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Arquivos Brasileiros de Psicologia

On-line version ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. vol.70 no.3 Rio de Janeiro Sept./Dec. 2018

 

ARTIGOS

 

Proteção de direitos humanos: o caso das quebradeiras de coco babaçu

 

Protection of human rights: the case of babaçu coconut breakers

 

Protección de derechos humanos: el caso de las rompedoras de coco babaçu

 

 

João Gabriel SoaresI; Paula ArrudaII

IMestrando. Programa de Pós-Graduação em Direito. Universidade Federal do Pará (UFPA). Belém. Estado do Pará. Brasil
IIDocente. Universidade Federal do Pará (UFPA). Belém. Estado do Pará. Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente estudo tem o objetivo analisar a proteção de direitos humanos dentro de um contexto histórico e desenvolvimentista na Amazônia, utilizando-se do caso das quebradeiras de coco babaçu. Para isso perpassou-se pelos conflitos sociais existentes na Amazônia e decorrentes desta política, analisou-se a proteção multinível e suas dimensões e a necessidade do âmbito subnacional de proteção dos direitos humanos, para, por fim, apresentar o caso das quebradeiras como exemplo de resistência e fortalecimento do protecionismo para com grupos vulnerabilizados dentro do contexto amazônico, junto à atuação em escuta e clínica ampliada, exemplificando a relação transdisciplinar entre Direito e psicologia em favor de uma atuação à proteção subnacional de direitos humanos através da abertura de novos espaços políticos para comunidades locais e movimentos sociais.

Palavras-chave: Proteção Multinível de Direitos Humanos; Grupos Vulnerabilizados; Quebradeiras de Coco Babaçu; Estratégia Desenvolvimentista na Amazônia; Escuta Política.


ABSTRACT

The present study has the objective of analyzing the protection of human rights within a historical and developmental context in the Amazon, using the case of babaçu coconut breakers. Taking into account that the social conflicts existing in the Amazon region were the result of this strategy, the multilevel protection and its dimensions and the need for the subnational scope of protection of human rights were analyzed, in order to present the case of the breakers as an example of resistance and strengthening of protectionism towards vulnerable groups within the Amazon context, along with the performance in listening and clinical practice, exemplifying the transdisciplinary relationship between Law and Psychology, in favor of an action related to the subnational protection of human rights through the opening of new political spaces for local communities and social movements.

Keywords: Multilevel Protection of Human Rights; Vulnerable Groups; Babaçu Coconut Breakers; Development Strategy in the Amazon; Political Listening.


RESUMEN

El presente estudio tiene el objetivo de analizar la protección de derechos humanos dentro de un contexto histórico y desarrollista en la Amazonia, utilizando el caso de las rompedoras de coco babaçu. Para ello se percató por los conflictos sociales existentes en la Amazonia y derivados de esta política, se analizó la protección multinivel y sus dimensiones y la necesidad del ámbito subnacional de protección de los derechos humanos, para, por fin, presentar el caso de las quebradoras como ejemplo de resistencia y fortalecimiento del proteccionismo hacia grupos vulnerables dentro del contexto amazónico, junto a la actuación en escucha y clínica ampliada, ejemplificando la relación transdisciplinaria entre Derecho y psicología en favor de una actuación a la protección subnacional de derechos humanos a través de la apertura de nuevos espacios políticos para comunidades locales y movimientos sociales.

Palabras clave: Protección Multinivel de Derechos Humanos; Grupos vulnerables; Rompedoras de Coco Babaçu; Estrategia Desarrollista en la Amazonia; Escucha Política.


 

 

Introdução

O presente artigo propõe-se a analisar a proteção de direitos humanos dentro de um contexto desenvolvimentista na Amazônia e a relação consequente de fragilidade de grupos vulnerabilizados, utilizando o caso das quebradeiras de coco babaçu como exemplo de atuação à proteção subnacional e reforçando a ideia da proteção local como indispensável para a composição de resistência à violação de direitos humanos. Por fim, demonstrar-se-á a importância da psicologia de escuta política neste contexto.

Neste sentido, a Amazônia historicamente vem sendo palco de muitas transformações sociais e, principalmente, ambientais, que se intensificaram no século XX ante as primeiras iniciativas desenvolvimentistas da década de 1950, passando pelos grandes projetos da década de 1970 e "milagre econômico" até a inauguração de teorias para preservação da biodiversidade, que resultaram em diversas consequências estruturais, sociais e econômicas, refletidas em nível local, nacional e até mesmo internacionalmente.

Tais mudanças, quando analisadas a partir do viés socioambiental, se mostram profundas, tendo em vista ser possível visualizar uma transformação na região pelo decorrer dessas décadas, assim como da relação da Amazônia com os diferentes níveis do governo. Em uma esfera regional, analisa-se a existência conjunta de benesses e prejuízos, um paradoxo entre melhoria na qualidade de vida e novas oportunidades econômicas, mas também à insurgência de diversos conflitos sociais, disputas de fronteiras e existência de pluralidade de atores nacionais e internacionais dentro da região.

Diante desse panorama entre a demanda de produtos primários e agrícolas e seu papel na economia, bem como sendo uma região marcada pelos conflitos oriundos dessa exploração, esse projeto de modernização institucional e econômica do próprio país apresenta a violência como centro da ocupação destas novas fronteiras.

Esse cenário ensejou discussões internacionais quanto à proteção contra trabalho escravo, pistolagens e outras séries de violações de direitos humanos, a fornecer proteção legislativa e política atinente, mas também se conjugou alianças em nível local voltadas à defesa ambiental para além de um desenvolvimento, comunicando a Amazônia a grandes centros internacionais e nacionais, sendo capaz de interferir em projetos de financiamento externo e promoção de novas propostas.

Nesta senda, quando se fala no caráter da proteção multinível em suas variadas dimensões, entra em cenário a necessidade da proteção de direitos humanos em âmbito local, justamente por ser necessário instituir na Amazônia, portanto, um campo de intervenção e transformação, com base em programas regionais, ação de universidades e institutos de pesquisa, conjugando a proteção a níveis de proteção mais próximos de onde ocorrem os problemas.

Nesta relação que se insere a transdisciplinaridade proposta por este trabalho, ao relacionar um caso fático com contexto desenvolvimentista e exploratório amazônico a conceitos de proteção de direitos humanos e psicologia aplicada, comunicando áreas que demonstram uma estreita e conexa relação. Portanto, considerando a diversidade epistemológica apresentada pelos estudos psicológicos, os direitos humanos passam a ser um campo de trabalho cujas demandas teóricas são novas e, nesta aproximação, percebe-se uma recente dinâmica de analisar a atuação política da psicologia em relação ao âmbito jurídico. Tendo em vista que ambas as ciências lidam com o ser humano, independentemente de qualificações raciais, econômicas, sociais, direitos humanos e psicologia se aproximam, especificamente em relação à prática de clínica política de escuta, como será demonstrado.

Em relação ao aspecto metodológico, o estudo é predominantemente teórico-descritivo, sustentando-se em um arcabouço doutrinário acerca do tema, bem como em uma breve análise do caso das quebradeiras de babaçu e das consequências jurídicas refletidas no contexto de proteção de direitos humanos dentro da Amazônia, como forma de responder ao problema proposto.

