SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.71 issue2Impact of personality and junior enterprise to stimulate potential entrepreneurs author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Arquivos Brasileiros de Psicologia

On-line version ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. vol.71 no.2 Rio de Janeiro May/Aug. 2019

http://dx.doi.org/10.36482/1809-5267.ARBP2019v71i2p.193-208 

ARTIGOS

 

Representações sociais da deficiência física na revista Veja (1968-2016)

 

Social representations of physical disability in Veja magazine (1968-2016)

 

Representaciones sociales de la discapacidad física en la revista Veja (1968-2016)

 

 

Bruna BerriI; Andréa Barbará da Silva BousfieldII; Emanuely Zelir Pereira da SilvaIII; Mariana Luíza Becker da SilvaIV

IMestre em Psicologia. Programa de Pós-graduação em Psicologia. Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Florianópolis. Estado de Santa Catarina. Brasil
IIDocente. Programa de Pós-graduação em Psicologia. Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Florianópolis. Estado de Santa Catarina. Brasil
IIIMestranda. Programa de Pós-graduação em Psicologia. Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Florianópolis. Estado de Santa Catarina. Brasil
IVMestranda. Programa de Pós-graduação em Psicologia. Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Florianópolis. Estado de Santa Catarina. Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Essa pesquisa objetivou caracterizar as representações sociais da deficiência física difundidas em uma mídia impressa de circulação nacional do período de 1968 a 2016. Utilizou-se a Teoria das Representações Sociais na interface com teorias de comunicação e uma perspectiva social da deficiência. Trata-se de um estudo documental retrospectivo, no qual organizou-se 55 reportagens da revista Veja sobre a deficiência física em um corpus textual, que foi analisado por uma Classificação Hierárquica Descendente através do software IRaMuTeQ. Os resultados apontam que a revista apresenta divulgações científicas sobre tecnologias adaptadas, relatos pessoais focados na tragédia e reabilitação e sobre barreiras sociais e arquitetônicas. As representações propagadas pela mídia ancoram-se na doença e, devido ao seu impacto, podem reafirmar preconceitos e estereótipos. Contudo, poderiam fomentar espaços de discussão, contribuir para o movimento pró-inclusão e para a desconstrução de barreiras atitudinais.

Palavras-chave: Representação Social; Mídia; Deficiência Física; Pessoas com Deficiência.


ABSTRACT

This research aimed to characterize the social representations of physical disability diffused in a printed media of national circulation from 1968 to 2016. The Theory of Social Representations was used in the interface with communication theories and a social perspective of disability. This is a retrospective documentary study, in which 55 articles about physical disability of Veja magazine were organized in a textual corpus. This was analyzed by a Descending Hierarchical Classification by the IRaMuTeQ software. The results show that the journal presents scientific divulgations on adapted technologies, personal reports focused on tragedy and rehabilitation and about social and architectural barriers. The representations propagated by the media are anchored in disease, and because of their impact, can reaffirm prejudices and stereotypes. However, they could foment discussion spaces, contribute to the pro-inclusion movement and deconstruct attitudinal barriers.

Keywords: Social Representation; Media; Physical Disability; People with Disabilities.


RESUMEN

Esta investigación objetivó caracterizar las representaciones sociales de la discapacidad física, difundidas en medio impreso de circulación nacional del período de 1968 a 2016. Se utilizó la Teoría de Representaciones Sociales en la interfaz con teorías de comunicación y una perspectiva social de la discapacidad. Se trata de un estudio documental retrospectivo, en que se organizaron 55 reportajes de la revista Veja sobre la deficiencia física en un corpus textual. Este, fue analizado por una Clasificación Jerárquica Descendente por el software IRaMuTeQ. Los resultados apuntan que la revista presenta divulgaciones científicas sobre tecnologías adaptadas, relatos personales enfocados en tragedia y rehabilitación, y sobre barreras sociales y arquitectónicas. Las representaciones propagadas por los medios se anclan en enfermedad, y debido su impacto, pueden reafirmar prejuicios y estereotipos. Sin embargo, podrían fomentar espacios de discusión, contribuir para el movimiento pro-inclusión y para deconstrucción de barreras de actitudes.

Palabras clave: Representación Social; Medios; Discapacidad Física; Personas con Discapacidad.


 

 

Introdução

O fenômeno da deficiência é experienciado por mais de um bilhão de pessoas no mundo (OMS, 2012). Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2011) apontam que, no Brasil, há cerca de 45 milhões de pessoas com algum grau de deficiência, representando 23,9% do total da população, destes, 1,3% refere-se a algum tipo de deficiência física/motora e quase a metade desse total apresenta a deficiência em grau intenso ou muito intenso de limitações. São consideradas pessoas com deficiência aquelas que apresentam em longo prazo impedimentos físicos, intelectuais ou sensoriais que, quando em contato com barreiras diversas, limitam a participação plena na sociedade quando comparados às condições das demais pessoas (Decreto egislativo Nº 6.949, 2007).

De acordo com Mello, Block e Nuernberg (2014), os estudos sobre deficiência partem essencialmente de dois modelos antagônicos: o Modelo Médico da Deficiência, o qual compreende o corpo deficiente a partir da ideia de cura ou medicalização. E o Modelo Social da Deficiência, o qual percebe a deficiência para além do corpo, como uma relação da pessoa com o seu contexto social e ambiental. O "problema" da deficiência passa a ser estrutural e social, visto que é a sociedade que não abarca a diversidade corporal determinando diversas barreiras.

As diferenças corporais influenciam a dinâmica psicológica e social do indivíduo, pois corpos que fogem dos padrões sociais são excluídos e percebidos como um problema a ser resolvido individualmente. Ainda, o corpo com deficiência é frequentemente associado a alguma tragédia causada por acidentes ou doenças, originando o estereótipo do deficiente como vítima (Martins, & Borges, 2012).

O corpo canônico é transformado, esculturado, fantasiado e tem a mídia como principal propagadora na busca de adeptos. A mídia dissemina essas normativas corporais com o suporte do conhecimento médico e científico para a elaboração de fenômenos que se evidenciam socialmente. A ciência cria medicamentos, cosméticos, suplementos de alimentação, cirurgias estéticas, tentando evitar ou retardar características desvantajosas, deficiências e o envelhecimento (Silveira, 2012).

