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Arquivos Brasileiros de Psicologia

On-line version ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. vol.71 no.2 Rio de Janeiro May/Aug. 2019

http://dx.doi.org/10.36482/1809-5267.ARBP2019v71i2p.6-23 

ARTIGOS

 

Esquema narrativo de histórias, seus correlatos cognitivos e compreensão leitora

 

Narrative scheme, its cognitive correlates and reading comprehension

 

Esquema narrativo de historias, sus correlatos cognitivos y comprensión lectora

 

 

Paula Bandeira DiasI; Jane CorreaII; Rosinda Martins OliveiraIII

IMestre. Programa de Pós-graduação em Psicologia. Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Rio de Janeiro. Estado do Rio de Janeiro. Brasil
IIDocente. Programa de Pós-graduação em Psicologia. Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Rio de Janeiro. Estado do Rio de Janeiro. Brasil
IIIDocente. Instituto de Psicologia. Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Rio de Janeiro. Estado do Rio de Janeiro. Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Aspectos estruturais característicos dos tipos textuais propiciam a leitura estratégica voltada à compreensão. São apresentados dois estudos: o primeiro examina a relação entre conhecimento de esquema narrativo e compreensão leitora em 65 crianças (4º e 5º anos), e o segundo investiga correlatos cognitivos do domínio do esquema narrativo em 22 crianças (4º ano). Os mais habilidosos em conhecimento de narrativa (questionário) alcançaram melhor compreensão leitora (Técnica de Cloze). Habilidades executivas de alto nível (QI Execução WASI e seus subtestes) correlacionaram-se com a identificação do desfecho da história. Não houve correlação do conhecimento de esquema narrativo com funções executivas básicas (Índice Memória Operacional WISCIV e Stroop), ou com habilidades verbais (QI Verbal WASI e seus subtestes). Conhecer a estrutura textual pode facilitar dirigir atenção para informações cruciais do texto e estabelecer relações entre elas, através de funções executivas de alto nível.

Palavras-chave: Funções Executivas; Narrativa; Compreensão de Leitura.


ABSTRACT

Structural aspects characteristic of textual types provide strategic reading towards comprehension. Two studies are presented: the first examines the relationship between knowledge of narrative scheme and reading comprehension in 65 children (4th and 5th years), and the second investigates cognitive correlates of the domain of narrative scheme in 22 children (4th year). The most skilled children in narrative knowledge (questionnaire) achieved better reading comprehension (Cloze technique). High-level executive skills (WASI Execution IQ and subtests) were correlated with the identification of the outcome of the story. There was no correlation of knowledge of narrative scheme with basic executive functions (WISCIV and Stroop Operational Memory Index) or verbal skills (WASI Verbal IQ and subtests). Knowing the textual structure can facilitate directing attention to crucial information in the text and establishing relationships between them through high-level executive functions.

Keywords: Executive Functions; Narrative; Reading Comprehension.


RESUMEN

Los aspectos estructurales característicos de los tipos textuales propician la lectura estratégica orientada a la comprensión. Se presentan dos estudios: el primero examina la relación entre conocimiento de esquema narrativo y comprensión lectora en 65 niños (4º y 5º años), y el segundo investiga correlatos cognitivos del dominio del esquema narrativo en 22 niños (4º año). Los más hábiles en conocimiento de narrativa (cuestionario) alcanzaron mejor comprensión lector (Técnica de Cloze). Habilidades ejecutivas de alto nivel (QI Ejecución WASI y subpruebas) se correlacionaron con la identificación del desenlace de la historia. No hubo correlación del conocimiento de esquema narrativo con funciones ejecutivas básicas (Índice Memoria Operacional WISCIV y Stroop), o con habilidades verbales (QI Verbal WASI y subpruebas). Conocer la estructura textual puede facilitar dirigir atención a informaciones cruciales del texto y establecer relaciones entre ellas, a través de funciones ejecutivas de alto nivel.

Palabras clave: Funciones Ejecutivas; Narrativa; Comprensión de Lectura.


 

 

Introdução

A leitura implica a interação entre autor e leitor na busca de atribuição e apropriação de sentido, o que exige do leitor esforço que perpassa o conhecimento da superfície linguística do texto (Marcuschi, 2008). Para compreender o texto escrito, faz-se necessária uma leitura eficiente, estabelecida a partir do desenvolvimento de estratégias que auxiliem na construção da compreensão, com ajustes a partir do tipo de texto e de informação que o leitor deseja obter (Coelho, & Correa, 2010; 2017).

Durante a leitura, o leitor busca identificar as proposições existentes no texto, construindo inter-relações entre as ideias em uma estrutura mais global (Kintsch, & Dijk, 1978). Assim, o processamento do texto envolve a construção de um modelo mental que é sucessivamente atualizado durante a leitura (Coelho, & Correa, 2010; Kintsch & Rawson, 2013).

Para atingir este objetivo, são mobilizados diversos recursos cognitivos, como habilidades verbais básicas (por exemplo: decodificação, vocabulário) e de alto nível (por exemplo: inferência e monitorização de compreensão), além de funções executivas (memória de trabalho, controle inibitório planejamento, por exemplo) (Gough, & Turner, 1986; Coelho, & Correa, 2010, 2017; Kendeou, Van Den Broek, Helder, & Karlsson, 2014; Perfetti, & Stafura, 2014).