No intento de responder às questões apresentadas, será discutida a estratégia desenvolvimentista e a intrínseca relação com os conflitos sociais na Amazônia e, em seguida, será abordada a argumentação de proteção multinível de direitos humanos e necessidade do âmbito subnacional de proteção dos direitos humanos, assim como a abordagem de escuta política. Por fim, exemplificar-se-á, pelo caso das quebradeiras de coco babaçu, a resistência necessária e o fortalecimento do protecionismo regional para grupos vulnerabilizados dentro do contexto amazônico.

 

A estratégia desenvolvimentista e insurgência de conflitos sociais na Amazônia

As transformações ambientais na Amazônia apontam para desafios que vêm sendo enfrentados há 60 anos, objetivando a análise da mudança produzida na região pela ação estatal e frente à dinâmica social de diversos agentes. Desde as primeiras iniciativas desenvolvimentistas, voltadas à década de 1950, passando pelos grandes projetos da década de 1970, até a inauguração de teorias para preservação da biodiversidade, foram diversas as transformações estruturais, sociais e econômicas concernentes, demonstradas tanto no âmbito local quanto na preservação ambiental nacional e internacionalmente.

Como visto, tais mudanças foram profundas, primordialmente quando analisada a transformação da região dentro de uma problemática socioambiental, compreendida dentro de uma complexidade a integrar análise ambiental e dimensões sociais, econômicas e políticas vinculadas, assim como à relação com diferentes níveis do governo.

Os projetos direcionados para a Amazônia foram (e ainda são) projetados para privilegiar, principalmente, interesses exógenos para a região, de modo que, por meio de articulações sólidas com grupos econômicos e pequenos segmentos sociais locais, as questões estratégicas para a região são decididas sem a participação efetiva da comunidade. As políticas governamentais para a Amazônia reuniram-se dentro do pretexto de que era necessário explorar o imenso potencial natural da região com a ideia para "domesticar o meio ambiente", transplantando o modelo de desenvolvimento do sul do país (Sauer, 2005).

Em um campo de argumentação infinitamente mais complexo, os interesses de diversos atores nacionais e internacionais aparecem frente novas interpretações e expectativas, através da definição de fronteira e insurgência de inúmeros conflitos sociais.

Segundo Castro (2004), as iniciativas estatais iniciais na região eram pautadas por um desenvolvimentismo, trazendo transformação substancial, enquanto os interesses mercadológicos e o avanço da biotecnologia ficaram evidenciados no final dos anos 1980, paradoxalmente colocados à presença da cultura de grupos tradicionais locais, sendo uma nítida incompatibilidade fática de interesses. Planejamento e desenvolvimento foram termos utilizados à perspectiva estatal de expansão e controle.

Dessa forma, ao mesmo tempo em que se pretendia avançar com os instrumentos de planejamento do desenvolvimento nacional, buscava-se, por outro lado, uma estratégia de desenvolvimento que visava aumentar o equilíbrio e a distribuição dos investimentos em todo o território nacional [...]. É nesse momento, portanto, que se iniciou, de modo mais contundente, um estímulo à criação de novos órgãos ou instâncias governamentais com o foco de atuação especificamente voltado para o planejamento, o fomento e a elaboração de políticas de desenvolvimento regional [...]. Estruturas que serviram, por fim, ao longo da década de 50, para o objetivo fundamental de implementar estratégias de desenvolvimento, com capacidade de se constituírem em alternativas ao quadro de instabilidade político-institucional (Oliveira, Trindade, & Fernandes, 2014, p. 207-208).

Neste histórico desenvolvimentista, as mudanças dos anos 1950 apontam a intensificação de migração, que conduz ao desmatamento, depredação e poluição de rios e lagos, sendo o início de uma confrontação de diversos atores sociais, que só vem se alastrando, inclusive com a presença multicultural de dezenas de povos indígenas com modos de viver diversos.

Os projetos de desenvolvimento se materializaram por duas grandes obras, que marcaram a Amazônia irreversivelmente para o futuro: a construção de Brasília e da rodovia Belém-Brasília, sendo que a política de incorporação de novas terras ao mercado foi introduzida por uma política de exploração e abertura de terras desenvolvida pelos governos militares.

Os paradigmas do nacional-desenvolvimentismo estiveram na base das mudanças que ocorreram na Amazônia nas últimas décadas. A percepção [...] alinhara-se no contexto de um projeto nacional de desenvolvimento, fortalecido nos governos posteriores [e] definiram, a partir daí, e deforma irreversível, o futuro dessa região e de sua integração à economia nacional: a construção de Brasília e da rodovia Belém-Brasília. A incorporação de novas terras ao mercado e de recursos às cadeias produtivas esteve ligada a essas iniciativas asseguradas posteriormente pelos governos militares que levaram em frente esse ambicioso projeto nacional (Castro, 2004, p. 48).

Dentro desta política, houve concessão de incentivos fiscais para que brasileiros atravessassem fronteiras em direção à região, se tornando um novo espaço de oportunidades através de financiamento público. Demais disso, "as narrativas sobre a saga dos migrantes compõem capítulos de uma história para uns, trágica, para outros, de sucesso" (Castro, 2004, p. 49), corroborando um espaço de intensos conflitos.

A exploração econômica seguiu nos anos 1970, firmando-se através de conceitos como o de fronteira, que buscava entender as mudanças e fluxos de migrantes, produzindo inúmeros conflitos sociais por conta da sua expansão (seja físico-territorial ou ideológico). Como uma região marcada pelos conflitos oriundos da exploração, a imagem da Amazônia foi definida dentro de um lugar de pistolagem, trabalho escravo, mortes, políticas anunciadas e chacinas, tudo relacionado à disputa de terras e recursos.

O planejamento estatal afirma uma clara intenção de integração de mercado com a implementação de políticas desenvolvimentistas em sentido macro, seja com os grandes projetos implementados ou construção de obras estruturas de integração, como estradas e aeroportos, visando a ocupação territorial. Então, é subordinado a um projeto maior, de modernização institucional e econômica do próprio país, como visto, e, por isso, as tensões entre possibilidades de desenvolvimento, consequentemente a violência, tornou-se o centro da ocupação destas novas fronteiras.

As análises sobre o lugar do ilícito, do ilegal e do clandestino na dinâmica das fronteiras precisariam ser incorporadas à análise econômica de viabilidade e de custos do desenvolvimento [...]. Com essa dinâmica local, a impunidade de crimes ambientais acaba [...] numa rede de transações econômicas e de poder político (Castro, 2004, p. 51).

Neste sentido, a formação da Amazônia e seu contexto desenvolvimentista têm grande relação com a atual situação prática vivenciada, inclusive à violação de direitos humanos.

[...] a Amazônia foi alvo do processo de nova divisão internacional do trabalho, fruto da reconversão industrial nos países capitalistas desenvolvidos, no qual o Brasil entra com um grande mercado interno, enorme disponibilidade de recursos naturais, baixo custo de mão de obra, e fabricante de produtos intensivos em energia e altamente poluidores. O aproveitamento de seus recursos naturais, através de grandes projetos, tem sido a tônica dos investimentos feitos na região, tanto pelo capital transnacional quanto pelo nacional oriundo da região sul. Estes projetos em sua grande maioria são absolutamente inadequados às condições regionais, expressando-se nos impactos ambientais e econômico-sociais negativos (Becker, Nascimento, & Couto, 1996, p. 788. Grifo nosso).

