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Arquivos Brasileiros de Psicologia

versión On-line ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. vol.70 no.2 Rio de Janeiro mayo/agosto 2018

 

ARTIGOS

 

Posição social de adolescentes e a crença no mundo justo

 

Adolescents' social position and the belief in a just world

 

Posición social de adolescentes y la creencia en el mundo justo

 

 

João Wachelke

Professor do Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Uberlândia. Estado de Minas Gerais. Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A crença no mundo justo geral é um modo de entender a realidade segundo o qual as relações humanas são justas. O trabalho foi uma pesquisa exploratória que investigou a adesão de 736 estudantes de ensino médio de Uberlândia, Minas Gerais, à crença no mundo justo geral. Os participantes responderam a uma versão adaptada da Escala Global de Crenças no Mundo Justo. Foram calculadas estatísticas descritivas referentes às proporções de resposta globais e de posições sociais que combinavam renda familiar e escolaridade materna. Os resultados indicaram que os estudantes tendem a discordar da existência de um mundo justo geral, à exceção de um indicador que estabelece que o esforço é recompensado, o que foi interpretado como um princípio meritocrático que possivelmente orienta uma crença no mundo justo pessoal. Os participantes de posições sociais desfavoráveis tenderam a aderir mais à crença no mundo justo, o que pode se mostrar como um modo de enfrentar os desafios da realidade.

Palavras-chave: Crença no mundo justo; Adolescentes; Classes sociais.


ABSTRACT

The general belief in a just world is a way of understanding reality according to which human relations are fair. The research was an exploratory study that investigated the support of 736 secondary school students from Uberlandia, Brazil, to the general belief in a just world. Participants completed an adapted version of the Global Belief in a Just World Scale. Descriptive statistics relative to the global response proportions and to social positions that combined family income and mother schooling were calculated. Results indicated that students tend to disagree with the existence of a general just world, with the exception of an indicator that states that effort is rewarded, which was interpreted as a meritocratic principle that possibly guides a personal belief in a just world. Participants from unfavorable social positions tended to support the belief in a just world more, which might be a way of coping the challenges of reality.

Keywords: Belief in a just world; Adolescents; Social classes.


RESUMEN

La creencia en el mundo justo general es un modo de entender la realidad según la cual las relaciones humanas son justas. El trabajo fue un estudio exploratorio que investigó la adhesión de 736 estudiantes de secundaria de Uberlandia, Minas Gerais, Brasil, a la creencia en el mundo justo general. Los participantes respondieron a una versión adaptada de la Escala Global de Creencias en el Mundo Justo. Se calcularon estadísticas descriptivas referentes a las proporciones de respuestas globales y de posiciones sociales que combinaban ingresos familiares y escolaridad materna. Los resultados indicaron que los estudiantes tienden a discrepar de la existencia de un mundo justo general, a excepción de un indicador que establece que el esfuerzo es recompensado, lo que fue interpretado como un principio meritocrático que posiblemente orienta una creencia en el mundo justo personal. Los participantes de posiciones sociales desfavorables tienden a adherirse más a la creencia en el mundo justo, lo que puede mostrarse como un modo de enfrentar los desafíos da realidad.

Palabras clave: Creencia en el mundo justo; Adolescentes; Clases sociales.


 

 

O presente trabalho é uma investigação sobre as percepções de adolescentes sobre justiça social. Mais especificamente, é uma pesquisa que relaciona a situação econômica e educacional de adolescentes com a percepção de que possuem de que a realidade é mais ou menos justa. A percepção de justiça é enquadrada aqui como uma crença, a partir do conceito psicossocial da crença no mundo justo.

As crenças são conceitos centrais para entender a psicologia humana, especialmente as relações das pessoas com o mundo e com os outros. Segundo Krüger (1993), uma crença é "[] qualquer proposição que afirme ou negue uma relação entre dois objetos, reais ou ideais, ou entre um objeto e algum atributo deste, aceita por ao menos uma pessoa" (p. 8), conceito científico e filosófico que abarca noções com significado próximo e correntes na linguagem popular, como juízos de valor, opiniões e convicções.

As experiências e as reflexões sobre elas geram as crenças, que se organizam em sistemas estruturados. Esses sistemas de crenças "[] fornecem explicações e alimentam expectativas em relação ao futuro, conferindo motivação e norte à conduta" (Krüger, 1993, p. 13). As crenças podem ser sustentadas por reflexão ou podem ser implícitas, vinculadas a graus mais básicos de consciência do sujeito, caso em que funcionam como pressupostos que explicam condutas automáticas ou irrefletidas, frequentemente exercendo influência ainda mais marcante. Mesmo situadas na realidade pessoal, o que explica sua natureza psicológica, há crenças comuns a grupos e sociedades, elaboradas e transmitidas por instituições sociais. Essas crenças coletivas compartilhadas constituem interesse das ciências sociais (Krüger, 1993).

