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Arquivos Brasileiros de Psicologia

versão On-line ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. vol.71 no.2 Rio de Janeiro maio/ago. 2019

http://dx.doi.org/10.36482/1809-5267.ARBP2019v71i2p.51-67 

ARTIGOS

 

Pesquisa com análise qualitativa de dados: conhecendo a Análise Temática1

 

Research with qualitative data analysis: getting to know Thematic Analysis

 

Investigación con análisis cualitativo de datos: conociendo el Análisis Temático

 

 

Luciana Karine de Souza

Pós-doutoranda. Programa de Pós-graduação em Psicologia. Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Porto Alegre. Estado do Rio Grande do Sul. Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Há uma diversidade de métodos para guiar a análise qualitativa. O pesquisador iniciante ainda carece de uma referência para análise qualitativa de dados que seja suficientemente flexível, frutífera e coerente com uma abordagem qualitativa. Mais notável é a referência à análise de conteúdo apropriada a abordagens quantitativas, mas livremente usada em estudos qualitativos. O objetivo deste texto é apresentar a Análise Temática como proposta por Virginia Braun e Victoria Clarke, focalizando em sua aplicação. Descreve-se o que é preciso saber sobre a Análise Temática antes de realizá-la e como conduzi-la em seus seis passos. São apresentados exemplos com dados coletados com amostra brasileira para ilustrar passos cruciais, bem como sete vantagens desse método. O texto encerra com recomendações para editores e pareceristas de periódicos científicos sobre o que priorizar na avaliação de trabalhos que relatam o uso da Análise Temática.

Palavras-chave: Análise Qualitativa; Análise Temática; Estudo Qualitativo.


ABSTRACT

There is a diversity of methods to guide qualitative analysis. The beginner researcher still lacks a reference for qualitative data analysis that is sufficiently flexible, fruitful, and coherent to a qualitative approach. Most noticeable is the reference to content analysis suitable for quantitative approaches, but loosely used in qualitative studies. The goal of this paper is to present Thematic Analysis as designed by Virginia Braun and Victoria Clarke, with focus on its use. We describe what is necessary to know about Thematic Analysis before applying it and how to conduct its six steps. The paper provides examples with data collected with a Brazilian sample to illustrate crucial steps, as well as seven advantages for using this method. We finish with recommendations to editors and reviewers from scientific journals on what to prioritize in evaluating papers that used Thematic Analysis.

Keywords: Qualitative Analysis; Thematic Analysis; Qualitative Study.


RESUMEN

Hay una diversidad de métodos para guiar el análisis cualitativo El investigador novato todavía carece de una referencia para el análisis cualitativo que sea suficientemente flexible, fructífero y coherente con un enfoque cualitativo. Más notable es la referencia al análisis de contenido apropiado a enfoques cuantitativos, pero libremente utilizados en estudios cualitativos. El objetivo de este texto es presentar el Análisis Temático como propuesto por Virginia Braun y Victoria Clarke, enfocándose en su aplicación. Se describe lo que hay que saber sobre el Análisis Temático antes de realizarlo y cómo conducirlo en sus seis pasos. Se presentan ejemplos con datos recolectados con muestra brasileña para ilustrar pasos cruciales, así como siete ventajas de ese método. El texto concluye con recomendaciones para editores y evaluadores de periódicos científicos sobre qué priorizar en la evaluación de trabajos que relatan el uso del Análisis Temático.

Palabras clave: Análisis Cualitativo; Análisis Temático; Estudio Cualitativo.


 

 

Introdução

O presente artigo tem o objetivo de apresentar a Análise Temática (AT) conforme proposta por Braun e Clarke (2006). A AT é um método de análise qualitativa de dados para identificar, analisar, interpretar e relatar padrões (temas) a partir de dados qualitativos. O mínimo que a AT proporciona é organizar e descrever o banco de dados em rico detalhe; quanto ao máximo, "o céu é o limite", pois esta análise colabora muito para a geração de uma análise interpretativa sobre os dados. Além da explicação detalhada do método, são utilizados exemplos de dados de pesquisa com amostra brasileira, destacadas suas vantagens e listadas diretrizes para editores científicos e pareceristas fundamentarem suas avaliações diante de pesquisas que utilizarem esta AT.

A AT vem sendo utilizada em dissertações, teses, monografias de especialização, trabalhos de conclusão de curso e pesquisas em Psicologia (Souza, Prestes, & Freitas, 2017). Em seu artigo original, Braun e Clarke (2006) detalham os fundamentos da AT, os quais não serão repetidos nesta oportunidade. O presente texto pretende focalizar na aplicação da AT e, portanto, não substitui o estudo daquele. Subsequentes publicações também contribuem para o estudo, exercício e domínio da AT (Braun; & Clarke, 2013; 2014; 2016; 2017; Braun, Clarke, & Rance, 2016; Clarke; & Braun, 2013). Segundo as autoras, há mais de 30 abordagens diferentes para a AT em termos de procedimento e filosofia. A AT é, portanto, um "guarda-chuva" que cobre diferentes AT (Clarke, 2017, Novembro).

 

O que é Preciso Saber sobre a Análise Temática Antes de Realizá-la?

A AT possui características semelhantes a procedimentos tradicionalmente adotados na análise qualitativa. Aspectos como busca por padrões, recursividade, flexibilidade, homogeneidade interna nas categorias/temas e heterogeneidade externa entre as categorias/temas são características fundamentais de análises qualitativas. A presente seção foi organizada em subtítulos para que o leitor atente a todos os aspectos que precisam ser conhecidos e dominados antes de se realizar a AT de Braun e Clarke e também qualquer outro tipo de análise de conteúdos.