Com um espaço extremamente plural e capitalista, a violência se tornou comum com a disputa de territórios, colidindo com interesses, inclusive com os nativos, e, neste sentido, é necessário reconhecer a existência de conflitos socioambientais territoriais e por todos os apontamentos mencionados, o projeto estava em descrédito, por traçar um panorama oneroso e fracassado em seus objetivos desenvolvimentistas.

Como foco da exposição, alinha-se à questão do conflito em poder, afirmando que existem diversos grupos sociais operando no cenário de fronteira, conflitando interesses de dominantes (proprietários de grandes fazendas e serrarias, gerentes e diretores de companhias mineradoras, comerciantes autônomos e representantes do capital corporativo) e dominados (assalariados, camponeses, garimpeiros, seringueiros, castanheiros, pescadores e indígenas) e, sendo o conflito social uma característica inerente a toda sociedade de classes, na Amazônia foram diversos os conflitos que se alastram até os dias atuais, especificamente quanto às disputas que envolvem resistência, alavancado pelo poderio econômico exercido e pela capacidade física de atingir os objetivos de exploração, afinal é uma disputa desleal quanto aos recursos econômicos e o poder político dos fazendeiros, inclusive com os aparatos estatais para manutenção deste desenvolvimentismo, contratando pistoleiros e apoiados por milícias.

No processo de sua própria defesa, seringueiros, garimpeiros, pequenos agricultores, indígenas e ribeirinhos tornaram-se mais organizados e aprenderam a proteger seus interesses mais efetivamente contra as ameaças de fazendeiros, companhias de mineração, especuladores de terra e burocratas. As chances de vitória permaneceram desfavoráveis, porém eles foram mostrando cada vez mais que poderiam vencer grandes contendas contra seus adversários. Por um lado, essas vitórias na Amazônia foram facilitadas pela abertura política no Brasil e pelo declínio de poder do regime militar. Por outro lado, em algumas instâncias, os resultados dos conflitos locais afetaram as tendências econômicas e políticas em nível nacional, mudando assim as condições sob as quais as subsequentes contendas regionais ocorreram (Schmink, & Wood, 2012, p. 45).

Neste sentido, o conceito de fronteira relaciona-se diretamente com a estigmatização da região e a atual estruturação histórico-desenvolvimentista do espaço político amazônico e, frente todas essas problemáticas, as disputas na região atestam uma multiplicidade de frentes1, simultâneas e sobrepostas, sendo a análise pautada no conflito social sobre a mudança na fronteira, através de um relato histórico e participação dos sujeitos para mobilização de poder, considerando as iniciativas políticas, hierarquias de poder e seu contingenciamento pelos fatores de influência.

Atualmente, o debate amazônico vem tomando ares internacionais2, os diplomas legislativos parecem fortalecer a resistência, seja política ou economicamente, e os partidos políticos inclusive utilizaram a democracia para formação de eleitorado. Essa conjugação apontou novas alianças, locais, voltadas à defesa ambiental para além de um desenvolvimento puro, comunicando a Amazônia a grandes centros internacionais e nacionais, sendo capaz de interferir em projetos de financiamento externo e promoção de novas propostas, mas estes avanços são muito mais teóricos que práticos e as mudanças efetivas ocorreram por conta dos movimentos de base criados na própria região e não por conta destes tantos investimentos de diversos cernes, tal como será demonstrado pelo exemplo do caso analisado.

Na década de 1990, portanto, o debate ambiental se caracterizou dentro dos discursos e práticas ambientais, uma vontade de avançar no diálogo frente posturas mais afirmativas àquelas anteriores, com mero caráter denunciativo. É seguida com a reafirmação de relações globalizadas de saberes tradicionais, associando as potencialidades da Amazônia a problemáticas mundiais. É neste contexto que se prima pela oitiva e discussão dos interesses de povos vulnerabilizados na Amazônia, mesmo sem a intensidade necessária para tanto e ainda existindo diversos casos que apresentam uma estreita relação com este contexto de desenvolvimento desenfreado,

Em termos de corporação econômica, esse manancial de recursos mobiliza ramos diversos, da construção civil à metalurgia, celulose, agricultura, fármacos e cosméticos. A Amazônia, para além de um interesse global voltado, sobretudo, para a salvação do planeta, o que justifica o apoio de programas de preservação ambiental, é um mercado de produtos e insumos muito concreto, ligado a redes internacionais (Schmink, & Wood, 2012, p. 58).

Nesta feita, não é mais interessante recolocar a Amazônia dentro de um contexto global a partir deste conceito de fronteira, pressupondo sua revisão como mero espaço de conquista e ocupação, mas como marco político redefinido frente a sua possibilidade de potencializar o reconhecimento de direitos socioambientais relacionados ao seu âmbito circundando o desenvolvimento de uma consciência ecológica e de gestão ambiental pública.

Silva (2008, p. 46-47) aponta que, diante do quadro exploratório e desenvolvimentista de ocupação da região, ocorreu desagregação e deslocamento compulsório da comunidade, concentração fundiária, grilagem de terras públicas, alagamento de áreas com significado histórico-cultural, degradação ambiental e, consequentemente, a indisponibilidade de recursos para garantia da reprodução social de povos e comunidades tradicionais, corroborando o aspecto de violência social e individual das lideranças locais em defesa de direitos humanos/fundamentais, portanto resta nítida a aproximação entre este contexto de formação da Amazônia com a proteção multinível de direitos humanos, em sentido vertical e horizontal.

É extremamente necessário instituir na Amazônia, portanto, um novo campo de intervenção e transformação, inclusive com base em programas regionais, ação de universidades e institutos de pesquisa, mas mais especificamente um campo de abertura a diferentes níveis de proteção de direitos humanos.

Em particular atenção, a transdisciplinaridade também é invocada como conceito basilar nesta proteção humanista, atrelando-se diferentes espaços científicos para salvaguarda daqueles problemas e sujeitos tidos tradicionalmente como inferiores e de menor importância, enquanto a violação de seus direitos humano-fundamentais permanece.

Portanto, o reforço às estratégias locais de proteção, assim como protagonismo social e interrelação entre os níveis de proteção e a inserção de novos espaços de discussão, neste caso a psicologia, são necessários para compreender a complexidade de um contexto histórico de violação, que será demonstrado através do caso das quebradeiras de coco babaçu a seguir.

 

O conceito de proteção multinível de direitos humanos: a relevância do nível subnacional

Como visto, a pesquisa é delineada pelo referencial teórico da proteção multinível de direitos humanos, sendo inicialmente cabível compreender o seu conceito. Então, compreender o que é proteção multinível perpassa separá-lo em duas dimensões, a primeira tem foco em um problema de governança multinível, cujo surgimento está no aspecto político-econômico, enquanto que uma segunda dimensão aborda a aplicação e proteção de direitos humanos, valorizando a garantia de direitos para além da governança política.