Uma crença desse tipo é a crença no mundo justo. Esse modo de entender a realidade consiste em pensar que as pessoas conseguem os desfechos e recompensas que merecem, e merecem o que conseguem (Lerner, 1980). Um exemplo da crença no mundo justo poderia ser a percepção de que as pessoas pobres fizeram por merecer essa condição, talvez por preguiça, falta de esforço ou incapacidade para trabalhar e obter um bom salário, ou que os ricos têm muitos recursos simplesmente por terem conquistado esse direito por mérito próprio, desconsiderando determinantes sociais e históricos das desigualdades sociais, bem como peculiaridades nas trajetórias individuais.

A crença no mundo justo opõe-se à percepção de que o mundo é incoerente e que as recompensas e punições são distribuídas entre as pessoas aleatoriamente (Deschamps, & Moliner, 2008). Aliás, essa percepção de um mundo aleatório é mais realista. Não há sustentação empírica para a validade da crença no mundo justo, pois as sociedades são injustas (Dalbert, 2009). Contudo, aparentemente acreditar que a justiça regula os destinos das pessoas cumpre a função de fazer com que as pessoas pensem que o mundo é estável e ordeiro, uma realidade controlável (Lerner, & Miller, 1978).

Estudos diferenciaram escopos diferentes da crença no mundo justo. A crença no mundo justo pessoal refere-se a uma pessoa acreditar que, se agir de modo correto ou socialmente aceito, coisas boas acontecerão para ela. Portanto, restringe a abrangência do princípio de justiça à vida do próprio indivíduo. Por outro lado, a crença no mundo justo geral considera a avaliação do que ocorre para as outras pessoas. Diz mais respeito a uma avaliação global do que ocorre no mundo social (Dalbert, 1999). É necessário diferenciá-las porque relacionam-se com processos diferentes. A crença no mundo justo pessoal parece ser um recurso adaptativo associado à saúde mental pessoal; quanto mais as pessoas tendem a acreditar que seu mundo pessoal é justo, mais elevados tendem a ser suas autoestimas e bem-estar psicológico, mais tendem a fazer investimentos em metas a longo prazo e confiar mais nas instituições e outras pessoas (Dalbert, 2009; Hafer, & Sutton, 2016; Modesto, Figueredo, Gama, Rodrigues, & Pilati, 2017). Em termos de correlatos de personalidade, tanto a crença pessoal quanto a geral associam-se negativamente ao neuroticismo e positivamente com conscienciosidade e extroversão (Nudelman, 2013). Portanto, acreditar que a vida pessoal é regida pela justiça parece contribuir para que a pessoa estruture recursos psicológicos positivos para vivê-la, e isso pode explicar por que é difícil alterar essa crença, relevante como estratégia de enfrentamento (Furnham, 2003).

A crença no mundo justo geral, por outro lado, associa-se com a percepção negativa de vítimas de eventos (Lerner, 1980), pois, se o mundo é percebido como justo, torna-se necessário para a coerência pessoal considerar que as pessoas merecem as punições que recaem sobre elas. As vítimas tendem então a ser culpabilizadas ou desvalorizadas, uma consequência negativa.

Se é comum estudar a crença no mundo justo como uma variável pessoal e avaliá-la como um construto em pesquisas de diferenças individuais, também há interesse por parte de cientistas sociais em estudarem sua localização em termos das posições sociais ocupadas pelas pessoas e seu papel ideológico, isto é, de legitimação das relações sociais (Hunt, 2000). A presente pesquisa insere-se nessa perspectiva. Dentre as variadas concepções de ideologia, adoto a definição de que é "[] uma interpretação sobre a vida social que é capaz de descrever a sociedade e levar à ação sobre ela" (Wachelke, 2017). Possui efeitos políticos, promovendo a conservação ou transformação social. A crença no mundo justo, sob essa perspectiva, desempenharia um papel ideológico de natureza conservadora, pois defende que o estado vigente das relações sociais e a distribuição de recursos são justos. Deschamps e Moliner (2008) apontam que a crença no mundo justo é compatível com noções individualistas da sociedade e com a representação de que o sujeito é responsável pelo que ocorre com ele.

Na medida em que a crença no mundo justo desvaloriza as pessoas - e grupos a que elas pertencem - que se encontram em condições desfavoráveis ou são prejudicadas por relações assimétricas, pode-se dizer que cumpre, para os grupos dominantes, uma espécie de funcionalismo societal (Furnham, 2003). A crença no mundo justo pode levar à inércia, já que uma sociedade percebida como justa não precisaria ser transformada (Hafer, & Sutton, 2016). Nesse sentido, torna-se um recurso que promove a justificação do sistema social, nos moldes de Jost e Banaji (1994).

Dentre os estudos que investigaram a relação entre variáveis sociodemográficas, ideológicas e a crença no mundo justo, o interesse aqui situa-se nas relações entre classes sociais e essa crença. As classes sociais sintetizam experiências e condições de vida semelhantes de grupos de pessoas em termos de acesso a recursos de vida, e são determinantes para os desfechos obtidos pelas pessoas. Há diversos modos de conceber e medir classes sociais; os sociólogos geralmente optam por esquemas que avaliam os tipos de trabalho realizados pelas pessoas, isto é, sua relação com a produção econômica; os economistas lidam com faixas de renda; e pode-se também classificar em perfis de consumo. A noção de nível socioeconômico, por sua vez, operacionaliza coordenadas contínuas a partir de informações de renda e escolaridade, combinando aspectos econômicos e educacionais. Orientado pela perspectiva de Bourdieu (1986), refiro-me à noção de posição social como uma alternativa para a noção de classe, e avalio a posse por parte das pessoas de riquezas econômicas (capital econômico) e recursos de formação educacional (capital cultural). Desse modo, considerando alguns níveis de posse de capital desses dois tipos, podemos chegar a posições que indicam inserções no mundo social. Porém, ao analisar algumas pesquisas que buscaram verificar associações entre a crença no mundo justo e classes sociais, trato algumas dessas estratégias como equivalentes.