A compreensão de leitura tem sido relacionada, ainda, a características do texto e, mais precisamente, ao conhecimento e uso destas, por parte do leitor (Kendeou et al., 2014). Os tipos textuais, como a narrativa, por exemplo, possuem características e estruturas particulares. A narração é um tipo textual, caracterizado por apresentar uma sequência de fatos, reais ou imaginários, em que os personagens atuam em determinado lugar no decorrer de um tempo (Marcuschi, 2008). A narrativa prototípica é composta por uma sucessão cronológica de acontecimentos, personagens, apresentação de situação-problema, finalizada na resolução do conflito. Assim, segue uma ordem temporal que organiza, referencia e recaptura informações (Silva, & Spinillo, 2000).

Na infância, a narrativa de histórias é o tipo textual mais frequente e o conhecimento da sua estrutura, presente desde cedo (Applebee, 1978), se aprimora, especialmente durante os primeiros anos escolares (Stein, & Glenn, 1979; Faggella-Luby, Drew, & Schumaker, 2015). Oakhill e Cain (2012) mostraram que esta variável, medida no 3º ano do ensino fundamental, foi preditora da compreensão leitora no 6º ano, independente do efeito autorregressivo da compreensão leitora. O valor preditivo do domínio do esquema narrativo em relação a compreensão leitora também foi verificado por Language and Reading Research Consortium e Logan (2017) com alunos de 3º ano.

De forma análoga, o domínio do esquema narrativo discrimina leitores mais e menos habilidosos em termos de compreensão. Os menos habilidosos têm maior dificuldade em identificar o tema principal, assim como em dizer o tipo de informação trazida por elementos da narrativa tais como título, começos e finais típicos (Cain, 1996). Medidas de conhecimento do esquema narrativo, baseadas na produção escrita, também discriminam leitores com maior e menor habilidade de compreensão (Yuill, & Oakhill, 1991; Cain, 2003).

Em consonância com os estudos de desenvolvimento, crianças com e sem dificuldade de aprendizagem instruídas acerca da estrutura de história narrativa, relembraram mais informações lidas, e responderam a mais perguntas sobre seus elementos estruturais (Idol & Croll, 1987; Boon, Paal, Hintz, & Cornelius-Freyre, 2015). Em vários estudos, este tipo de ensino tem efeitos significativos e, em muitos casos duradouros e generalizados, sobre a compreensão leitora (Johnson, Graham, & Harris, 1997; Faggella-Luby, Drew, & Schumaker, 2015).

Tem sido proposto que a estrutura de história acessível ao sujeito serviria como um esquema para organização e integração da compreensão de informações durante a construção da representação mental do texto narrativo, assim como para guiar a escrita de uma história desse tipo (Flaggella-Luby, 2015). O conhecimento prévio dessa estrutura direcionaria a atenção para os elementos principais da história, facilitando sua identificação (Boon et al., 2015) e utilização na elaboração de inferências (Kendeou et al., 2014). Assim, em termos teóricos, os efeitos do conhecimento e uso da estrutura de história pelos leitores sobre a compreensão têm sido relacionados com as habilidades de linguagem e processos cognitivos de alto nível envolvidos na leitura, como a elaboração de inferências e as funções executivas de planejamento e uso de estratégias. Alguns autores os relacionam com a consciência metatextual (Spinillo, Mota, & Correa, 2010). Conquanto estas interpretações façam sentido com as teorias vigentes, há carência de evidências mais diretas que as fundamentem.

No Português Brasileiro, o reconhecimento da estrutura da narrativa tem sido, com mais frequência, associado ao desempenho das crianças na produção e reconto oral e escrito de histórias (Spinillo, & Pinto, 1994; Spinillo & Martins, 1997; Brandão, & Spinillo, 2001; Meirelles, & Spinillo, 2004; Costa, & Boruchovitch, 2008; Ferreira, & Correa, 2008; Santos, & Barrera, 2015). No entanto, apenas mais recentemente, alguns estudos brasileiros têm mostrado correlações entre compreensão leitora e conhecimento de estrutura textual, utilizando medidas de consciência metatextual, como ordenação de figuras que formam uma história (Barboza, 2014) e o Questionário de Consciência Metatextual (Cunha, & Santos, 2015; Santos, Ferraz, & Rueda, 2018).

Finalmente, a relação entre o conhecimento dos elementos da estrutura de história narrativa, tomados individualmente e a compreensão de leitura ainda é pouco conhecida. Os estudos que medem o domínio da estrutura de história indicam diferentes níveis de dificuldade para a compreensão dos seus vários elementos, sendo o desfecho da história o mais difícil de ser estabelecido, por exemplo, na produção de texto pela criança (Spinillo, & Martins, 1997; Ferreira, & Correa, 2008). É possível que o domínio de diferentes elementos da narrativa contribua de modo específico para a compreensão leitora.