O discurso biomédico prega uma ideologia de saúde e corpo perfeito, contribuindo para que grande parte da população considere doenças, lesões e impedimentos que mudam o seu corpo como um fracasso social (Silveira, 2012). Dessa forma, pessoas que estão explicitamente fora da normativa corporal incentivada pela mídia e indústrias interessadas, trazem em sua imagem um estereótipo excludente, criando no imaginário social uma sensação de que há algo errado com quem não corresponde aos padrões da norma (Ortega, 2008). Assim, o feio e o inadequado são percebidos socialmente como desleixo com a aparência. Quando as normas determinam um corpo que é confirmado socialmente, resta pouco espaço para os que fogem dos padrões propagados pela sociedade (Justo, 2016).

As comunicações em massa são dispositivos de produção e disseminação de crenças, normas, valores e representações sociais, as quais se deslocam do saber científico para o conhecimento do senso comum, contribuindo também com estereótipos que circulam no cenário social (Moscovici, 1981; Rouquette, 1986). Além disso, ao criar e difundir padrões de beleza corporal, a mídia contribui para a elaboração da autoimagem corporal. Conforme Mavignier (2013), na sociedade moderna a construção da identidade do sujeito ocorre tanto no âmbito individual quanto no social, assim, a sociedade influencia na formação identitária das pessoas. Além disso, as representações sociais podem produzir estigmas e influenciar na construção alterada da identidade da pessoa com deficiência (Mavignier, 2013).

A Teoria das Representações Sociais (TRS), elaborada por Moscovici (1961/ 2012), traz as representações sociais como formas de conhecimento do mundo socialmente partilhadas, as quais fornecem sentido a dados novos, propiciando os processos de elaboração das comunicações sociais. Com um caráter dinâmico, as representações sociais se revelam como uma rede de crenças, metáforas, comportamentos e imagens que se articulam de forma fluída (Camargo, Goetz, Bousfield, & Justo, 2011).

As representações sociais são constituídas por três dimensões que se relacionam: a informação, que se refere à organização dos conhecimentos do grupo social em relação a um objeto; o campo ou imagem, que corresponde ao conteúdo de um aspecto do objeto de representação; e a atitude que consiste na tomada de posição em relação ao objeto representado (Moscovici, 2012). Nesse sentido, a mídia traz aspectos da dimensão informacional de uma representação, pois difunde diversas formas de conhecimento e contribui para a formação de uma sociedade pensante. Assim, estudar o conteúdo das mensagens transmitidas pelas mídias pode revelar um diagnóstico do social, tendo em vista que, essas refletem a relação do meio que emite as mensagens e daqueles que as recebem, sendo o molde e expressão de uma cultura (Kientz, 1973).

Segundo Pereira, Monteiro e Pereira (2011), as representações sociais acerca das pessoas com deficiência, assim como as atitudes relacionadas a essas, são predominantemente produzidas pela mídia. De acordo com os autores, esse fenômeno possivelmente acontece porque é através desses meios que a maioria das pessoas possui alguma forma de "contato" com essa categoria social.

Com isso, investigar o papel da mídia como propagadora de informação auxilia na compreensão de questões do cotidiano. Além disso, possibilita identificar as temáticas que formam o senso comum que, por sua vez, influenciam na constituição de representações e comportamentos sobre determinado objeto, como a deficiência física. A partir dessas considerações, essa pesquisa tem como objetivo caracterizar as representações sociais da deficiência física difundidas em uma mídia impressa de circulação nacional do período de setembro de 1968 a dezembro de 2016.

 

Método

Trata-se de um estudo documental, descritivo e de corte longitudinal retrospectivo (Gil, 2008). Analisaram-se as reportagens internas da revista Veja sobre deficiência física, apanhadas em uma busca ao Acervo Virtual da revista, oferecida na internet gratuitamente. A Veja é uma revista com conteúdos informacionais sobre a atualidade e foi uma das primeiras a circular entre a população, além de ser considerada a mais lida no Brasil, possuindo influência mundial (Silva, & Gonzales, 2008).

De setembro de 1968 até dezembro de 2016, a revista Veja teve 2.510 edições. Com o intuito de encontrar as reportagens sobre deficiência física utilizaram-se os descritores em português: deficiência, deficiência física, cadeirante, paraplegia, paraplégica, paraplégico, tetraplegia, tetraplégica, tetraplégico, amputação, amputada, amputado, aleijada e aleijado. A seleção dos descritores partiu do que traz a literatura sobre os termos mais comuns ao longo dos últimos 48 anos para mencionar as pessoas com deficiência física. Objetivando, assim, coletar o maior número de matérias relacionadas à temática.

Foram encontradas, ao total, 856 reportagens que possuíam os descritores em seu título e/ou texto. Todas passaram por uma leitura seletiva dos títulos e conteúdos gerais para verificar se enquadravam aos critérios de inclusão: publicações internas da revista que estivessem integralmente relacionadas à temática proposta; acesso integral ao conteúdo das reportagens; trouxessem informação e/ou opiniões sobre a deficiência física; e ocupassem no mínimo meia página da revista. A partir disso, selecionou-se 91 reportagens que abordavam a temática da deficiência física. Após leitura integral das reportagens e exclusão das repetidas, totalizou-se 55 reportagens internas que apresentavam a deficiência física predominantemente. Dessas reportagens selecionadas, três são relativas a década de 1970, oito correspondem à década de 1980, 11 da década de 1990, 17 relativas à década de 2000 e 16 referentes à última década (2010-2016).

As 55 reportagens internas foram organizadas em um único arquivo, compondo o corpus textual de análise o qual foi submetido a uma Classificação Hierárquica Descendente (CHD) realizada por meio do software gratuito IRaMuTeQ - Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnariores (Marchand, & Ratinaud, 2012). De acordo com Camargo e Justo (2013) o programa informático foi elaborado com a finalidade de superar a oposição entre as análises quantitativas e qualitativas, visto que sua análise possibilita a quantificação e realização de cálculos estatísticos sobre as variáveis de essência qualitativas. Nos estudos de representações sociais, as classes formuladas pelo IRaMuTeq podem apontar aspectos de representações, tendo em vista a centralidade das manifestações linguísticas (Veloz, Nascimento-Schulze, & Camargo, 1999).

