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Arquivos Brasileiros de Psicologia

On-line version ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. vol.71 no.3 Rio de Janeiro Sept./Dec. 2019

http://dx.doi.org/10.36482/1809-5267.ARBP2019v71i3p.64-87 

DOSSIÊ: ESPECIAL 70 ANOS DE ARQUIVOS BRASILEIROS DE PSICOLOGIA
ARTIGOS

 

Governamentalidade e práticas psicológicas: modos de gestão nos artigos brasileiros de psicologia do trabalho (1949 a 1965)

 

Governamentality and psychological practices: the styles of gestion on Brazilian Work psychology (1949-1965)

 

Gubernamentalidad y prácticas psicológicas: estilos de gestión brasilenõs en textos de psicología del trabajo (1949-1965)

 

 

Arthur Arruda Leal FerreiraI; Marcus Vinícius do Amaral Gama SantosII; Gabriel Gouvêa MonteiroIII; Luiz Eduardo Prado da FonsecaIV

IDocente. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Rio de Janeiro. Estado do Rio de Janeiro. Brasil
IIGraduando. Instituto de Psicologia. Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Rio de Janeiro. Estado do Rio de Janeiro. Brasil
IIIMestre. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Rio de Janeiro. Estado do Rio de Janeiro. Brasil
IVMestre. Programa de Pós-Graduação em História da Ciência. Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Rio de Janeiro. Estado do Rio de Janeiro. Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Esta pesquisa objetivou, tendo como base os desenvolvimentos de Foucault e Rose acerca da governamentalidade liberal, avaliar como certas práticas específicas da psicologia contemporânea se engajam nos modos de governo atuais. Valendo-nos dos resultados produzidos por Rose, acerca dos períodos de estabelecimento da psicologia do trabalho em contexto britânico e norte-americano, buscamos entender como se deu esse processo no Brasil. Para tal, investigamos produções acadêmicas publicadas nacionalmente que tratassem sobre a questão do trabalho: os Arquivos Brasileiros de Psicotécnica e materiais publicados no Instituto de Psicologia da Universidade do Brasil. Não foi possível adequar os documentos investigados à periodização de Rose, levando-nos a desenvolver nosso próprio esquema classificatório. Ademais, os resultados parciais da pesquisa ainda em início apontaram para uma predominância nos anos 1949-1965 de artigos de estilo disciplinar e centrado na produção.

Palavras-chave: Psicologia do Trabalho; Governamentalidade; Periódicos Brasileiros; Produção de Subjetividade.


ABSTRACT

This research's objective was, based on Foucault's and Rose's discussion on liberal governamentality, to inquire on how certain specific contemporary psychological practices engage in nowadays modes of government. Having Rose's results about the periods of establishment of work psychology in North American and British contexts in mind, we sought to understand how this process occurred in Brazil. For that, we investigated national academic productions that treated about the issue of work: the Arquivos Brasileiros de Psicotécnic and material published on the Institute of Psychology of University of Brasil. It was not possible to adequate the investigated documents to Rose's periodization, what led us to develop our own classification. Furthermore, the partial results of this research that is still in the beginning pointed out for a predominance of disciplinar and centred in the production style in the years 1949-1965.

Keywords: Work Psychology; Governamentality; Brazilian Periodics; Production of Subjectivity


RESUMEN

Basada en los desarrollos de Foucault y Rose sobre la gubernamentalidad liberal, esta investigación tuvo como objetivo evaluar cómo ciertas prácticas específicas de la psicología contemporánea se involucran en los modos de gobierno actuales. A partir de los resultados producidos por Rose sobre los períodos de establecimiento de la psicología del trabajo en el contexto británico y estadounidense, buscamos comprender cómo se llevó a cabo este proceso en Brasil. Con este fin, investigamos las producciones académicas publicadas a nivel nacional que trataron el tema del trabajo: los Archivos Brasileños de Psicotécnica y los materiales publicados en el Instituto de Psicología de la Universidad de Brasil. No fue posible adaptar los documentos investigados a la periodización de Rose, lo que nos llevó a desarrollar nuestro propio esquema de clasificación. Además, los resultados parciales de las primeras investigaciones apuntaron a un predominio en los artículos de estilo disciplinario y centrado en la producción de 1949-1965.

Palabras clave: Psicología del Trabajo; Gubernamentalidad; Periódicos Brasileños; Produción de Subjectividad.


 

 

Breve introdução e discussão conceitual

Como já destacado no resumo do artigo, o objetivo deste texto é realizar um primeiro exame sobre a produção brasileira (e especialmente carioca) quanto à psicologia voltada para temas vinculados a situações de trabalho. O período escolhido foi de 1949 a 1965, cobrindo o intervalo entre a criação do primeiro periódico de psicologia no Brasil e os primeiros anos de regulamentação da profissão. Os veículos foram respectivamente os Arquivos Brasileiros de Psicologia (ABP) - primeira revista periódica e regular de psicologia - e as Monografias do Instituto de Psicologia (IP) da Universidade do Brasil (UB), hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Como modo de análise destes textos escolhemos o conceito de governamentalidade, trabalhado por autores como Michel Foucault, e especialmente Nikolas Rose. Especialmente deste autor (Rose, 1999), extraímos alguns parâmetros para classificar esta produção brasileira, que foram modificados graças às peculiaridades desta produção. Passemos a um exame mais detalhado do conceito de governamentalidade.

Considerando a intenção de tratar das relações entre as práticas psicológicas e o tema da governamentalidade, nós encontramos nossas principais referências nos cursos de Foucault Segurança, território, população (2008a) e O nascimento da Biopolítica (2008b) e nos estudos de Rose em Inventing our selves (1998) e Governing the soul: the shaping of the private self (1999). Por práticas de governo, ou governamentalidade, entende-se a "maneira de condução da conduta dos homens" (Foucault, 2008b, p. 258) ou as relações de poder caracterizadas como conduta da conduta alheia. Dentro desta genealogia da governamentalidade, o "governar", como busca da melhor forma de gerir a vida dos homens (a vida de todos e de cada um), teria um percurso singular desde o cristianismo primitivo até os modos de governo contemporâneo.

A título de esclarecimento, procedemos agora a uma breve descrição do desenvolvimento do tema do governo na obra de Michel Foucault. A expressão "governamentalidade" é sugerida pelo autor em 1978, no curso Segurança, território, população (2008a), definindo um conjunto de instituições, procedimentos, cálculos, táticas e estratégias que permitem o governo da população. No curso de 1979, O nascimento da Biopolítica (2008b), este conceito é entendido como uma grade para a análise das relações de poder em geral, prevalecerá a mais simples definição de condução da conduta (Senellart, 2006).

O termo conduta, empregado nas definições apresentadas, designaria não só a atividade própria de conduzir, mas também a maneira de seu exercício, as formas pelas quais alguém se conduz ou é conduzido. A elas se opõem as contracondutas, insurreições específicas que visam à desautorização dos critérios de efetivação de uma conduta, bem como os fins aos quais ela atende, buscando implementar outras (Foucault, 2008b). A matriz das formas de condução a serem desenvolvidas no Ocidente, segundo Foucault, se encontra na pastoral cristã desenvolvida no fim da Antiguidade e na Alta Idade Média.