Rubin e Peplau (1975) mencionam uma pesquisa não publicada de Lerner e Elkinton com donas de casa de classe média alta, classe média baixa e classe trabalhadora do estado norte-americano do Kentucky. As donas de casa de classe média alta perceberam mais injustiças e as de classe trabalhadora, menos, aderindo mais a uma concepção de crença do mundo justo. Os autores sugeriram que as donas de casa de classe trabalhadora, por terem também religiosidade mais fundamentalista, teriam tendência a considerar que eventuais injustiças seriam resultado de pecado ou compensadas numa eventual vida após a morte. Hunt (2000) também observou que pessoas com nível socioeconômico inferior tinham níveis maiores de crença no mundo justo, em pesquisa com habitantes da Califórnia meridional. Para explicar os resultados, aludiu à interpretação de Umberson (1993), para quem a adesão à crença no mundo justo por parte de pessoas em condições desfavoráveis seria um modo de negar realidades de vida desafiadoras. A negação da injustiça seria um modo de lidar com ela.

Em contraste, Furnham (1985) comparou a adesão à crença do mundo justo em estudantes brancos ingleses e sul-africanos; como a África do Sul era - e é - um país com desigualdades sociais mais pronunciadas que a Inglaterra, o autor imaginava que a adesão à crença no mundo justo seria maior entre os africanos que entre os ingleses, o que levaria o grupo dominante a aderir à crença no mundo justo de modo mais intenso para compensar psicologicamente as discrepâncias sociais observadas. O padrão esperado foi encontrado nos resultados; a justificação da situação de grupos oprimidos seria adaptativa para os membros de grupos dominantes.

No contexto brasileiro, em estudo com universitários sergipanos, Pimentel et al. (2010) não encontraram associações entre a crença no mundo justo geral e nível socioeconômico. Com a mesma amostra, mas avaliando uma adaptação de outra escala, Gouveia, Pimentel, Coelho, Maynart e Mendonça (2010) tampouco observaram relações entre a crença no mundo justo geral e nível socioeconômico. Por sua vez, Modesto et al. (2017) encontraram correlação positiva entre adesão a crença no mundo justo pessoal e renda de participantes do contexto universitário e de locais públicos de Brasília.

Thomas e Napolitano (2017) investigaram as mudanças nas crenças do mundo justo geral e pessoal em três contextos educacionais do sul do Brasil: uma escola pública, geralmente frequentada por estudantes de condição econômica inferior; uma escola particular típica de estudantes de elite e uma escola pública militar, com perfil de estudantes semelhante ao da particular. Os participantes cursavam as séries do ensino médio, possibilitando comparações transversais. O resultado mais importante foi a constatação de que os contextos modulavam a discrepância entre crenças no mundo justo geral e pessoal. Para os estudantes da escola pública, a crença no mundo justo geral diminuiu ao comparar séries iniciais com posteriores; a crença no mundo justo também caiu, mas teve níveis de adesão um pouco maiores. Para os alunos da escola particular e militar, a crença no mundo justo pessoal aumentou mais, criando discrepância maior entre as crenças geral e pessoal. Assim, os alunos de condições desfavoráveis constatam as dificuldades na vida e ajustam suas crenças de acordo, acreditando menos num mundo justo para si e para os outros. Por sua vez, os alunos de contextos privilegiados passam a acreditar menos num mundo justo geral para os outros, mas se dão conta de que têm possibilidades melhores de conseguir desfechos favoráveis por sua condição social e, portanto, a crença no mundo justo pessoal aumenta. Em termos de diferenças de escores da crença no mundo justo geral, que é de interesse principal deste estudo, os níveis da crença no mundo justo geral se diferenciaram mais entre os alunos da 1ª série do ensino médio, com maiores escores entre os estudantes da escola pública. Na segunda série do ensino médio, estudantes da escola privada tiveram escores um pouco maiores, e na terceira série, os da escola militar tiveram níveis inferiores de adesão.

O presente estudo visa a contribuir para a linha de pesquisa que relaciona posição social de adolescentes e a adesão à crença no mundo justo geral. A adolescência é um período da vida em que a pessoa expande a rede social, deixando a área de influência exclusiva da família e sofrendo influência de pares e professores; em síntese, do mundo social mais amplo. Conforme Thomas e Napolitano (2017), os adolescentes são expostos a aspectos mais abrangentes e complexos da sociedade à medida que envelhecem. Dalbert (2009) aponta que, durante a adolescência, a crença no mundo justo diferencia-se entre pessoal e geral, e a adesão a esse modo de pensar tende a cair em relação à infância, em que tem níveis muito elevados; as crianças acreditam numa justiça imanente, imediata e onipresente.