Na articulação europeia, a primeira dimensão conformou a existência da segunda, impondo uma dupla relação ao conceito e, portanto, para uma análise suficiente, é necessário vincular o âmbito político-governamental à efetivação da proteção humanista. Tal como exposto, há uma dimensão jurídica de direitos humanos oriunda da governabilidade e articulação europeia.

A ideia de "governação multinível" tem origem nos debates sobre a integração europeia nos primeiros anos da década de noventa. Em geral, a ideia surgiu como uma reação ao paradigma dominante até esse momento, explicando a integração europeia como um processo no qual os protagonistas foram os governos centrais dos Estados-membros (como a Alemanha ou a França). Contrariando essa visão, o processo de integração europeia parecia criar certos espaços nos quais o mesmo assunto foi sujeito, ao mesmo tempo, à regulação adotada por instituições do âmbito subnacional (como uma província ou um município), nacional (como um ministério) e até mesmo supranacional (por exemplo, Comissão Europeia). Assim, embora o governo central dos Estados-membros não desaparecia como ator do projeto de governação europeia, a realidade é que existiam muitos outros atores, atuando tanto no âmbito nacional, como subnacional e supranacional. Por isso, o europeu poderia ser descrito como um modelo "multinível", porque estava composto por governos nacionais, mas também por instituições que existiam num plano mais além do tradicional Estado-nação (Urueña, 2014, p. 16).

Neste sentido, o reconhecimento de proteção multinível de direitos humanos, no continente europeu, compreende uma proteção em quatro níveis3. Em contrapartida, no continente latino-americano, a proteção multinível pressupõe uma nova abordagem, pois não há reconhecimento fático de um âmbito supranacional4.

Portanto, na região, existe a proteção no âmbito nacional, proporcionada pelos Estados constantes na região, assim como proteção internacional, primordialmente abarcada pelo Pacto de San José da Costa Rica e pela existência do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, porém as experiências de conformação jurídica do Mercosul e da Comunidade Andina não permitem compreender um âmbito supranacional de proteção (Alvarado, 2013). Demais disso, Urueña (2014, p. 19) afirma que inúmeras tentativas foram realizadas para alcançar este âmbito e a proporcionar uma experiência de proteção em quatro níveis, porém são vários os problemas para conseguir implementar este quarto âmbito de proteção5.

Como percebido acima, a argumentação do autor é frente uma proteção multinível vertical, não conformando diretamente tal proteção perante organizações sociais e associações regionais e, portanto, acredita-se que esta proteção multinível é também alcançada em nível horizontal, ou seja, à garantia dos direitos humanos mediante a resistência de lideranças locais, e esta dupla conformação, nos termos expostos, merece guarida à conclusão deste trabalho. Estas garantias, em diferentes níveis, não são estanques, portanto, mas sim complementares, possibilitando uma proteção mais ampla e possivelmente mais completa dos direitos humanos.

Partindo da argumentação de ausência de um âmbito de proteção na América Latina, Urueña (2014, p. 22) afirma que alguns comentaristas entendem o processo de integração latino-americano como jovem e recente, argumentando que, com tempo suficiente para tanto, haverá uma proteção comunitária de direitos humanos na região, entretanto o autor discorda, tendo em vista que pensar desta forma parece presumir um único caminho possível de integração: a proteção de direitos humanos em quatro níveis, tal como o modelo europeu o concebe e, ao entender desta única maneira, estaria sendo mantida e reiterada a tradição de dominação europeia de dizer e responder os problemas latino-americanos.

Neste sentido, "não está predeterminado [...] proteção supranacional dos direitos humanos [...] na América Latina - e não há nada inerente lamentável neste fato" (Urueña, 2014, p. 23), portanto, não significa dizer que os estágios externos (fora do âmbito estatal-interno) são suficientes e garantirão superioridade de proteção de direitos humanos comparados aos outros níveis e, por conseguinte, a articulação da jurisdição constitucional com o Sistema Interamericano de Direitos Humanos apontam desafios constantes de proteção humanista, em busca de fortalecimento e efetividade das normas jurídicas de aporte em direitos humanos.

A proteção em diferentes níveis significa diversos âmbitos de atuação em defesa das intervenções em prol de direitos humanos, ou seja, a articulação protecionista deve ser realizada em esferas (local, nacional, comunitária/supranacional e internacional), por fim habilitando o exercício de resistência aportado na ordem constitucional democrática brasileira frente garantia de direitos.

A proteção multinível, enquanto facilitadora do acesso à justiça e aos direitos fundamentais, é importante alternativa para se pensar a formação de uma rede de proteção em torno dos Defensores de Direitos Humanos. No âmbito nacional, ferramentas como o Recurso Extraordinário e o Controle Difuso de Constitucionalidade podem retirar um caso de ameaça de morte do "anonimato" e mostrá-lo ao Brasil todo, colocando-o sob julgamento do STF. Em nível externo, pode-se pensar na ascensão ao SIDH que dá grande visibilidade e pode gerar uma política pública, através do constrangimento estatal. De uma forma ou de outra, a proteção multinível pode ajudar significativamente no combate aos processos de violência contra DDHS (Arruda, Benassuly, & Santos, 2015, p. 164).

Como visto, os quatro estágios são compreendidos a uma ampla proteção de direitos humanos, também abarcando a compreensão horizontal de proteção e, nesta senda, ressaltar a relevância de atuação de movimentos sociais locais para a salvaguarda de direitos possivelmente violados. Por logo, demonstra-se a importância do nível subnacional em sentido horizontal ao interpretar o papel cívico ativo das próprias comunidades locais à proteção de seus direitos.

Por fim, o grande potencial de uma argumentação de direitos humanos pautado em proteção multinível é permitir e perseguir uma atuação que alcance diferentes níveis concomitantes a alcançar a preservação e garantia de direitos, pressupondo dialogicidade e interação entre esferas, extremamente necessária para a compreensão de determinada situação de violação. A escolha do referencial teórico do trabalho se encaixa nesta justificativa, por ser uma argumentação atinente a considerar a relação complementar entre os níveis de proteção, que permite a análise do caso das quebradeiras de coco babaçu através do nível subnacional como igual efetivador de políticas de proteção de direitos humanos, não necessariamente precisando alcançar instâncias verticais superiores para efetivá-los.

Portanto, há necessidade de permanente diálogo entre os diferentes níveis e consequente inserção da importância teórica e prática do nível subnacional, por ser mais próximo a compreender a realidade do problema e podendo conferir resposta tão efetiva quanto ao alcance da jurisdição estatal, sem os entraves e dificuldades de acesso à justiça expostos por Cappelletti e Garth (1988), tal como se relacionará em atenção à dinâmica da proteção multinível no Brasil e o caso das quebradeiras de coco babaçu.

 

O exemplo do caso das quebradeiras de coco babaçu e relevância da proteção em nível subnacional

A apresentação da formação de conflitos na Amazônia e sua relação à necessidade de proteção de direitos humanos em nível regional/local demonstram a relevância ao caso das quebradeiras de coco babaçu como exemplo de resistência, pela demonstração de avanços jurídico-sociais para além da atuação sancionatória judicial. É um caso que compreende todo o histórico de exploração desenvolvimentista inicialmente descrito, assim como demonstra a relação da proteção multinível de direitos humanos supramencionada.