 

O poder pastoral

Ao buscar pelos registros da noção de um governo dos homens entre os Antigos, Foucault encontra em alguns textos de povos do Oriente próximo, como os assírios, babilônicos e egípcios, a pregnante analogia da divindade ou do rei com o pastor, seguido pelo rebanho do qual cuida (Foucault, 1996). As culturas grega e hebraica, contudo, mostram desenvolvimentos mais peculiares desta analogia. Se entre os gregos trata-se de negar as aproximações da figura do magistrado à do pastor, como no diálogo O político, de Platão, com os hebreus há certo aprofundamento de tal noção em uma dimensão não temporal. Jeová seria reconhecido como legislador e pastor de seu povo, subsistindo, cuidando e guiando o mesmo tal qual a um rebanho em suas errâncias para seu pasto, a Terra Prometida. Em tal relação verifica-se o paradoxo do infinito cuidado sobre todos e cada um, em que o pastor deve cuidar da totalidade do rebanho, mas deve atentar também a cada ovelha em sua singularidade, devendo ser capaz de abandonar mesmo o rebanho em prol do cuidado de cada qual (Foucault 2008a, p. 172).

A história do pastorado como matriz do poder político, porém, só começará, no Ocidente, com o cristianismo. Entre os cristãos primeiros, a pastoral judaica foi profundamente modificada, originando uma arte de condução dos homens à salvação que introduz uma instância de obediência pura na relação da ovelha com seu pastor. Trata-se de uma relação de dependência integral, caracterizada pela submissão não a leis ou princípios de ordem, mas a um indivíduo, o pastor, para questões espirituais e materiais (Foucault, 2008a, p. 232).

Desde a Antiguidade até fins da Idade Média serão identificadas diversas formas de resistência ao pastorado cristão, contracondutas que possibilitaram sua dispersão e o surgimento de formas temporais de conduta em certa medida tributárias das próprias formas pastorais. A existência de privilégios civis, econômicos e espirituais aos clérigos em detrimento do povo (Foucault, 2008a, p. 267), a instituição da confissão obrigatória e as práticas de indulgência são exemplos dos motivos de tais oposições, das quais a Reforma é o episódio mais expressivo.

 

Século XVI e as Artes de Governar

Segundo Foucault (2008a, p. 312), para se entender as formas políticas nos séculos XIII e XIV, pode-se tomar a teologia de São Tomás de Aquino como um bom modelo, no qual se busca constituí-la à imagem da regência de Deus na terra, e não visando meramente à felicidade terrena de seus súditos. Há, nessa perspectiva, um continuum cosmoteológico que une as formas de gestão terrenas às divinas.

A partir do século XVI, verifica-se um complexo deslocamento das funções pastorais ao âmbito temporal da gestão. A soberania, então no trânsito dos modelos feudais para a consolidação dos Estados modernos, começa a assinalar a questão da condução, que até então não a concernia. Aqui começa a ser colocada a questão de qual seria a configuração do bom governo: como ser governado, por quem, até que ponto, com que fim e por que métodos (Foucault, 2008a, p. 119). Para além de uma série de governos então reconhecidos, como o do pai de família e do juiz, tratava-se de definir qual era a especificidade de sua forma política. A atividade do soberano agora escapa ao continuum do terreno ao divino, outrora mencionado, abrindo-se um campo específico de racionalidade para discussão deste tema.

A contento dessa necessidade surge, em meados do século XVI, uma profusão de tratados que se apresentam como artes de governar (Foucault, 2008a, 118), pautados em uma literatura sobre o governo que adota O príncipe, de Maquiavel, como ponto de crítica. Nesta obra, a questão-chave é a manutenção do governo e a defesa do principado, considerando-se o príncipe exterior ao território e o vínculo que os une fraco, de forma que o território será sempre ameaçado (Foucault, 2008a, p. 122). Contra essa visão unívoca da regência, o novo horizonte das artes de governar introduz um modelo familiar na gestão, entendendo o poder do príncipe como contínuo ao governo de si e da família, estas precondições para o bom governo do Estado (Foucault, 2008a, p. 125). Tais artes passam a se encarregar dos homens em seus vínculos com as riquezas e as condições naturais do território, de forma a se atingir um bem comum. Afastam-se, portanto, da regência soberana, caracterizada pela mera sujeição do homem às leis e aos encargos que lhe são atribuídos (Foucault, 2008a, p.133).

As artes de governar permaneceram restritas às formas da monarquia administrativa do século XVI, tendo sido bloqueadas em sua difusão por uma série de beligerâncias, crises financeiras, revoltas rurais e urbanas. No século XVII o mercantilismo desponta como a primeira racionalização desta nova prática de governo, buscando efetivar a arte de governar em função dos interesses soberanos (Foucault, 2008a, p. 136). O desbloqueio total desta arte, contudo, concebida antes que o aparato administrativo comportasse sua plena instauração, ocorre apenas com as questões agrícolas, monetárias e o crescimento demográfico que caracterizam o problema da população no século XVIII (Foucault, 2008a, p. 138).

 

Século XVII e a Razão de Estado

Essa necessidade de uma racionalidade a ser praticada no âmbito governamental traz consigo dois problemas que ganham vulto no século XVII: qual seria seu caráter e o que seria objeto de suas intervenções (Foucault, 2008a, p. 311). Tal prática, que excede a soberania e não se reduz ao pastorado, será chamada razão de Estado por italianos como Antonio Palazzo e Giovanni Botero, inauguradores do referido pensamento. Estes consideram o Estado não mais em termos de domínio territorial, sendo a razão de Estado o conhecimento dos meios pelos quais se fundar, conservar e ampliar essa dominação (Foucault, 2008a, p. 318). Tal racionalidade constitui a essência do Estado e de seu conhecimento, visando à sua conservação e não possuindo outros fins além de si mesma (Foucault, 2008a, p. 345).

Como consequência de tais princípios teóricos, que impõem a existência sem término de Estados plurais, há a constatação de que estes se encontram lado a lado em um espaço de concorrência (Foucault, 2008a, p. 389), no qual buscam se afirmar no sentido da dominação comercial, monetária, da expansão marítima e colonialista, conforme as ambições mercantilistas. No seio da própria prática política se desenvolve a ideia da força como novo elemento da razão política (Foucault, 2008a, p. 396), o que faz da nova governamentalidade a própria manipulação, distribuição e conservação das relações de forças dos Estados. Tal se dará por dois grandes conjuntos tecnológicos ou dispositivos: o diplomático-militar e a polícia.

O dispositivo diplomático-militar atende à necessidade de que se limite, mas não impossibilite o crescimento destas forças múltiplas e independentes que são os Estados, visando ao equilíbrio europeu. O dispositivo de polícia, por sua vez, será a instituição cujos cálculos e técnicas efetivam o crescimento das forças próprias de um Estado, na manutenção da sua ordem (Foucault, 2008a, p. 421). Essas tecnologias adotam um instrumento em comum, a recém-surgida estatística, que tornava possível o conhecimento dos elementos de cada Estado, de suas próprias forças, permitindo sua comparação e a manutenção do equilíbrio (Foucault, 2008a, p. 424).