 

Resultados

As 55 reportagens internas foram organizadas em um corpus textual, no qual cada reportagem foi identificada por uma linha de comando que englobou como variáveis: ano, década, edição da reportagem e o seu descritor correspondente. Após ser submetido a uma Classificação Hierárquica Descendente (CHD) pelo programa IRaMuTeQ, o corpus dividiu-se em 55 textos, fracionados em 1.490 segmentos de texto, sendo 81,21% retidos na CHD. Além disso, o corpus foi dividido em cinco classes que foram nomeadas e significadas pela pesquisadora. Para a seleção das palavras representativas de cada classe, adotou-se parâmetros de palavras que possuíssem relação significativa da palavra com a classe verificada através de teste de qui-quadrado (x2 =3,84, uma vez que o cálculo do texto é feito com base em uma tabela com grau de liberdade igual a 1) e (c) p-valor < 0,0001.

A Figura apresenta as classes produzidas pela CHD e as palavras representativas de cada classe com sua respectiva frequência e qui quadrado. Primeiramente o software IRaMuTeQ dividiu o corpus em dois subcorpora, originando a Classe 5 em contraposição às demais. Em seguida, o segundo subcorpora passou por outra diferenciação, separando a Classe 4 das Classes 3, 1 e 2 que, por sua vez, também foram divididas em duas partes, originando a Classe 3 e, em seguida, a Classe 1 e 2. A nomeação das classes deu-se por análise qualitativa, pois os segmentos de textos permitem uma contextualização das palavras características de cada classe.

A primeira classe a se diferenciar do restante do corpus, a Classe 5, foi denominada de "Ciência e Tecnologia" e refere-se a 18,8% dos segmentos de textos obtidos na análise. Essa classe possui conteúdos relacionados a estudos e pesquisas, realizados por universidades e instituições de pesquisas, sobre células-tronco e produções de exoesqueletos. Os segmentos expõem os avanços tecnológicos como uma estratégia que propiciará a recuperação dos movimentos e habilidades perdidas.

A Classe "Ciência e Tecnologia" contém reportagens mais recentes - década de 2010 - e expõe informações sobre descobertas científicas, novas tecnologias e seus valores econômicos. Ainda, realiza entrevistas com Christopher Reeve, ator americano conhecido pelo papel de Super-homem, que sofreu um acidente que o deixou tetraplégico, retratando sua recuperação e expectativas. O enfoque da classe informa sobre o avanço da ciência e da biomedicina, os trechos a seguir apresentam esse contexto:

Bem-vindos a Era dos Homens Biônicos. A chegada ao mercado dos exoesqueletos foi ansiosamente aguardada por deficientes físicos que podem voltar a andar com essas inovações. Mas as máquinas também são úteis a todos por possibilitar a superação dos nossos limites físicos naturais (Thomas, 2014, p. 108.

O caso do ator Christopher Reeve é um bom exemplo, sua lenta recuperação está sendo possível graças a uma das novas técnicas desenvolvidas nesses últimos 6 anos, ela envolve um curioso jogo de gato e rato com as defesas do organismo (Sanches, 1996, p. 103).

Uma segunda partição originou a Classe 4 nomeada de "Barreiras", tendo em vista que os conteúdos se referem às diversas barreiras sociais, arquitetônicas e atitudinais que as pessoas com deficiência enfrentam. Essa classe é a maior, retendo 26,53% dos segmentos de texto e em sua maioria relaciona-se a reportagens das décadas de 1970, 1980 e 1990.

A Classe "Barreiras" apresenta problemas arquitetônicos dos espaços públicos e de novas obras realizadas, e explicita os direitos de acesso e circulação das pessoas com deficiência utilizando como exemplo rampas, elevadores e ônibus adaptados. Aborda também o preconceito social e a dificuldade de inserção no mercado de trabalho e educação. Observa-se que na maioria dos trechos, os termos referidos à inserção ou não das pessoas com deficiência na sociedade era segregação e integração, ainda não se utilizava o termo inclusão. A seguir alguns trechos que demonstram essa classe:

[...] mas não é fácil, as empresas em geral desconfiam do deficiente, em primeiro lugar por acharem que os defeituosos físicos faltam a qualquer momento no serviço pois a toda hora ficam doentes (A saga dos defeituosos, 1977, p. 54).

As consequências são desastrosas para os deficientes, que se veem cerceados em seu direito fundamental de ir e vir. Isso limita seu acesso à saúde, à educação, ao trabalho e ao lazer. Situação que os faz prisioneiros em suas próprias casas e reforça o preconceito ao induzir a sua segregação do convívio social. A marginalização do processo produtivo os afronta em sua dignidade e os transforma em um pesado ônus para suas famílias e para o país (Alves, 1993, p. 118).

A Classe 3, denominada "Tragédia" representa 13,47% dos segmentos de texto e refere-se principalmente à década de 1990. Seus conteúdos tratam predominantemente de histórias de amputações de membros, abordando o procedimento cirúrgico, a reabilitação, adaptação com próteses ou sensações fantasmas. É constituída por relatos pessoais, entrevistas ou histórias verídicas de personalidades brasileiras que vivenciaram o processo de amputação. As reportagens recorrem à tonalidade trágica para relatar os acidentes ocorridos, em geral, por lanchas, motos ou doenças. Os trechos a seguir demonstram os conteúdos da classe:

As sombras da amputação, amargo desfecho de um drama que o país acompanhou passo a passo, rondavam João Carlos de Oliveira desde o acidente que entortou o seu destino, há quase 9 meses (A última prova, 1982, p. 104).

Lars foi derrubado na água, sugado pelo movimento da hélice e teve sua perna direita ceifada na parte superior da coxa. Acostumada a conquistas esportivas, a família de Grael teve de superar não só a dor pela mutilação do caçula de 3 irmãos campeões do iatismo como uma constrangedora troca de acusações com o pai do atropelador. Em vez de se desculpar pelo filho, o empresário capixaba Carlos Guilherme Lima, empreiteiro e ex-banqueiro, preferiu atacar a vítima "se ficar provado que a culpa foi do Lars, vamos tomar as medidas judiciais e exigir indenização pelo trauma que meu filho sofreu" disse, como se o dono da lancha é que tivesse sido abalroado e perdido uma perna, e não o iatista (França, 1998, p. 126).

