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Arquivos Brasileiros de Psicologia

On-line version ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. vol.72 no.1 Rio de Janeiro Jan./Apr. 2020

http://dx.doi.org/10.36482/1809-5267.ARBP2020v72i2p.55-71 

ARTIGOS

 

Estresse e enfrentamento infantil no contexto do divórcio parental1

 

Stress and child coping in the context of parental divorce

 

Estrés y afrontamiento infantil en el contexto del divorcio parental

 

 

Claudia Paresqui RoseiroI; Kely Maria Pereira de PaulaII; Camila Nasser ManciniIII

IDoutoranda. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade Federal do Espírito Santo. Vitória. Estado do Espírito Santo. Brasil
IIDocente. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade Federal do Espírito Santo. Vitória. Estado do Espírito Santo. Brasil
IIIMestre. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade Federal do Espírito Santo. Vitória. Estado do Espírito Santo. Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O divórcio poderá se constituir em evento estressor, aumentando a probabilidade de sofrimento infantil, sobretudo na presença de outros fatores risco. Este estudo avaliou como crianças lidam com o divórcio parental, verificando relações entre enfrentamento (coping), estresse e estressores contextuais. A amostra foi composta por 30 crianças, 10-12 anos, e seus pais, respondendo a roteiro de entrevista semiestruturado, Escala de Stress Infantil, Escala de Eventos Percebidos para Adolescentes e Escala de Enfrentamento do Divórcio Parental, baseada na Teoria Motivacional do Coping. Relações significativas foram identificadas entre estresse e número de eventos de vida, emoções de medo e raiva, orientação de afastamento do estressor e maior uso de estratégias de enfrentamento mal adaptativas. Discute-se como as características e a magnitude dos estressores do divórcio produziram nas crianças a percepção de ameaça às suas necessidades psicológicas, estresse e coping mal-adaptativo.

Palavras-chave: Estresse; Enfrentamento; Divórcio; Desenvolvimento infantil.


ABSTRACT

Divorce may become a stressful event, increasing the likelihood of child suffering, especially in the presence of other risk factors. This study evaluated how children deal with parental divorce, verifying relationships between coping, stress and contextual stressors. The sample consisted of 30 children, 10-12 years old, and their parents, responding to: the script of a semi-structured interview, Child Stress Scale, Adolescent Perceived Events Scale and Parental Divorce Coping Scale, based on Motivational Theory of Coping. Significant relationships were identified between stress and number of life events, emotions of fear and anger, orientation away from the stressor, and greater use of maladaptive coping strategies. It is discussed how the characteristics and magnitude of the stressors of divorce produced in children the perception of threat to their psychological needs, stress and coping maladaptive.

Keywords: Stress; Coping; Divorce; Child development.


RESUMEN

El divorcio puede ser un evento estresante, aumentando la probabilidad de que el niño sufra, especialmente en presencia de otros factores de riesgo. Este estudio evaluó cómo los niños enfrentan el divorcio de los padres, analizando las relaciones entre afrontamiento, estrés y factores estresantes contextuales. La muestra consistió en 30 niños, de 10 a 12 años de edad, y sus padres, que respondieron al guion de entrevista semiestructurada, Escala de Estrés Infantil, Escala de Eventos Percibidos para Adolescentes y Escala de Afrontamiento de Divorcio Parental, basada en la Teoría de Afrontamiento Motivacional. Se identificaron relaciones significativas entre el estrés y la cantidad de eventos en la vida, emociones de miedo y enojo, orientación hacia el retiro de factores estresantes y un mayor uso de estrategias de adaptación poco adaptativas. Discute cómo las características y la magnitud de los factores de estrés del divorcio han producido en los niños una amenaza percibida para sus necesidades psicológicas, estrés y afrontamiento inadaptado.

PalabrasClave: Estrés; Afrontamiento; Divorcio; Desarrollo infantil.


 

 

Introdução

É imperativo que o contexto familiar é um dos principais responsáveis pelo desenvolvimento dos sujeitos, de maneira que sua dinâmica, recursos e características serão fatores de forte influência nos desdobramentos no ciclo vital, especialmente durante a infância e adolescência (Sameroff, 2009). A promoção de uma estrutura de apoio sólida e uma dinâmica de acolhimento e estimulação, já nos primeiros anos de vida, mostra-se essencial na garantia de um desenvolvimento sadio, impactando desde o bem-estar do indivíduo, até mesmo a harmonia social e a produtividade das nações ao redor do mundo (Shonkoff, Richter, Gaag & Bhuttha, 2012).

O divórcio tem sido descrito como um evento estressor que abrange uma série de mudanças e ajustamentos na vida de todos os membros da família, aumentando a probabilidade de mal-estar psicológico em pais e crianças (Hetherington & Elmore, 2003; Nunes-Costa, Lamela, & Figueiredo, 2009; Sandler, Wolchik, Davis, Haine, & Ayers, 2003; Wallerstein & Kelly, 1998; Wallerstein, Lewis, & Blakeslee, 2002). Os estudos sobre o impacto do rompimento familiar vêm assumindo o divórcio como um evento estressante num processo sistêmico e dinâmico, que envolve fatores mediadores e moderadores, os quais contribuem para a variabilidade de respostas adaptativas (Carter & MacGoldrick, 2011; Kelly & Emery, 2003; Peck & Maniocherian, 2011; Raposo, Figueiredo, Lamela, Nunes-Costa, Castro, & Prego, 2011).