A AT pode ser utilizada tanto através de uma abordagem indutiva e baseada nos dados - ou seja, que não pretende partir de uma grade pronta de categorias ou temas para analisar os dados, bem como dedutiva ou teórica - a qual parte de um conjunto preestabelecido de categorias ou temas bem definidos. Seja qual for a abordagem, a AT contribui pela sua praticidade e ampla aplicabilidade, pois pode ser utilizada em quase qualquer tipo de análise qualitativa. Mais que isso, tanto o pesquisador novato em análise de dados qualitativos, como o mais experiente, pode se beneficiar da AT. O novato tem a oportunidade, ao dominar a AT, de desenvolver habilidades fundamentais que servirão de suporte a outros métodos qualitativos, como a grounded theory (teoria fundamentada), a análise de discurso e a análise de narrativas. É por esta razão que se considera a AT como independente de teorias ou epistemologias.

Recentemente, Clarke (2017) propôs três grupos de AT, os quais serão apresentados em seu idioma original. Há a AT de tipo Coding Reliability (codificação para confiabilidade, tradução livre), a de tipo Codebook (grade de códigos), e a Reflexive (reflexiva). Classificou esses tipos também como "small q qualitative research" - pesquisa qualitativa com q minúsculo - ou "Big Q Qualitative Research"- Pesquisa Qualitativa com Q Maiúsculo. No primeiro caso, a pesquisa usa uma técnica de base qualitativa, mas seu raciocínio subjacente é fundamentalmente positivista; no segundo, tanto a filosofia como a técnica são de raiz qualitativa. Desta feita, a AT de tipo Coding Reliability é small q, a AT Reflexive é Big Q e a de tipo Codebook é de tendência para Big Q, mas com traços da small q - ou seja, uma abordagem mista.

A AT de tipo Coding Reliability basicamente oferece uma redução dos dados. Dados qualitativos são coletados, analisados e relatados, mas a lógica subjacente é quantitativa. É bastante estruturada, exige cálculos de confiabilidade, com analistas trabalhando de modo independente sobre os mesmos dados, com base em uma grade pronta de códigos, e desconhecimento prévio sobre o banco. Pesquisadores quantitativos confiam neste tipo de AT em seus estudos. Um exemplo deste tipo é a proposta de Boyatzis (1998) (Clarke, 2017), que remete à concordância entre avaliadores (intercoder agreement), calculada por uma porcentagem dessa concordância quando comparadas as codificações.

As abordagens de tipo Reflexive em AT atestam que a codificação é fluida e flexível. Seu ponto principal não é alcançar acurácia, mas imersão e profundo engajamento com os dados. Como exemplo há a proposta de AT de Braun e Clarke (2006), relatada no presente texto. É uma abordagem mais atreita a pesquisas sociais e com agenda de justiça social (Clarke, 2017).

Já as abordagens de tipo Codebook para AT, estão sustentadas em um guia de códigos previamente preparado, com temas prontos. A fundamentação do trabalho é predominantemente qualitativa (Clarke, 2017). Os temas iniciais da análise podem ser alterados no seu decurso, aproximando-se da flexibilidade da abordagem reflexiva.

A seguir são discutidos aspectos básicos que orientam o entendimento e a condução da AT. É considerado o papel da escrita, a postura diante da revisão de literatura e a autonomia do pesquisador sobre os dados.

 

Preparando-se para a Análise Temática

O processo de AT começa quando o pesquisador procurar, nos dados, por padrões de significados e questões de possível interesse à pesquisa. Isso já pode ocorrer, inclusive, durante a coleta de dados, na condução de entrevista ou grupo focal. A análise envolve um vaivém constante entre o banco de dados, os trechos codificados e a análise dos dados que se está produzindo a partir destes trechos. O processo termina com o relatório dos padrões (temas) nos dados. Esta estrutura está presente em boas técnicas de análise de dados qualitativos bastante comuns na literatura.

Anotações constantes. É valorizado o registro constante de ideias, insights, rascunhos e esquemas. Na AT, a escrita é considerada parte integrante da análise, e não apenas uma redação mecânica e posterior à pesquisa. Portanto, a escrita deve começar já na Fase 1, com anotações livres de ideias e esquemas de codificação em potencial, continuando através de todo o processo de codificação/análise. Esse procedimento valoriza o papel ativo e fundamental do pesquisador no processo de análise de dados, além de demonstrar que se trata, de fato, de um processo, com material em constante construção e transformação.

Abordando a revisão da literatura. Outro elemento básico da preparação à AT é a postura frente à revisão da literatura sobre o conteúdo da pesquisa. É preocupação de alguns pesquisadores de que uma revisão detalhada prévia à análise acabe por estreitar o campo de visão analítico do pesquisador. Esse estreitamento conduziria ao foco em alguns aspectos em detrimento de outros. Há, também, pesquisadores que acreditam que o prévio bom engajamento com a literatura incrementa a análise ao sensibilizar o pesquisador a aspectos mais sutis dos dados (Tuckett, 2005). Enfim, não há forma correta de proceder com relação ao estudo da literatura. No entanto, pode-se antever que, de um lado, uma pesquisa de abordagem indutiva tem mais ganhos ao não engajar demais na literatura antes da análise. De outro lado, uma abordagem dedutiva requer bom engajamento prévio com a literatura. Um modelo teórico que oferece categorias previamente definidas e testadas empiricamente requer, para sua aplicação na análise de orientação dedutiva, um prévio domínio da literatura que o fundamenta e de estudos semelhantes que também o utilizaram.

Decisões, decisões, decisões. A cadeia de decisões que se deve tomar ao longo de todo o processo de análise nem sempre está explícita nas descrições das técnicas de análise de dados. Todavia essas decisões precisam ser consideradas e discutidas no estudo. A AT, conforme apresentada neste texto, está estruturada em seis fases distintas exatamente para que algumas decisões tradicionalmente implícitas fiquem evidentes no momento da análise. Isso contribui para a apropriação tanto do método de análise como dos dados em si.