Portanto, pelo caso, percebe-se a relevância da proteção em nível subnacional ao ser verificada a atuação jurídica e política de lideranças regionais, via mobilizações sociais dentro de uma afirmação de direitos territoriais coletivos como unidade de mobilização. No caso das quebradeiras, em defesa da construção de sua identidade marcada pelo uso do território por formas particulares de organização, a atividade de coleta e quebra do coco babaçu tornou-se um movimento de efetiva resistência, correspondendo o conhecimento tradicional vivido (Porro, 2012, p. 72).

São mulheres trabalhadoras rurais que vivem em função da extração do babaçu, cujo processo de luta é marcado pela batalha contra pecuaristas que construíram cercas em torno das áreas de incidência da palmeira, impedindo a coleta, assim como criadores de gado transformaram os babaçuais em áreas de pasto, ou seja, fazendeiros, pecuaristas e empresas agropecuárias cercaram as terras com autorização e incentivo público estadual e federal. Obtêm seu sustento coletando e quebrando frutos de babaçu para extrair suas as amêndoas, que serão consumidas ou vendidas a indústrias por seu óleo; o mesocarpo é utilizado para processamento da farinha e o endocarpo para a produção de carvão (Veiga, Porro, & Mota, 2011).

Dentro desta compreensão de trabalho comum, realizam coleta e quebra de coco babaçu e atividades correlatas de beneficiamento do fruto, corroborando o debate sobre povos, populações e comunidades tradicionais, cuja concepção de territorialidade, segundo Shiraishi Neto (2006) invoca reivindicações de permanência na terra, pela conexão existencial, física e imprescindível à construção de sua identidade coletiva, justamente pelo vínculo particular com a natureza (Araújo Junior, Dmitruk, & Moura, 2014).

Inicialmente, houve uma condução de políticas governamentais voltadas à utilização e exploração das áreas correspondentes a babaçuais e, consequentemente, aos frutos da palmeira de babaçu, permitindo que empresas derrubassem milhares de hectares em prol do famigerado desenvolvimentismo. Segundo Mesquita (1999), o fluxo de comercialização do babaçu seguia o seguinte padrão: extração e produção agroextrativista à pequenos intermediários (atravessador) à médio ou grande intermediário (comerciante) à indústria nacional, sendo mantido até o recrudescimento do movimento das quebradeiras.

Conforme Reis (2008), foi a partir da década de 1950 que houve incentivo para migrar ao Maranhão, conhecida como fase industrial ou extrato-indústria da cultura do babaçu, marcando um período de estudos técnicos sobre o desenvolvimento da região. Em 1957, o Governo Federal, via Decreto no 41.150, criou o Grupo de Estudos do Babaçu visando angariar sugestões para o desenvolvimento da exploração, tendo em vista a riqueza que o poder público poderia obter pelo aproveitamento do fruto. "Nessa década, o capital internacional perdeu a relevância nos projetos da região, as indústrias nacionais apropriaram-se da produção local, e a estrutura de produção continuou a operar em bases tradicionais" (Ayres Júnior, 2007 citado por Araújo Junior et al., 2014, p. 132). Na década de 1970, por conseguinte,

[...] essas referidas políticas territoriais governamentais de maior impacto na vida camponesa, podem ser caracterizadas pela efetivação de ações voltadas objetivamente para o incentivo fiscal de projetos agropecuários. A chamada "Lei Sarney", por exemplo, na verdade a Lei Estadual de Terras nº 2979, de 17 de julho de 1969, contribuiu muitíssimo para o avanço da pecuária no Maranhão, pois foi a legitimadora da distribuição de milhares de hectares de terras públicas a particulares (Rêgo, & Andrade, 2006, p. 48).

Como marco das relações entre extrativistas e proprietário de terra, a Lei Sarney influenciou diretamente o incentivo à pecuária no Estado do Maranhão, uma continuidade ao I Plano de Governo (1968) e o Novo Zoneamento do Estado do Maranhão (1969), sendo que esta década é marcada pela queda da produção de amêndoas e pela diminuição do espaço do babaçu na economia local e nacional.

Desde a formação do campesinato nesta região a qual pertencem as quebradeiras, a territorialidade e os babaçuais eram considerados recursos de uso comum, sendo as práticas sociais do grupo delineadas pela cultura historicamente estabelecida, logo "esses limites não era[m] necessariamente garantido por meios formais, mas por formas de apropriação por meio do trabalho executado no processo de assituamento, ou ocupação pioneira" (Porro; Mota; Schmit, 2010, p. 114).

A dificuldade de uso comum nestes preceitos campesinos duela com um mercado desenvolvimentista que opera segundo outros princípios. Tendo em vista que a produção de amêndoas de babaçu teve pico de 250.000 toneladas na década de 1980 (IBGE citado por Porro et al., 2010, p. 115), o interesse econômico voltou seus olhos à região e, neste contexto, o movimento das quebradeiras tem sido relevante.

Todavia, é apenas na década de 80, com o apoio da Igreja Católica, que começam a surgir iniciativas de transformação social vinculadas à designação de quebradeira de coco babaçu. Em 1991, com o apoio dessa igreja, dos sindicatos locais, de ONGs e de agências de cooperação, as quebradeiras se reúnem pela primeira vez, identificando-se publicamente como Quebradeiras de Coco Babaçu e reivindicando direitos específicos. A formalização de sua organização social, como Associação do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu, ocorre em São Luís do Maranhão, em 2002 (Porro et al., 2010, p. 115).

Com a sujeição das quebradeiras à força das práticas abusivas de fazendeiros e outros grupos, a reivindicação de direitos comumente era restringida, inclusive em áreas públicas, demonstrando uma clara violação aos direitos humanos correlatos ao caso e relativos à dimensão do conceito de territorialidade, surgindo interesse da Comissão Maranhense de Direitos Humanos, Comissão Pastoral da Terra, Coordenadoria Ecumênica de Serviço, a Comissão Pastoral da Terra, Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Maranhão (Fetaema) e dos sindicatos rurais pela situação vivenciada.

A apropriação das terras gerou conflitos de famílias camponesas maranhenses, "o clima de tensão é majorado com a formação da consciência política. Ao se identificarem dentro de um grupo específico (de classe e gênero) [...] passam a lutar contra a centralização fundiária e a acumulação incontrolável de riquezas naturais" (Araújo Junior et al., 2014, p. 137), especificamente pela redução brusca do estoque de terras disponível à agricultura camponesa e ao extrativismo na década de 1990.

Neste período, com base em uma economia globalizada, várias redes de comercialização e escoamento do babaçu foram fechadas e muitas quebradeiras não conseguiram escoar a produção, já dificultada pela devastação dos babaçuais provocada pela atuação de grileiros e pecuaristas extensivos. Frente à necessidade de adaptação a novos contextos, é importante ressaltar o fortalecimento de organizações regionais.