Algumas características do contexto familiar pós-divórcio podem contribuir para a ocorrência de efeitos negativos no ajustamento infantil, tais como alteração no nível socioeconômico, diminuição no suporte e no efetivo controle parental, menor contato com o genitor não residente, contínuo conflito entre os pais, entre outros (Amato, 2000; Amato & Keith, 1991; Kelly & Emery, 2003; Raposo et al., 2011). O forte conflito parental, como situações de discórdia entre o ex-casal, especialmente em relação às decisões que envolvem a vida dos filhos, podem caracterizar-se por diferentes níveis de intensidade, frequência, conteúdo e resolução, expressas no cotidiano familiar de forma aberta ou encoberta (Benetti, 2006). Nesse sentido, o conflito interparental é considerado o fator de risco com maior impacto no ajustamento da criança à separação ou divórcio dos pais (Amato, 2000; Amato & Keith, 1991), uma vez que estes conflitos podem se manifestar em raiva, hostilidade, desconfiança, linguagem agressiva, agressões físicas e verbais ou dificuldades em se comunicar com os filhos.

A manutenção de uma relação conflituosa, a não cooperativa entre os pais e a presença de discórdia e tensão no ambiente familiar são aspectos relacionados à etiologia de distúrbios emocionais na criança e no adolescente (Cummings & Davies, 2002; Wamboldt & Wamboldt, 2000). Desta maneira, a exposição a contextos caóticos e a constantes episódios de disputa/conflito entre o ex-casal como forma de relacionamento pós-divórcio é um fator que contribui incisivamente para o desencadeamento de estresse em níveis prejudiciais, representando risco ao desenvolvimento dos filhos (Wachs & Evans, 2010; Benetti, 2006; Lipp, 2014).

De forma semelhante, a imprevisibilidade financeira pode influenciar direta e indiretamente o ajustamento infantil, de acordo com o significado que a criança confere a menor quantidade de recursos financeiros, impactando em sua qualidade de vida (Nunes-Costa et al., 2009; Raposo et al., 2011). A criança pode ter que mudar de bairro ou de escola, ou ainda ter menos oportunidades educacionais. Aquele que fica com a guarda da criança sente de forma direta o impacto desta redução financeira para investir nas necessidades da família. Esta mudança na dinâmica financeira tem impacto sobre o bem-estar subjetivo da criança, uma vez que há alterações significativas nos recursos de saúde, atividades extracurriculares, acesso a bens culturais e entretenimento, entre outros (Hetherington & Elmore, 2003). Ainda, de forma indireta, a economia familiar pode afetar o ajustamento dos próprios pais, que podem apresentar-se mais irritadiços, depressivos, com diminuído monitoramento e disciplina, e com menor disponibilidade emocional para o filho (Nunes-Costa et al., 2009).

O processo de estresse pode ser instaurado a partir da vivência em ambientes sociais ou físicos que ameaçam o desenvolvimento sadio (devido à diminuição de recursos, instabilidade ou tensão constante entre os cuidadores), que podem acarretar interferências na saúde e equilíbrio psicofisiológico da criança em curto e longo prazo (Garner et al., 2012; Shonkoff et al., 2012). O estresse, apesar de necessário à adaptação a um novo contexto e a suas novas demandas, quando vivenciado de maneira intensa e por longo período, torna-se tóxico, impactando o funcionamento saudável do organismo, em que seus desdobramentos interferem no desenvolvimento da aprendizagem, comportamento, saúde e longevidade, especialmente quando esta exposição ocorre nos primeiros anos de vida da criança (Lipp, 2014; Bair-Merritt, Zuckerman, Augustyn, Cronholm, 2013; Shonkoff et al., 2012).

Lipp e Lucarelli (2011) descreveram o estresse como um conjunto de reações do organismo frente a estímulos que exigem um esforço adaptativo, com evolução de acordo com quatro fases: Fase de Alerta, Fase de Resistência, Fase de Quase Exaustão e Fase de Exaustão. A Fase de Alerta caracteriza-se pelo arranjo psicofisiológico iniciado a partir do momento em que o sujeito tem contato com o estressor e tem reações fisiológicas de luta ou fuga, como aumento da pressão cardíaca, contração do baço, tensão muscular, aumento da frequência respiratória, entre outros. Já a Fase de Resistência é instaurada quando o estressor se mantém e as reações do estágio de alerta diminuem, mas o organismo permanece em estado de tensão. A Fase de Quase Exaustão estabelece-se quando ocorre um descontrole no organismo, devido à tensão excessiva diante do contato crônico com o estressor, em que a resistência emocional e física começa a se romper, o que pode resultar no aparecimento de doenças. Por fim, a Fase de Exaustão caracteriza-se como a fase patológica de estresse, em que ocorre concomitantemente o desenvolvimento de sintomas psicológicos e físicos, representando uma ameaça à funcionalidade do sujeito.

O divórcio, associado a circunstâncias como conflito interparental, afastamento de um dos genitores, problemas financeiros e outros estressores contextuais, pode acarretar respostas de estresse, problemas de saúde física e psicológica nos filhos, afetando seu desenvolvimento, sobretudo com relação ao rendimento acadêmico, relações interpessoais e problemas comportamentais internalizantes e externalizantes (Nunes-Costa et al., 2009; Sandler et al., 2003). Nesse sentido, o ambiente familiar no contexto pós-divórcio, com suas configurações de fatores de risco e proteção, constitui-se nos recursos sociais disponíveis à criança, que associados aos seus recursos pessoais, determinarão o processo de enfrentamento (coping) do divórcio parental (Amato, 2000; Amato & Keith, 1991; Hetherington & Elmore, 2003).