Em termos mais específicos, a presente pesquisa visa caracterizar a adesão à crença no mundo justo geral de estudantes de ensino médio de Uberlândia, Minas Gerais, levando em consideração as posições sociais que esses estudantes ocupam. O estudo analisa parte dos dados da Pesquisa de Percepções Sociais de Estudantes Uberlandenses - edição 2013 (PERSEU-2013). A pesquisa é exploratória, mas é possível antever três padrões de resultados a serem observados. O primeiro deles diz respeito à ausência de relações demarcadas entre posição social e a crença de que o mundo é um lugar justo para as pessoas em geral, seja por consensos dentre os participantes para além das fronteiras sociais, seja por padrões sem organização aparente e inconclusivos. Um segundo padrão vai na direção do funcionalismo societal mencionado por Furnham (1985), em que adolescentes de meios familiares privilegiados teriam mais tendência a acreditar que o mundo é justo pois isso sustenta sua própria condição favorável, enquanto que adolescentes de posições sociais inferiores adeririam menos a essa percepção, por estarem em contato com uma realidade mais dura. Finalmente, um terceiro padrão seria o contrário: adolescentes das posições inferiores adeririam mais à crença no mundo justo geral pois isso lhes auxiliaria a lidar com uma situação de vida desfavorável, justificando o sistema, como previsto pelas perspectivas de Jost e Banaji (1994) e Umberson (1993).

 

Método

Participantes

Após exclusão de quatro casos com dados omissos sobre sexo e escolaridade de ambos os pais, a amostra teve 736 estudantes do ensino médio, com 51,4% (379) do sexo feminino. A média de idade foi de 16 anos (DP = 0,87). A maior parte dos participantes (53,2%) estava matriculada em uma escola particular, e houve 25,8% e 20,9% de estudantes de duas escolas públicas.

Em termos de posições sociais, realizei uma combinação das informações pessoais de classe econômica e escolaridade da mãe, correspondentes aos tipos de capital econômico e cultural. Para determinar a classe econômica, os participantes foram enquadrados conforme um escore gerado por informações da posse de bens de consumo e escolaridade do chefe de família - para manter um padrão no estudo, que não inquiria a respeito, optei pela escolaridade do pai, exceto quando essa informação não foi fornecida e a substituí pela escolaridade da mãe, em 10 casos - a partir do Critério de Classificação Econômica Brasil (CCEB) do ano de 2013 (ABEP, 2013), resultante em quatro classes: A (renda média familiar de R$ 9.263), B1 (renda média familiar de R$ 5.241), B2 (renda média de R$ 2.654) e C (fusão realizada no presente estudo da classe C1, renda média de R$ 1.685, e C2, R$ 1.147). Optei por operacionalizar o capital cultural a partir da escolaridade da mãe pois há indícios de que esta influencia mais que a do pai na escolaridade máxima atingida pelos filhos (Buchmann, 2002).

Combinando as informações relativas aos dois tipos de capital, considerei oito posições sociais: A.S, adolescentes da classe econômica A com mãe que concluiu ensino superior (n = 194 ou 26,4%), A.F/M, adolescentes da classe A com mãe que estudou no máximo até o ensino médio (antigo segundo grau) (n = 53; 7,2%), B1.S, classe B1 com mãe com ensino superior (n = 95; 12,9%), B1.F/M, B1 com mãe com no máximo nível médio (n = 93; 12,6%), B2.S, classe B2 com mãe com ensino superior (n = 33; 4,4%), B2.F/M, classe B2 com mãe com no máximo ensino médio (n = 157; 21,3%), C.S, classe C com mãe com ensino superior (n = 10; 1,3%) e C.F/M, classe C com mãe com no máximo ensino médio completo (n = 101; 13,7%). Devido ao baixo contingente de participantes da posição C.S, escolhi retirá-los das análises que relacionavam posição social com a crença no mundo justo.

Instrumento

O instrumento foi um questionário que solicitou respostas de importância de valores pessoais (primeira parte), valores societais (segunda parte), crenças sobre sucesso no trabalho (terceira parte) e sobre a crença no mundo justo (quarta parte), bem como informações sociodemográficas. As informações sociodemográficas do questionário foram: sexo, idade e uma adaptação do CCEB de 2013 (ABEP, 2013), que avalia posse de bens de consumo, acesso a serviços e escolaridade dos pais.

Neste trabalho, o foco está na parte sobre as crenças no mundo justo. A esse respeito, o instrumento apresentou sete afirmativas, correspondentes a uma adaptação da Escala Global de Crenças no Mundo Justo (GJWS) de Lipkus (1991), validada por Gouveia et al. (2010). A GJWS é uma medida da crença no mundo justo global, isto é, avalia a crença de que o mundo social das pessoas em geral é justo.