O presente trabalho é constituído de dois estudos acerca do reconhecimento do esquema narrativo de histórias por crianças. O primeiro estudo tem como objetivo principal investigar a relação entre a compreensão da estrutura de história, assim como de seus elementos individuais, e a compreensão leitora. O segundo estudo visa descrever os correlatos cognitivos do reconhecimento da estrutura prototípica da narrativa de história por crianças.

Estudo I: O conhecimento da estrutura prototípica da narrativa de histórias e a compreensão de texto

O presente estudo procura examinar as diferenças em termos de compreensão leitora, entre crianças mais e menos habilidosas na identificação dos elementos da estrutura prototípica de histórias. Além disso, avalia a dificuldade relativa dos vários elementos do esquema narrativo para essas crianças.

 

Método

Participantes

Da primeira parte desse estudo, derivado do projeto de pesquisa Desenvolvimento da Compreensão Leitora em crianças, aprovado em dezembro de 2016 pelo CEP-CFCH, sob o número 1.871.102/2016, participaram 31 crianças do 4º ano do Ensino Fundamental e 34 crianças do 5º ano do Ensino Fundamental de uma escola privada comunitária que atende a Comunidade de baixa renda na região do centro da cidade do Rio de Janeiro. A faixa etária das crianças no 4o ano é de 9 a 10 anos (M = 9 anos e 1 mês, DP = 5 meses) e, para o 5º ano é de 10 a 11 anos (M = 10 anos e 2 meses, DP = 6 meses). Os participantes não possuíam histórico de dificuldades de aprendizagem ou quaisquer transtornos associados. Os responsáveis assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Tarefas

Domínio da estrutura de narrativa

Três histórias foram selecionadas com a participação das professoras a partir de livros de histórias infantis. "Passeio no céu" - 213 palavras (Miranda, Mendes, & Richael, 2004), "A Sementinha Bailarina" - 292 palavras (Souza, 2006) e "O caboclo, o Padre e o Estudante" - 221 palavras (Cascudo, 1967). Todos os textos possuíam, ao final, um glossário com definição de palavras pouco frequentes ou de expressões regionais.

Após a leitura de cada texto, era entregue às crianças um conjunto de perguntas abertas, referentes a aspectos estruturais da narrativa de história, relacionadas a onde e quando a história aconteceu, aos personagens principais, à situação-problema e à resolução da história. As perguntas foram as mesmas para cada história. Para cada texto e perguntas foram estabelecidos crivos de correção. Foi calculada a média para cada elemento do esquema narrativo, a partir do desempenho nos três textos.

No primeiro dia de realização da tarefa para avaliação do domínio do esquema narrativo, as professoras foram orientadas a apresentar oralmente à turma o questionário sobre os elementos da narrativa. As questões foram explicadas uma a uma, de forma padronizada, de forma que as crianças pudessem compreender o objetivo de cada pergunta, conforme explicitado abaixo:

a) Onde a história aconteceu?

Aqui vocês responderão o lugar onde a história aconteceu. Por exemplo, pode ser na casa de alguém, na praia, na escola, em um restaurante, em outro país... Enfim, o lugar onde aconteceu. Escrevam algo assim: A história aconteceu na praia... A frase toda.

b) Quando a história aconteceu?

Aqui vocês responderão quando a história aconteceu. Por exemplo, aconteceu de dia, de noite, quando o personagem era pequeno, ontem... Enfim, quando aconteceu. Sempre respondam todas as perguntas com a frase toda e não só uma palavra ou duas, como 'ano passado'. Escrevam algo assim: A história aconteceu no ano passado...

c) Quem eram os personagens principais da história?

Aqui vocês dirão que pessoas, animais ou coisas eram os personagens mais importantes da história. Em geral pensamos que personagens são só pessoas, mas existem histórias em que animais ou coisas são os personagens. Vocês já devem ter lido histórias em que um livro ou mesmo a lua é um personagem e que até fala como se fosse gente. Pode ter um personagem mais importante ou mais de um. Por exemplo, em uma história sobre dois irmãos e de como eles brigavam o tempo todo, os personagens mais importantes podem ser os dois irmãos.

d) Qual foi o problema (a situação) da história?

Nas histórias sempre acontece alguma coisa com os personagens, uma situação, um problema. Por exemplo, o João foi comprar pão e descobriu que não tinha levado dinheiro. Ou o cachorro Totó estava com fome e ficou triste ao descobrir que não tinha nada em sua vasilha de comida. Esses são exemplos de problema de histórias. Vocês devem responder esta pergunta descrevendo o problema ou situação da história.

e) O problema foi resolvido? Explique.

De novo tem que responder sim ou não e explicar se o problema foi resolvido ou não. No exemplo do João do qual falamos no item anterior, se deu tudo certo, você poderia responder que sim, o problema foi resolvido pois ele voltou, pegou o dinheiro em casa, comprou o pão e ainda chegou a tempo na escola....