A Classe 1, nomeada de "Sentimentos" é a segunda maior, associando a 23% dos segmentos de texto, refere-se aos sentimentos, sensações e significados das pessoas com deficiência sobre o seu processo. Em sua maioria, são relatos pessoais, através de entrevistas de personalidades famosas que adquiriram a deficiência por meio de algum acidente, discorrendo sobre as primeiras impressões com o novo corpo. Os conteúdos são principalmente referentes da década de 2000.

Os segmentos de texto trouxeram questões relacionadas ao desejo em retomar as atividades cotidianas e a esperança desenvolvida pelo processo de reabilitação. Observam-se oposições entre o luto decorrente da perda de função de um membro corporal, assim como a perda temporária de um estilo de vida; e a gratidão pela sobrevivência. Ainda, apresentou-se comum o sentimento de menos-valia, corroborado pelos comportamentos de compaixão emitidos pelas pessoas ao entorno; mas também aspectos de superação, esperança e positividade. A seguir, trechos que ilustram a Classe "Sentimentos":

A fase inicial foi, sem dúvida, a mais dolorosa. Primeiro, a luta pela vida, semi-inconsciente, tentando vislumbrar se eu sairia daquela. E, se conseguisse sair, como iria viver? Eu era um atleta olímpico tendo de começar a pensar como seria a vida de um deficiente físico. Valeria a pena viver? (Carneiro, 2004, p. 11).

Alguns olham com pena. Muita gente faz aquela cara: oh, coitada, tão nova! Pena é o pior sentimento que alguém pode ter por mim (Kostman 2004, p. 16).

A Classe 2 corresponde a 18,3% dos segmentos de texto e foi denominada "Adaptação e independência", pois seus conteúdos se associam ao momento da descoberta da deficiência, mas possuem um enfoque na adaptação à nova realidade da vida e na interdependência. A classe, ainda traz relatos pessoais, com questões que perpassam às décadas. Os segmentos de textos da Classe "Adaptação e independência" referem-se às relações familiares; a família surge como motivadora para a sobrevivência e o suporte de familiares e amigos como essencial para o enfrentamento do luto. Além disso, apareceram conflitos relacionados ao cuidado e dependência, evidenciando um esforço pela autonomia obtida pela reabilitação. Os trechos a seguir exemplificam os conteúdos da classe:

Desde o início eu odiava ver as pessoas me ajudando. Não queria depender de ninguém, disse Cameron a VEJA. Em 4 anos, ele reaprendeu a andar, correr e manipular objetos com a ajuda de próteses de alta tecnologia. O aprendizado foi duro, e ainda requer um esforço fenomenal. Tenho de conviver com isso cada minuto que passo acordado na vida. Não é fácil, desabafa. Vivendo com a mãe, o padrasto e 4 irmãos, sendo um gêmeo. Cameron passou por várias ondas de choque. Sentia frustração e raiva (Ming, 2005, p. 87).

Apesar de não mover braços nem mãos, tento inserir movimentos, ainda que feitos por intermédio de outra pessoa, na minha rotina. Na hora de comer, não me contento em ser alimentada na boca. Gosto de segurar o talher que será levado até ela. Tomo banho de banheira e procuro lavar o corpo com as minhas mãos guiadas pela auxiliar. Essa foi a maneira que encontrei de entrar em contato com um corpo que ainda é meu (Buchalla, 2010, p. 29).

 

Discussão

As classes formuladas pelo software e nomeadas pela pesquisadora retratam três núcleos principais para a análise: conteúdos associados aos aspectos sociais da deficiência, questões individuais ilustradas por meio de relatos pessoais destacando a aquisição da deficiência como uma fatalidade ou tragédia e conteúdos mais recentes que vislumbram tratar ou curar a deficiência através do avanço tecnológico. Compreende-se que, frequentemente, as pessoas entram em contato com a deficiência por meio da mídia, com isso, muitas vezes, as representações sociais e atitudes relativas às pessoas com deficiência são produzidas por meio da comunicação em massa.

A Classe "Barreiras" tenta ampliar a perspectiva individualista da deficiência, apresentando questões como falta de acessibilidade à formação acadêmica, mercado de trabalho, espaços físicos, entre outros, como um problema social e estrutural experienciado pelas pessoas com deficiência. Em contrapartida, o restante do conteúdo reafirma o imaginário da deficiência como tragédia e/ou um problema que deve ser resolvido, expondo os avanços tecnológicos como a conquista do novo século. Em consonância com os estudos de Mavignier (2013), o qual em uma análise das representações sociais da deficiência existente na mídia expôs que os conteúdos mais frequentes foram associados ao assistencialismo, à normalização, à superação (vista como heroísmo) e questões de cidadania e inclusão.

Observa-se que a Classe "Barreiras" ao abordar os problemas sociais, emprega diversas vezes o termo "integração", segundo Mello, Nuernberg, e Block (2014), até a década de 1990 a luta das pessoas com deficiência ainda era de integração social, que visa adaptar a pessoa com deficiência à sociedade. A partir da década de 1990, assumiu-se a ideia de inclusão social, visto que o paradigma da inclusão objetiva a adaptação da sociedade às pessoas com deficiência por meio da promoção de acessibilidade.

A terminologia evidencia que, pelo menos até os anos 1990, mesmo nas reportagens que evidenciam os problemas sociais que enfrentam as pessoas com deficiência, o foco estava na adaptação individual. Conforme a pesquisa realizada pela Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI) com a Fundação Banco do Brasil (2003), empregar a nomenclatura correta é indispensável para o uso de uma redação inclusiva, especialmente ao abordar temáticas carregadas de preconceitos e estereótipos. A linguagem é fundamental na formação de representações social, assim, o uso adequado de termos contribui para a modificação de representações e mudanças sociais (Mavignier, 2013).

