado aos membros do grupo, valorizando as metas grupais, papéis sociais, deveres e obrigações. (Keller et al., 2005; Keller et al., 2004).

Quando se incluiu a variável escolaridade dos pais e das mães e realizou-se a correlação com as dimensões cuidados primários e estimulação das duas subescalas (PR e IAP), os resultados obtidos revelaram que tanto os pais quanto as mães com menor nível de escolaridade tendem a atribuir maior importância às práticas relacionadas aos cuidados primários. Quanto às práticas de estimulação e a importância atribuída a esta dimensão, não houve diferença para pais e mães quanto ao seu nível de escolaridade. Aparentemente, a estimulação é uma prática valorizada independentemente do nível de escolaridade dos genitores. Por outro lado, Sobrinho (2009) encontrou resultados diferentes quanto à correlação das dimensões das subescalas da ECPPC e o nível de escolaridade. Neste, a dimensão estimulação demonstrou uma correlação positiva com a escolaridade da mãe, ou seja, neste contexto, quanto mais anos de estudo a mãe possui, maiores são os seus esforços para estimular o seu filho com SD. Cabe relembrar que a faixa etária das crianças do estudo de Sobrinho (2009) era de dois a 10 anos de idade, com uma média de 6,8 anos, sendo assim, as crianças tinham uma idade mais elevada que as crianças do presente estudo.

Com base no exposto, pode-se pensar em algumas explicações que podem ter origens evolucionistas para compreender o cuidado parental dos genitores de crianças com SD. De acordo com os dados sociodemográficos desse estudo, os pais ainda parecem ter a função tradicional de garantir os recursos, enquanto às mães cabe os cuidados com os filhos. Ou seja, mesmo com as conquistas em temos de igualdade de gênero em várias dimensões da sociedade, no caso de famílias com filhos com SD em várias famílias ainda persistem os papéis tradicionais. Além disso, a Escala de Crenças Parentais e Práticas de Cuidado revelou que as mães realizam mais cuidados primários que os pais. Nesse sentido, os resultados dessa pesquisa parecem ser consoantes com os tipos de investimento parental (Hewlett,1992; Silva & Dessen, 2002). As mães aparentam ser a figura responsável pela forma direta de investimento nos filhos, como alimentar, manter limpo, ter cuidados de segurança, ou seja, práticas diretamente relacionadas à sobrevivência da prole. Por outro lado, os pais desse estudo parecem refletir o modo indireto de investimento parental, pois o papel deles é prover o acesso a recursos e alimentação e o fornecimento de suporte emocional e econômico à mãe. Aparentemente, essas características ficam mais evidentes entre as famílias de crianças com deficiência, pois nas famílias de crianças com desenvolvimento típico, com a maior entrada da mulher no mercado de trabalho, o papel do pai vem se transformando nas últimas décadas, principalmente no que diz respeito ao cuidado com os filhos e na divisão das tarefas domésticas. Diante disso, compreende-se que nas famílias com filhos sem deficiência, ambos os genitores provêm investimento do tipo direto e indireto.

Os resultados dessa investigação também revelaram que os genitores vêm provendo os cuidados primários e de estimulação para que o seu filho com SD possa sobreviver e se desenvolver de forma saudável. Nesse caso parece que existem outros fatores que vão além de variáveis eminentemente biológicas e que interferem no investimento parental. Um desses fatores pode ser explicado por Beaulieu e Bugental (2008) que propõem um modelo derivado da explicação sobre o investimento parental de Trivers (1972). Eles realizaram pesquisas comparativas envolvendo seres humanos e animais e constataram que a falta de recursos pode fazer com que os genitores invistam mais na prole com maiores chances de sobrevivência, corroborando com os pressupostos da teoria do Investimento Parental de Trivers (1972). Por outro lado, os pesquisadores apontam que as proles com alguma deficiência (grifo nosso), como as de alto investimento e baixo potencial reprodutivo, caso dos indivíduos com SD, podem ser beneficiadas quando há uma abundância de recursos disponíveis no seu contexto, o que facilitará o provimento de cuidados e de investimento parental. Além disso, o investimento na prole com SD também pode estar associado aos valores e à cultura do contexto, além de motivos pessoais que levam os pais a estabelecerem vínculos consistentes com seus filhos que superaram as condições adversas presente no desenvolvimento. A maior demanda de cuidados por parte de uma criança com essas características pode ser um fator importante para o incremento do vínculo afetivo, o que também deve ser considerado nas diferenças entre pais e mães quanto suas crenças e práticas de cuidado. Assim, entende-se que na espécie humana esse investimento também será sustentado pelas crenças, valores e motivações pessoais dos genitores com os seus filhos, o que corrobora para manutenção dos cuidados ao longo do seu desenvolvimento.