Nesse panorama, surgiram algumas organizações e outras foram fortalecidas [...] participando diretamente e tomando a frente em processo de mobilização e conflito. [...] Outras organizações foram criadas e tiveram como base a participação e direção das quebradeiras de coco babaçu [...]. Além da articulação políticas [sic] com outras dezenas de entidades religiosas e representantes de Trabalhadores Rurais. A ASSEMA, criada em maio de 1989, é uma entidade que surge com o intuito de desenvolver atividades de apoio à pequena produção local e às famílias produtoras, através, principalmente, de acompanhamento técnico-agrícola, de estabelecimento de créditos e de políticas específicas voltadas ao fortalecimento da produção. Essa Associação aglutina várias outras entidades através de uma associação coletiva de cooperativas de pequenos produtores, de associações comunitárias de áreas de assentamento, de sindicatos de trabalhadores rurais e associações de mulheres trabalhadoras rurais (Rêgo, & Andrade, 2006, p. 49-50).

Além disso, procurando demarcar seu espaço de luta, o enfrentamento dessas famílias que dependiam da extração do babaçu se deu com a criação, pela Associação em Área de Assentamento no Estado do Maranhão (Assema), da Cooperativa dos Pequenos Produtores Agroextrativistas de Largo do Junco, em 1991, que possibilitou um processo produtivo que viabilizasse a comercialização dos produtos agroextrativistas. Por conseguinte, foram criadas as cantinas, um espaço destinado próprio de trocas de gêneros alimentícios à compra de amêndoas de babaçu e a administração realizada pelas próprias famílias camponesas, excluindo a figura de um "atravessador" dentro do processo de comercialização. Neste sentido, o processo produtivo foi completamente alterado, fortalecendo a organização institucional e associação do movimento à exploração do babaçu6.

Há, ainda, dentre as atividades e articulações relativas à organização da produção no Médio Mearim, a Fábrica de Papel Reciclado em Lago dos Rodrigues e a Fábrica de Sabonetes em Ludovico, que possibilitam a produção e comercialização de produtos, tais como: óleo vegetal, papel reciclado com fibras vegetais e tintura natural, e o sabonete, que tem como matéria-prima o próprio óleo (Andrade, & Rêgo, 2006, p. 51).

Em setembro de 1991, mulheres de quatro estados da federação (Maranhão, Tocantins, Piauí e Pará7) se reuniram no l Encontro Interestadual de Quebradeiras de Coco babaçu, em São Luís, optando-se pela criação de um movimento próprio8. Sendo uma afirmação da resistência para a construção de uma identidade coletiva e manutenção de sua atividade econômica, surgiu o Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu, em 1995, que congrega organizações de Quebradeiras nos estados do Maranhão, Piauí, Tocantins e Pará e luta pelo direito à terra e à coleta do babaçu para trabalho e manutenção da natureza estável, também afirmando uma categoria profissional às quebradeiras. Dois anos depois, foi aprovada a Lei do Babaçu Livre, garantindo livre acesso e uso comum aos babaçuais, impondo restrições à derrubada de árvores.

Nesta senda, para pôr fim ao processo de devastação dos babaçuais e garantir o livre acesso e o uso comum das palmeiras, além da mobilização em organizações locais, o Movimento das Quebradeiras vem discutindo, desde a constituição, diversas formas para a garantia do acesso e do uso comum dos recursos naturais, conforme argumentado e, mesmo as dificuldades de aprovação legislativa para tal proteção, houve a aprovação da Lei no 05/1997 no Município de Lago do Junco, apontando o reconhecimento da atividade extrativista do babaçu como uma atividade livre no município. Por logo, demonstra a organização e a força política das mulheres quebradeiras.

Importante depreender as consequências jurídicas e sociais trazidas por esse movimento, pois estas mulheres passam a fazer parte ativamente de organizações com representatividade no cenário nacional e internacional, com capacidade de influência política e econômica, participando da formulação das leis e de outras questões fundiárias que a esses grupos concerne.

Por logo, o Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB) representa um instrumento vital de mobilização e de construção da identidade coletiva, identidade esta que se liga fortemente a preservação das áreas de babaçu, mas que ultrapassa o vínculo econômico, passando a ser parte da natureza e da construção social destas (vínculo identitário). Portanto, como avanços jurídicos e frente uma nova organização social interna, conseguiram promulgar inúmeras leis em defesa da atividade e proteção do território, assim como respeito à identidade territorial9.

Ainda assim, há uma série de dificuldades a serem transpostas, principalmente ao que se relaciona à dificuldade de competição com representantes de empresas carvoeiras e de plantações de eucaliptos, indústrias siderúrgicas, empresas de cosméticos e continuam os velhos adversários, tais como os fazendeiros pecuaristas, grileiros e empresas agropecuárias, fazendo-se imperioso uma regulação e proteção jurídica da própria atividade.

As relações em torno da extração do babaçu revelam-se agressoras de preceitos constitucionais como o valor social do trabalho (art. 1º, IV, CF/88), e a proteção aos conhecimentos tradicionais (art. 216, I e II, CF/88). Reconhecendo que a atividade das quebradeiras de coco do babaçu constitui uma atividade diferenciada sob o aspecto cultural e histórico, importa saber, neste momento, se há a necessidade/obrigação por parte do Poder Público em adotar condutas voltadas a proteger essa atividade (Araújo Junior et al., 2014, p. 147).

A mobilização das quebradeiras é, portanto, muito maior do que os limites das Casas e órgãos da Administração Pública, bem como da Academia, a voz é mais alta que as barreiras da própria comunidade, é necessário que a própria sociedade perceba o conflito, problematizando e construindo soluções que respeitem e protejam os direitos humanos a nível subnacional, demonstrando-se que essa realidade é tão importante quanto as demais dimensões de proteção dos direitos humanos de grupos vulnerabilizados.

 

A importância da clínica política de escuta como fortalecimento

Conseguintemente, esta atuação de fortalecimento e empoderamento da proteção de direitos humanos, demonstrada pelo caso das quebradeiras, justifica-se pela atuação conjunta ao método de escuta política como forma de construção de um panorama da situação dos defensores de direitos humanos (LEÃO, 2008), promovendo acesso ao sistema de garantia de direitos, nos diversos níveis, assim como divulgando seus saberes e práticas e combatendo uma possível vitimização e criminalização como sistemas de impacto.

Uma das potências da clínica política está em problematizar a ascendência do regime escuta-acolhimento-encaminhamento. [...] Não há dúvidas sobre a importância de que nossas práticas clínicas se voltem ao reconhecimento de violações em direitos, contudo, igualmente é fundamental sustentar que essa não constitui sua principal racionalidade, se para isso estiver atrelada à adesão irrestrita aos aparatos legais nacionais e internacionais de Direitos Humanos. Ações da clínica política frente aos organismos multilaterais de garantia de direitos constituem uma agenda ainda por compor, pois, de alguma maneira, esses aparatos nos ofertam segurança em face de algumas violações. Todavia, mostram-se frágeis, porque nem todas as violações serão por eles reconhecidas, já que se inserem nos jogos de forças desiguais entre os Estados-Nação (Lemos, Galindo, Bicalho, & Nascimento, 2015, p. 28).

Desta forma, considerar o sujeito enquanto ser político, produto e produtor da política compromete positivamente a circulação de saberes e de estratégias concretas que poderão ser apropriadas para as lutas presentes e futuras. "É uma contribuição marcante da psicologia social, comunitária, clínica, institucional e educacional" (LEMOS et al., 2015, p. 21).