Avaliação da compreensão de leitura

A tarefa Cloze avalia a habilidade da compreensão leitora a partir da relação entre a leitura do texto e o processamento realizado pelo ledor durante a leitura (Coelho, & Correa, 2017). O texto utilizado para a realização da tarefa de Cloze foi "O Campinho" (Spinillo, & Mahon, 2007). O texto em questão possui 346 palavras distribuídas ao longo de 30 linhas. Foi retirado cada 5o vocábulo do texto, a partir da segunda frase, totalizando 68 lacunas (Suehiro, & Borucovitch, 2016). As crianças tiveram que preencher as lacunas com palavras que pudessem conferir sentido ao texto.

Para a correção da tarefa, levou-se em consideração a coerência textual, não sendo necessário o emprego da palavra que consta do texto original (Suehiro, & Borucovich, 2016). Tal correção foi escolhida por favorecer as habilidades contextuais para a tomada de decisão na escolha da palavra. O não preenchimento de uma lacuna ou o seu preenchimento com um conteúdo não pertinente foram considerados erros. Não foram computados como erros palavras escritas com transgressões ortográficas. O escore nessa tarefa foi o número total de acertos. Todas as respostas foram pontuadas por dois juízes e o coeficiente de confiabilidade alfa de Cronbach obtido foi de 0,87.

Procedimentos

A realização das avaliações ocorreu no próprio espaço físico da escola durante o turno escolar, como atividade pedagógica, em sala de aula, individualmente. Inicialmente foi realizada a tarefa Cloze. Nos dias subsequentes foram realizadas as tarefas de conhecimento de esquema narrativo, não sendo realizadas duas avaliações na mesma data. O tempo de aplicação entre um texto e outro variou, mas da aplicação do primeiro ao último texto demorou duas semanas.

A Tarefa Cloze foi realizada em sala de aula pelas pesquisadoras. Foi dito às crianças que um texto seria entregue a elas e que palavras do texto estariam faltando, sendo o exercício delas completar os espaços em branco com palavras e/ou expressões que dessem sentido ao texto. Não foi limitado o tempo de realização da tarefa, sendo dado a criança o tempo necessário para realização.

As professoras de cada turma conduziram as tarefas de avaliação de esquema narrativo, tendo recebido, previamente, orientações sobre como proceder com cada atividade. No primeiro dia de realização da tarefa, as professoras foram orientadas a apresentar oralmente à turma o questionário sobre os elementos da narrativa. As questões foram explicadas uma a uma, de forma que as crianças pudessem compreender o objetivo de cada pergunta.

Finalizada essa etapa, as professoras entregaram o texto às crianças, orientando-as a lê-lo silenciosamente. Foi lembrado às crianças que as perguntas do questionário seriam respondidas ao final sem o apoio do texto. O intervalo para leitura variou entre 10 e 15 minutos. Depois de lidos, os textos foram devolvidos ao professor que, só então, entregou o questionário impresso para ser respondido pelos alunos. O mesmo procedimento foi repetido com os dois textos seguintes.

 

Resultados

A avaliação do conhecimento das crianças acerca do esquema narrativo de história foi realizada por meio da proporção dos acertos obtidos pelas crianças nos três textos apresentados para cada um dos elementos constitutivos avaliados (Tabela 1).

Não houve dificuldade por parte das crianças na identificação do personagem principal das histórias. Como houve 100% de acerto neste item da tarefa, a identificação do personagem não será incluída em qualquer análise estatística.

Inicialmente, a dificuldade relativa no reconhecimento dos diferentes componentes do esquema narrativo foi examinada para cada série separadamente. De maneira geral, os resultados do teste de Friedman revelam diferenças significativas na identificação dos outros componentes do esquema narrativo, tanto para as crianças do 4o ano (x2= 33,59, df = 3, p 0,01), como para as do 5o ano (x2= 38,77, df = 3, p 0,01). Comparações a posteriori, empregando o teste de Wilcoxon, após correção para múltiplas comparações (p ,01), corroboram, em parte, as análises principais. Revelam que tanto para as crianças do 4o ano, como para as crianças do 5o ano, foi significativamente mais difícil identificar a solução da história do que reconhecer onde ou quando a história ocorreu. Por outro lado, não houve diferença significativa entre a identificação do problema da história e quando a história ocorreu, tanto para as crianças do 4o ano, como para as do 5o ano. Também não houve diferença significativa entre a identificação do problema da história e onde a trama é passada, tanto para as crianças do 4o ano, quanto para as crianças do 5o ano. Desta forma, as crianças do 4o ano e as crianças do 5o ano apresentam desempenhos similares quanto à dificuldade relativa de identificação dos componentes do esquema narrativo. Para ambos os anos escolares, a maior dificuldade reside na identificação da solução da história.

Em seguida, foi examinada a dificuldade relativa, entre os anos escolares, no conhecimento dos elementos do esquema narrativo. Não se observou diferença significativa entre os anos escolares para nenhum dos elementos do esquema narrativo: onde (U = 514, N = 65, p = 0,84), quando (U = 519, N = 65, p = 0,91), situação-problema (U = 491, N = 65, p = 0,61) e solução (U = 463, N = 65, p = 0,38). Quando comparados entre si, o 4o ano e o 5o ano não apresentam diferenças significativas na identificação dos diversos componentes do esquema narrativo.