O funcionamento da polícia é o que aqui mais nos interessa, pois torna explícito o papel da população na política do século XVII. Antes de tudo, deve-se dizer que o sentido deste termo no século XVII é bem mais amplo que o atual, limitado ao escopo das forças de segurança. Neste período, seu conjunto de controles tem por objeto o próprio homem enquanto sujeito de ocupações, objetivando nestas a verdadeira virtude política e social. Considera-se, portanto, a atividade do homem na medida em que ela tem relação com o Estado e seu fortalecimento, tratando-se de criar uma utilidade estatal de sua atividade (Foucault, 2008a, p. 433). A polícia regula as formas de coexistência dos homens, buscando garantir não só a subsistência destes, mas indo além dela. Ao se ocupar da habitação, dos víveres, da reprodução e dos problemas da saúde, ao zelar pela atividade do homem, fazendo-o trabalhar e garantindo que os frutos desse trabalho sejam aqueles de que o Estado necessita, a polícia visa ao bem-viver da população, do qual o Estado tirará sua força (Foucault, 2008a, p. 436).

O nascimento da polícia nesse período está intimamente ligado à urbanização e ao mercado, atuando sobre os problemas da coexistência densa que se verifica nas cidades e buscando efetivar a circulação das mercadorias (Foucault, 2008a, p. 451). O expansionismo urbano então verificado buscava o desencravamento da cidade das limitações do burgo, a otimização de sua circulação física pela reforma do espaço viário e o planejamento estratégico de suas áreas mercantis, administrativas e residenciais, o que evidenciava sua necessidade de avanço em termos de espaço físico, subsistência e comércio. Buscava-se, então, ressituar a cidade em termos de circulação (Foucault, 2008b, p. 17).

A política agrícola do sistema mercantilista não só exemplifica o profundo caráter regulamentar da polícia como delineia o ponto sobre o qual incidem as críticas que a desarticulariam. A escassez alimentar era vista com preocupação por ser uma das grandes fontes de sedições populares, de forma que o Estado mercantilista buscava evitá-la a todo custo. Por intermédio de todo um sistema de pressões, eram estabelecidas regras de cultivo, venda e estocagem, ambicionando manter os preços dos cereais baixos, proibindo-se, por exemplo, a estocagem (Foucault, 2008b, p. 43), estimulando-se o comércio externo, e regulamentando-se o que era plantado e em que quantidade. Em suma, buscava-se manter a economia a tal ponto esquematizada que o funcionamento da cidade a custos mínimos fosse possível - o menor gasto com a lavoura e com o salário do trabalhador e preços baixos dos produtos, para que estes fossem amplamente exportados e o máximo de ouro entrasse no país. O problema deste esquema residia na abundância da colheita, uma vez que ela significaria prejuízo, pois tendia à baixa dos preços e do lucro, por vezes nem se equiparando ao gasto com o plantio. Esse prejuízo tornaria pobre um plantio subsequente, o que levaria à escassez perante a menor irregularidade climática. Desse modo, a política de preço mínimo mais aproximava a população do flagelo que ela buscava conjurar (Foucault, 2008b, p. 44).

 

Século XVIII e a Fisiocracia

Na primeira metade do século XVIII, o Estado de polícia começa a ser desarticulado pela difusão de algumas teses, como a fisiocrática, que surgiam a propósito da crise dos cereais e da escassez. Considerando que a abundância dos cereais é proporcionada por seu bom pagamento, os fisiocratas se opõem à tese mercantilista de custo mínimo, introduzindo na política o interesse agrícola, suas possibilidades de investimento e o bem-estar do camponês (Foucault, 2008a, p. 460). O privilégio urbano de outrora é abandonado em prol do problema do campo, objeto privilegiado da nova governamentalidade que então se insinuava. A produção passa a ser enfocada, deixando-se as questões do mercado e da circulação das mercadorias, e a pretensão de muitas vendas devido ao baixo preço é substituída pela busca de maior retorno ao produtor. Esses deslocamentos constituíram um grande abalo no sistema mercantilista (Foucault, 2008a, p. 461).

O princípio do governo econômico, portanto, se torna a liberdade de comércio e circulação dos cereais, entendendo-se a escassez como fruto de uma administração excessivamente interventora e que se desvia da realidade da própria produção, ou seja, das intempéries da natureza, das oscilações sobre as quais não se age, dando atenção exclusivamente à realidade de mercado. A realidade do próprio cereal, sua abundância ou seu rareamento segundo o próprio funcionamento da natureza devem ser o foco da administração (Foucault, 2008b, p. 49). Todas as regulamentações sobre o plantio, a estocagem, o comércio externo e os preços são revogados, como se defende na tese do preço justo, que considera que se deve deixar os preços subirem tanto quanto a oferta e a demanda possibilitarem, pois assim eles se estabelecerão adequadamente. Há que se deixar as coisas andarem, laissez-faire.

A população deixa de ser entendida como um bem em si. O sistema da polícia a via em um sentido quantitativo, pois uma população grande significa trabalho intenso e renda alta (Foucault, 2008a, p. 463). Com os economistas, porém, verifica-se a necessidade de uma população expressiva, principalmente no campo, mas não tão grande, para que haja bons salários, estímulo ao trabalho e possibilidade de consumo que sustente os preços. Há, então, um número relativo da população a ser buscado, não mais absoluto, variando em função dos recursos, do trabalho possível, do consumo etc. Ela seria autoajustável, numericamente determinada pela situação natural em que se encontra (Foucault, 2008a, p. 464). O Estado, neste esquema, deveria ser tomado como um regulador ocasional dos movimentos da população em sua natureza, não um interventor autoritário. Acaba a circularidade entre bem-estar e fortalecimento estatal, aquele passando a ser viabilizado pelos comportamentos e interesses individuais (Foucault, 2008a, p. 466).

Temos neste momento, portanto, uma oposição da nascente economia (ao menos no sentido atual) à política (como racionalidade de Estado). Em relação àquele poder calcado nos modelos teológicos, caracterizado pela perspectiva de governo perfeito, os políticos do século XVII opuseram o cálculo de forças das artes de governar (Foucault, 2008a, p. 468), uma racionalidade própria do Estado, ocasionando assim uma ruptura da naturalidade medieval pelo artificialismo da governamentalidade da polícia. Com os economistas do século XVIII surge outro tipo de naturalidade (Foucault, 2008a, p. 469): não mais aquela do cosmo, mas a da sociedade, que surge como um domínio de intervenção e saber.

 

Liberalismo e Neoliberalismo

É a partir desses moldes que se desenvolvem, no século XVIII, os modos liberais de governo, que surgem não necessariamente imbricados nas práticas de governo estatais, mas justamente colocando-as em questão, seja em nome do mercado ou ainda da sociedade civil. Ao longo do tempo, entretanto, este processo é invertido: o mercado, por exemplo, não seria apenas um instrumento crítico do governo, mas a própria racionalidade deste, que regularia outros domínios, como a família, a natalidade, a delinquência e a política penal (Foucault, 1997, p. 96). Inaugura-se aqui um governo embasado no acompanhamento do movimento das populações enquanto processos naturais, como preconizado pela fisiocracia. Essa naturalidade seria acessível à ação concreta do governo, que produziria efeitos benéficos através da possibilidade da constituição de saberes sobre a população.