Considerações fundamentais sobre o uso de anotações e diário de campo, a transcrição e/ou sua revisão, a relação com a literatura e a autonomia e decisões do pesquisador estão presentes em bons livros de metodologia qualitativa (Braun, & Clarke, 2013; Patton, 2015). O uso da AT não descarta o estudo prévio de bons manuais sobre análise de dados qualitativos.

 

O Tema e sua Prevalência

Como saber que se tem um tema? Um tema capta algo relevante sobre os dados em relação à pergunta de pesquisa. Ademais, o tema representa certo nível de significado padronizado identificado no banco de dados.

Clarke (2017) refere-se a dois tipos de temas gerados mais frequentemente de análises qualitativas com uso de AT: o bucket theme (tema cesta) e o storybook theme (tema livro de histórias). O tema de tipo cesta apresenta um apanhado do principal conteúdo das falas dos participantes, não avançando a partir da superfície dos dados. Dessa forma, não se depreende dos dados mais do que os participantes afirmaram, relatando séries de observações, sem uma análise plenamente desenvolvida, profunda e amadurecida sobre os dados. Um exemplo de temas de tipo cesta pode ser encontrado em Roditis e Halpern-Felsher (2015), em pesquisa sobre fumo em adolescentes: riscos e benefícios advindos da comparação entre cigarros convencionais e de maconha, riscos e benefícios da comparação entre cigarros convencionais e cigarros eletrônicos, crenças advindas da mídia, crenças advindas da família e crenças advindas da escola (cinco temas, portanto, e sem subtemas detalhados). Já o tema livro de histórias apresenta-se como um tema plenamente completo, pronto. É um tratamento interpretativo, criativo e perspicaz sobre os dados, com a imersão e engajamento necessários anteriormente destacados. Terry e Braun (2016) é um bom exemplo de análise que gerou temas do tipo livro de histórias em pesquisa sobre pelos corporais em homens: com foco tanto nos aspectos latentes como explícitos dos dados, e com base em uma perspectiva realista e discursiva, três temas resultaram da aplicação da AT com checagem entre os dois autores e comparação com a teoria e epistemologia escolhidas ("pelos corporais em homens é algo natural", "pelos corporais em homens é algo geralmente desagradável" e "pelos corporais em homens precisam de tratamento quando em excesso").

Que tamanho um tema deve ter? Trata-se da prevalência tanto dentro de cada item do banco, como através do banco. Como se está lidando com análise qualitativa, não há uma resposta padronizada para a questão de qual deve ser a proporção de dados necessária para demonstrar a evidência do tema a fim de que ele seja, de fato, considerado um tema.

A situação ideal é que haja alguns exemplos do tema no banco. Porém a quantidade de exemplos não necessariamente determina que um tema é mais, ou menos, significativo que outros. Tampouco é uma questão de maior porcentagem de itens (por exemplo: transcrições de entrevistas) nos quais se identificou extratos que representam o tema (50% das entrevistas contêm extratos neste tema, confirmando-o como tema, ao passo que outro está presente em "apenas" 40% - não deve ser este o raciocínio). Pode ser que um tema encontre pouco espaço em alguns itens, ou pequeno ou mesmo nenhum em outros (por exemplo: um determinado tema não foi encontrado em uma ou duas das transcrições do banco). Portanto, a avaliação do pesquisador será necessária para determinar o que é um tema, bem como quando ele está, de fato, "pronto" (ver mais sobre isso nas fases da AT descritas adiante). Deve-se manter flexibilidade em todo o processo. É esta mesma flexibilidade na AT que permite que se determinem temas (e sua prevalência) de diferentes formas. O mais importante é que o pesquisador se mantenha consistente em como determinar a prevalência.

Há diferentes convenções para representar a prevalência do tema. Essas convenções não remetem a uma medida quantificável, como "a maioria dos participantes", "muitos participantes" ou "certo número de participantes". Tais expressões servem à retórica para sugerir que um tema, de fato, existe nos dados. O intuito é convencer o leitor da veracidade dos mesmos. Entretanto, essas expressões não são muito apuradas e podem ser interpretadas de múltiplas formas. O pesquisador novato pode até mesmo argumentar que 90% de ocorrência de um determinado tema em um banco de dados é a representação da "maciça maioria", enquanto que 80% seriam da "maioria". Será preciso mais debate sobre como e por que se deve representar a prevalência de temas nos dados e se, na verdade, isso é relevante.

 

Conduzindo a Análise Temática

Nessa seção, descreve-se o método da AT de Braun e Clarke (2006) per se. A Tabela 1 sumariza as seis etapas da AT. Pela leitura da Tabela 1 pode-se concluir que não há regras fixas para conduzir uma análise qualitativa, mas sim orientações mais amplas. Portanto, a flexibilidade - aspecto fundamental à pesquisa qualitativa - permanece vital na aplicação das etapas da AT e entendimento das perguntas de pesquisa (Patton, 2015). Isso também confirma que o processo de análise não é linear, no qual se move de uma fase à seguinte. Como referido no início do texto, trata-se de um processo que demanda uma atitude recursiva, com movimentos de vaivém, conforme a necessidade, através de todas as fases. É, por fim, um processo que requer tempo e não deve ser apressado. Não se conduz, portanto, uma AT em uma tarde, como se fosse mais uma tarefa a cumprir.

Fase 1: Familiarização com os dados

O início da análise pressupõe um contato prévio com os dados, posto que alguma das seguintes ações, senão todas, envolveram o pesquisador: coleta dos dados, transcrição e sua revisão. Assim, primeiras ideias ou interesses analíticos já podem estar presentes. É de vital importância que o pesquisador realize uma imersão nos dados para familiarização com seus conteúdos em profundidade e amplitude. Essa imersão significa leituras repetidas dos dados. Mais que isso, trata-se de uma leitura realizada de forma ativa, ou seja, que busca por significados, padrões. É ideal começar por uma leitura completa do banco pelo menos uma vez antes da codificação. O valor da leitura e releitura como parte da familiarização também gera novas ideias e a identificação de possíveis padrões que vão se moldando à medida que a leitura se desenvolve. Como referido anteriormente, a despeito da intenção de conduzir uma análise mais, ou menos, detalhada, a busca por temas por uma abordagem teórico-dedutiva ou baseada nos dados-indutiva acaba por guiar o processo de leitura ativa.