O uso de estratégias positivas de enfrentamento pela criança é considerado um importante fator protetivo que favorece trajetórias desenvolvimentais adaptativas, assim como o suporte social, a percepção/crença sobre o divórcio sem autoculpa e os arranjos de guarda facilitadores da convivência do filho com ambos os genitores (Amato, 2000). Em conjunto, esses fatores protetivos poderão atenuar os possíveis efeitos negativos do divórcio e promover o processo de resiliência da família (Hetherington & Elmore, 2003; Kelly & Emery, 2003).

A abordagem do enfrentamento como ação regulatória e a perspectiva desenvolvimentista adotada proposta pela Teoria Motivacional do Coping - TMC (Motivational Theory of Coping - MTC), de Skinner et al. (Skinner & Wellborn, 1994; SkinnerSkinner, Edge, Altman, & Sherwood, 2003), representaram um importante avanço do ponto de vista teórico, por demonstrar, na análise do constructo, a relação entre estratégias de enfrentamento e suas funções adaptativas, favorecendo uma compreensão mais ampla dos efeitos do estresse e dos processos de resiliência em face às adversidades (Ramos, Enumo, & Paula, 2015).

De acordo com a TMC, o coping é desencadeado a partir de uma experiência que é avaliada pelo indivíduo como ameaça ou desafio a algumas de suas necessidades psicológicas básicas, que a teoria aponta como universais: (a) necessidade de relacionamento, que desenvolve a autoestima e a capacidade de sentir-se conectado com outras pessoas; (b) necessidade de competência, desenvolvendo o sentimento de efetividade nas interações com o ambiente, evitando resultados negativos; e (c) necessidade de autonomia, desenvolvendo o livre curso de ação dos eventos, e a capacidade de escolha (Ramos et al., 2015; Skinner et al., 2003; Zimmer-Gembeck & Skinner, 2009). Desse modo, para os teóricos da TMC, o coping engloba as ações individuais para manter, restabelecer ou reparar estas necessidades básicas.

A proposição da TMC contempla um sistema estrutural e hierárquico em relação aos níveis de respostas de coping, chamadas de famílias ou macrocategorias de enfrentamento, nas quais se organizam as estratégias de acordo com a emoção e a orientação a elas associadas (Skinner & Wellborn, 1994; Skinner et al., 2003). Conforme descreve Ramos et al. (2015), na base hierárquica do modelo estão os comportamentos de coping, aquilo que o indivíduo faz ou pensa ao lidar com estresse, sendo este considerado o nível mais básico, correspondente a comportamentos em situações reais do dia a dia. O nível intermediário refere-se às estratégias de enfrentamento considerando seu valor funcional. E no último nível, o mais alto da hierarquia, abarca as famílias ou macrocategorias de coping, relacionadas aos processos adaptativos. Neste sistema, cada macrocategoria de enfrentamento relaciona-se a uma das necessidades básicas universais, como afirmado anteriormente, totalizando 12 famílias, sendo elas: Autoconfiança, Busca de suporte, Delegação, Isolamento, Resolução de problemas, Busca de informações, Desamparo, Fuga, Acomodação, Negociação, Submissão e Oposição (Ramos et al., 2015).

Tendo em vista a compreensão do enfrentamento como ação regulatória e a adoção de uma perspectiva desenvolvimentista para uma análise mais abrangente do fenômeno (Skinner et al., 2003), considera-se importante a avaliação das características do indivíduo e do contexto que podem determinar a adoção de estratégias para lidar com estressores específicos, em diferentes fases do desenvolvimento. Dessa forma, esta pesquisa buscou analisar indicadores de estresse e de enfrentamento do divórcio parental em crianças, verificando relações entre coping, estresse e estressores contextuais.

 

Método

Para alcançar os objetivos propostos foi realizada uma pesquisa empírica com delineamento descritivo e correlacional (Meltzoff, 2001) para identificação, análise e relações entre variáveis.

Participantes

Participaram da pesquisa 30 crianças, na faixa etária entre 10 e 12 anos, e seus genitores envolvidos em processos judiciais nas Varas de Família de um Fórum da Região Metropolitana de Vitória, ES. A idade média das crianças foi de 11,03 anos, sendo 18 meninas e 12 meninos. Todos os participantes se encontravam em idade escolar, cursando o Ensino Fundamental, a maioria do 5º ano.

Instrumentos

Para coleta de dados foram utilizados os seguintes instrumentos:

Roteiro de Entrevista para Caracterização Familiar: instrumento semiestruturado elaborado para esta pesquisa para levantamento de informações gerais da família e do histórico do divórcio, bem como características socioeconômicas.