Relação entre o domínio do esquema narrativo e a compreensão de leitura

A habilidade de compreensão de leitura foi avaliada pelo desempenho das crianças no teste de Cloze, a saber 4º ano (M = 45,65, DP = 6,99) e 5º ano (M = 49,12, DP = 9,25). Não se observou diferença significativa na habilidade de compreensão de leitura em função da escolaridade (t (63) = 1,70, p = 0,10).

Para avaliar se o domínio do esquema narrativo implica melhor desempenho em compreensão leitora procurou-se identificar as crianças mais habilidosas em reconhecer os diversos componentes do esquema narrativo e as crianças menos habilidosas em tal reconhecimento. Como não houve diferença significativa entre o desempenho das crianças nos 4o e 5o anos, foi realizada uma Análise de Agrupamentos (Cluster Analysis) para os componentes do esquema narrativo, incluindo ambos os anos escolares. Desta análise resultaram dois grupos: o Grupo 1, das crianças com maior domínio da estrutura da narrativa e Grupo 2, das crianças com pouco domínio da estrutura do texto narrativo.

O perfil destes dois grupos em relação a cada um dos aspectos relacionados ao esquema de história é apresentado na Tabela 2. Os grupos diferem significativamente em relação ao domínio dos diferentes aspectos da estrutura de história, exceto pela identificação do personagem principal. O Grupo 1 é capaz de melhor identificar todos os outros componentes do esquema narrativo: o local e momento em que a história ocorre, como também a situação-problema e o desfecho da história.

Os grupos diferem significativamente em seu desempenho na tarefa de Cloze (t (63) = 3,83, p < 0,01). O grupo G1 (M = 51,48, DP = 8,41), das crianças mais habilidosas na identificação dos componentes do esquema narrativo, teve melhor desempenho em compreensão leitora do que o G2 (M = 44, 22, DP = 7,13), das crianças menos habilidosas nesta identificação.

 

Discussão

O domínio dos diferentes aspectos do esquema narrativo pode ser diferenciado em termos da dificuldade que apresentam para o leitor. Alguns são de mais fácil reconhecimento, em virtude de consistirem em informações que aparecem de forma explícita e mais direta no texto. Outros já impõem maior nível de dificuldade, demandando processamento maior da informação textual, bem como implicando, muitas vezes, processos de cunho inferencial.

Foram mais facilmente reconhecidos pelas crianças na narrativa de história elementos constituintes da introdução da história, geralmente apresentados no início do texto, como elementos de orientação da situação inicial do texto (Adam, 2008). Numa perspectiva do desenvolvimento, tais elementos são apontados desde os níveis mais básicos de domínio do esquema narrativo (Silva, & Spinillo, 2000).

O personagem é o aspecto inicial marcante de uma história, sendo ele o elemento que permite que os acontecimentos ocorram (Spinillo, & Martins, 1997). Não há narrativa de história sem que haja um personagem que seja agente da ação. Tal fato associa-se aos achados do presente estudo, que apontam que o personagem principal foi o componente estrutural de mais fácil identificação, sendo reconhecido por todos os participantes da pesquisa, em todos os textos.

Quando e onde a história se desenvolve foram aspectos observados em diferentes níveis de dificuldade para os participantes, sendo o local o aspecto de mais fácil identificação. O domínio da introdução da cena foi observado em níveis intermediários de domínio do esquema narrativo. O momento em que a história ocorre não é um fator explicitado de maneira direta nos textos, sendo detectado, muitas vezes, apenas por marcadores linguísticos temporais (Silva, & Spinillo, 2000). Por sua vez, o reconhecimento da situação-problema pelas crianças pode ter sido facilitado, na medida que é este o momento no qual se atinge o clímax da história.

Um aspecto do esquema narrativo que se apresentou, neste estudo, como elemento de maior complexidade para as crianças foi a identificação da solução da história. O desfecho é o aspecto da trama presente em histórias elaboradas pelas crianças que melhor distingue os textos de maior complexidade daqueles menos elaborados (Spinillo, & Martins, 1997; Silva, & Spinillo, 2000). Uma explicação plausível é a de que a solução da história demande maior grau de integração entre as informações textuais para seu reconhecimento do que os outros elementos do texto. Nesta etapa do processamento da compreensão textual, o maior nível de completude na constituição do modelo mental do texto pela criança torna possível o reconhecimento do desfecho da história.

Para investigar a relação entre compreensão leitora e domínio do esquema narrativo, partiu-se da diferenciação, na amostra total, de dois grupos: um mais habilidoso e outro menos habilidoso na identificação de elementos da narrativa. Os dois grupos diferiram nos escores obtidos em todos os elementos do esquema narrativo, exceto para o personagem principal, variável em que ocorreu efeito de teto. Em consonância com estudos anteriores (por exemplo: Cain, 2003; Oakhill & Cain, 2012; Language and Reading Research Consortium, & Logan, 2017), as crianças que mostraram maior habilidade em identificar os elementos do esquema narrativo obtiveram melhores resultados na tarefa Cloze, de compreensão leitora, comparadas às menos habilidosas naquele quesito.