É crucial estar familiarizado com todos os aspectos dos dados. Nessa Fase 1, ficará evidente o porquê de em pesquisa qualitativa haver uma tendência a amostras pequenas: a leitura e releitura consome tempo. Por esta razão é bastante tentador pular esta fase. Recomenda-se fortemente que isso não seja feito, pois a Fase 1 é a "pedra fundamental" para todo o resto da análise. Como antes mencionado, é já nesta fase que será importante a tomada de anotações ou marcação de ideias preliminares de codificação. Essas anotações poderão ser retomadas mais adiante em fases subsequentes da análise. Completada a Fase 1, o pesquisador está pronto para iniciar o processo mais formal de codificação. Em essência, a codificação segue sendo construída e definida ao longo de toda a análise.

Como saber que a Fase 1 foi cumprida? É preciso ter firmeza de que houve uma familiarização com os dados, acompanhada de uma lista rascunhada de ideias sobre o que sugerem os dados e o que há de interessante sobre eles.

Fase 2: Gerando códigos iniciais

Essa fase envolve, de fato, a produção de códigos iniciais a partir dos dados. Os códigos identificam um aspecto dos dados (um conteúdo latente ou um conteúdo semântico) que parece interessante ao analista de dados. Citando Boyatzis (1998), o código é "o segmento, ou elemento, mais básico dos dados brutos que pode ser avaliado de maneira significativa com relação ao fenômeno" sob estudo (p. 63). O processo de codificação é parte da análise, porque os dados estão sendo organizados em grupos que congregam significados (Tuckett, 2005). Entretanto, os dados codificados diferem das unidades de análise (temas), as quais são normalmente mais abrangentes. Os temas, que começam a ser gerados na Fase 3, são o lugar onde a análise interpretativa ocorre. E é na relação com essa análise que são desenvolvidos os argumentos sobre o fenômeno que está sendo estudado (Boyatzis, 1998).

A codificação depende, até certo ponto, de se os temas sendo construídos são mais derivados dos dados (data-driven) ou derivados de teoria (theory-driven). Na primeira situação, os temas dependem dos dados. Contudo, na segunda, os dados são abordados a partir de questões específicas que o pesquisador tem em mente e que usa para orientar sua codificação. Naturalmente que o pesquisador pode combinar as duas abordagens em sua análise, desde que tenha a clareza disso e consiga demonstrar a coerência dos procedimentos adotados. A codificação também depende se a meta é codificar o conteúdo de todo o banco de dados ou se a codificação busca identificar aspectos específicos do banco.

A codificação pode ser feita manualmente ou através de um programa de computador. Deve-se codificar sistematicamente todo o banco de dados, atribuindo atenção plena e igual a cada item (cada entrevista, imagem, transcrição etc.). Nesse processo, é necessário identificar aspectos interessantes que podem formar a base de padrões repetidos (temas).

Há diferentes maneiras para, de fato, codificar extratos. Um extrato é um pedaço codificado de dados que foi identificado em um item e dele extraído. Na codificação manual, pode-se codificar os dados com anotações nos textos sob análise, usando-se canetas coloridas para indicar padrões em potencial, ou mesmo adesivos coloridos para identificar segmentos de dados. Inicialmente é possível identificar os códigos, e então compará-los com extratos que ilustram o código. Aliás, é importante nesta Fase 2 assegurar que todos os extratos foram codificados, e em seguida agrupados em cada código. Se for utilizado um software, a codificação ocorre através da rotulação e nomeação de pedaços de texto dentro de cada item.

Dicas fundamentais para a Fase 2 são: a) Codificar para o máximo de temas/padrões em potencial - nunca se sabe o que pode se tornar interessante em fases subsequentes da análise; b) Codificar os extratos sem perder o contexto, ou seja, codificar de modo inclusivo, o que significa manter um pouco dos dados circundantes se forem relevantes - uma crítica comum à codificação é que o contexto se perde no processo (Bryman, 2012); e c) Lembrar-se de que se pode codificar um mesmo extrato de dados em tantos quantos temas se acreditar que o extrato se encaixa; assim, um extrato pode ser descodificado, codificado uma vez, ou codificado várias vezes, se for significativo para a pesquisa. Cabe notar que não existe banco de dados livre de contradições, e que um mapa temático - uma conceptualização abrangente dos padrões de dados e das relações entre eles - satisfatório não deve suavizar ou ignorar as tensões e inconsistências dentre e através dos itens do banco. Deve-se tomar cuidado para não esconder ou ignorar outros temas possíveis, padrões ou interpretações, deixando de codificá-los, porque não se encaixam na teoria ou tema que se estava desenvolvendo ou seguindo.

Como saber se a Fase 2 foi concluída? A Fase 2 termina quando todos os dados foram inicialmente codificados e cuidadosamente combinados. O resultado dessa fase é uma longa lista de diferentes códigos que foram identificados no banco de dados.

Fase 3: Buscando temas

Essa fase ajusta o foco da análise para o nível mais abrangente dos temas. Trata-se de classificar os diferentes códigos em temas em potencial, além de agrupar todos os extratos relevantes nesses temas que estão sendo construídos. Em essência, o pesquisador está começando a analisar os códigos e considerando de que modo códigos diferentes podem combinar para formar um tema abrangente (overarching theme).