Nota-se que as representações sociais sobre a deficiência física reveladas nas reportagens da Veja ancoram-se no Modelo Médico da Deficiência, tendo em vista a ênfase explícita dos relatos de tragédias e matérias que apresentam a cura do corpo, ou que empregam uma linguagem que enfatiza essa ideia. De acordo com Diniz (2007), o corpo passa a ser objeto de cuidados médicos, quando esse foge dos padrões de normalidade, e, por ser compreendido como um problema individual, pode ser curado, tratado ou readaptado através de equipes de saúde - ponto que é manifestado na maior parte das reportagens. Sobretudo, quando a lesão ocorre em um corpo visto como padrão estético ou de saúde, como no caso do ator Christopher Reeve e de atletas, o acontecimento torna-se um contrassenso. Segundo Martins e Borges (2012), o corpo com deficiência percebido na perspectiva do modelo de saúde, influencia diretamente nas práticas realizadas em relação a esse.

As Classes "Tragédias", "Sentimentos" e "Adaptação e Independência" compõem aspectos de uma mesma representação. Constituindo juntas cerca de metade dos segmentos de texto, apontam a deficiência física na perspectiva da tragédia e reabilitação do corpo. Na grande maioria, seus conteúdos englobam relatos pessoais de personalidades que adquiriram uma lesão física através de acidentes. As matérias, em geral, destacam quatro momentos da vida do indivíduo: sua vida antes do acidente, fatos sobre o acidente, momentos antes da reabilitação e após a reabilitação. Assim, as reportagens ancoram a representação da deficiência física no corpo que foi lesionado e que provoca prejuízos emocionais, mas que será reabilitado; abrangendo aspectos biológicos e psicológicos da lesão sem abarcar o aspecto social da deficiência.

Na pesquisa de Silveira (2012) sobre mídia e deficiência, notou-se que as reportagens seguiam um padrão contendo primeiramente uma parte informativa sobre a deficiência em conjunto com relatos de pessoas com deficiência, a qual oscilava ora pelo reconhecimento de seus direitos ora pela exaltação da pessoa com deficiência com apelo emotivo, salientado histórias de superação pessoal.

As pessoas com deficiência foram, historicamente, infantilizadas e a mídia possui uma visão estereotipada da deficiência (Silveira, 2012). Silveira (2012), ao pesquisar a mídia televisiva de 1965 a 2010, período similar a esse estudo, verificou que dentre as 248 telenovelas lançadas pela Rede Globo, apenas 16 possuíam um personagem com deficiência, dessas, sete expressaram o personagem a partir da vitimização e do sofrimento, sete apresentaram-no na perspectiva da superação, na qual os personagens empenhavam-se pela autonomia e qualidade de vida e em duas telenovelas os personagens adquiriram a deficiência como forma de castigo, pois eram vilões. Em geral, a mídia tende a abordar a deficiência sob uma concepção de tragédia pessoal, com a presença de sensacionalismo e conteúdos associados a curas milagrosas e caridade. Isso se assemelha à prática assistencialista, essencialmente atribuída pela área médica (Silveira, 2012).

A maior particularidade desse estudo refere-se à Classe "Ciência e Tecnologia" que se relaciona às matérias mais recentes, de 2010 a 2016, que informam sobre inovações tecnológicas como possibilidade para a recuperação dos movimentos e habilidades lesionadas. Essas informações derivam de estudos científicos da área médica, novamente há um enfoque no biológico e na individualização da deficiência. As tecnologias eram reportadas juntamente com seus inacessíveis valores de mercado à grande parte da população, e indisponíveis aos mercados brasileiros. Em conformidade, nos estudos realizados pela ANDI (ANDI, & Fundação Banco do Brasil, 2003), aparece que as concepções de deficiência associadas à tecnologia eram inadequadas, pois divulgavam soluções milagrosas e demonstravam a pessoa com deficiência como alguém que necessitava de auxílio médico, atrelada à noção de doença.

A medicalização do corpo com deficiência física, segundo Kim (2013), é a própria reabilitação, tendo em vista o objetivo de potencializar o funcionamento corporal com o intuito de ser incorporado ao ambiente dos "normais". O autor refere que a propagação da mídia sobre próteses ou exoesqueletos para a pessoa com deficiência não muda o estigma que a lesão ocasiona. Além disso, afirma que a imagem de uma prótese biônica em uma pessoa amputada é visualmente confortável, pois representa a deficiência em um aspecto individualizante (Kim, 2013). No entanto, a exposição do corpo híbrido torna-se mais complexa ao associar-se às pessoas com lesões medulares, pois a cadeira de rodas não possibilita a inserção efetiva no mundo bípede. Além disso, Kim (2013) apresenta uma crítica quanto aos benefícios do exoesqueleto robótico, visto que ele não contribui fisiologicamente com a musculatura e limita a potencialidade corporal, pois as funções de motricidade são realizadas pela tecnologia.

Ademais, matérias que retratam a ciência e tecnologia não exigem do repórter uma reflexão ideológica sobre a temática e, conforme ANDI (ANDI, & Fundação Banco do Brasil, 2003), não os provoca a repensar o tratamento homogêneo em relação às pessoas com deficiência, dispensando-os de considerar suas particularidades. Luiz (2015) afirma que o corpo modificado possui a mídia como principal propagadora, visto que é por meio dela que o corpo se torna objeto de desejo, entretanto, os meios midiáticos se embasam no conhecimento médico-científico. A área biomédica gera técnicas de aperfeiçoamento corporal daquilo que não é estimado, como os sinais de envelhecimento, gordura corporal e lesões físicas. Assim, a mídia produz um espaço de reprodução dessas perspectivas, e não de reflexão e desconstrução (Luiz, 2015).

Comparando as matérias analisadas sobre a deficiência física com outros estudos similares, nota-se uma discrepância da quantidade e qualidade do conteúdo fornecido. Justo (2016) analisou as matérias da Revista Veja de 1968 a 2012 que fossem relacionadas à temática do sobrepeso corporal e encontrou 198 matérias que abordavam esse assunto, das quais 21 foram reportagens de capa. Castro, Aguiar, Berri, e Camargo (2016) investigaram as representações do rejuvenescimento através da revista Veja, em igual período, e verificaram 57 reportagens que empregaram o termo "rejuvenescer" e 111 reportagens em que o termo "rejuvenescimento" estava inserido, salientasse-se que todas eram reportagens de capa.