A Tabela 1 apresenta o texto dos indicadores como empregado na versão da PERSEU-2013. Os indicadores j1, j2, j3, j5 e j7 têm exatamente o mesmo texto que a versão brasileira da GJWS. Os indicadores j4 e j6 tiveram seu vocabulário ligeiramente modificado para tornar a compreensão mais simples; em Gouveia et al. (2010), j4 era "as pessoas se encontram com o infortúnio que elas mesmas trazem", e j6, "penso que as recompensas e punições são atribuídas justamente". Além disso, houve alteração no formato de resposta: a versão brasileira da GJWS é uma escala com itens no formato de Likert de 6 pontos, mas para a PERSEU-2013 ela teve outro formato de resposta: para cada indicador, havia as opções "discordo", "indeciso" e "concordo". Nos sete indicadores, respostas de concordância atestam adesão à crença no mundo justo geral.

Procedimento

O projeto que inclui a PERSEU-2013 foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Uberlândia (parecer no 379.510 de 2013). Após a aprovação, realizei contato com as direções das escolas, que concordaram em participar. Em datas agendadas, a equipe de pesquisa foi às instituições e entregou Termos de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLEs) aos estudantes presentes em sala de aula. Alguns dias depois, os estudantes devolveram vias dos TCLEs assinados por seus responsáveis, e ocorreu a coleta de dados.

A coleta aconteceu nas salas de aula, em horário letivo. Os participantes tiveram o tempo de uma aula - aproximadamente 45 minutos - para completar o questionário individualmente, em situação coletiva. Em todas as ocasiões havia dois integrantes da equipe de pesquisa capacitados para sanar eventuais dúvidas.

A análise de dados foi voltada para a estatística descritiva. Calculei as proporções gerais de respostas dos sete indicadores de crença no mundo justo, e posteriormente as proporções de resposta por posição social. Para identificar os principais contrastes entre posições sociais e desvios em relação aos padrões gerais, realizei uma análise de correspondências de uma tabela de contingências empilhada (Greenacre, 2007) a partir do cruzamento das posições sociais em linha e das respostas aos indicadores em colunas. A análise de correspondências desse tipo permite visualizar associações entre as linhas e colunas de uma tabela, decompondo as principais variações (inércia) em eixos ou fatores. As distâncias entre pontos de colunas dizem respeito à semelhança dos perfis das respostas em termos de posições sociais (Alberti, 2013). Em vez de realizar uma análise de correspondências para cada indicador, é possível sintetizar várias tabelas concatenando-as, o que resulta na tabela empilhada.

As análises foram realizadas no programa R (R Core Team 2016). A análise de correspondências fez uso do pacote FactoMineR (Lê, Josse, & Husson, 2008). O gráfico da análise de correspondências utilizou o pacote factoextra (Kassambara, & Mundt, 2016).

 

Resultados

A Tabela 2 apresenta os resultados da amostra geral e de cada posição social para os sete indicadores de crença no mundo justo geral. Mesmo se referindo ao mesmo fenômeno psicológico, o que foi atestado pelo estudo de validação da escala em seu formato original (Gouveia et al., 2010), os indicadores tiveram distribuições de respostas contrastantes. Considerando a amostra globalmente, a maior parte dos participantes discorda que as pessoas recebem o que lhes é de direito (j1), que as recompensas e punições distribuídas no mundo são justas (j6) e que o mundo é justo (j7). Por outro lado, concordam que pessoas esforçadas tendem a ser recompensadas (j2). As respostas aos demais indicadores não têm predomínio tão claro de alguma modalidade, mas há tendência a não concordar com o merecimento de punições e recompensas (j3) e com que as pessoas conseguem os desfechos que merecem (j5). Cabe apontar também as elevadas proporções de respostas de indecisão, de 17% (j3) a 31% (j4). A quantidade de respostas omissas é baixa. É necessário interpretar os padrões gerais com cautela, pois não há equilíbrio na composição da amostra em termos de posição social.

Para auxiliar na interpretação, realizei a análise de correspondências após eliminar do banco de dados participantes sem respostas de algum dos indicadores ou informações sobre as posições sociais. O banco para a análise foi então de 712 respondentes. A Figura 1 apresenta a projeção dos dois primeiros eixos da análise de correspondências num mapa, totalizando mais de três quartos da inércia total. Somente representei no mapa as variáveis com contribuição para o eixo 1 ou 2 superiores à média ou com altas qualidades de representação (critério mínimo de cos2 = 0,50), seguindo recomendações de Le Roux e Rouanet (2004). Construí o mapa de modo a interpretar os eixos em termos das posições sociais, dando nome aos polos dos fatores de acordo com a importância da contribuição das posições sociais ou sua qualidade de representação, e os pontos representados dizem respeito às modalidades de respostas na crença no mundo justo que respeitaram os critérios de contribuição e qualidade, conforme procedimento estipulado por Bendixen (2003).

Há sete posições sociais, o que torna contribuições para cada fator maiores que 14,28 importantes (100/7). As posições A.S (27,4) e C.F/M (46,6) tiveram contribuições maiores que esse valor. A posição B1.S teve contribuição inferior (9.5), mas alta qualidade de representação (0,52). O primeiro eixo, portanto, é um contraste entre as posições A.S e B1.S, de um lado, e C.F/M, do outro; um contraste entre duas posições com condições econômicas favoráveis e mães com alta escolaridade e a posição mais desfavorecida em termos de renda e escolaridade. A segunda dimensão contrasta as posições sociais A.F/M (contribuição 39,7) e B1.F/M (19,2), estudantes com boa condição econômica mas com mães menos escolarizadas, com os estudantes da posição B2.S (21,5), inferior economicamente, mas com panorama familiar de maior instrução.