Escala de Stress Infantil - ESI (Lipp & Lucarelli, 2011): instrumento que avalia se há sintomas de estresse em indivíduos de 6 a 14 anos de idade. É composto por 35 itens organizados em escala Likert de cinco pontos (0= nunca sente a 4= sente sempre), referentes ao nível de estresse experienciado. As respostas são agrupadas em quatro fatores de reações: Física, Psicológica, Psicológica com Componentes Depressivos, e Psicofisiológica. De acordo com a pontuação nesses fatores, seguindo critérios estabelecidos no manual da escala, as crianças podem ser classificadas em diferentes fases de estresse: Fase de Alerta, Fase de Resistência, Fase de Quase Exaustão e Fase de Exaustão. O instrumento apresentou bons coeficientes de precisão e consistência interna, com Alpha de Cronbach = 0,89; Coeficiente de Precisão pela técnica Duas Metades = 0,95 e Correlação de Sperman-Brown = 0,97.

Escala de Eventos Percebidos para Adolescentes (Adolescent Perceived Events Scale - APES, versão abreviada de Grant & Compas, 1995): consiste em uma escala de autorrelato com 90 itens que buscam identificar eventos que comumente afetam o cotidiano de crianças e adolescentes, na faixa etária de 10 a 18 anos. Os participantes indicam quais itens vivenciaram nos últimos 6 meses e o nível de agradabilidade (desejabilidade) do evento, respondendo a uma escala Likert de nove pontos (-4 = extremamente ruim, a +4 = extremamente bom). Foi utilizada a escala disponibilizada pelo laboratório de pesquisa Stress and Coping Research Lab, coordenado pelo Dr Bruce Compas, da Vanderbilt University. O instrumento apresentou boas propriedades psicométricas de validade e confiabilidade, pelo coeficiente de teste-reteste (p < 0,001), variando de 0,77 a 0,85 para o número de eventos relatados, de 0,74 a 0,89 para eventos negativos ponderados, e de 0,78 a 0,84 para eventos positivos ponderados (Compas, Davis, Forsythe, & Wagner, 1987).

Escala de Enfrentamento do Divórcio Parental (adaptada de Justo, 2015): trata-se de uma escala contendo 21 itens que buscam identificar seis medidas: reação emocional, avaliação de ameaça, avaliação de desafio, orientação, identificação e o uso das 12 macrocategorias de enfrentamento, com base na TMC. Para considerar a medida do divórcio parental, o instrumento foi adaptado para esta pesquisa, onde as cenas/situações apresentadas às crianças e adolescentes foram referentes aos estressores mais relacionados a essa condição (conflito interparental, afastamento de um genitor e problemas financeiros). As opções de resposta compreendem uma escala Likert de cinco pontos (1 = nem um pouco a 5 = totalmente). Este instrumento demonstrou, a partir do coeficiente de Alfa de Cronbach, bom nível de consistência interna para a escala total (0,757).

Procedimento de coleta, local e análise dos dados

Conforme critério de inclusão na amostra, os participantes deveriam estar envolvidos em processos judiciais nas Varas de Família, nos quais estivesse presente o contexto de separação/divórcio dos pais. Os participantes foram selecionados por encaminhamento da equipe multidisciplinar ou por prospecção da pesquisadora nas Varas de Família. A pesquisa realizou-se no espaço do Fórum e, em alguns casos, mediante visita domiciliar, quando havia dificuldade de deslocamento dos participantes.

Inicialmente foram realizadas as entrevistas com os genitores, com aplicação do roteiro de entrevista semiestruturado. Em momento posterior, as crianças e adolescentes responderam a Escala de Stress Infantil (ESI), a Escala de Enfrentamento do Divórcio Parental, e a Escala de Eventos Percebidos para Adolescentes (APES). Os dados obtidos pelas entrevistas com os pais foram processados e submetidos à análise descritiva, com valões de frequência e percentual.

Os dados obtidos pela ESI foram processados e classificados conforme os critérios contidos no manual do instrumento (Lipp & Lucarelli, 2011): por fator (Reações Físicas, Reações Psicológicas, Reações Psicológicas com Componentes Depressivos, e Reações Psicofisiológicas e a pontuação Total Estresse) e por fases de estresse: Alerta, Resistência, Quase-exaustão e Exaustão.

As respostas da APES foram processadas e contabilizadas, gerando uma pontuação geral de eventos ocorridos (Total de eventos), bem como a frequência dos Eventos Negativos, assinalados pelos próprios participantes e considerados neste estudo como eventos estressores no cotidiano das crianças.

Os dados da Escala de Enfrentamento do Divórcio foram analisados pela média da pontuação dos itens referentes a cada reação emocional (Tristeza, Medo e Raiva), ao total das reações emocionais (Distress), à avaliação de ameaça (a cada necessidade psicológica básica: Relacionamento, Competência e Autonomia), à avaliação de desafio, à orientação de enfrentamento e às famílias de enfrentamento. Obteve-se uma pontuação de Enfrentamento Adaptativo (EA) somando-se os escores das macrocategorias: Autoconfiança, Busca de Suporte, Resolução de problemas, Busca de Informações, Acomodação e Negociação), e uma pontuação de Enfrentamento Mal-Adaptativo (EMA) somando-se os escores das macrocategorias: Delegação, Isolamento, Desamparo, Fuga, Submissão e Oposição). Para as análises comparativas em relação ao enfrentamento, os participantes foram classificados como com maior ou menor Enfrentamento Adaptativo a partir do valor da mediana (< 51 vs 51). Os participantes foram classificados como com maior ou menor Enfrentamento Mal-Adaptativo pelo valor da mediana (< 54 vs 54).