É nos marcos de um liberalismo que a ciência econômica passaria a ter um papel preponderante, especialmente através dos fisiocratas. Mas, além da economia, saberes como a higiene pública e a medicina social na sequência trazem a questão da população e do saber sobre ela como técnica indispensável ao bom governo. O conhecimento científico torna-se condição para uma racionalidade governamental que atuaria sobre os processos supostamente naturais. A liberdade aqui não é tomada mais como simples direito dos indivíduos, mas como condição para se governar, não sendo tanto um direito fundamental, mas uma técnica de governo. E é nesta necessidade de delinear técnicas de governo que conciliem o conhecimento científico da população com o respeito à sua liberdade enquanto processo natural que a psicologia se apresenta como um componente essencial:

Governar de forma liberal era tentar reconciliar estes dois princípios: os perigos de governar demais com os perigos de não governar o suficiente... Programas para o governo liberal da sociedade inauguraram um espaço em que as ciências psicológicas viriam a desempenhar um papel-chave, pois estas ciências estão intrinsecamente atadas às estratégias que, em seu desejo de governar os sujeitos como cidadãos responsáveis, porém livres, descobriram que precisam conhecê-los (Rose, 1998, p. 69).

A partir do início do século XX ganham força as manifestações para uma renovação dos pressupostos liberais. A prática governamental posteriormente denominada neoliberalismo virá a confrontar aspectos fundamentais dos pensadores iniciais do liberalismo, como Adam Smith. As manifestações neoliberais, não mais submetidas a uma verdade natural do mercado, têm seu foco na constante expansão e intensificação dos mecanismos de competição ao longo do tecido social, estes encarados como a essência reguladora do próprio mercado. É aqui que se faz uma inversão em relação às primeiras manifestações do liberalismo: se estas na sua maior parte buscavam pôr em questão as manifestações do Estado na sua busca de controle da economia, agora se promove a articulação positiva entre governo e mercado. Em numa relação inversa à definida pelo liberalismo inicial, será preciso governar para a produção de mercado e não em função deste (Foucault, 2008a).

A arte neoliberal de governo fundará, então, suas reflexões não mais em quais objetos devem ou não ser governados, mas sim em como eles deverão ser abordados. Em contiguidade a isso, vemos surgir em meados do século, intenções como as dos ordoliberais alemães ou dos neoliberais da escola de Chicago que encontram seu ponto comum na ideia de reconfiguração da sociedade sob o que consideram o "modelo da empresa", mais precisamente, a transformação da vida individual e social em uma multiplicidade de empresas conectadas entre si, nelas incluídas suas relações familiares, laborais e mercantis, por exemplo. Nesta nova gestão, o indivíduo será tomado em seu caráter empreendedor, não mais inserido no grande e distante marco de um Estado, mas imerso em uma série de pequenos âmbitos sobre os quais este teria efetivo poder de ação e cálculo.

É no trabalho de Rose (1998), contudo, que as relações entre as formas de governo e a psicologia se aprofundam. Este autor enfoca esta articulação entre práticas de psicologia e artes de governo de uma dupla maneira: 1) através das técnicas de inscrição que permitiram que as subjetividades se tornassem accessíveis às técnicas de governo; e 2) através da constituição de políticas múltiplas que visam conduzir a conduta de indivíduos, não somente através do controle, da disciplina e da norma, mas principalmente através da liberdade e da atividade destes, instigando-os a se tornarem mais inteligentes, empreendedores, dóceis, produtivos, e dotados de autoestima.

Sigamos com Rose no exame destes pontos, a começar pelo primeiro. As técnicas de inscrição permitem antes de tudo a tradução entre "os objetivos e aspirações daqueles que se encontram em determinado ponto - departamentos de estado, comitês de experts, profissionais, gerentes - [...] para os cálculos e as ações daqueles que estão distante deles no espaço e no tempo, como agentes de saúde, professores, trabalhadores, pais e cidadãos" (Rose, 1998, pp. 76-77). Tais técnicas operariam aqui através de um duplo aspecto:

Primeiro, eles forneceram os termos que permitiram que a subjetividade humana fosse traduzida para as novas linguagens do governo das escolas, das prisões, das fábricas, do mercado de trabalho e da economia. Segundo, eles constituíram a própria subjetividade e a própria intersubjetividade como objetos possíveis para o gerenciamento racional, ao fornecer as linguagens para falar de inteligência, desenvolvimento, higiene mental, ajustamento e desajustamento, relações familiares, dinâmicas de grupo e outros (Rose, 1998, p. 70).

Um primeiro exemplo deste primeiro aspecto vem da área dos testes mentais, considerada a primeira área bem-sucedida na inscrição das diferenças individuais através dos atributos da alma humana. Trata-se um sucesso de resto bem distinto do alcançado pela psiquiatria no século XIX, que buscava estes traços diferenciais em histórias de vida, ascendências, imagens fisionômicas, posturas e traços neurológicos. Passemos a palavra a Rose (Rose, 1998, p. 74):

O poder da psicologia aqui repousa em sua promessa de fornecer dispositivos de inscrição que venham a individualizar tais sujeitos problemáticos, tornando a alma humana inteligível na forma de traços calculáveis. A sua contribuição repousa na invenção de categorias, avaliações, estimativas, e testes (todos de caráter diagnóstico) que construíram a subjetividade de forma que ela pudesse ser representada através de classificações, cálculos e quocientes. O teste psicológico foi o primeiro de tais dispositivos. A codificação, a matematização e a padronização fizeram do teste um minilaboratório para a inscrição da diferença, permitindo a realização de quase qualquer esquema psicológico de diferenciação de indivíduos em um curto espaço de tempo, em um espaço gerenciável e de acordo com a vontade do expert... Testes e exames combinam poder, verdade e subjetivação.

Um segundo exemplo deste primeiro aspecto vem da psicologia social norte-americana, notadamente do tema da pesquisa sobre as atitudes. Esta emergiria como ponto de ligação entre o mundo interno do psiquismo e o mundo externo da conduta, concebendo uma inteligibilidade e previsibilidade à conduta do indivíduo. Neste sentido, as concepções clássicas de massa e multidão dão lugar à de público, que, através de pesquisas de opinião, permitiu que números e gráficos representassem a opinião pública. Neste caso, podendo ser utilizados então como estratégias em qualquer espaço em que os indivíduos fossem governados "por consentimento". Rose (Rose, 1998, p. 75) assim se manifesta sobre o tema:

O conceito de atitude veio de mãos dadas com um método para inscrevê-lo. A 'pesquisa de atitude' tornou-se um dispositivo chave para o mapeamento do mundo subjetivo, permitindo que ele fosse transformado em números e utilizado na formulação de argumentos e estratégias na empresa, no partido político, no exército - de fato, em qualquer lugar onde os indivíduos devessem ser governados através de seu consentimento. Este olhar psicológico seria dirigido à nação como um todo através de dispositivos tais como as pesquisas de opinião pública. A psicologia social das opiniões e atitudes apresentava-se como um contínuo relé entre as autoridades e os cidadãos... Através de sua capacidade de inscrever e traduzir a subjetividade, de fornecer uma tecnologia que unisse a vontade dos cidadãos às decisões das autoridades, tal psicologia social retrataria a si própria como nada menos do que uma ciência da democracia.