Pode ser útil nessa Fase 3 usar representações visuais para auxiliar na alocação dos diferentes códigos nos temas. Podem-se usar tabelas, mapas conceituais ou escrever o nome de cada código (com uma breve descrição) em pedaços de papel e "brincar" com eles, experimentando organizá-los em aglomerados temáticos. Um mapa temático deste estágio inicial pode ser visto na Figura 1. A análise apresentada na Figura 1 provém do banco de dados de Piccinini, Tudge, Lopes e Sperb (2012), contendo as respostas de pais e mães da cidade de Porto Alegre (RS) sobre expectativas sobre a maternidade, paternidade, parto, aparência e personalidade da criança, cuidados e educação da criança. A análise realizada para a Figura 1 foi sobre os dados à questão sobre o que é um bom pai.

É nessa fase em que se começa a pensar em relações, sejam estas entre os códigos, entre os temas ou entre diferentes níveis de temas (por exemplo: temas abrangentes e seus subtemas). Alguns códigos iniciais podem formar temas principais, ao passo que outros podem formar subtemas, e outros podem até mesmo ser descartados. Nessa etapa pode ser que se tenha um conjunto de códigos que não parece pertencer a quaisquer dos temas em construção. Por conseguinte, é perfeitamente aceitável criar um tema nomeado "miscelânea" para dar lugar a esses códigos. Possivelmente esse tema será temporário, visto que a análise não terminou.

A Fase 3 se encerra com uma coleção de candidatos a temas, e subtemas, e todos os extratos de dados foram codificados com relação a eles. Nesse ponto da análise, começa-se a ter uma noção da significância de cada um dos temas. Todavia, não se deve abandonar nada nesse estágio, pois sem visualizar todos os extratos em detalhes (o que ocorrerá na Fase 5) não se tem certeza, ainda, se os temas se sustentam onde estão neste momento, ou se alguns deles precisam ser combinados, refinados e separados, ou até descartados.

Como saber que a Fase 3 está encerrada? A Fase 3 deve terminar com um conjunto de candidatos a temas, os quais serão refinados na Fase 4.

Fase 4: Revisando os temas

A principal característica desta fase é o refinamento dos temas. Ficará evidente que alguns candidatos a temas não são, de fato, temas. Isso ocorre quando não há dados suficientes para apoiá-los, ou se os dados são muito heterogêneos. Também pode ocorrer que dois temas aparentemente separados podem formar um único tema. Outros temas, ainda, podem precisar ser divididos. A propósito, vale a pena retomar o critério de dupla via de Patton (2015) para julgar categorias - homogeneidade interna e heterogeneidade externa. Assim, os dados contidos nos temas devem se combinar em um padrão que mostra algo em comum entre eles, ao mesmo tempo em que deve haver distinções claras entre cada tema separadamente.

A Fase 4 envolve dois níveis de revisão e refinamento dos temas. A Figura 2 mostra um esquema da Fase 4 e seus dois níveis.

 

 

O nível 1 requer a revisão ao nível dos extratos de dados codificados. Para tanto, é preciso ler todos os extratos agrupados em cada tema, e verificar se eles aparentam formar um padrão coerente. Se os candidatos a temas aparentam formar um padrão coerente, então se pode ir para o nível 2 da Fase 4. No entanto, se os candidatos a temas não se combinam em um padrão coerente, será necessário levar em consideração se o tema per se é problemático, ou se alguns dos extratos nele contidos simplesmente não cabem ali. Neste último caso, deve-se retrabalhar o tema, criando um novo tema, encontrando um lugar para os extratos que no momento não cabem bem no tema existente, ou descartando tais extratos da análise. Assim que o pesquisador estiver satisfeito com os candidatos a temas, os quais captam adequadamente os dados codificados, havendo, portanto, um candidato a mapa temático, está-se pronto para passar para o nível 2 da Fase 4. O resultado desse processo de refinamento pode ser visto no mapa temático apresentado na Figura 3.

 

 

O nível 2 da Fase 4 envolve um processo similar, mas na relação com o banco de dados como um todo. Neste nível, deve-se considerar a validade de cada um dos temas na relação com o banco de dados, mas também se o candidato a mapa temático reflete acuradamente os significados evidentes no banco como um todo. Em certa medida, o que conta como uma representação precisa depende da abordagem teórica e analítica. Não obstante, nesta fase deve-se reler todo o banco de dados por dois motivos. O primeiro é, como discutido anteriormente, para assegurar que os temas "funcionam" na relação com o banco. O segundo é para codificar qualquer dado adicional dentro dos temas que pode ter se perdido em estágios anteriores de codificação. A necessidade de recodificação a partir do banco de dados é esperada, já que codificar é um processo orgânico contínuo. Se o mapa temático funciona, move-se para a próxima fase. Entretanto, se o mapa não combina com o banco de dados, é preciso fazer uma revisão apurada e refinar os códigos até que se tenha um mapa temático com o qual se sinta satisfeito. Ao proceder assim, é possível que o pesquisador identifique novos temas em potencial, requerendo a codificação dos mesmos.

Todavia um alerta: já que a revisão e refinamento dos temas pode prosseguir ad infinitum, cabe não se empolgar demais nessa fase. Quando os refinamentos não estão acrescentando mais nada substancial, deve-se parar. O processo de recodificação é tão somente afinar e dar mais nuance a uma estrutura de códigos que já funciona - ou seja, que combina bem com os dados. O pesquisador reconhece isso e cessa a revisão. É como se fosse o processo de editar um texto escrito - pode-se ficar editando sem parar as frases e parágrafos, mas depois de algumas mudanças, qualquer trabalho a mais é normalmente um refinamento desnecessário. Ao final da Fase 4 deve-se ter uma boa ideia de quais são os temas e como eles se encaixam, além de qual é a história que eles contam sobre os dados.

Como determinar o término da Fase 4? Não há diretrizes rígidas para isso. Os temas refinados devem representar os dados e possuir relação entre si. É este tipo de sentimento de satisfação, de suficiência, a ser alcançado ao final desta fase.