Nas análises estatísticas, para a descrição das variáveis categóricas, foram utilizados valores de frequência absoluta e percentual, e na análise das variáveis contínuas, valores de média, desvio-padrão, mediana e valores mínimo e máximo. Para comparação das variáveis categóricas entre grupos foi utilizado o teste Qui-Quadrado de Pearson ou o teste exato de Fisher (na presença de valores esperados menores que 5), e para comparar as variáveis contínuas entre dois grupos foi utilizado o teste de Mann-Whitney. Para analisar a relação entre as variáveis numéricas foi utilizado o coeficiente de correlação de Spearman, devido à ausência de distribuição Normal das variáveis. O nível de significância adotado para os testes estatísticos foi de 5%, ou seja, p < 0,05. Para as análises estatísticas foi utilizado o programa computacional The SAS System for Windows (Statistical Analysis System), versão 9.2.

Aspectos éticos

O presente estudo é parte da pesquisa de Doutorado da primeira autora, intitulado "O processo de enfrentamento do divórcio parental por crianças e adolescentes", cujo projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal do Espírito Santo - UFES (Parecer nº 1459329). A pesquisa desenvolvida seguiu os padrões éticos da Resolução no 016/2000/CFP e da Resolução no 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), garantindo-se aos participantes o total conhecimento dos objetivos, da metodologia, das condições de sigilo e anonimato de sua identidade, a aceitação imediata de desligamento do estudo a qualquer momento, sem quaisquer prejuízos. Os responsáveis assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, e as crianças o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido.

 

Resultados

Os resultados da avaliação do estresse infantil apontaram que 19 participantes (63,33%) não apresentaram sintomatologia de estresse, cinco (16,66%) classificaram-se na fase de Alerta, cinco (16,66%) na fase de Resistência, um (3,33%) participante apresentou nível de estresse de Quase Exaustão, e nenhum classificou na fase de Exaustão, estas duas últimas fases consideradas mais graves. A distribuição dos participantes quanto a fase e reações de estresse pode ser visualizada na Tabela 1.

As reações de estresse mais presentes nos participantes na fase de Alerta foram as reações Psicológicas (34,80%) e Psicofisiológicas (26,43%). Já os que se encontravam na fase de Resistência, as reações Psicológicas (30,93%) e Psicológicas com Componente Depressivo (25,22%) foram as mais comuns. O único participante na fase de Quase Exaustão exibiu mais sintomas de reações Psicológicas com Componente Depressivo (43,75%), seguidas das Psicológicas (37,5%). De modo geral, os sintomas mais frequentes foram os psicológicos (36,04%), como, por exemplo, se sentir assustado(a) na hora de dormir, ficar preocupado com coisas ruins que podem acontecer e ter medo.

Dentre os eventos de vida percebidos pelos participantes que afetam o cotidiano, os mais frequentes foram, em ordem decrescente: "frequentar escola" (n = 30), "hobbies ou atividades como assistir TV, ler e tocar um instrumento" (n = 29), "fazer atividade ou passar um tempo com pessoas da família" (n = 29), "sair-se bem em uma prova ou trabalho escolar" (n = 28), "compreender as aulas ou o dever de casa" (n = 27), "viver somente com um dos pais" (n = 27), "estudar ou fazer lição de casa" (n = 26). Observou-se que se tratavam de eventos cotidianos/diários e a maioria recebeu avaliação positiva (acima de 76%), com exceção dos itens "viver somente com um dos pais" e "estudar ou fazer lição de casa", os quais receberam percentual de avaliação positiva de 48,14% e 61,53%, respectivamente. Os eventos de vida mais frequentes na amostra estiveram relacionados preponderantemente ao contexto escolar e familiar.

Os eventos negativos mais frequentes apontados pelos participantes foram: "Ir mal em uma prova ou trabalho escolar" (n = 18), "Brigar ou ter problemas com um amigo" (n = 13), "Discussões ou brigas entre os pais" (n = 12), "Relacionamento ruim entre as pessoas da família e/ou entre os amigos" (n = 12), "Planos que não deram certo" (n = 12), "Preocupações emocionais (sentir-se depressivo, com oscilações de humor, irritado, inseguro sobre si mesmo" (n = 11), "Algo ruim acontecendo com um amigo" (n = 11), "Problemas financeiros ou preocupações relacionadas a dinheiro" (n = 10). Os eventos negativos podem ser considerados estressores no contexto de desenvolvimento infantil, e para a amostra apareceram dois itens, a saber, "discussões ou brigas entre os pais" e "problemas financeiros ou preocupações relacionadas a dinheiro", como eventos classificados dentre os mais negativos para os participantes.

Na avaliação do enfrentamento do divórcio parental, no que diz respeito à forma como as crianças lidam com os estressores específicos, verificou-se que a Tristeza, no geral foi a reação emocional mais prevalente, obtendo média maior na situação de afastamento de um dos genitores (M = 4,03). A reação de Medo foi a segunda mais pontuada nas três situações, com escore maior na situação de conflito interparental (M = 3,23). A reação de Raiva foi o item que obteve menor média no geral, sendo mais significativa sua frequência também na situação de conflito interparental (M = 2,96). A Tabela 2 apresenta dados das reações emocionais, avaliação de desafio, orientação de enfrentamento, e avaliação de ameaça às necessidades psicológicas básicas para as três situações específicas do contexto de divórcio parental investigadas.