Quanto ao segundo sentido, Rose (Rose, 1998, p. 73) supõe que a psicologia se dissemina maciçamente em sociedades liberais e democráticas: "Tais associações entre ambições governamentais, demandas organizacionais, conhecimento científico, expertise profissional e aspirações individuais são fundamentais para a organização política das democracias liberais". Não que a psicologia não tenha sido utilizada em governos autoritários, mas nestes ela não teria "proliferado" da mesma forma. Ela só é possível em sociedades liberais porque são estas que articulam o direito da liberdade com um controle operado em torno das nossas supostas naturezas. Governar cidadãos neste contexto não significa governá-los apesar de suas liberdades e escolhas, e sim através destas. Sendo assim, na história das relações de poder nos regimes liberais e democráticos, o governo dos outros sempre esteve ligado a certo modo no qual indivíduos "livres" são levados a governar a si mesmos como sujeitos simultaneamente de liberdade e responsabilidade. Quer dizer, o indivíduo é livre e autônomo por um lado, mas precisa governar a si mesmo, sendo controlado por sua própria responsabilidade (aqui se lê prudência, ajustamento) e conforme sua natureza psicológica. Conforme Rose (Rose, 1998, p. 77):

Somente quando tais práticas auto-regulatórias se instalaram nos sujeitos, tornou-se possível desmantelar a massa de prescrições e proibições detalhadas relativas às minúcias da conduta, que se mantiveram apenas em instituições limitadas e especializadas: penitenciárias, casas de correção, escolas, reformatórios e fábricas.

A psicologia encontra lugar em tais regimes, pois os indivíduos devem ser governados não de forma autoritária, mas com base em julgamentos que visam objetividade, neutralidade e efetividade, estando de acordo com os ideais de liberdade, igualdade e poder legitimado. A orientação dos indivíduos é objeto dos "especialistas da subjetividade" que transpõem as questões da vida em questões técnicas com o objetivo de aumentar a "qualidade de vida". Nas palavras de Rose (Rose, 1998, p. 73):

Depende do crédito de experts, aos quais é outorgado o poder de prescrever formas de agir sob a luz da verdade, e não de interesses políticos. E opera não através da coerção, mas através da persuasão, não através do medo produzido por ameaças, mas através de tensões geradas pela discrepância entre como a vida é e o quão melhor se pensa que ela poderia ser.

O lugar de especialista ganha importância na medida em que, além de reivindicar uma cientificidade, a partir dela liga individualidade à verdade mobilizando a autorregulação e entrando numa nova relação entre conhecimento e governo. As formas de liberdade que nós vivemos hoje estão intimamente ligadas a um regime de individualização no qual os sujeitos não são meramente "livres para escolher", mas são obrigados a serem livres, ainda que sejam controlados pela norma, pelas responsabilidades e pelas suas próprias naturezas. Segue uma longa e elucidadora citação de Rose (Rose, 1998, p. 73):

Os sujeitos são obrigados a serem 'livres', a interpretar sua existência como o resultado das escolhas que eles fazem dentre uma pluralidade de alternativas... A vida familiar, o ato de ter filhos e mesmo o trabalho não devem mais ser constrangimentos à liberdade e à autonomia: são elementos essenciais no caminho para a auto-realização. Os estilos de vida devem ser construídos através de escolhas feitas dentre uma pluralidade de alternativas, cada qual devendo ser legitimada em termos de escolha pessoal. O self moderno é impelido a dar sentido à vida através da busca por felicidade e auto-realização, numa biografia individual: a ética da subjetividade está inextricavelmente presa aos procedimentos do poder...

Seus valores e procedimentos [da psicologia] libertam as técnicas de auto-regulação de seus resíduos disciplinares e moralistas, enfatizando que o trabalho sobre o self e sobre as suas relações com os outros é de interesse para o desenvolvimento pessoal, devendo ser um compromisso individual. Elas fornecem linguagens de auto-interpretação, critérios de auto-avaliação e tecnologias para auto-retificação, transformando existência numa questão de pensamento, numa questão profundamente psicológica, tornando o nosso auto-governo uma questão de escolha e de liberdade. E para aqueles selfs incapazes de se ajustar às obrigações do sujeito livre, incapazes de escolher ou angustiados pelas escolhas que fizeram, há terapias dinâmicas e sociais que oferecem tecnologias de reforma consoantes com aqueles mesmos princípios políticos, demandas institucionais e ideais pessoais. Elas se nutrem principalmente da livre escolha no mercado. São legitimadas mais em termos de sua verdade ou de sua eficácia do que de sua moralidade. E prometem restaurar o sujeito para a autonomia e a liberdade. O governo da alma moderna, portanto, tem efeito através da construção de uma rede de tecnologias visando a fabricação e a manutenção do autogoverno do cidadão (Rose, 1998, pp. 78-79).

Neste mesmo sentido, é possível destacar, por exemplo, a cultura empresarial difundida já no fim dos anos 1980 (Rose, 1998, capítulo 7). O empreendedorismo apresenta-se como um controle "ético", pois relaciona o autogoverno com o governo dos outros. O indivíduo torna-se um empreendimento, sua vida é tomada como um projeto na valorização do capital humano, trabalhando sobre si mesmo ativamente, moldando um "estilo de vida" e, com isso, buscando atingir a felicidade. Na construção de conhecimentos e técnicas, os saberes psicológicos estariam conjugando o autogoverno com os objetivos das autoridades através da busca da autorrealização dos indivíduos, notadamente por intermédio do investimento em seus "estilos de vida". Nas diversas organizações os trabalhadores não se empenhariam mais pela obrigação ou ameaça, mas buscando sua própria realização profissional e seu sucesso. Neste sentido, até o desempregado é estimulado a se ver como seu próprio empreendimento, como trabalhador ativo na busca de emprego. Examinemos na próxima seção um detalhamento maior dos modos de gestão da psicologia vinculado ao campo do trabalho.

 

Adentrando nas malhas da Psicologia vinculada aos processos de Trabalho

No capítulo 5 do livro Governing the soul, Rose (1999) analisa a capilarização e o empoderamento do expertise psicológico no campo da psicologia do trabalho, sugerindo que este movimento se articula ao avanço do citado programa liberal, o qual acarreta o desmantelamento gradativo de práticas administrativas coercitivas em prol de tecnologias que comportam um maior grau de liberdade dos sujeitos abordados. Processo este expresso no próprio vocabulário psicológico que, se inicialmente ligado a práticas disciplinares, faz base ao surgimento da subdisciplina ergonômica e, posteriormente, do fenômeno do empreendedorismo. Sem que possamos propriamente pensar em fases que se eliminam poderíamos configurar três grandes estilos que servem para classificar a psicologia do trabalho em um cenário anglo-norte-americano.

De início estipulamos nomear um primeiro estilo como "disciplinar", presente desde as primeiras décadas do século XX. Sinteticamente, neste momento as intervenções buscavam a melhor adaptação do indivíduo ao trabalho mediante uso de técnicas mais voltadas para a inscrição das subjetividades, tais como testes de aptidão. As investigações se restringem ao ambiente de trabalho, buscando uma maximização de rendimento. Quanto a este primeiro momento, poderíamos destacar sua conexão com a busca mesma da psicologia por tornar-se uma disciplina com reconhecimento científico. Rose (1999) indica que, neste movimento, a psicologia elaborará suas técnicas e práticas em consonância com os aparatos disciplinares emergentes: as normas do programa experimental em psicologia, condição para seu estatuto científico, fundiram-se com o próprio sujeito psicológico, isto é, a natureza psicológica seria uma reverberação dos próprios meios técnicos que permitiriam que esta própria fosse conhecida. É neste momento que seria possível encontrar manifestações do que é comumente designado como taylorismo.