A atuação em clínica política foca no dispositivo do testemunho e de escuta crítica, ultrapassando os espaços psicoterapêuticos tradicionais. Por logo, atua via dispositivos não deterministas e se relaciona bastante à transversalização do conhecimento, produzindo escutas, intervenções e compreensões de intersubjetividades deslocando a clínica para análise do tempo presente, com acontecimentos políticos e históricos concernentes.

Fica evidenciado que, ao falarmos de clínica, não remetemos à prática tradicional de consultório, apoiada em enquadramentos rigidamente construídos e que têm como pressupostos padrões de normalidade ou mesmo estruturas psíquicas universais. Nesse sentido, recusamos que o objeto da clínica fique restrito à realidade intrapsíquica, domínio das experiências interiores de um sujeito, fixo, regulado por princípios universais. Aqui o termo clínica se amplia para o exercício de práticas que fomentem atos de variação próprios dos processos de subjetivação [...]. Na articulação entre clínica e política, reconhecemos sua vocação dirigida à dissolução dos contornos da figura sujeito, constituída por suas regularidades, hábitos, em proveito da descoberta de outros modos de experimentar a vida. Nesse sentido, toda intervenção psicológica é essencialmente política [...], ao tomar a análise de implicações como um dispositivo para problematizar suas intervenções, a clínica afirma a condição política de sua prática e coloca em xeque os lugares instituídos pelas formas de subjetivação individualizantes, refratária às questões políticas e ao caráter heterogêneo e múltiplo dos diferentes modos de existência (Nascimento, & Tedesco, 2009, p. 10).

Nesse sentido, nota-se a importância da realização de práticas referentes às intervenções de uma clínica política que tenha como meta analisar criticamente os processos de subjetivação decorrentes dessa realidade, como pontua Josaida Gondar: "a clínica também é uma prática política a partir de um segundo vetor. É que orientada pelo desejo, ela visa a uma mudança. Um modo de ação e relação que pretende transformar a condição dos homens - eis uma definição que serve, ao mesmo tempo, para a clínica e para a política" (Gondar, 2004, p. 126).

No sistema brasileiro, falar em clínica política traz forte vinculação a movimentos sociais e comunidades, tendo em vista às práticas de violência e reflexões sobre modulações capitalistas. Atua na intercessão aos saberes populares, sociabilidades e resistências, sendo relacionada a contextos de cuidado, pesquisa-intervenção e ações de extensão. Neste sentido,

Somos convocados a refletir a inseparabilidade entre clínica e política. Em primeiro lugar pelo plano de indiscernibilidade que a sustenta e a define como ferramenta de análise crítica das normas instituídas pela lógica do biopoder e, ao mesmo tempo, instrumento de criação e de pluralização de formas de vida. E, em segundo lugar, por seu caráter pragmático, isto é, a inserção nos fatos do mundo, que a retira do plano das verdades absolutas e a obriga a lidar com as incertezas do mundo [...]. O trabalho clínico-político segue ágil na recepção de novos encaminhamentos de vida, novas linhas de criação de si e do mundo (Nascimento, & Tedesco, 2009, p. 8).

Na relação aos direitos humanos, como a violação vem acompanhada de difamação/demonização, criminalização e vitimização (Leão, 2008), é necessário alcançar uma partilha do sensível e inteligível, para que não funcione como dispositivos determinantes de polícia investigativa.

Precisamos ouvir relatos de violação de direitos e violências sofridas e potencializar uma clínica em que a atenção psicossocial ocorra juntamente com a produção de saberes e com a organização de coletivos, que fazem de seus testemunhos de vida dispositivos de resistência no cuidado de si e dos outros (Lemos et al., 2015, p. 26).

Mais sensível é esta relação porque a lógica atual de proteção de direitos humanos é falha em seu funcionamento, encaminhamento e reconhecimento, por isso a necessidade de chamado à clínica política para denunciar as violações exercidas ante e pelo sistema multilateral de garantias (Neri, 2005) e, neste sentido, foi buscada a proteção multinível como referencial teórico atinente a reconhecer o potencial da proteção subnacional horizontal, constituindo práticas protetivas que não estejam reféns de aparatos sistemáticos que entravam a efetiva garantia, que se coaduna perfeitamente à ampliação do acesso à política proposto por esta clínica.

Justamente esta é a pergunta a ser realizada: "Como trabalhar por clínicas que evitem o decalque dos aparatos institucionais e do chamado sistema de garantias de direitos humanos, ainda que com eles faça aliança?" (Lemos et al., 2015, p. 28). A análise deste trabalho demonstra o aspecto positivo de uma atuação multinível, que deve ser compatibilizada à potencialidade de atuação da clínica política nos casos de violação de direitos humanos na Amazônia, ainda muito próximos do contexto exploratório e desenvolvimentista iniciado no século passado.

Vale a pena a clínica política, na Amazônia, que não se enderece diretamente ao encaminhamento imediato de uma denúncia de violações e que não caiam em um exercício individualizante da psicologização e tipificação de uma queixa ou da escuta condescendente. Podemos aprender a diferir juntamente com o movimento dos rios, com o seu movimento contínuo de paragens e fluxos intensos; com os povos que lutam, mas igualmente riem juntos. A distância entre vida, clínica e política não é senão uma resultante abstrata (Lemos et al., 2015, p. 31).

Demonstra-se, então, a importância do caráter transdisciplinar de olhar um problema jurídico pelo viés da clínica política em relação à proteção multinível, tendo em vista ser implementada em diferentes níveis, inclusive dentro de movimentos sociais populares e reconhecidos a promover a participação social para proteção de direitos e liberdades fundamentais destes sujeitos ante a inexistência de um programa estatal de proteção de defensores de direitos humanos eficaz no Brasil.

Por logo, é a partir de um olhar marcado por um viés de reivindicação política e de crítica da realidade vivenciada, através de escuta clínica ampliada e participação dos grupos e movimentos sociais, que se possibilita transformar e construir novas maneiras de ser no mundo, favorecendo as práticas de resistência à dominação sofrida pelos integrantes de movimentos sociais e as lutas por concretização de direitos, argumentação extremamente cabível ao contexto amazônico de violações.

Afirmá-la como prática política não significa dizer que ela é sempre revolucionária, e sim que ela é necessariamente comprometida. Hoje, mais do que nunca, o biopoder e a produção padronizada da subjetividade são as formas pelas quais o capitalismo globalizado busca se espraiar e se perpetuar [...]. De uma maneira ou de outra, todos nós, clínicos ou não, estamos implicados em processos de produção subjetiva. A questão está em inventar modalidades clínicas de enfrentamento dos problemas políticos com os quais hoje nos deparamos, construindo saídas para a singularização num momento em que o socius trabalha, mais fortemente do que nunca, para esvaziar o potencial desejante das subjetividades, o seu potencial de crítica e de revolta (Gondar, 2004, p. 128-129).

O caso das quebradeiras de coco babaçu é um dos poucos que demonstram a salvaguarda da garantia de um direito resistido, tendo muita relação com a organização local dessas mulheres (demonstrativo da proteção multinível subnacional horizontal) e que se coaduna perfeitamente à necessidade de instituição de uma prática de escuta política nos casos de violação de direitos humanos na região.