A situação de problemas financeiros foi a mais percebida como desafio (M = 3,2) e a de conflito interparental obteve menor pontuação nesse item, indicando menos interesse e engajamento dos participantes em relação a essa situação. A situação de conflito interparental recebeu, ainda, maior média no item orientação do enfrentamento (M = 3), remetendo ao quanto os participantes procuram se afastar dessa circunstância. A necessidade psicológica que os participantes perceberam como menos protegida foi a Autonomia (M = 2,01). Já a necessidade psicológica de Relacionamento obteve maior média geral (M= 3,21), indicando estar mais protegida nesse contexto.

Quanto ao uso das estratégias de enfrentamento, das 12 famílias de coping, as mais frequentemente utilizadas pelos participantes nas três situações foram: Fuga (M = 3,43), Oposição (M = 3,42) e Desamparo (M = 3,08), sendo essas categorias classificadas como mal-adaptativas. As categorias Autoconfiança (M = 2,24) e Delegação (M = 2,31) foram as que apresentaram menor pontuação, no geral, caracterizando menor uso dessas estratégias de enfrentamento na amostra (Tabela 3).

Na situação de conflito interparental observou-se maior uso das famílias Oposição (M = 3,53), Fuga (M= 3,5) e Submissão (M = 3,26); na situação de afastamento de um dos genitores evidenciou-se mais Fuga (M = 3,43), Oposição (M = 3,23) e Desamparo (M = 3,1); e na situação de problemas financeiros, estratégias mais voltadas para a Oposição (M = 3,5), Fuga (M = 3,36) e Desamparo (M = 3,26).

Verificou-se que os participantes com estresse apresentaram significativamente maior EMA (81,82%), pelo teste Qui-quadrado [X2(1) = 5,66; p = 0,017]. Manifestaram, ademais, significativamente mais reação emocional de Medo (com estresse: M = 10,64; sem estresse: M = 8,16) e número de eventos percebidos (com estresse: M = 45,64; sem estresse: M = 34,47), conforme o teste de Mann-Whitney (U = 52,5; p = 0,024; e U = 55,0; p = 0,033; respectivamente).

Os participantes com maior EA apresentaram significativamente (U = 62,5; p = 0,039) escore maior de satisfação da necessidade de Relacionamento (M = 10,88) quando comparados aos com menor EA (M = 8,21). Já os participantes com maior EMA apresentaram escores maiores de estresse total (maior EMA: M = 40,56; menor EMA: M = 23,79) e de orientação de afastamento do estressor (maior EMA: M = 10,94; menor EMA: M = 5,64), pelo teste Mann-Whitney (U = 57,5; p = 0,023; U = 26,5; p < 0,001; respectivamente).

Houve correlação significativa positiva entre o total de eventos percebidos e o total de estresse, as reações Físicas, Psicológicas com Componente Depressivo e Psicofisiológicas, e entre eventos negativos e total de estresse, reações Psicológicas com Componente Depressivo e Psicofisiológicas, conforme se observa na Tabela 4, na qual as relações estatisticamente significativas foram destacadas em negrito.

Verificou-se que as reações de estresse também correlacionaram com as reações emocionais desencadeadas pelas situações estressoras do contexto de divórcio parental, sobretudo com o Medo e a Raiva. A emoção de Medo correlacionou-se de forma significativa e positiva com as reações Físicas e a Raiva correlacionou-se positivamente com as reações Físicas e Psicofisiológicas. Ao passo que a reação emocional de Tristeza se relacionou de forma positiva com reações Psicofisiológicas.

Os participantes com maior pontuação de estresse e reações Psicológicas apresentaram significativamente maior orientação de afastamento do estressor (Tabela 4). As reações Psicológicas correlacionaram-se positivamente com o uso da família de Isolamento e ao EMA. Correlações negativas foram observadas entre a satisfação da necessidade psicológica de Autonomia e reações Físicas e reações Psicológicas com Componente Depressivo, sugerindo que os participantes com menor percepção de satisfação da necessidade de Autonomia tendem a apresentar mais sintomas físicos e psicológicos com componentes depressivos.

 

Discussão

Neste estudo, buscou-se analisar indicadores de estresse e de enfrentamento do divórcio parental em crianças, verificando relações entre coping, estresse e estressores desse contexto. Essas variáveis foram avaliadas por meio da ESI, da APES e da Escala de Enfrentamento do Divórcio Parental. Por meio da concepção de coping como ação regulatória, com uma perspectiva desenvolvimentista, como proposto pela TMC (Skinner & Wellborn, 1994; Skinner et al., 2003), foi possível articular alguns aspectos do enfrentamento infantil frente às situações estressoras do divórcio parental, como os padrões de reações emocionais, de motivação e de estratégias de enfrentamento.

Os participantes, de modo geral, apresentaram a reação de tristeza muito intensa nas três situações estressoras específicas do contexto de divórcio parental. Conforme a proposição da TMC, a reação emocional de tristeza se associa com a percepção de ameaça à necessidade de Relacionamento, a qual se refere ao desejo de manter conexão e relacionamentos próximos com as outras pessoas de forma segura, e sentir-se valoroso e capaz de amar (Ramos et al., 2015). A situação avaliada como mais ameaçada dentre as situações estressoras específicas do contexto avaliado, foi a de afastamento de um dos genitores, condição potencialmente angustiante, visto que as figuras parentais são as pessoas consideradas mais significativas na vida da criança (Zimmer-Gembeck & Skinner, 2009). A falta de continuidade no relacionamento com o genitor que não reside com o filho tem sido descrita na literatura como fator desfavorável ao bem-estar emocional e ajustamento infantil no período pós-divórcio (Hetherington & Elmore, 2003; Kelly & Emery, 2003; Nunes-Costa et al., 2009; Raposo et al., 2011).

