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Arquivos Brasileiros de Psicologia

versão On-line ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. vol.71 no.3 Rio de Janeiro set./dez. 2019

http://dx.doi.org/10.36482/1809-5267.ARBP2019v71i3p.3-4 

EDITORIAL

 

Sete décadas de Arquivos Brasileiros de Psicologia: recontar antigas histórias, produzir novos começos

 

 

Francisco Teixeira Portugal; Cláudia Henschel de Lima; Pedro Paulo Gastalho de Bicalho

 

 

Dois mil e dezenove, a Arquivos Brasileiros de Psicologia (ABP) comemora 70 anos de existência. Arquivos Brasileiros de Psicotécnica, Arquivos Brasileiros de Psicologia Aplicada e Arquivos Brasileiros de Psicologia, metamorfoses de uma publicação seriada, completam sete décadas de publicização de reflexões, pesquisas, ensaios, relatos de experiências, resenhas, traduções. A publicação é simultaneamente a objetivação e a produção de complexos e laboriosos processos acadêmicos, técnicos, estilísticos, políticos e econômicos.

A variedade desses processos exige cuidado na comemoração. Numerosas histórias emergiram e emergirão das produções destes 70 anos da ABP. Cabe a nós, neste momento comemorativo, refletir sobre os sentidos da publicação, para que ela possa seguir participando da produção de uma psicologia emancipadora. Como indicado em editoriais anteriores: que o acúmulo de experiência não produza a pobreza da experiência, a imobilidade e a manutenção de desigualdades (Bicalho, & Lima, 2019; Lima, & Bicalho, 2019). É sempre necessário cultivar novos começos, assim a análise cuidadosa das racionalidades historicamente produzidas se torna instrumento de vida.

Este periódico se inseriu em dinâmicas acadêmicas muito diferentes ao longo dos 70 anos. Mudou de nome duas vezes, mudou de instituição sede, mudou a periodicidade e a forma de publicação, viu nascer e acompanhou os cursos de graduação e pós-graduação em psicologia no Brasil, assim como viu o começo de centenas de periódicos voltados para a psicologia. Sua permanência também foi temperada por estas mudanças. Decidimos comemorar este momento com a publicação de narrativas históricas sobre a psicologia, a fim de contribuir para o exercício de nossa prática.

E, dentre as comemorações, o reconhecimento da importância dos autores que possibilitaram as sete décadas de publicação. Miranda e Cascais (1992) afirmam que a função de um autor é caracterizar a existência, a circulação e a operatividade de certos discursos numa dada sociedade. A função-autor está, portanto, ligada aos sistemas legais e institucionais que circunscrevem, determinam e articulam o domínio dos discursos. Foucault (1992) pontua que aos discursos e aos livros foram atribuídos autores reais somente a partir do momento em que o autor se tornou passível de punição e na exata medida em que o seu discurso fosse considerado transgressivo.

Foucault (1992) afirma e questiona: "O autor - ou o que tentei descrever como a função autor - é com certeza apenas uma das especificações possíveis da função sujeito. Especificação possível ou necessária?" (p. 70). Ainda Foucault (1992): "Mas, o que há, enfim, de tão perigoso no fato de as pessoas falarem e de seus discursos proliferarem indefinidamente? Onde, afinal, está o perigo?" (p. 8). Ao que Coimbra e Neves (2002) apontam: "Se as vozes [...] forem silenciadas e anuladas, se seus embates forem retirados do palco da história, como ver a potência e a multiplicidade de suas invenções, interferências, combates?" (p. 38).

Publicar, assim, configura-se como um registro histórico. Não apenas para "arquivar" discursos, mas para torná-los públicos, descontínuos, analisáveis. Como sintetiza Oksala (2011): "O saber não é feito para compreender; é feito para cortar" (p. 60).

Na seção dedicada aos 70 anos da ABP apresentamos cinco artigos e um relato de experiência de editoria da publicação. A análise de artigos publicados em seus primeiros 13 anos de existência constituiu fonte para reflexão sobre a formação e a regulamentação da psicologia no Brasil, bem como sobre o exercício de práticas de governamentalidade liberal por meio de práticas psicológicas no país. Os Arquivos Brasileiros de Psicotécnica foram ainda acessados para indicar a presença de debates sobre a questão indígena no âmbito da psicologia neste período inaugural do periódico e para refletir sobre a noção "problemas de ajustamento" e sobre os modelos de saúde mental e doença mental então vigentes. As publicações dos anos 1970 foram objeto de análise para problematizar a crise da psicologia social brasileira e a equação, por ela fomentada, da transformação social. Constata-se, assim, a riqueza da publicação para a análise dos percursos da psicologia no país. Por fim, os relatos intensos de estudantes que participaram da equipe de editoria da revista entre os anos de 2007 e 2016 indicam o papel formador do trabalho editorial constituindo trabalho de enorme relevância para a qualificação de profissionais em universidades públicas.

O trabalho continua, e que a comemoração de datas relevantes possa se alongar à medida que a publicação permaneça conectada com as transformações históricas em curso.

 

Referências

Bicalho, P. P. G., & Lima, C. H. (2019). Setenta anos de Arquivos Brasileiros de Psicologia: políticas e narrativas na construção (e transformação) de uma ciência brasileira. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 71(1), 3-5.         [ Links ]

Coimbra, C. M. B., & Neves, C. A. B. (2002). Potentes misturas, estranhas poeiras: desassossegos de uma pesquisa. In M. L. Nascimento (Org.), Pivetes: A produção de infâncias desiguais. Niterói: Intertexto.         [ Links ]

Foucault, M. (1992). O que é um autor? Lisboa: Passagens.         [ Links ]

Lima, C. H., & Bicalho, P. P. G. (2019). A trajetória histórica de Arquivos Brasileiros de Psicologia: testemunha, resistência e horizonte. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 71(2), 3-5.         [ Links ]

Miranda, J. A. B., & Cascais, A. F. (1992). A lição de Foucault. In M. Foucault. O que é um autor? Lisboa: Passagens.         [ Links ]

Oksala, J. (2011). Como ler Foucault. Rio de Janeiro: Zahar.         [ Links ]

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