As modalidades de respostas com contribuições maiores que 4,76 (100/21 modalidades) ou boa qualidade de representação são representadas na Figura 1. O exame detalhado das proporções de respostas dos sete indicadores pode ser feito a partir da Tabela 2. A primeira dimensão responde por mais da metade da inércia total. Os estudantes das posições superiores em termos de capital econômico e cultural tendem a discordar mais que o perfil médio da amostra que as pessoas esforçadas são recompensadas (j2) e que as pessoas recebem recompensas e punições justas (j6) e merecidas (j3), ou aquilo a que tem direito (j1) ou merecem (j5). Já os estudantes da posição C.F/M têm tendência a concordar mais que a média da amostra com todas essas afirmações, isto é, estudantes da posição social mais desfavorável incluída na pesquisa têm adesão ligeiramente maior à maior parte dos indicadores de crença no mundo justo geral.

Na segunda dimensão, a diferença entre estudantes de posições favoráveis, mas de contexto familiar com menos escolaridade, e a de participantes da posição que combina uma posição desfavorável B2 com escolarização maior da mãe está em que os primeiros, especialmente os da posição A.F/M, tendem mais que o perfil médio da amostra a discordar que os esforços são recompensados (j2), e têm proporções mais altas de respostas de indecisão de que as pessoas carregam a própria infelicidade (j4) e que o mundo é um lugar justo (j7). Os estudantes da posição B2.S têm proporção um pouco maior que o perfil médio na discordância de j4 e têm mais respostas indecisas que os das posições A.F/M e B1/FM nas respostas de indecisão a que as pessoas recebem recompensas e punições que merecem (j3).

 

Discussão

As respostas aos indicadores da crença no mundo justo geral indicam, globalmente, respostas semelhantes por posição social. Contudo, há algumas variações, e é importante ressaltar que as respostas não indicam propriamente consensos, dado que as proporções predominantes para cada indicador raramente passam de dois terços, e também há proporções consideráveis de respostas de indecisão. Isso quer dizer que, ainda que seja possível identificar respostas mais frequentes, não há uma percepção comum aos estudantes da amostra acerca da vigência da justiça nas relações sociais.

Ao avaliar os perfis de resposta por indicador, é possível observar que esses são diferentes. Isso não era esperado, pois a escala de que aproveitei os indicadores do estudo atual tem evidências que comprovam a sua validade em uma única dimensão (Gouveia et al., 2010). Mesmo considerando que neste estudo houve alterações na redação de alguns enunciados e também no formato de resposta, não havia previsão de identificação de padrões diferentes de resposta entre indicadores. Portanto, por mais que as que se trate de um instrumento validado e voltado para um construto ou tema comum, isso indica que os posicionamentos expressos nos indicadores podem se referir a aspectos diferentes da crença no mundo justo geral. As respostas dominantes entre todas as posições sociais apontaram tendência maior a discordar de que as pessoas recebem o que tem direito, que as recompensas e punições recebidas são merecidas e justas, e que o mundo é um lugar justo no geral. Ou seja, os adolescentes possuem majoritariamente ou tendencialmente uma percepção de que não existe um princípio subjacente de justiça regendo a realidade. Se Dalbert (2009) relata que a adesão à crença no mundo justo geral diminui durante a adolescência, em comparação com a infância, esses resultados vão na mesma direção. Contudo, os indicadores sobre as pessoas receberem a própria infelicidade que carregam e conseguirem o que merecem não têm respostas majoritárias claras, indicando divergência de opiniões. Mais interessante é a sutil preferência por acreditar no mundo justo no que diz respeito ao indicador que estabelece que as pessoas esforçadas são recompensadas.

Talvez o contraste entre esse indicador e os demais possa ser explicado pela proximidade de cobertura de seu conteúdo com a crença na meritocracia, importante pilar da sociedade ocidental. Barbosa (2006) afirma que a ideia de atribuição de recompensas às pessoas conforme seu merecimento por desempenho converteu-se paulatinamente numa ideologia, em que esse princípio é considerado a regra geral para organizar a sociedade. McNamee e Miller Junior (2004) sustentam que essa ideologia, que chamam de mito da meritocracia, confunde o modo como as pessoas entendem que a meritocracia funciona, premiando o mérito pessoal, e como ela opera de fato, ocultando diferenças reais de recursos entre posições sociais que modulam, superam ou mesmo cancelam efeitos de mérito independente. Há posições na literatura que consideram o princípio da meritocracia como subjacente a ideologias de justificação de sociedades hierárquicas (McCoy, & Major, 2007) ou de sistemas sociais (Jost, & Hunyady, 2005).