Fase 5: Definindo e nomeando os temas

A Fase 5 começa com um mapa temático satisfatório dos dados. Já foram definidos e refinados os temas que serão apresentados como resultados da análise. Definir e redefinir significa identificar a essência daquilo que cada tema trata, bem como o conjunto dos temas, e determinar qual aspecto dos dados cada tema captura. É importante não tentar fazer com que um determinado tema dê conta de muitos aspectos, ou que seja muito complexo e diversificado. Para evitar isso, deve-se voltar aos extratos de dados reunidos em cada tema, e organizá-los em um todo internamente consistente e coerente. É vital não somente parafrasear o conteúdo dos extratos, mas identificar o que é interessante sobre os dados e por que.

Para cada tema é necessário realizar e redigir uma análise detalhada. Assim como identificar a história de que trata cada tema, é relevante considerar como ela se encaixa na história maior que se está contando sobre os dados, na relação com a pergunta ou perguntas de pesquisa, para assegurar que não há sobreposição de temas. Portanto, é preciso considerar os temas separadamente, e cada tema na relação com os demais.

Como parte do refinamento, deve-se identificar se algum tema contém, de fato, subtema(s). Subtemas são, essencialmente, temas dentro de um tema. Eles podem ser úteis para estruturar um tema maior e mais complexo, bem como para demonstrar a hierarquia de significados dentro dos dados. No entanto, os temas finalizados e seus subtemas resultam de um processo de refinamento de temas e subtemas preliminares (ver Figura 4). É importante que até o fechamento da Fase 5 sejam definidos claramente quais são os temas e quais não são. Um bom teste para isso é verificar se é possível descrever o escopo e o conteúdo de cada tema em poucas linhas. Se isso não é possível, é preciso refinar mais este ou aquele tema. Ainda que já se tenha nomeado os temas, este é também o momento de começar a pensar nos nomes que serão atribuídos a eles na análise final. Os nomes precisam ser concisos, de destaque (punchy) e imediatamente dar ao leitor a ideia de o que ele está tratando.

 

 

A Fase 5 termina com um conjunto pronto de temas plenamente trabalhados. O pesquisador está satisfeito com os temas gerados, tendo conseguido corresponder ao critério de dupla via de Patton (2015): homogeneidade interna e heterogeneidade externa.

Fase 6: Produzindo o relatório

A Fase 6 começa com a análise final e escrita do relatório. A tarefa de relatar uma AT, seja para um artigo científico, pesquisa ou dissertação abrange contar a história complexa dos dados para convencer o leitor sobre o mérito e a validade da análise realizada. É importante que a análise (sua escrita, incluindo extratos de dados para ilustrações) ofereça uma descrição concisa, coerente, lógica, não repetitiva e interessante sobre a história que os dados contam - dentro e através dos temas (ou seja, intratemas e intertemas). O relatório deve fornecer evidência suficiente dos temas nos dados - ou seja, extratos de dados suficientes para demonstrar a prevalência do tema. Devem-se escolher exemplos vívidos ou extratos que capturam a essência do argumento que se está tentando ilustrar, sem complexidades desnecessárias. O extrato deve ser facilmente identificável como um exemplo do tema. Entretanto, o relatório precisa fazer mais do que apenas fornecer dados. Extratos precisam ser compreendidos dentro de uma narrativa analítica que ilustra de modo atrativo a história que se está contando sobre os dados. Ademais, a narrativa analítica precisa ir além da descrição dos dados, e construir um argumento na relação com a pergunta de pesquisa.

Há um elemento pertinente ao relatório da análise que pode parecer uma questão de estilo da escrita do pesquisador, mas de fato carrega consigo posições contestadas atualmente na abordagem qualitativa. Trata-se de quando se redige que os temas "emergem" dos dados, "brotam" dos dados ou deles "surgem". Essa é uma postura passiva com relação ao papel do pesquisador, como se sua visão analítica fosse tão somente um detalhe no processo de geração dos temas e desenvolvimento da análise. Na verdade, se os temas "emergem" de algum lugar, emergem do trabalho científico do pesquisador, que congrega experiência, teoria, insights, ideias, enfim, uma intencionalidade que deve ser reconhecida em contraponto a uma suposta neutralidade científica conforme outrora se entendia. Desse mesmo raciocínio pode-se descartar, na redação da análise, expressões como "dar voz aos participantes" - como se os dados não tivessem passado pelo ente pesquisador.

Outro aspecto importante é a apresentação de ilustrações nos resultados. O mapa temático referido pelas autoras como resultado da análise pode ser elaborado com apoio de algum software de análise de dados qualitativos ou recurso similar. O trabalho original de Braun e Clarke (2006) fornece exemplos tanto de um mapa temático inicial, o mapa em desenvolvimento, e o mapa temático final, encerrada a AT. O uso de retângulos, círculos, triângulos, para diferençar níveis de temas (subtemas), bem como a indicação de setas apontando a direção da origem do tema auxiliará na visão global dos resultados gerados.

 

Sete Vantagens da Análise Temática

Sete vantagens são mais evidentes quando o pesquisador começa a se envolver com a AT. Possivelmente há outras vantagens, já que a AT se aplica a uma grande variedade de análise de dados qualitativos. A primeira delas, e que atravessa todos os seus passos, é a flexibilidade. Nesse sentido, é exigida do pesquisador uma atitude mais flexível na análise dos dados. Ao seguir a AT, no mínimo é possível desenvolver uma flexibilidade como habilidade decorrente do seu uso, o que fortalece os recursos pessoais do pesquisador. Como segunda vantagem, há o fato de que se trata de um método fácil e rápido de aprender e executar. Essa vantagem fica evidente quando lecionamos a AT para pesquisadores tradicionalmente quantitativos que precisam conduzir uma análise qualitativa que não necessariamente deve gerar dados de frequências ou ocorrências. Ademais, pesquisadores mais familiarizados com técnicas de análise de conteúdo tradicionais e amplamente utilizadas têm manifestado, ao aprender a AT, que sua descrição e estrutura em seis passos favorece a compreensão e visualização da codificação dos dados, explicitando a transformação dos temas ao longo do processo. Nessa mesma direção está a terceira vantagem, que qualifica a AT como acessível para pesquisadores com pequena ou nenhuma experiência em análise qualitativa. A quarta vantagem aponta que os resultados a partir do uso da AT são normalmente acessíveis ao entendimento do público em geral, laico em ciência. Nesse sentido, a quinta vantagem se aproxima da precedente, ao caracterizar a AT como um método útil para estudos com pesquisa que tenha a participação dos participantes como colaboradores da análise.