Neste estudo encontrou-se 55 matérias internas que apontam a deficiência física predominantemente, sendo que não foram constatadas reportagens de capa que retratassem a temática. Os autores da ANDI (ANDI, & Fundação Banco do Brasil, 2003) referem que a mídia reproduz o pensamento mágico da possibilidade de evitar discussões que envolvem Deficiência, traduzindo-se na não valorização da temática como de interesse público. Questão também verificada por Costa (2009), que não encontrou nenhuma reportagem em que pessoas com deficiência discutissem questões comuns como economia e política. Cabe salientar a importância de a mídia trazer outros enfoques relacionados à pessoa com deficiência como questões de comportamento, sexualidade, corpo, política, entre outros, que contemplem a diversidade sem que a lesão seja o foco de análise.

O fenômeno da deficiência física não se limita ao corpo, mas parte da produção cultural e social que estabelece algumas variações corporais como inferiores, incompletas e sujeitas a reparação quando relacionadas à norma corporal (Mello, & Nuernberg, 2012). A mídia também propaga conteúdos acerca do sobrepeso e rejuvenescimento, relacionados às normativas corporais. Com a valorização da aparência, valores como capacidade, persistência e força são associados àqueles que se preocupam excessivamente com seus corpos.

As pessoas com deficiência ficam à margem social, visto que a sociedade evita com o que foge dos padrões corporais, sendo excluídos nas diferentes estruturas sociais (Martins, & Borges, 2012). Essa marginalização evidenciada pela escassez de reportagens encontradas torna ainda mais perceptível a necessidade de trazer essas pessoas ao ambiente comum. Conforme Costa (2009), a representação social da pessoa com deficiência é pouco abordada pela mídia, o que prejudica o processo de inclusão e desenvolvimento nas discussões e práticas sociais, visto que o discurso de inclusão não tem força suficiente para repercutir na sociedade. Souza, Oliveira, Nascimento e Carvalho (2013) afirmam que a mídia influencia diretamente os comportamentos sociais, como os indivíduos consomem, aprendem, se relacionam e cuidam do corpo, e quando abordam a deficiência reforçam estigmas excludentes, acentuando as barreiras atitudinais.

A partir disso, compreende-se que a propagação de conteúdos realistas sobre a vivência das pessoas com deficiência pode produzir novas representações delas, propiciando novos significados e atitudes. Assim, poderiam evidenciar as potencialidades e não apenas as limitações. As representações sociais e atitudes relacionadas a essas são produzidas por meio da mídia, pois é por seu intermédio que muitas pessoas entram em contato com a deficiência. Com isso, a representação que é relacionada à pessoa com deficiência norteia a sua discriminação. As representações propagadas pela mídia impressa analisadas nessa dissertação baseiam-se no Modelo Médico de Deficiência, ancorado na doença.

O corpo normativo, em nossa sociedade, não é só percebido como agradável esteticamente, mas também está associado ao ideal de saúde. Assim, a representação de deficiência ancorada na doença possui impacto na forma que essas pessoas são percebidas. A sociedade tende a afastar uma pessoa doente atrelada à fragilidade. Além disso, a biomedicina estabelece-se como lugar de reabilitação, eximindo o meio social da responsabilidade de inclusão das pessoas que não se encaixam às normas corporais. Nesse sentido, informações estereotipadas prejudicam a transformação de pensamentos e atitudes, corroborando com a exclusão da deficiência na cultura dominante (Pereira et al., 2011). Segundo Luiz e Nuernberg (2018), a mídia brasileira não vem abarcando o modelo inclusivista e a concepção de deficiência como doença intensifica o imaginário social no qual a deficiência é percebida como algo que deve ser escondido ou combatido.

A forma como os meios de comunicação representam a deficiência muitas vezes acabam sendo incorporada pelas próprias pessoas com deficiência, que a adota como modelo a ser seguido (Mavignier, 2013). Fernandes e Denari (2017) afirmam que, mesmo com a convivência da diversidade corporal, ela não suprime o preconceito por si só, visto que as expressões depreciativas utilizadas pela mídia aludem a descredibilidade às pessoas com deficiência que é aprovada socialmente.

Nas últimas décadas essa perspectiva vem se alterando, por meio do aprendizado social, a comunidade e a mídia têm reconhecido mais as pessoas com deficiência como sujeitos de direitos e se distanciando do assistencialismo (Vimieiro, & Maia, 2011). Os autores relacionam essa mudança ao reconhecimento jurídico de seus direitos. Os dados gerados pela ANDI (ANDI, & Fundação Banco do Brasil, 2003) evidenciam que as matérias que abordam a pessoa com deficiência como sujeito de direitos incentivam seu lugar como pessoa comum, entretanto, se a retratam como sujeito desvalido, promovem o vitimismo. Silveira (2012) afirma que a visão da pessoa com deficiência enquanto vítima é relacionada diretamente com a ideia de superação.

Os profissionais dos meios jornalísticos poderiam ter uma postura ativa na transmissão de informações compatíveis com a legislação brasileira, auxiliando no processo de aprendizado social. Salienta-se que muitas pessoas com deficiência ainda desconhecem seus direitos básicos (ANDI, & Fundação Banco do Brasil,, 2003). O movimento pró-inclusão brasileiro possui a intenção de incentivar a mídia a incorporar a deficiência transversalmente em suas matérias iluminando-a através de diferentes pautas, pois a pessoa com deficiência não quer ser olhada através da deficiência, mas sim pela perspectiva da diversidade e singularidade - características de todos os seres humanos (ANDI, & Fundação Banco do Brasil,, 2003). Ao mesmo tempo em que os meios midiáticos podem reproduzir discursos preconceituosos, também podem contribuir com mensagens que fortaleçam as minorias sociais (Kellner, 2001).

As representações sociais sobre a deficiência difundidas pela mídia podem incentivar a construção ou desconstrução de barreiras atitudinais, que impedem, muitas vezes, a inclusão efetiva de pessoas com deficiência na sociedade. Assim como uma maior representatividade de pessoas com deficiência em pautas midiáticas diversas podem colaborar para novas representações.