Esta relação tem sido explicada em termos das habilidades linguísticas e dos processos cognitivos de alto nível apontados a partir dos modelos teóricos de compreensão leitora. A identificação e compreensão dos elementos da narrativa funcionaria como um facilitador para o direcionamento da atenção para esses aspectos do texto e para a utilização dessas informações, cruciais para a compreensão, na elaboração de inferências e de um modelo mental do texto lido (Gersten, Fuchs, Williams, & Baker, 2001). No entanto, esta explicação ainda é especulativa.

O domínio do esquema narrativo em sua relação com a compreensão leitora, requer: (a) o conhecimento propriamente dito dessa estrutura e (b) os processos linguístico e cognitivos que possibilitariam o processamento dessa informação na leitura. Assim, tal domínio pode estar relacionado a habilidades de natureza linguístico-cognitivas, tanto de natureza verbal, como àquelas relativas ao funcionamento executivo. No caso da leitura, existem evidências empíricas que associam o desempenho de crianças em compreensão leitora à habilidade verbal (Nation, & Snowling, 1998; 1999), particularmente, o vocabulário (Coelho, & Correa, 2017; Ouellette, 2006; Perfetti, Landi, & Oakhill, 2013) e às funções executivas (Locascio, Mahone, Eason, & Cutting, 2010; Corso, Sperb, & Salles, 2013; Oliveira, 2015; Salles, & Paula, 2016). Por outro lado, não há, ainda, um corpo de evidências empíricas disponível, em que os correlatos cognitivos acerca do domínio do esquema narrativo por crianças possam ser estabelecidos.

Estudo II: Correlatos cognitivos da identificação de elementos do esquema narrativo

O estudo II visa descrever os correlatos cognitivos do reconhecimento da estrutura prototípica da narrativa de história. Uma vez que, conforme evidenciado no Estudo I, há níveis de dificuldades variados na identificação dos diferentes elementos integrantes do esquema narrativo, faz-se importante examinar os correlatos cognitivos que possam estar associados a cada um destes elementos individualmente. O exame de tais correlatos poderá auxiliar a criação de formas distintas de estimulação na prática educativa e clínica na busca do desenvolvimento da habilidade metatextual. Seria possível, por exemplo, estimular o desenvolvimento destas habilidades nas crianças, de modo a potencializar as intervenções diretamente associadas ao ensino da identificação dos diversos elementos que compõem a narrativa de histórias.

Método

Participantes

Vinte e duas crianças do 4º ano, dentre as 31 que participaram do Estudo I, cujos pais concordaram com a participação em sessões de testagem individuais, compuseram a amostra deste estudo, com faixa etária de 9 a 10 anos (M = 9,13, DP = 0,47).

Tarefas

Domínio da estrutura de narrativa

Foram empregadas as mesmas tarefas do Estudo I. Também foram seguidos os mesmos procedimentos de realização e análise das tarefas, conforme a descrição do estudo anterior.

Habilidades cognitivas

Habilidade Verbal: a habilidade verbal foi avaliada por meio do Quociente de Inteligência Verbal (QI Verbal) e pelos dois subtestes da Escala de Inteligência Abreviada Wechsler (WASI) que o compõem (Wechsler, 2014), Vocabulário e Semelhanças, tomados separadamente. Na tarefa Vocabulário, a criança é convidada a explicar o significado das palavras. Na tarefa Semelhanças, a criança explica o que há de comum entre dois elementos. Ambas tarefas avaliam a competência linguística e a capacidade de síntese e integração do conhecimento, habilidades essas requeridas para o processo de compreensão leitora.

Funções Executivas: estas funções foram avaliadas, de forma mais global pelo Quociente de Inteligência de Execução (QI de Execução) e, de forma mais específica pelos subtestes que o compõem, além de outros instrumentos - Cubos e Raciocínio Matricial - da WASI (Wechsler, 2014).

Na tarefa Cubos, a criança, observando um modelo, deve recriá-lo usando cubos com lados vermelhos e/ou brancos. O desempenho nessa tarefa está relacionado às habilidades executivas de monitoramento, planejamento e organização (Sesma, Mahone, Levine, Eason & Cutting, 2009; Seabra et al., 2014). Já em Raciocínio Matricial, é apresentada uma figura incompleta diante da qual a criança deve escolher, dentre cinco opções de respostas, a que melhor completa a parte omitida da figura (Wechsler, 2014). A tarefa está associada à avaliação das habilidades de processamento visual e raciocínio (Lopes et al., 2012).

Para avaliar a função executiva Memória de Trabalho foi calculado o Índice de Memória Operacional da Escala Wechsler de Inteligência para crianças (WISC-IV) por meio das tarefas Dígitos e Sequência de Números e Letras (Wechsler, 2013). O desempenho nessas tarefas indica as habilidades de armazenamento e processamento da informação na memória de trabalho. Na tarefa Dígitos, a criança repete sequências numéricas, inicialmente, em ordem direta e, posteriormente, em ordem inversa. Na tarefa Sequência de Números e Letras, a criança deve repetir números e letras ouvidas em sequências desordenadas, organizando os números em ordem crescente e as letras em ordem alfabética.