 

Considerações finais

Conclui-se que os fatores ontogenéticos também estão relacionados ao comportamento parental dos genitores das crianças com SD. Estes fatores são associados, como aspectos sociais e culturais (Lam & Mackenzie, 2002), bem como, com o momento histórico que favorece a mudança nas crenças parentais que antes enfatizavam apenas os déficits (Saad, 2003; Pueschel, 2007; Silva & Dessen, 2002). Nesse sentido, compreende-se que o incremento das trocas de experiências dos pais por meio do grande número atual de associações e entidades que promovem o intercâmbio social e a troca informações entre os pais, o vasto conhecimento sobre a síndrome, a nova visão sobre as crianças com deficiência a partir de sua inclusão, como seres com capacidades, e também a criação de políticas públicas têm favorecido o investimento dos genitores nessa prole. O investimento parental nessa população também pode estar vinculado com a sua maior adaptação ao ambiente, pois a expectativa de vida dessas pessoas tem aumentado nas últimas décadas, o que consequentemente reforça o sucesso reprodutivo dos genitores. Por outro lado, conforme King, Baxter, Rosenbaum, Zwaigenbaum, & Bates (2009), famílias que vivem a experiência de ter um filho com deficiência podem desenvolver perspectivas de vida, mais otimistas e com maior enfoque na necessidade de transformação do ambiente para melhor acolhimento e inclusão do que na normalização de seus filhos.

Do ponto de vista metodológico, verificam-se algumas limitações da presente pesquisa. Uma delas refere-se aos instrumentos utilizados. Constatou-se que principalmente a Escala de Crenças Parentais e Práticas de Cuidado necessitaria de uma validação para essa população. Na atual versão da escala existem alguns termos que geram dúvidas nas respostas e podem constranger os genitores das crianças com SD, devido aos comprometimentos da criança especialmente no que diz respeito à comunicação verbal. Outra limitação se refere ao número limitado de participantes. Os pais homens demonstraram maior resistência em participar da pesquisa e três participantes se negaram a responder aos instrumentos. Outro fator que impede estes estudos com grandes populações é a probabilidade de nascimentos de crianças com SD.

Existe uma carência de estudos na área de famílias de crianças com deficiência, em especial no que diz respeito às crenças parentais sobre as práticas de cuidado. Há necessidade da investigação de outros aspectos, como a influência do apoio social nas crenças parentais dessa população, estudos com outros membros do grupo familiar, por exemplo, as avós e os irmãos mais velhos, pesquisas que busquem retratar o investimento parental dos pais adotivos de crianças com SD, investigações que procurem comparar as crenças parentais das famílias de crianças com SD e outras deficiências, como o autismo, que ainda são raras no contexto brasileiro, bem como, o estudo das crenças parentais dos genitores com filhos com SD em diferentes faixas etárias, comparando as crenças nas diferentes etapas do ciclo vital. Vale ressaltar a importância de estudos que contemplem a escola e as instituições de atendimento especializado para a população com SD, a fim de averiguar os valores que permeiam esses contextos e suas influências sobre o desenvolvimento da criança. Além disso, é importante investigar as crenças e valores de adultos que possuem a guarda de crianças com SD, mas que não são os genitores dela. O grau de parentesco (ou não) é uma variável que merece ser mais bem investigada em futuros estudos. Em termos metodológicos, recomenda-se que outras pesquisas contemplem distintos delineamentos, como estudos observacionais, longitudinais e de cunho qualitativo.

Por fim, espera-se que os resultados apresentados e discutidos nesta pesquisa possam contribuir de alguma forma para os profissionais e os genitores dessas crianças. Aos profissionais, recomenda-se pensar em algumas estratégias de intervenção como o acolhimento dessas famílias após a descoberta do diagnóstico para auxiliar a família a enfrentar essa situação inesperada e também orientar os genitores sobre as práticas de cuidado e fornecer informações sobre o desenvolvimento dessas crianças.

 

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Endereço para correspondência:
João Rodrigo Maciel Portes
joaorodrigo@univali.br

Mauro Luis Vieira
maurolvieira@gmail.com

Ana Maria Xavier Faraco
anamf.tpl@gmail.com

Adriano Henrique Nuernberg
adriano.nuernberg@ufsc.br

Submetido em: 31/01/2015
Revisto em: 18/07/2017
Aceito em: 18/07/2017

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