A falta de informações sobre as deficiências e como agir diante delas propicia o preconceito e o despreparo da população perante a deficiência. De acordo com Schiele e Boucher (2011), as mensagens midiáticas possuem dupla função, a comunicacional que se refere à interação com o seu público, e a representacional que trata-se sobre o processo de ancoragem da informação, o qual elabora novos significados a partir de conhecimentos já instaurados.

A representação social da deficiência se ancora na representação da doença, assim, a própria deficiência é percebida como uma inadequação individual, não colaborando para a desconstrução do objeto. Com isso, os meios midiáticos perdem a noção de responsabilidade social relacionados ao processo de inclusão das pessoas com deficiência. Revela-se assim, um diagnóstico do social, visto que o conteúdo midiático é um reflexo relacional de seu emissor e receptor; destacando-se como uma expressão cultural (Kientz, 1973). Ademais, a mídia, poderia impulsionar um movimento pró-inclusão com o objetivo de promover um espaço de discussão sobre o assunto e contribuir para uma mudança social.

 

Considerações finais

A deficiência física verificada na revista Veja apresenta aspectos representacionais associados à divulgação de descobertas científicas sobre tecnologias adaptadas e avanços médicos para o aperfeiçoamento corporal da pessoa com deficiência. Além disso, expõe relatos pessoais com a deficiência sendo percebida enquanto tragédia e na reabilitação. Essas questões são importantes na manutenção da representação social de deficiência ancorada na doença, contribuindo para impactos negativos nas práticas referentes à inclusão das pessoas com deficiência. As matérias que retratavam a deficiência física em um aspecto crítico e positivo dando enfoque às barreiras sociais que prejudicam o acesso possuíam informações imprecisas e uso inadequado da linguagem, evidenciando a necessidade de profissionais do meio jornalístico aperfeiçoarem o conhecimento em relação às políticas públicas brasileiras.

É necessário refletir sobre o impacto da mídia sob a vida das pessoas com deficiência, pela reafirmação de preconceitos e estereótipos da deficiência e pelo seu papel fundamental na divulgação de representações sociais. Em contrapartida, esse mesmo impacto, poderia ser utilizado como instrumento para o movimento pró-inclusão, com o objetivo de promover um espaço de discussão e reflexão sobre o assunto, contribuindo para uma mudança social significativa.

Dentre as limitações desse estudo está a definição de uma revista impressa, com acesso irrestrito online. Propõe-se para futuras pesquisas a ampliação do conhecimento sobre o conteúdo das redes sociais-virtuais, sendo esse um espaço ainda pouco investigado. Observa-se que essas vêm revelando um espaço que permite uma participação inclusiva das diversas categorias sociais, aproximando-se de uma visão mais realista da deficiência. Ademais, empregar métodos diversos de pesquisa contribui para o entendimento sobre o fenômeno de maneira complementar. Considerando a carência de pesquisas sobre as representações sociais da deficiência nota-se um leque de temáticas que podem ser exploradas sobre o fenômeno. Em relação à escassez de pesquisas encontradas até o momento, sobre o assunto proposto, compreende-se esse como uma limitação na discussão dos resultados encontrados.

Além disso, tendo em vista as pioras nas condições socioeconômicas brasileiras, o aumento do envelhecimento populacional e das condições crônicas de doença, espera-se um aumento significativo na prevalência de pessoas com deficiência nas próximas décadas. Assim, torna-se fundamental ampliar as pesquisas de maneira interdisciplinar, garantir o acesso aos serviços médicos públicos e, sobretudo, instituir políticas públicas que contemplem os direitos sociais das pessoas com deficiência.

 

Referências

A saga dos defeituosos. (1977). Revista Veja, (482), p. 54-56.         [ Links ]

A última prova. (1982). Revista Veja, (732), 104-105.         [ Links ]

Agência de Notícias dos Direitos da Infância - ANDI, & Fundação Banco do Brasil. (2003). Mídia e deficiência (Série Diversidade). Brasília, DF: os autores.         [ Links ]

Alves, C. (1993). Quero o direito de ir e vir. Revista Veja, (1304), 118.         [ Links ]

Buchalla, A.P. (2010). "Não desisto de ser otimista". Revista Veja, (2164), 25-29.         [ Links ]

Camargo, B. V., Goetz, E. R., Bousfield, A. B., & Justo, A. M. (2011). Representações sociais do corpo: Estética e saúde. Temas em Psicologia, 19(1), 257-268.         [ Links ]

Camargo, B. V., & Justo, A. M. (2013). IRAMUTEQ: Um software gratuito para análise de dados textuais. Temas em Psicologia, 21(2), 513-518.         [ Links ]

Carneiro, M. (2004). De volta à vida. Revista Veja, (1835), 11-15.         [ Links ]

Castro, A., Aguiar, A., Berri, B., & Camargo, B. V. (2016). Representações sociais do rejuvenescimento na mídia impressa. Temas em Psicologia, 24(1), 117-130.         [ Links ]

Costa, R. S. (2009). Uma reflexão sobre a visibilidade das pessoas com deficiência na mídia impressa piauiense. In: Anais do XI Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste, Teresina, PI, Brasil.         [ Links ]

Decreto Legislativo Nº 6.949, de 25 de agosto de 2009. Promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007. Diário Oficial da União, 26 agosto 2009.         [ Links ]

Diniz, D. (2007). O que é deficiência? São Paulo, SP: Brasiliense.         [ Links ]

Fernandes, A. P. C. S., & Denari, F. E. (2017). Pessoa com deficiência: Estigma e identidade. Revista da FAEEBA. Educação e Contemporaneidade, 26(50), 77-89.         [ Links ]

França, R. (1998). Desastre no mar. Revista Veja, (1564), 126-127.         [ Links ]

Gil, A. C. (2008). Métodos e técnicas de pesquisa social (6a ed.). São Paulo, SP: Atlas.         [ Links ]

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. (2011). Censo demográfico: Resultados preliminares da amostra. Recuperado de http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/resultados _preliminares_amostra/default_resultados_preliminares_amostra.shtm        [ Links ]

Justo, A. M. (2016). Corpo e representações sociais:Ssobrepeso, obesidade e práticas de controle de peso. Tese de Doutorado em Psicologia, Programa de Pós-Graduação e m Psicologia, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil.         [ Links ]