A tarefa Stroop foi empregada para avaliação da atenção seletiva e da capacidade de inibir uma resposta habitual em favor de outra incomum, esta última se refere à função executiva de controle inibitório. Nesta tarefa são apresentados retângulos azuis, verdes, vermelhos e amarelos organizados em uma matriz de quatro colunas e seis linhas. Na primeira parte (Cores), a criança é convidada a nomear a cor dos retângulos o mais rápido que puder. Na segunda parte (Palavras), os retângulos são substituídos por palavras comuns escritas com as cores usadas no teste. As cores devem ser nomeadas, não se atentando ao cunho verbal da palavra. Por fim, na terceira etapa (Incongruente), as palavras comuns são substituídas por nome das cores impressas em outra cor. Assim, a criança deve inibir a leitura da palavra para apenas nomear a cor em que a palavra foi impressa. Para cada condição é cronometrado o tempo de nomeação. É calculado, ainda, um escore de Interferência: o quociente entre os tempos de nomeação em Incongruente e Cores (Charchat-Fishman, & Oliveira, 2009).

Procedimentos

As tarefas de conhecimento de esquema narrativo foram realizadas como descrito para o Estudo I. A avaliação das habilidades cognitivas foi realizada na escola, durante o turno escolar, em duas sessões individuais, de 50 minutos de duração. Na primeira sessão foi aplicado o WASI e na segunda os protocolos restantes na seguinte ordem fixa: Sequência de Números e Letras (WISC IV), Stroop, e Dígitos (WISC IV).

 

Resultados

O desempenho das crianças foi descrito para cada um dos elementos do esquema narrativo: onde (M = 0,83, DP = 0,25); quando (M = 0,68, DP = 0,24) personagem principal (M = 1, DP = 0); situação- problema (M = 0,71, DP = 0,28); solução (M = 0,49, DP = 0,31). O personagem principal é o aspecto de mais fácil identificação na narrativa. Por ter sido obtido efeito de teto, a habilidade de identificação de personagem principal foi excluída de análises subsequentes.

Foram observadas diferenças significativas no desempenho das crianças na identificação dos diferentes componentes do esquema narrativo (F (3, 192) = 35,65, p < 0,01). Comparações a posteriori revelam que a identificação da solução da narrativa foi o aspecto mais difícil para as crianças quando comparado a todos os outros aspectos: onde (p < 0,01), quando (p < 0,01) e a solução do problema (p < 0,01). Há, ainda, diferença significativa na identificação de quando e onde a trama da história se desenvolve, sendo, de forma geral, mais fácil para as crianças identificarem o local em que a história ocorre (p = 0,01).

Esquema narrativo e habilidade verbal

A habilidade verbal foi avaliada pelo desempenho das crianças em Vocabulário (M = 50, DP = 9,53), em Semelhanças (M = 49; DP = 9) e pelo QI de Verbal (M = 100, DP = 14,98) do WASI. Não se observaram correlações significativas da identificação dos diversos componentes da narrativa de história com o desempenho em Vocabulário, Semelhança ou com o QI Verbal.

Esquema narrativo e funções executivas

As funções executivas de alto nível, das crianças, foram avaliadas por seus desempenhos em Cubos (M = 40, DP = 6,86), Raciocínio Matricial (M = 50, DP = 7,32) e QI de Execução (M = 93, DP = 9,06). Foram encontradas correlações significativas entre a identificação da solução da narrativa e os escores em Cubos (r = 0,43, p = 0,03) e Raciocínio Matricial (r = 0,50 p = 0,03), e consequentemente para o QI de Execução (r = 0,57, p = 0,01). Não foram observadas correlações estatísticas significativas para os outros elementos da narrativa de história.

A memória de trabalho foi avaliada pelo desempenho das crianças em Dígitos (M = 9, DP = 1,86), Sequência de Números e Letras (M = 10, DP = 2,73) e Índice de Memória Operacional (M = 99, DP = 8,56). Não foi observada correlação significativa entre o desempenho das crianças na identificação dos elementos da narrativa de histórias e sua pontuação no Índice de Memória Operacional, bem como nas tarefas que compõe este Índice: Dígitos e Sequência de Números e Letras.

A avaliação do controle inibitório foi feita pelo teste de Stroop: Stroop Cores (M = 19, DP = 3,87); Stroop Palavras (M = 24, DP = 4,43); Stroop Incongruente (M = 37, DP = 12,24); Stroop Interferência (M = 2, DP = 0,54). Não foram encontradas correlações significativas entre a identificação dos elementos da narrativa e cada um dos escores do Stroop.

 

Discussão

A capacidade de identificar os elementos do esquema narrativo tem particular importância para a compreensão leitora, conforme corroborado pelo Estudo I. O conhecimento de quais funções cognitivas estão correlacionadas ao domínio do esquema narrativo pelas crianças poderá contribuir para o futuro desenvolvimento de intervenções para auxiliar o progresso da leitura.