Dando continuidade às vantagens da AT, em sexto lugar frisa-se que pode ser de grande benefício sua capacidade de sumarizar aspectos-chave de uma grande quantidade de dados, bem como oferecer uma descrição densa do banco de dados analisado. Como sétima vantagem, a AT pode gerar muitos insights não antecipados pelo pesquisador, o que só contribui para uma análise frutífera. Mais especificamente, a recursividade durante as etapas (na interação constante entre dados, referências bibliográficas, experiências do pesquisador, dentre outros elementos) colabora para novas descobertas. O tratamento apurado sobre os códigos inicialmente vistos como "outras respostas" é um exemplo de como por vezes um único código, porém diferente, de destaque e novo, recebe merecidamente (e sob a coerência do método usado) o valor de um tema e pode contribuir para que outras pesquisas passem a investigar e aprofundar esse ponto.

Essas são as principais vantagens da AT (Braun, & Clarke, 2006). Dada sua flexibilidade, provavelmente há outros benefícios que cada pesquisador pode inferir a partir das características do desenho de sua pesquisa.

 

Recomendações para Editores e Pareceristas

A AT apresentada neste texto não é a única existente; e isso é importante frisar. O modelo apresentado foi proposto pelas autoras Braun e Clarke (2006) e desenvolvido desde então. Seu desenvolvimento foi seguido por uma crescente aplicação por pesquisadores de vários países em pesquisas de diferentes áreas do conhecimento, agregando conhecimento às publicações que utilizam análise temática. No entanto, ainda hoje vem sendo publicados trabalhos nos quais não há uma equivalência entre relatório e prática da AT. Buscando contribuir para que as publicações com o uso de análise temática tenham garantidas a coerência e a qualidade esperadas, as autoras criaram um checklist de aspectos que tanto pareceristas como editores de periódicos podem consultar quando estiverem diante da avaliação de um texto que utilizou a AT (Braun, & Clarke, 2017).

 

Avaliando o método e os procedimentos

1. Está justificado o uso da AT, mesmo que muito brevemente? E a AT é consistente com as perguntas de pesquisa e com os fundamentos teóricos e conceituais da pesquisa? Há um bom ajuste (coerência conceitual) entre os procedimentos de coleta de dados e a AT?

2. Os autores claramente especificam qual abordagem da AT eles estão utilizando? A abordagem escolhida é aplicada de modo consistente em todo o texto?

3. Há evidências de premissas problemáticas sobre a AT? Por exemplo, tratar a AT como uma entidade única, homogênea, que possui um conjunto - amplamente aceito - de procedimentos; assumir que conceitos da teoria fundamentada se aplicam à AT sem qualquer discussão ou justificativa (saturação, comparação qualitativa constante, codificação linha por linha); assumir que a AT é somente uma abordagem descritiva, indutiva, dedutiva de redução dos dados e, portanto, precisa ser complementado com outros métodos ou procedimentos. Há fases ou métodos complementares justificados e de fato necessários, ou os mesmos resultados poderiam ser alcançados simplesmente com o uso correto da AT?

4. Os fundamentos teóricos do uso da AT estão claramente especificados (por exemplo: premissas ontológicas, epistemológicas, orientações teóricas), mesmo quando a AT for utilizada de modo indutivo (a AT indutiva não é o mesmo que uma análise em vácuo teórico)?

5. Os pesquisadores "apropriaram-se" de sua perspectiva, mesmo que muito brevemente? Isso é especialmente importante quando os pesquisadores estão engajados em pesquisa de estudos feministas críticos ou quando representam as "vozes" de grupos marginalizados ou vulneráveis, e grupos aos quais o pesquisador não pertence.

6. Os procedimentos analíticos estão claramente apresentados, mesmo que brevemente?

7. Há evidências de confusão conceitual ou nos procedimentos? Por exemplo, Braun e Clarke (2006) é a abordagem escolhida, mas procedimentos diferentes são utilizados, como um guia ou manual de codificação, diferentes avaliadores independentes e consenso na codificação, confiabilidade inter-avaliadores para estabelecer a confiabilidade da codificação, e os temas são conceituados como inputs analíticos e não outputs (produtos), e dessa forma a análise progride da identificação de temas para a codificação. Está claro que os autores leram e entenderam completamente Braun e Clarke (2006)?

 

Avaliando a análise, os achados e os resultados

8. Está claro quais são os temas? O texto se beneficiaria de um tipo de análise panorâmica: listagem de temas, panorama narrativo, tabela de temas, mapa temático?

9. Os temas são apenas sínteses de conteúdos (resumos de domínios ou áreas dos dados, ou seja, resumos de tudo o que os participantes disseram sobre um tópico específico ou na relação com alguma questão específica, sem um conceito unificador fundamentando os temas propostos)? As perguntas utilizadas na coleta de dados foram usadas como temas? As sínteses de domínios são apropriadas para o propósito da pesquisa? Se sim, e se os autores estão utilizando a AT de Braun e Clarke (2006), essa divergência de conceptualização dos temas é discutida? O trabalho se beneficiaria de mais análise e de um relato de temas de fato mais acabados, finalizados? Ou o texto se beneficiaria de uma descrição da abordagem utilizada que reflete, na verdade, uma abordagem diferente da AT (por exemplo: confiabilidade de codificação, grade prévia de códigos)?