Resultados de pesquisas em diversas culturas apontam para altas adesões aos princípios meritocráticos. Em pesquisa com dados nacionais dos Estados Unidos, Reynolds e Xian (2014) observaram que a concordância dos estadunidenses com a crença na importância de elementos meritocráticos para o sucesso é alto. Flanagan et al. (2003) também observaram altos escores de crença de que a sociedade é meritocrática em uma amostra de mais de 4 mil adolescentes de países europeus (Rússia, Bulgária, República Checa e Hungria), dos Estados Unidos e da Austrália, com diferentes estruturações de suas economias. Outro exemplo de pesquisa com dados convincentes é a de Fiske e Cuddy (2005), com mais de 1.500 estudantes universitários de 14 países, que observou correlações entre avaliações de status de grupos e de sua competência, isto é, percepções compatíveis com o princípio meritocrático de que as pessoas merecem sua situação. A partir desses estudos, percebe-se que a meritocracia possui amplo apoio em diversos contextos internacionais.

A crença de que as pessoas esforçadas são recompensadas é funcional para organizar a vida pessoal porque dirige o indivíduo a buscar realizar sua parte para posteriormente colher frutos de suas ações. Nesse sentido, talvez se aproxime mais do conteúdo coberto pela crença no mundo justo pessoal, o que pode explicar o padrão de respostas divergente em relação aos demais indicadores. Isso explicaria a tendência a discordar de que existe justiça no mundo em geral, mas, ao mesmo tempo, reconhecer que o esforço tende a ser recompensado, o que serve de guia para a conduta pessoal e estrutura comportamentos adaptativos. Corroborando essa interpretação, um estudo com a mesma amostra (Wachelke, 2017) observou altas taxas de adesão a crenças de que a obtenção de empregos com bons salários ou promoções no mundo do trabalho se devem a variáveis individuais, compatíveis com o princípio da meritocracia. Portanto, é como se os estudantes percebessem a realidade através de dois critérios, conforme a distinção entre crença no mundo justo geral e pessoal evidenciada por diversos estudos (Dalbert, 2009; Hafer, & Sutton, 2016; Modesto, Figueredo, Gama, Rodrigues, & Pilati, 2017): uma percepção de que as consequências e efeitos sociais obtidos pelas pessoas em geral não são justos, e um entendimento que a esfera pessoal, privada, está atrelada, em maior grau, à justiça nas relações - mas cabe lembrar que apenas em certo nível, pois proporção considerável dos participantes discordou da afirmação respectiva. É como se, para preservar aspectos psicológicos positivos e a capacidade de operar no mundo social em que vivemos, as pessoas considerassem-se especiais, isolando o autoconceito da percepção mais negativa sobre a realidade social.

Além dessa tendência geral de os estudantes tenderem a discordar da existência de um mundo justo geral, mas paradoxalmente concordarem que o esforço (pessoal?) é recompensado, há diferenças menores associadas às posições sociais que devem ser abordadas. Os resultados contrastaram dos estudos de Pimentel et al. (2010) e Gouveia et al. (2012), que não observaram associações entre nível socioeconômico e adesão à crença no mundo justo geral. A posição social parece desempenhar um papel cumulativo de seus componentes - renda e escolaridade materna - para dois indicadores: as crenças de que as pessoas recebem aquilo a que tem direito (j1) e conseguem o que merecem (j5). De modo geral, quanto mais favorável a renda familiar, ou quanto mais instrução possui a mãe do participante, maior a tendência a discordar dessas afirmações. Posições privilegiadas parecem estar ligadas a uma percepção das desigualdades e injustiças sociais, e isso explicaria a menor tendência a concordar com a crença no mundo justo geral. Note-se que esses resultados são diferentes dos de Thomas e Napolitano (2017), que não apresentam tendência clara de diferenças sociais nos escores da crença no mundo justo geral.

A respeito do indicador de que as pessoas esforçadas são recompensadas (j2), há maior concordância por parte dos participantes de renda inferior, o que pode lhes fornecer esperanças de buscar desfechos melhores. Mas cabe apontar que as tendências de concordância também entre estratos de renda mais favorecidos são majoritárias ou próximas à metade, o que justifica a argumentação anterior que associa esse indicador com a percepção de justiça no mundo pessoal e sua relação com o princípio da meritocracia.

Ao avaliar as respostas globalmente, mesmo considerando que não houve contrastes em todos os indicadores, é possível identificar um padrão no que diz respeito às diferenças identificadas. Esse padrão aproxima-se mais, ainda que parcialmente, do proposto por Umberson (1993) e do que seria compatível com a teoria de justificação do sistema de Jost e Banaji (1994), isto é, as pessoas de posições sociais inferiores adeririam mais à crença no mundo justo por isso lhes desempenhar um papel adaptativo, justificando a realidade em que vivem. Assim, não encontrei indícios da tendência do funcionalismo societal de Furnham (2003). Os participantes de condições mais favoráveis destacaram-se por vezes ao repudiar mais fortemente a percepção de que o mundo é justo. Mas é importante destacar que o padrão identificado é apenas em nível comparativo, haja vista que também os participantes de condições desfavoráveis tendem a discordar mais que concordar da maior parte dos indicadores apresentados.