As evidências empíricas do Estudo II mostram que a identificação de solução da situação-problema apresentou correlação significativa com as tarefas Cubos e Raciocínio Matricial e o coeficiente de execução do WASI. Tarefas como Cubos e Raciocínio Matricial avaliam reconhecidamente habilidades de planejamento, organização e raciocínio (Wechsler, 2014). O planejamento e a organização relacionam-se à ordenação da informação de maneira sequencial e associada a conhecimentos prévios e à estrutura do texto, impactando diretamente a compreensão de leitura. Wechsler (2014) também ressalta a importância crucial da flexibilidade cognitiva para o desempenho nesses substestes. Na leitura, a flexibilidade impacta a capacidade de integrar diferentes blocos de informações, na medida em que o leitor constrói hipóteses e considera as diversas possibilidades de representações semânticas, possibilitando, assim, modificações de pontos de vista em função da informação. Leitores com dificuldade de compreensão apresentam dificuldades para modificar modelos mentais do texto em função de novas informações, bem como em excluir aqueles que são discordantes (Cataldo, & Oakhill, 2000).

A relação entre a identificação da solução de problema e as funções executivas torna-se clara à medida que compreendemos que a construção de um modelo mental para o texto exige do leitor habilidades de flexibilidade, planejamento e organização (Sesma et al., 2009; Seabra et al., 2014). Se a solução da situação-problema ou do conflito caracteriza o desfecho prototípico da história, faz-se necessário o encadeamento lógico das informações, ações e acontecimentos para identificá-la. A organização da construção e modificação de proposições em função de novas informações, de conhecimento prévio e de sua integração auxiliam a identificação da solução da situação-problema. Desta forma, quando há maior exigência de encadeamento e integração entre acontecimentos para a construção do modelo mental do texto, mais são exigidas as funções executivas.

Não houve correlação entre domínio de esquema narrativo e as medidas de funções executivas elementares (memória de trabalho e controle inibitório), assim como ocorreu para as medidas de habilidades verbais (Vocabulário, Semelhanças e Índice de Compreensão Verbal - WASI). Embora essas funções e habilidades tenham se mostrado relacionadas com a compreensão leitora, em estudos anteriores (Oakhill & Cain, 2012; Kendeou et al., 2014), o padrão de correlações observado sugere que o domínio do esquema narrativo parece mais próximo do funcionamento executivo de alto nível, podendo ser esta sua via de influência na compreensão leitora.

 

Considerações finais

Os processos de compreensão e análise de estrutura narrativa tomam como objeto de análise o texto de formas diferenciadas, porém inter-relacionadas. Na leitura, o texto torna-se um objeto sobre qual o leitor se debruça no intuito de construir sentido. Por outro lado, tomando o texto como objeto de conhecimento, o leitor vai além de um objeto voltado para a expressão e comunicação. Mas, o próprio conhecimento da estrutura do texto parece contribuir para a construção de sentido.

O domínio do esquema narrativo implica em melhor desempenho em compreensão leitora. Observam-se diferenças quanto ao domínio dos aspectos da estrutura de história para compreendedores habilidosos e compreendedores pouco habilidosos. Este resultado é coerente com o entendimento sugerido por outros autores de que o conhecimento da estrutura da história favoreceria a identificação e representação das informações do texto, beneficiando a construção do modelo mental e a compreensão. Esta interpretação localiza o efeito observado no âmbito das funções executivas de alto nível, pois se refere ao uso de uma estrutura (neste caso linguística) como referência para o direcionamento da atenção e estabelecimento de relações, por parte do leitor. De fato, uma contribuição original deste estudo foi a observação de que o domínio do esquema narrativo se mostrou especificamente correlacionado com as funções executivas de alto nível, mas não com as funções executivas básicas ou com habilidades verbais.

O conhecimento dos correlatos cognitivos da identificação dos vários componentes do esquema narrativo pode contribuir para potencializar as intervenções de ensino da estrutura de narrativa, incluindo por exemplo, estimulação direta das funções executivas de alto nível.

Nesse cenário, as limitações do presente estudo devem ser consideradas. Em primeiro lugar, o reduzido número de sujeitos não permitiu o uso de análises estatísticas que pudessem englobar simultaneamente as principais variáveis de interesse (domínio de esquema narrativo, compreensão leitora e medidas de funções executivas e habilidades verbais), o que restringe o poder da interpretação das relações observadas. Futuros estudos deverão incluir amostras maiores que permitam o uso de recursos de análise desse tipo. A ampliação da amostra também traria maior consistência para os resultados observados.

Uma segunda limitação diz respeito ao uso de apenas uma mediada de domínio de esquema narrativo, na qual o sujeito é convocado a usar o conhecimento que tem (ou não) de elementos do esquema narrativo para responder adequadamente perguntas que se referem a cada um dos elementos. Seria interessante incluir, em próximo estudo, medida que solicitasse a explicitação do conhecimento do esquema narrativo, examinando a capacidade de acesso e uso explícito desse conhecimento, medidas mais diretas de consciência metatextual.

 

Agradecimentos

Agradecemos à CAPES, CNPq e à FAPERJ pelos apoios concedidos, sem os quais a realização deste trabalho não teria sido possível.

 

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Endereço para correspondência:
Paula Bandeira Dias
paulabandias@gmail.com

Jane Correa
correa.ufrj@gmail.com

Rosinda Martins Oliveira
rosindaoli@gmail.com

Submetido em: 30/06/2018
Revisto em: 30/07/2018
Aceito em: 09/11/2018

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