10. Há informação contextualizada não tematizada apresentada como um tema (por exemplo: o primeiro tema é uma síntese de um domínio que fornece informação contextualizada, mas os temas restantes são temas finalizados)? O texto se beneficiaria desse material não ser apresentado como um tema, mas como informação contextualizada?

11. Na pesquisa aplicada, os temas relatados originam resultados aplicáveis?

12. Há choques conceituais e evidência de confusão conceitual no texto (por exemplo: assumindo uma abordagem socioconstrucionista, ao mesmo tempo em que demonstra uma preocupação com confiabilidade na codificação)?

13. Há evidência de uma análise fraca ou não convincente? Há temas demais ou de menos, confusão entre códigos e temas, desencontro entre extratos de dados e afirmações analíticas, extratos demais ou de menos, sobreposição de temas?

 

Considerações finais

Há uma diversidade de procedimentos para conduzir análises qualitativas. O pesquisador novato carece de modelos para análise suficientemente flexíveis, frutíferos e coerentes com uma abordagem qualitativa. O que mais se percebe é a menção à análise de conteúdos de abordagem quantitativa, maciçamente usada em estudos qualitativos.

Este texto buscou apresentar a AT conforme proposta por Virginia Braun e Victoria Clarke. Trata-se de um método flexível, acessível e capaz de apoiar o manejo tanto de grandes como de pequenos bancos de dados de estudos qualitativos.

Na primeira parte do texto foram apresentados aspectos prévios que orientam o entendimento e a condução da AT, e que valem para outros tipos de análise qualitativa de conteúdos: o papel da escrita, a postura diante da revisão de literatura, a autonomia do pesquisador sobre os dados, direções da AT (indutiva ou dedutiva), três grupos de abordagens em AT, e a questão do tema e de sua prevalência. Na segunda parte, o método da AT foi detalhado em seus seis passos, com exemplos e ilustrações confeccionados especialmente para este texto, com apoio nos dados de Piccinini et al. (2012). Mais que isso, a Figura 2, sobre os dois níveis da quarta etapa do método, foi realizada especialmente para o presente trabalho. Essa ilustração foi aprovada pelas professoras Virginia Braun e Victoria Clarke, que avaliaram uma versão em inglês desse esquema, sem indicarem alterações. Na terceira parte do texto foram destacadas sete vantagens da aplicação da AT. A quarta e última parte foi dedicada a editores e revisores de manuscritos em periódicos científicos e, por que não, integrantes de bancas avaliadoras de trabalhos (mestrado, doutorado, trabalho de conclusão de curso etc.). São questões diretas sobre aspectos principais a se considerar com relação ao uso da AT em pesquisa, e que colaboram para uma avaliação esclarecida desse método.

Quais são as limitações, riscos ou desafios à AT? Os seguintes alertas servem para responder a muitas dessas questões: não utilizar os passos da AT como uma "receita", posto que há abordagens distintas da AT, bem como objetivos diferentes a partir de um caminho dedutivo ou indutivo; não negligenciar a etapa 1, de familiarização, pois todo o processo depende de como ela foi tratada; ainda que ideias de temas estejam surgindo nas etapas 1 e 2, permitir que a etapa 3 sirva fundamentalmente a esse propósito; evitar rigidez na etapa 4, pois ela permite transformações importantes, bem como retornos frutíferos a etapas anteriores; a etapa 5 não é o fim da análise, e a relação e interação dos temas precisa estar clara junto ao objetivo da análise; não desvalorize a etapa 6, porque a escrita dos temas é a forma de comunicação com a comunidade científica sobre os achados, bem como o mapa temático. A AT não permite generalizações, mas permite a criação de teorias fundamentadas, caso essa seja uma meta do pesquisador. A AT não possibilita a quantificação dos dados (quantas pessoas referiram a tal tema, ou quantas referências estão contidas em um tema?), mas colabora para estudos quantitativos com material rico para a criação de levantamentos, roteiros para questionários etc. Por fim, a AT não é mais fácil ou rápida do que outra técnica de análise qualitativa de conteúdos, pois requer um comprometimento qualitativo concomitantemente mais aprofundado e amplo, sem compromissos quantitativos adotados a priori.

Com o presente texto, buscou-se ilustrar o método bem como fornecer orientações complementares colhidas de publicações subsequentes ao seminal artigo de 2006 sobre AT (Braun, & Clarke, 2006). Também se aproveitou a oportunidade para criar um novo esquema para a etapa 4 e detalhar a preparação para o método. Espera-se que, assim, esteja à disposição do pesquisador latino-americano mais uma opção adequada de recurso para análises qualitativas de conteúdos. De todo modo, é fundamental que o pesquisador interessado busque estudar o método para além do presente texto, consultando as publicações das autoras Virginia Braun e Victoria Clarke, seus vídeos e demais materiais, bem como as numerosas publicações que seguiram a AT em psicologia e outras áreas.

 

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Endereço para correspondência:
Luciana Karine de Souza
luciana.karine@ufrgs.br

Submetido em: 23/07/2018
Revisto em: 31/12/2018
Aceito em: 19/01/2019

 

 

1 A autora agradece as valiosas contribuições de Virginia Braun e de Victoria Clarke sobre partes traduzidas para o inglês do presente texto e sugestões complementares. Agradece também ao Prof. Dr. Cesar Piccinini, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), pela colaboração ao fornecer dados de pesquisa para a realização de análise temática especialmente para este texto, ao Prof. Dr. Gustavo Gauer, também da UFRGS, pela revisão da versão preliminar deste manuscrito, e ao Prof. Dr. William Gomes, incansável incentivador de meu trabalho, grande pioneiro da pesquisa qualitativa em Psicologia no país. Apoio: PNPD-CAPES, através de bolsa de pós-doutorado no trabalho como consultora em análise qualitativa de dados (2013-2018) no Centro de Análise de Dados em Psicologia (CAD-Psico) do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFRGS.

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