A situação de conflito interparental obteve escores altos nas três reações emocionais investigadas, contemplando os maiores índices de medo e raiva comparados aos das outras situações, além de menor percepção de proteção das necessidades psicológicas de Relacionamento e Competência. Esses dados corroboram com a literatura, indicando que a situação de conflito interparental cria um ambiente estressante, de modo a desencadear reações de tristeza e insegurança na criança, constituindo-se no fator de risco que possui maior impacto no ajustamento à separação (Kelly & Emery, 2003; Nunes-Costa et al., 2009; Raposo et al., 2011; Sandler et al., 2003). Ressalta-se que em um contexto familiar conflitivo, especialmente a qualidade da relação parental é fator associado à etiologia de distúrbios emocionais na criança e no adolescente (Beneti, 2006; Cummings & Davies, 2002; Nunes-Costa et al., 2009; Wamboldt & Wamboldt, 2000).

A parceria entre os pais nas decisões que envolvam seus filhos e o esforço na manutenção do vínculo familiar são considerados de extrema importância para a promoção do desenvolvimento pleno e saudável dos filhos, priorizando seu bem-estar e os aspectos essenciais ao desenvolvimento, como a percepção de segurança, previsibilidade na rotina e sensação de acolhimento por ambos os pais (Kelly & Emery, 2003). Salienta-se, nesse sentido, a necessidade de se orientar os pais no contexto de divórcio acerca da importância de se manter uma coparentalidade cooperativa, de modo a diminuir o impacto emocional da ruptura familiar sobre o desenvolvimento da criança. A coparentalidade cooperativa entre os pais se caracteriza pelo engajamento e cooperação mútua de ambos os genitores na criação e cuidado aos filhos, relevante na promoção da adaptação positiva da criança ao contexto de ruptura familiar (Macie, 2002; Raposo et al., 2011).

Neste estudo, a necessidade psicológica mais intensamente percebida como ameaçada pelas crianças foi a de Autonomia, relacionada à percepção de livre determinação e à capacidade de escolha da pessoa (Ramos et al., 2015). Esse resultado indica que, nas diferentes situações estressoras vivenciadas no contexto de divórcio, os participantes percebem que sua capacidade de escolha e livre determinação encontra-se prejudicada, o que se acentuou na situação de problemas financeiros. Isso pode estar relacionado com as características das situações estressoras do divórcio, as quais estão essencialmente fora do controle e da possibilidade de escolha da criança, e pode influenciar negativamente na percepção de eficácia das crianças para lidar com eles e no uso de estratégias de enfrentamento (Sandler, Reynolds, Kliewer, & Ramirez, 1992; Sandler, Tein, Mehta, Wolchik, & Ayers, 2000).

Quanto ao processo de enfrentamento no contexto de divórcio parental, as famílias de coping mais utilizadas pelos participantes foram Oposição e Fuga, ambas consideradas como de provável desfecho adaptativo negativo (Ramos et al., 2015; Skinner et al., 2003). Esse resultado sugere uma dificuldade dos participantes em lidar com os estressores envolvidos na separação dos pais. Ambas as macrocategorias (Oposição e Fuga) referem-se à avaliação do estressor como uma ameaça ao contexto, sendo que, na perspectiva do processo adaptativo, a Fuga encontra-se atrelada à percepção de ameaça à necessidade de Competência e a Oposição à percepção de ameaça à necessidade de Autonomia (Ramos et al., 2015). Verifica-se, assim, que nas situações estressoras específicas do contexto de divórcio parental, as crianças perceberam prejuízos nos esforços para coordenar as ações e contingências do ambiente, bem como as opções disponíveis e suas preferências. Nesse sentido, as crianças acabaram utilizando estratégias de fuga do ambiente não contingente e comportamentos mais opositores para remover as restrições. Percebe-se, assim, que os estressores avaliados nesta pesquisa demonstraram potencial para acarretar efeitos negativos no processo de ajustamento das crianças como já apontado pela literatura (Amato, 2000; Amato & Keith, 1991; Kelly & Emery, 2003; Nunes-Costa et al., 2009; Raposo et al., 2011).

Verificou-se, neste estudo, que quase 37% dos participantes apresentaram algum nível de estresse, manifestando principalmente reações psicológicas e psicofisiológicas, cujos efeitos podem produzir resultados duradouros e prejudiciais ao desenvolvimento e bem-estar infantil. As fases de Alerta e Resistência, indicam a evolução do estresse ao longo do contato com o estressor, mostrando que as crianças deste estudo provavelmente estavam lidando com a situação de divórcio parental de maneira intensa e imediata, caminhando para o estabelecimento do estressor enquanto crônico, reagindo diante das consequências desta nova realidade. Ambientes instáveis e de tensão, caracterizados por forte conflito parental e mudanças ambientais constantes, com altos níveis de estresse podem resultar em um desequilíbrio emocional e produzir desarranjos na bioquímica neuronal, resultando em um estado de alerta crônico e prejudicial ao bem-estar (Gunnar, Herrera, Hostinar, 2009; Bair-Merritt et al., 2013). As consequências deste desiquilíbrio, podem se reverberar em problemas comportamentais e impactos no processo de aprendizagem e nas relações interpessoais, prejudicando o desenvolvimento pleno dos envolvidos (Nunes-Costa et al., 2009).