Kellner, D. (2001). A cultura da mídia: estudos culturais: Iidentidade e política entre o moderno e o pós-moderno. Bauru, SP: Edusc.         [ Links ]

Kientz, A. (1973). Comunicação de massa:Aanálise de conteúdo. Rio de Janeiro, RJ: Eldorado.         [ Links ]

Kim, J. H. (2013). O estigma da deficiência física e o paradigma da reconstrução biocibernética do corpo. Tese de Doutorado em Antropologia, Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.         [ Links ]

Kostman, A. (2004). "Não adianta chorar". Revista Veja, (1852), 13-17.         [ Links ]

Luiz, K. G. (2015). Investigando fotografias de pessoas com deficiência nas capas da Revista Sentidos (2008-2013). Dissertação de Mestrado em Psicologia, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil.         [ Links ]

Luiz, K. G., & Nuernberg, A. H. (2018). A sexualidade da pessoa com deficiência nas capas da Revista Sentidos: Inclusão ou perpetuação do estigma? Fractal, Revista de Psicoogia., 30(1),58-65. https://doi.org/10.22409/1984-0292/v30i1/1499        [ Links ]

Marchand, P., & Ratinaud, P. (2012). L'analyse de similitude appliqueé aux corpus textueles: les primaires socialistes pour l'election présidentielle française. In: Actes des 11eme Journées internationales d'Analyse statistique des Données Textuelles (pp. 687-699), Liège, Belgique.         [ Links ]

Martins, N., & Borges, G. (2012). O corpo com deficiência: uma reflexão sobre os modelos de saúde. Revista Saúde e Pesquisa, 5(2), 378-385.         [ Links ]

Mavignier, T. C. (2013). A deficiência física nas revistas Veja, Época e Isto É: um estudo de recepção. In Interprogramas de Mestrado em Comunicação da Faculdade Cásper Líbero, São Paulo, SP, Brasil.         [ Links ]

Mello, A. G., & Nuernberg, A. H. (2012). Gênero e deficiência: Interseções e perspectivas. Revista Estudos Feministas, 20(3), 635-655.         [ Links ]

Mello, A. G., Nuernberg, A. H., & Block, P. (2014). Não é o corpo que nos discapacita, mas sim a sociedade: a interdisciplinaridade e o surgimento dos estudos sobre deficiência no Brasil e no mundo. In E. Shimanski, & F. Cavalcante (Orgs.), Pesquisa e extensão: Experiências e perspectivas interdisciplinares. Ponta Grossa, PR: Editora da UEPG.         [ Links ]

Ming, L. (2005). Vida sobre próteses. Revista Veja, (1930), 87-89.         [ Links ]

Moscovici, S. (1981). On social representation. In J. P. Forgas (Org.), Social cognition: Perspectives on everyday understanding. London: Academic Press.         [ Links ]

Moscovici, S. (2012). A psicanálise, sua imagem e seu público. Petrópolis, RJ: Vozes. (Original publicado em 1961).         [ Links ]

Organização Mundial de Saúde - OMS. (2012). Relatório mundial sobre a deficiência. São Paulo: SEDPcD.         [ Links ]

Ortega, F. (2008). O corpo incerto. Rio de Janeiro, RJ: Garamond Universitária.         [ Links ]

Pereira, A. L., Monteiro, I., & Pereira, O. (2011). A visibilidade da deficiência: Uma revisão sobre as representações sociais das pessoas com deficiência e atletas paralímpicos nos media impressos. Revista da Faculdade de Letras: Sociologia, 22(1), 199-217.         [ Links ]

Rouquette, M. L. (1986). La comunicación de masas. In S. Moscovici, Psicología social II: Pensamiento y vida social; Psicología social y problemas sociales (pp. 627-647). Buenos Aires: Paidós.         [ Links ]

Sanches, N. (1996). Missão possível. Revista Veja, (1451), 102-104.         [ Links ]

Schiele, B., & Boucher, L. (2001). A exposição científica: uma maneira de representar a ciência. In D. Jodelet (Org.), As representações sociais (pp. 363-378). Rio de Janeiro, RJ: Eduerj.         [ Links ]

Silva, R. D. O., & Gonzales, L. S. (2008). Jornalismo, publicidade e capas da revista Veja: Uma relação de interpendência. In: Anais do I Simpósio de Comunicação e Tecnologias Interativas (pp. 418-433). Recuperado de http://www2.faac.unesp.br/pesquisa/lecotec/eventos/simposio/anais.html. Acesso em 30/05/2013.         [ Links ]

Silveira, B. R. (2012). Entre a vitimização e a divinização: A pessoa com deficiência em Viver a Vida. Dissertação de Mestrado, Faculdade de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil.         [ Links ]

Souza, M. R. R., Oliveira, J. F., Nascimento, E. R., & Carvalho, E. S. S. (2013). Droga de corpo! Imagens e representações do corpo feminino em revistas brasileiras. Revista Gaúcha de Enfermagem, 34(2), 62-69. https://doi.org/10.1590/S1983-14472013000200008        [ Links ]

Thomas, J. A. (2014). Bem-vindo à era dos homens biônicos. Revista Veja. (Ed. 2390), pp. 108 - 111.         [ Links ]

Veloz, M. C. T., Nascimento-Schulze, C. M., & Camargo, B. V. (1999). Representações sociais do envelhecimento. Psicologia Reflexão e Crítica, 12(2), 470-50. https://doi.org/10.1590/S0102-79721999000200015        [ Links ]

Vimieiro, A. C., & Maia, R. C. M. (2011). Enquadramentos da mídia e o processo de aprendizado social: transformações na cultura pública sobre o tema da deficiência de 1960 a 2008. E-Compós (Brasília), 14, 1-22. https://doi.org/10.30962/ec.v14i1.681        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
Bruna Berri
brunaberri@hotmail.com

Andréa Barbará da Silva Bousfield
andreabs@gmail.com

Emanuely Zelir Pereira da Silva
jr.manuh@gmail.com

Mariana Luíza Becker da Silva
marianaluiza_b@hotmail.com

Submetido em: 12/03/2018
Revisto em: 31/01/2019
Aceito em: 31/01/2019

Creative Commons License