Outro aspecto importante no resultado diz respeito às proporções de respostas de indecisão. Segundo estudo de Raaijmakers, Hoof, Hart, Verbogt e Vollebergh (2000), que investigaram opiniões políticas de adolescentes holandeses, há pelo menos dois significados de uma resposta intermediária como "indeciso": um sentido verdadeiramente neutro, uma posição do meio entre dois posicionamentos efetivos - "concordo" e "discordo" - e um significado de indecisão verdadeira, em que o sujeito não consegue expressar sua opinião, talvez por falta de conhecimento. Neste estudo, não havia uma opção "não sei responder" ou algo similar, o que pode ter levado alguns participantes a optarem pela resposta de indecisão com esse sentido. Outros podem ter escolhido essa resposta como uma opção intermediária, dado que ela se situava entre as outras duas opções no questionário. No estudo de Raaijmakers et al. (2000), houve mais respostas indicando desconhecimento entre adolescentes mais jovens. As respostas desse tipo podem ser uma característica dessa faixa etária, em que as opiniões estão em formação e subsequentemente se consolidarão. No caso do presente estudo, interpreto a alta proporção de respostas de indecisão como típica de adolescentes que talvez não tenham refletido especificamente sobre os temas a respeito dos quais foram indagados, implicando falta de conhecimento, ou ausência de posicionamento claro. Não é possível diferenciar essas intenções distintas nesse mesmo padrão de resposta com os dados obtidos. De todo modo, trata-se de característica relevante dos resultados, que possivelmente não tenha sido evidenciada em estudos semelhantes por eles utilizarem tratamento intervalar das escalas utilizadas, em que se perde a individualidade de respostas intermediárias.

Avaliando o estudo, algumas características da pesquisa trazem especificidades que permitem avançar no estado do conhecimento científico sobre a relação entre crença no mundo justo e posições sociais de adolescentes. Primeiro, busquei avaliar a posição social dos adolescentes a partir dos tipos de capital que estão acessíveis para eles em virtude dos recursos familiares. Trata-se de opção diferente da de Thomas e Napolitano (2017), que compararam escolas de características diferentes, e pode complementar os resultados evidenciados pelas autoras. Segundo, o estudo teve uma amostra mais numerosa, que pode trazer mais estabilidade aos resultados. Terceiro, trata-se de pesquisa realizada num contexto geográfico e social diferente, uma cidade de médio porte do interior de Minas Gerais.

Em termos de limitações, é necessário enfatizar que utilizei uma versão um pouco diferente da medida da crença no mundo justo geral, o que prejudica a comparabilidade com as outras pesquisas. A natureza exploratória da pesquisa, realizada com uma amostra de conveniência, direcionou a opção pelo uso de estatística descritiva, o que impede a generalização estatística dos resultados; conforme Berk e Freedman (2003), o uso de estatísticas inferenciais demanda amostras probabilísticas, o que não foi o caso do presente estudo, que contou com uma amostra diversificada mas não probabilística. Portanto, as conclusões do estudo devem ser restritas à amostra, e somente a partir da realização de estudos semelhantes será possível avaliar se os padrões encontrados são particulares ou mais gerais. Ainda nesse aspecto, é preciso lembrar que os resultados certamente refletem o contexto histórico-cultural de Uberlândia, uma cidade média relativamente jovem no interior do Brasil, e possivelmente outros contextos com realidades sociais, econômicas, geográficas e históricas diferentes reflitam outros modos com que os adolescentes entendem a justiça nas relações humanas.

Em conclusão, o presente estudo obteve evidências de que adolescentes de Uberlândia tendem a discordar da percepção de que o mundo é justo de modo geral, ainda que apresentem um padrão diferente no que diz respeito a acreditar que o esforço é recompensado, com o que tendem a concordar. Essa diferença é explicada com base no entendimento de que eles percebem a realidade de modo geral como injusta, mas orientam-se por uma percepção de que o esforço gera bons desfechos sociais, o que pode implicar uma adesão à percepção de que o mundo pessoal é justo, o que é adaptativo socialmente e compatível com uma ideologia meritocrática. Há também algumas diferenças em termos de adesão à crença no mundo justo a partir de posições sociais diferentes: os estudantes de posições sociais mais favoráveis tendem a discordar mais de indicadores dessa crença que os de posições desfavoráveis, o que indica que para esses últimos a negação da injustiça nas relações sociais pode ser um modo de lidar com os desafios do cotidiano.

Estudos futuros poderiam refinar as interpretações obtidas por meio de mudanças no modo de mensurar a crença no mundo justo, seja diferenciando entre as diversas possibilidades de resposta neutra, seja medindo também a crença no mundo justo pessoal. Torna-se pertinente também acrescentar complementos às respostas aos indicadores, para permitir interpretar a lógica por trás das respostas e reduzir a subjetividade da interpretação por parte do pesquisador. Finalmente, a realização de pesquisas semelhantes em outros contextos possibilitará identificar quais aspectos dos resultados são devidos à fase do desenvolvimento e posição social de adolescentes e quais outros podem ser mais bem explicados por particularidades do local em que ocorreu o presente estudo.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
João Wachelke
joao.wachelke@ufu.br

Submetido em: 22/10/2017
Revisto em: 10/01/2018
Aceito em: 16/02/2018

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