 

CONCLUSÃO

A pesquisa argumentada prima por demonstrar a relação desenvolvimentista na Amazônia com a necessidade da compreensão de proteção de direitos humanos em nível subnacional e horizontal, afirmando-se um espaço para implementação de políticas locais e abertura (efetiva) de espaços políticos para as comunidades locais e movimentos sociais (dentro de um parâmetro de não-obrigatoriedade e liberdade de associação) na região amazônica. Por logo, não cabe responsabilizar tais grupos pela atuação, mas possibilitar acesso político para novas práticas em nível subnacional, por intermédio de escuta, inclusive aos casos de violação.

A abertura efetiva destes espaços se amolda a uma proposição de articulação dialógica e, neste sentido, cabe demonstração dos avanços trazidos pelo caso das quebradeiras de coco babaçu. Logo, o caso maranhense consegue demonstrar a resistência como manifestação da proteção de direitos humanos, um claro exemplo para os desafios impostos à violação que ocorre na região amazônica pela estratégia desenvolvimentista de formação e, consequentemente, a relação do caso com a proteção multinível de direitos humanos demonstra os benefícios trazidos pelo protagonismo das quebradeiras contra um movimento desenvolvimentista na região, abordando o aspecto positivo de uma dimensão subnacional da proteção, que perfeitamente se compatibiliza com a atuação em clínica política.

Ante o exposto, relacionamos a atuação das mulheres quebradeiras a um exemplo de atuação para as constantes violações de direitos humanos na Amazônia, tendo em vista a similaridade de contextos desenvolvimentistas e ruptura de paradigmas frente movimentos de resistência locais, dentro de um espaço de proteção em nível subnacional, assim como à necessidade de implementação de políticas de escuta para que novos exemplos sejam manifestados em similar compreensão.

Tendo em vista a necessidade de fortalecer a verticalidade do resultado desta pesquisa, resta nítida a compreensão da proteção de direitos em diferentes níveis, a importância da proteção em nível subnacional, a propagação de movimentos de resistência e a demonstração do alcance da clínica política, alicerçando uma política de proteção de direitos humanos para além da verticalidade estatal e da falha e econômica proteção jurídica, em contraposição ao histórico de luta das quebradeiras de coco babaçu.

 

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Endereço para correspondência:
João Gabriel Soares
jgabrielcsoares@htmail.com

Paula Arruda
paularruda_pa@yahoo.com.br

Submetido em: 26/02/2018
Revisto em: 23/07/2018
Aceito em: 11/08/2018

 

 

1 Apontando a crítica ao governo militar, Schmink e Wood (2012) dizem que a usurpação dos direitos indígenas e relevância dos casos yanomami e kayapó, a proteção internacional e formação de novas alianças desenvolvimentistas, a geopolítica verde, dentro das formas genéricas de resistência e frente uma linguagem distributiva de reforma agrária, formam um novo contexto histórico na região, com a disputa territorial por grupos com interesses diversos, por isso falar de multiplicidade de frentes. Neste ponto, contrastam a hegemonia de uma visão desenvolvimentista e a proteção ambiental de terras indígenas e defesa dos direitos de pequenos produtores.
2 Em relação ao âmbito internacional, é necessário reconhecer que a Amazônia estava e vem sendo divulgada através do desmatamento, das denúncias sobre morte de povos indígenas, tal como ocorreu com os yanomami, do avanço do garimpo para mineração do ouro e todos estes contextos passaram a ter uma relevância social negativa à região, resultando em uma clara contaminação contraditória entre a Amazônia indígena e a modernidade.
3 No âmbito subnacional, Urueña (2014, p. 17-18) relaciona com a hierarquia à ordem constitucional do país, quando legislações infraconstitucionais consagram direitos humanos; no âmbito nacional, seria o reconhecimento constitucional em si, as garantias revestidas como direitos fundamentais que em muito devem ser condizentes com os direitos humanos reconhecidos internacionalmente; no âmbito supranacional, fala da expansão jurisprudencial do Tribunal de Justiça da União Europeia e consagração da Carta de Direitos Fundamentais, conjugando suas forças à defesa dos direitos humanos e; no âmbito internacional, o foco é o Sistema Europeu de Direitos Humanos, cuja proteção se dá através da competência judicante da Corte Europeia de Direitos Humanos, competente apreciar os casos de violação a direitos humanos.
4 Em verdade, a adoção de um sistema neste sentido foi viabilizada, mas recusado por acharem que a sua criação seria contraproducente à atuação já realizada no Sistema Interamericano de Direitos Humanos, acabaria inutilizando o trabalho, portanto.
5 Na experiência do Mercosul, a Carta de Direitos Humanos não avançou e os inúmeros documentos de cooperação intergovernamental na região não conseguem efetivamente criar um sistema de proteção supranacional, tais como a Reunião de Altas Autoridades na área de Direitos Humanos (RAADH), ou seja, não há um sistema comunitário de direitos humanos no Mercosul, a vincular tanto os Estados quanto a organização internacional. Em similar ideia, a Comunidade Andina não consegue abordar também um sistema de proteção supranacional de direitos humanos. Ao passo desta ideia, já existiu um caso submetido ao Tribunal Andino, porém este foi declarado incompetente por força do Estatuto Geral do Parlamento Andino, assim como já houve esforço para um documento significativo na defesa de direitos humanos na região, mas a Carta Andina para a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos é muito mais um acordo entre os Estados-membros e nem sequer possui força vinculante, sendo instrumento de soft law para promoção de direitos humanos, não havendo qualquer vinculação de proteção nem conseguindo alcançar um sistema supranacional.
6 O artigo "A Lei do Babaçu Livre: uma estratégia para a regulamentação e a proteção da atividade das quebradeiras de coco no Estado do Maranhão" demonstra, em números, a viabilidade econômica do extrativismo do babaçu através das mudanças no modo de produção, somente possíveis pela necessidade de reorganização especial de lutas para alcançar um novo paradigma de exploração mais horizontal e sustentável.
7 A história de resistência do babaçu necessitou de uma organização em seis regionais: no Mearim, uma na Baixada Maranhense, uma em Imperatriz; no Piauí, na cidade de Esperantina; no Pará, em São Domingos do Araguaia; e no Tocantins, em São Miguel do Tocantins.
8 Dois anos depois, ocorreu o segundo encontro, cujos objetivos eram a constante luta pelo babaçu livre e reforma agrária, assim como alternativas econômicas, sociais, políticas e ambientais para a exploração econômica dos babaçuais. Por fim, somente em 1995, dentro do terceiro encontro, que o movimento foi denominado, com registro jurídico feito em 2001.
9 Ressalta-se que o Ministério Público, na cidade de São José dos Basílios, tem tido atuação ativa nas demandas que envolvem a preservação dos babaçuais e da manutenção do acesso livre das quebradeiras de coco, bem como na preservação dos recursos hídricos e agroextrativistas e na regularização da situação fundiária. Demais disso, outros municípios maranhenses vêm editando leis municipais para proteção da atividade das quebradeiras, tal como a Lei n 32/99 de Lago dos Rodrigues, Lei n 255/1999 de Esperantinópolis, Lei n 319/2001 de São Luiz Gonzaga, Lei n 1.084/2003 de Imperatriz, Lei n 466/2003 de Lima Campos, entre outras (Araújo Junior et al., 2014, p. 142).

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