Já no segundo estilo, o qual denominamos ergonômico, encontraríamos a emergência de vetores contrapostos aos objetivos disciplinares. Apesar de ainda se restringirem à realização de tarefas, as investigações, em uma inversão, indicariam que estas tarefas devem se adaptar às naturezas psíquicas e sociais do trabalhador. Nova visibilidade é conferida ao que antes apareceria apenas como um conjunto de variáveis estranhas na busca de eficiência, e estas passariam a orientar as próprias intervenções. Em relação à ergonomia, busca-se um ganho de eficiência através da adaptação do trabalho a uma natureza psicofisiológica dos sujeitos. Esta tendência ganha corpo após o período após a segunda guerra.

Em um terceiro estilo, empreendedorista, as técnicas atuam na articulação entre as esferas pessoais e profissionais. Os empregados deverão se realizar não apesar, mas através do trabalho, este devendo alinhar suas condições e objetivos à ética do self empreendedor, a qual compartilha da compreensão de que o ser humano porta um self aspirante à autonomia e liberdade, devendo buscar significado em sua vida através de atos de escolha: uma radicalização na condução liberal da conduta, pois as intervenções coercitivas seriam cabais impeditivos a um movimento natural dos empregados em busca, inclusive, de excelência no exercício de suas tarefas. Neste estilo empreendedorista, surgido em meados dos anos 1970, a eficiência é alcançada no entrelaçamento entre as esferas psicológicas e profissionais; aqui o indivíduo surge como um self em busca de autorrealização e o trabalho como local para afirmação e construção desta identidade.

 

Circulando em cenários nacionais

As análises de Rose, no entanto, estão referidas aos cenários britânicos e norte-americanos. Pretendemos, então, sob esta mesma perspectiva histórico-crítica, analisar alguns dos percursos micropolíticos da psicologia do trabalho em territórios locais, para tal, tomando como base a consulta aos arquivos do Instituto de Seleção e Orientação Profissional (ISOP) da Fundação Getulio Vargas (FGV) e do Instituto de Psicologia (IP) da Universidade do Brasil (UB), posteriormente Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O ISOP, fundado em 1947 por Emílio Mira y López, foi marcado pela promoção e divulgação da psicologia aplicada, tendo importante atuação no reconhecimento da própria profissão de psicologia no Brasil. Seus objetivos eram, dessa forma, não só teóricos, mas principalmente conectavam preocupações políticas sobre a vida produtiva da nação e econômicas de maximização de ganhos com técnicas de governo do sujeito produtivo. A partir de setembro de 1949, o ISOP inicia a publicação de seus Arquivos Brasileiros de Psicotécnica, o qual teve seu nome modificado em 1969 para Arquivos Brasileiros de Psicologia Aplicada e posteriormente, em 1979 para simplesmente Arquivos Brasileiros de Psicologia (ABP). Modificações que atenderam às próprias reformulações das atividades do próprio ISOP, que se inicia como Instituto de Seleção Profissional, mas que justamente nos anos 1970 se torna um Instituto de Pesquisa, vinculado a um Programa de Pós-Graduação em Psicologia, o Centro de Pós-Graduação em Psicologia (CPGP). No que tange à Revista, sua periodicidade trimestral não fora interrompida até o fechamento do Instituto no ano de 1990.

Paralelamente ao funcionamento do ISOP, existia o IP da UB, cujo funcionamento se deu de 1939 até 1967, quando a UB se converte em UFRJ e aquele instituto se transforma no atual Instituto de Psicologia da UFRJ (Ferreira, 2011). Entre 1949 e 1973, esta instituição publicou uma série de trabalhos de cunho monográfico que servirão como fontes de contraste com os trabalhos dos ABP analisados neste artigo.

É conhecida a "disputa" entre o ISOP e o IP da UB, especialmente no que toca a questão "teoria" versus "prática". Nilton Campos é visto por alguns autores como um pioneiro na divulgação da fenomenologia em solo brasileiro, como "um dos primeiros e principais comentadores da fenomenologia, com uma preocupação 'acadêmica'" (Holanda, 2016, p. 390, grifo nosso). Já Mira y Lopez se aproxima mais do interesse prático, recebendo a alcunha de "Mira, o psicólogo ou psicotécnico" (Jacó-Vilela, & Rodrigues, 2014, p. 148, grifo nosso). O trabalho que melhor condensa esta divisão é o de Mancebo (1997, p. 166), que, analisando o desenvolvimento da psicologia no Rio de Janeiro do século XX, estabelece que "Sua visão [de Nilton Campos] muito afastada da prática entrava frequentemente em choque, com a de Mira y López, cuja preocupação era exatamente divulgar, tornar conhecida, provocar o interesse pelas técnicas psicológicas".

Surge, neste aspecto, a oportunidade de comparar as duas instituições no tema da psicologia do trabalho, à luz desta controvérsia. E, de antemão, percebe-se que o ISOP possui uma enorme gama de trabalhos no campo em contraste com o IP. Na pesquisa dos artigos levantados nos ABP, destacamos 238 artigos entre as edições de 1949 e 1965 que se propõem, na sua apresentação, a analisar psicologicamente algum aspecto ou alguma situação vinculado ao campo do trabalho. Estes 238 trabalhos não deixam dúvidas sobre o interesse expresso pelos autores dos ABP nos temas das organizações. Já o IP, que manteve um periódico próprio, os Boletins do Instituto de Psicologia, entre 1951 e 1973, conta com apenas um texto próximo do tema: "Produtividade: Aspecto psico-social" (1962), de Campos1. Há também um trabalho de cunho monográfico, intitulado "Orientação, seleção e formação profissional no Brasil" (1949), de Schneider, que também será tema de nossas análises.

 

Estratégias de abordagem dos textos

Nossa metodologia de análise dos textos consistiu, inicialmente, em dividirmos as participações da expertise psicológica no campo do trabalho em três estilos. Buscamos diferenciar quanto às suas problematizações, bem como suas transformações operadas no modo de exercício da autoridade. Seguimos inicialmente com os estilos destacados por Rose (1999): o "disciplinar", o "ergonômico" e o "empreendedorista". No entanto, observamos que estas categorias propostas por Rose (1999) não dão conta da especificidade do material analisado. Existe uma série de trabalhos que claramente estão atentos à especificidade das características dos trabalhadores, mas que não se identificam totalmente nem com o discurso ergonômico, nem com o empreendedorista. Falam da necessidade de se centrar nas características do trabalhador, mas não dos seus aspectos psicofisiológicos, e sim de sua personalidade. Falam da autenticidade e da atividade do trabalhador, mas não ainda do engajamento em um projeto de tornar-se alvo de um empreendimento. Via de regra, estes artigos centram-se no que é designado como personalidade do trabalhador, embora raramente definindo de forma conceitual ou sistemática o que isso implicaria. Na falta de uma unidade doutrinária, classificamos estes trabalhos como o discurso do trabalhador como uma personalidade autêntica. Por tal, constituímos esta como um terceiro estilo de análise, deslocando os discursos ergonômicos como um quarto estilo.

O trabalho de classificação dos artigos lidos seguramente envolveu uma série de controvérsias entre nosso grupo. Primeiro porque os textos muitas vezes mesclavam os estilos discursivos - como o de Bonfim (1958), que junta o primeiro, o terceiro e o quarto estilos. Segundo, pela curta extensão, muitos destes textos trabalhavam o tema do trabalho de forma muito breve, tornando a classificação difícil. Para tentar dar conta desta primeira aproximação classificatória destes textos, trabalhamos com um esquema de leituras duplas, por pessoas diferentes, onde as controvérsias eram decididas pela leitura por um terceiro, seguida de discussão interna ao grupo da pesquisa.

Em seguida a esta etapa de delimitação dos estilos e dos modos de classificação, objetivamos contabilizar por ano a presença de artigos concernentes a cada uma destes estilos. Na análise incluímos artigos que tratam de discussões e proposições no campo do trabalho, especialmente voltados a técnicas. Foram excluídos balanços acerca da atividade do ISOP e do IP, bem como textos que se atenham a uma discussão puramente teórica da psicologia, uma vez que estes pouco permitem entrever quanto aos modos de gestão indicados em práticas psicológicas. O Boletim do Instituto de Psicologia seguiu até 1973 e os ABP seguem publicados até a data atual, mas neste artigo trabalhamos o período até 1965, período inicial de implantação da profissão de psicólogo no país e do surgimento dos primeiros cursos como o do IP da UB (UFRJ).

 

Análise dos estilos discursivos

Estamos ainda em etapa inicial desta pesquisa, pretendendo chegar até o ano de 1990, quando o ISOP é fechado. De toda forma, quanto aos ABP já podemos apresentar um gráfico e uma tabela com as primeiras classificações ao longo de uma linha do tempo. O Gráfico 1 e a Tabela apresentam a quantidade de artigos nos ABPs referentes a cada um dos estilos pelo total de artigos publicados no dado ano, no caso sendo o estilo "disciplinar" identificada como "Estilo I", o "ergonômico" como "Estilo II", o "personalista" como "Estilo III" e o "empreendedorista" como "Estilo IV".

Sobre este material destacado, valem algumas análises de conteúdo e uma discussão sobre esta distribuição discursiva ao longo do tempo em um periódico local2. O primeiro aspecto diz respeito a uma presença ponderada dos tipos de abordagem vinculada ao campo do trabalho, com o predomínio das formas tradicionais-disciplinares no campo ao longo da década de 1960, e a presença minoritária das formas ergonômicas. Nossa hipótese é que, a partir de meados dos anos 1960, uma maior expressividade dessa segunda fase se apresenta, decorrente da assimilação nacional paulatina das inovações gerenciais consequentes do advento da Segunda Guerra Mundial, período produtor de inovações tecnológicas no campo das ciências humanas no campo das relações de trabalho (Rose, 1999; Athayde, 2004). É de se destacar que nos anos 1970 o ISOP tem entre os seus centros o Centro Brasileiro de Ergonomia e Cibernética (CEBERC), o que indica um possível aumento deste tipo de trabalho nos anos posteriores ao corte desta primeira análise. De toda a forma, nos anos 1950 se destacam nesse estilo II os trabalhos de Cloche (1951), Mongruel (1952), Suchanek (1954) e Nava e Cunha (1958), estilo organizacional, e, já nos anos 1960, o de Mira y López (1963).

Muito pautado por uma ênfase nas características fisiológicas dos trabalhadores, os artigos de estilo ergonômico (Quadro 1) pautam uma adaptação do ambiente e das condições de trabalho a tais variáveis fisiológicas. Embora, em certos artigos, os autores se refiram a características psicológicas (por exemplo, fadiga mental, aptidões psíquicas, atenção etc.), estas são tidas como fundamentadas em aspectos fisiológicos (condições fisiológicas sensoriais, motricidade, leis do funcionamento do organismo humano etc.); mais ainda, tais distinções entre características fisiológicas e psicológicas parecem não ser feitas em certos momentos. A orientação geral para o contexto do trabalho segundo os autores é a adequação das condições de trabalho - principalmente no que diz respeito aos estímulos sensoriais (iluminação, ruídos etc.) - ao que é fisiologicamente mais funcional para um aumento da produtividade dos trabalhadores.

A surpresa maior ficou por conta dos textos do que classificamos como terceiro estilo (personalidade e relações humanas), que estariam entre os ergonômicos (tomando a perspectiva do trabalhador, mas pela sua personalidade e relações humanas) e os empreendedoristas (abordando o trabalhador a partir de uma personalidade autêntica e ativa sem trabalhar qualquer tema relacionado ao empreendedorismo), superando numericamente os do segundo estilo. Neste terceiro estilo se destacam os textos Bonfim (1953), Bonfim (1954), Desconhecido (1956), Freitas (1956), Gemelli (1958), Bonfim (1958), Carvalhaes (1960), Freitas (1960) e Cordeiro e Frost (1960). Curiosamente este estilo desaparece nos primeiros anos da década de 1960.

Os artigos de estilo personalista (Quadro 2) são caracterizados por duas concepções principais: (1) a concepção que os seres humanos possuem personalidades, sendo estas caracterizadas por necessidades, aptidões e habilidades, sendo algumas dessas variáveis - para alguns autores desse estilo - comuns a todos os seres humanos, aos trabalhadores ou ao contexto do trabalho; (2) a concepção de que tais necessidades humanas podem e devem ser satisfeitas no contexto do trabalho por um aprimoramento das relações humanas que ocorrem neste. Tendo isso como fundamento, as principais diretrizes dos autores desse estilo para o ambiente do trabalho são: (1) levar em consideração as necessidades, aptidões e habilidades de cada trabalhador de modo a alocá-lo no trabalho que seja mais condizente com os traços de sua personalidade; e (2) desenvolver as relações humanas que se dão no contexto do trabalho de modo que os trabalhadores possam satisfazer as suas necessidades (físicas, psicológicas, intelectuais, afetivas etc.) de modo a serem mais produtivos.

O quarto estilo, o empreendedorista, esperamos encontrar apenas em meados ou fins da década de 1980. Rose aponta que nos contextos inglês e norte-americano a linguagem do empreendedorismo ganhou maior força política apenas neste período, a partir do incremento de práticas neoliberais. No entanto, o artigo de Bonfim (1958) chama a atenção por ter componentes de vários estilos, incluindo alguns breves lampejos empreendedoristas, como ao discutir a questão das nossas necessidades de autonomia e liberdade (ver Quadro 3). De toda a forma, consideramos uma referência extremamente breve para qualquer classificação de um texto com forte postulação empreendedorista.

 

Boletins e monografias do Instituto de Psicologia

Como destacado anteriormente, os textos apresentados nos Boletins e Monografias do Instituto de Psicologia apresentam uma quase completa raridade do tema vinculado ao campo do trabalho. O texto de Schneider (1949) será analisado por ser o mais próximo do tema da psicologia vinculada ao campo do trabalho e por ser anterior a qualquer breve presença do tema nos boletins. Datando de 1949, a monografia de Schneider cumpre duplo papel: se propõe como texto introdutório para os interessados no tema da seleção e orientação profissional e segue as diretrizes da Divisão de Psicologia Aplicada do IP, prevista em seu Regimento (Instituto de Psicologia, 1949, pp.11-12), especialmente na função de "utilizar os estudos teóricos e experimentais na investigação dos problemas psicológicos inerentes à atividade humana".

A monografia, prefaciada por Nilton Campos e a ele dedicada pela ocasião do aniversário de dez anos de obtenção da cátedra de Psicologia na UB, divide-se em três capítulos: o primeiro, de cunho histórico, apontando as transformações do século XIX e a industrialização como deflagradoras da necessidade de seleção e orientação; um segundo, indicando como a psicologia contribui para o tema da seleção e orientação (através de gestaltistas, behavioristas, da psicanálise, da psicologia diferencial etc.), dando foco especial no final do capítulo para a testagem psicológica; e um terceiro, especificando as questões do Brasil e indicando como pode ser realizada a formação de profissionais voltados para a seleção e orientação profissional.

Destaca-se que, para Schneider, a solução dos problemas do campo; em face da crescente industrialização do país, estava na cuidadosa formação de psicologistas e psicotécnicos, profissionais com currículo próprio a serem treinados nas Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras, nos devidos departamentos de Psicologia autônomos de tais instituições. Tal necessidade de psicólogos era facilmente justificável, e caracteriza esse texto como sendo do estilo I proposto em nosso estudo (voltado para a disciplinarização e aumento de eficácia), como a passagem abaixo deixa claro:

A educação vocacionalmente orientada e a formação geral de profissionais selecionados para a indústria, comércio, administração e magistério jamais poderiam ter pleno êxito se não se fizer a preparação adequada de um número apreciável de psicologistas e também a qualificação de psicotécnicos a fim de superar a fase de improvisação em que ainda nos arrastamos (Schneider, 1949, p. 59).

Já o texto de Campos destoa bastante do texto de Schneider. Enquanto este defende a área tanto em sua necessidade de existir como em sua formalização futura, aquele sugere que a própria existência deste campo deve ser tomada com cuidado pois ameaçaria a dignidade do espírito humano. Para Campos, "A verdade irrefutável é que o aperfeiçoamento técnico, se não for acompanhado por um progresso espiritual correspondente, não trará nenhum benefício autêntico para a humanidade ansiosa pela sua salvação moral" (1962, p. 21). Este trabalho, apesar de tratar do tema da psicologia e as organizações, foge à classificação inicialmente proposta, indicando controvérsias existentes sobre a função da psicologia neste segmento e qual seria sua função se ali ocupasse algum espaço.

Este temor de Nilton Campos com o crescimento de uma psicologia voltada para a aplicação e o uso técnico é conhecido. O próprio Eliezer Schneider conta, em depoimento, que Campos tinha prevenções contra Mira y López, chamando jocosamente suas assistentes e alunas de "mirotécnicas" e evitando maiores contatos entre IP e ISOP (Schneider, 1992, pp. 145-146). Aqui, a "disputa" IP-ISOP reflete-se no tema da psicologia do trabalho: enquanto uma instituição apresentou trabalhos diversos desenvolvendo o campo, a outra produziu textos conflitantes com a própria perspectiva de análise da produtividade do trabalhador.

 

Conclusões: breves questões de análise

Alguns aspectos ainda valem ser destacados na análise final deste trabalho: em primeiro lugar, é preciso estar atento ao aspecto sucessório das fases ou estilos destacados neste trabalho. Escolhemos falar em estilos (e não em fases, por exemplo), para não implicar em qualquer modo evolucionista de avaliar esta sucessão discursiva, em que cada período apontaria para a exclusão do anterior. Pelo que vimos há muito mais um convívio entre estilos (às vezes em um mesmo texto) do que uma simples sucessão. O que pode acontecer é uma variação de frequência de um estilo sem que se coloque a questão de sua superação. Uma prova disto é a quase onipresença do primeiro estilo.

Outro aspecto a ser destacado é a singularidade local dessa produção discursiva num contexto global de conhecimento em que o Brasil se apresenta, ao menos nos anos de 1960, mais como importador do que uma central produtora de conhecimentos. A produção neste período aponta para o aspecto fortemente importador de conhecimentos psicológicos. Mas esta importação com a claro predomínio das referências estrangeiras não exclui um processo de assimilação local com o predomínio de algumas discussões locais. Esta assimilação ou indigenização local pode ser destacada em trabalhos como os de Danzinger (2006) e de Pulido e Burbano (2018), analisando historicamente certas traduções locais. A distribuição singular ao longo do tempo dos estilos, a forte presença do estilo III ou ainda o ecletismo na composição de versões podem ser sinais desta marca de produção local.

Um terceiro aspecto a destacar diz respeito às versões em psicologia do trabalho, em que não apenas podemos ver singulares arranjos locais sem qualquer posição excludente digna de visões fortes (Despret, 1999), como a já citada postura de composição. No entanto, vale a pena destacar que a análise destes trabalhos implica a composição entre diferentes versões da psicologia: uma notadamente implicada em seus embates em torno das práticas (a dos ABP) e outra mais reservada em relação a estes desdobramentos, afirmando uma postura mais ascética.

Por fim, retornando à primeira parte do texto, é possível reconectar-nos na análise destes discursos às questões acerca dos processos de subjetivação implicados em uma governamentalidade liberal. Buscamos identificar como, nos discursos do campo da psicologia do trabalho, surgem preocupações de como tornar visíveis e administráveis as condutas de trabalho. Percebemos que no seio de uma governamentalidade liberal revela-se a importância, entre os governados, de um caráter gradualmente mais atinente à autonomia, à liberdade, à atividade e à satisfação (notadamente no Estilo III). Especialmente neste estilo se destaca a busca de uma natureza mais basal do ser humano, a uma essência deste, dimensionando a partir destas, as formas de governo contemporâneas, promovendo-a pelas atuações clínicas dos psicólogos. É neste sentido que podemos compreender as participações das áreas tratadas nas aspirações, estratégias e programas de governo, uma vez que não se entende tais operações como manipulações para efeitos de dominação, mas sim como positividades comprometidas com o melhor governo da população em termos de sua saúde, tranquilidade, segurança, bem-estar e autêntica natureza.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Arthur Arruda Leal Ferreira
arleal1965@gmail.com

Marcus Vinícius do Amaral Gama Santos
mvgama@hotmail.com

Gabriel Gouvêa Monteiro
ggmgouvea@gmail.com

Luiz Eduardo Prado da Fonseca
fonseca.luiz8@gmail.com

Submetido em: 24/07/2019
Revisto em: 05/12/2019
Aceito em: 06/12/2019

 

 

1 O texto original foi publicado nos Boletins do Instituto de Psicologia de 1959, n° 7-8. Entretanto, utilizaremos aqui a versão de 1962, publicada na ocasião das conferências realizadas pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Brasil. A diferença entre os textos é mínima: enquanto o de 1959 é apenas o texto que citamos, o de 1962 acrescenta ao final do texto os comentários realizados por Lourenço Filho à época da conferência e a resposta de Nilton Campos. De resto, utilizamos a versão de 1962 apenas por conveniência.
2 É interessante que os ABPs, apesar de se configurarem como um periódico situado na cidade do Rio de Janeiro se demarcam como um veículo de expressão nacional, com presença de autores internacionais, nos quais despontam não apenas o principal proponente da revista (Mira y Lopez), mas autores internacionais como Gemelli (1958).

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