Percebeu-se que as crianças com sintomas de estresse evidenciaram maior frequência de percepção de eventos de vida, mais sentimento de medo e enfrentamento mal-adaptativo. Muitos acontecimentos que se sucedem na vida dos filhos pós-separação, concorrendo com os eventos estressores do divórcio, acabam gerando muito desgaste devido às exigências adaptativas constantes e contexto de maior vulnerabilidade, em decorrência dos efeitos negativos cumulativos do risco (Morais, Koller, & Rafaelli, 2010; Sameroff, 1994; Sapienza & Pedromônico, 2005). Um contexto caracterizado pela instabilidade, imprevisibilidade e irregularidade caracteriza-se como um ambiente caótico, o qual pode influenciar negativamente na redução na qualidade da parentalidade, no processo de autorregulação infantil e nas respostas fisiológicas de estresse (Nunes-Costa et al., 2009; Wachs & Evans, 2010). Nessas situações, prevalecendo essas características ambientais com experiências adversas potentes, frequentes e prolongadas, na ausência de um suporte protetivos por parte dos cuidadores, o divórcio pode se tornar "tóxico" (Garner et al., 2012; Shonkoff et al., 2012).

As relações observadas entre maior uso de enfrentamento mal-adaptativo e sintomas de estresse no contexto de divórcio parental também foram encontrados de forma semelhante em outros estudos (Sandler et al., 2000; Roubinov & Luecken, 2013). Esses autores identificaram maior uso de estratégias de enfrentamento ineficazes e evitativas, relacionando-as com o aumento dos efeitos do estresse, e consequentemente, dos sintomas nas crianças. Outros estudos também encontraram evidências de maior uso de respostas de desengajamento em crianças e adolescentes expostas a conflitos familiares estressantes, explicando que repetidas experiências com conflitos parentais podem desencorajar estratégias ativas seja pela falta de controle sobre o estressor (Wadsworth & Compas, 2002) ou por serem incapazes de aliviar as emoções negativas evocadas (Repetti, Taylor, & Seeman, 2002).

As especificidades e a magnitude dos estressores relacionam-se diretamente com o nível de estresse infantil e sua interpretação pelo organismo (Lipp & Lucarelli, 2011). Parece que as características específicas dos estressores do divórcio parental identificados e avaliados neste estudo, assim como suas demandas adaptativas, em alguns casos excedem os recursos de enfrentamento dos participantes, visto que mais de um terço apresenta sintomas de estresse e maior uso de estratégias de coping mal-adaptativas (Zimmer-Gembeck & Skinner, 2009). Nesse sentido, projetos e programas voltados para o atendimento a esse público são extremamente importantes, com vistas a auxiliar as crianças e suas famílias a lidarem com os eventos estressores do contexto da separação de forma mais positiva, promovendo bem-estar e o pleno desenvolvimento infantil.

Salienta-se que o cuidador (pai ou mãe) pode ser um importante ator na promoção de estratégias adaptativas para os filhos, reforçando o uso do coping engajado e desenvolvendo a autoestima da criança para lidar com diferentes estressores (Zimmer-Gembeck & Skinner, 2009). Sameroff (2009) aponta para o importante papel dos correguladores que, ao fornecer experiências sociais, emocionais e cognitivas mais complexas, influenciam a capacidade de autorregulação das crianças no enfrentamento de desafios e adversidades. Assim, a relação pais-criança se torna ainda mais relevante no contexto de ruptura familiar, sobretudo no caso de crianças pequenas, que contam com menor repertório para agirem e se regularem de forma autônoma (Shonkoff et al., 2012; Sameroff, 2009). Os pais, como correguladores, ao proporcionarem um ambiente em que os filhos se sintam seguros e assistidos por ambos, auxiliam na diminuição do estresse e na promoção de desfechos de resiliência.

 

Considerações finais

Este estudo analisou indicadores de estresse e de enfrentamento do divórcio parental em crianças, verificando relações entre coping, estresse e estressores desse contexto. O nível de estresse apresentado pelos participantes relacionou-se com o número maior de eventos de vida, de reação emocional de medo e respostas de enfrentamento mal-adaptativas. Desta forma, por meio do referencial teórico da Teoria Motivacional do Coping, podem-se identificar associações entre avaliação de ameaça às necessidades psicológicas das crianças frente aos estressores do contexto de divórcio, suas reações emocionais e respostas de enfrentamento com correlatos sintomas de estresse.

Desta maneira, considera-se que este estudo trouxe considerações importantes e maior compreensão sobre o assunto. Todavia, o tamanho da amostra traz limitações quanto à abrangência dos resultados. Sugere-se que em estudos futuros contemplem-se amostras maiores e outras faixas etárias, de forma a ampliar a discussão do coping e desenvolvimento infantil nesse contexto. Por fim, espera-se que esta pesquisa possa contribuir para a atuação dos profissionais da área, a proposição de programas de atendimento e orientação às famílias que se encontram na situação de divórcio, indicando práticas mais protetivas para o desenvolvimento das crianças.

 

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Endereço para correspondência:
Claudia Paresqui Roseiro
claudiaproseiro@gmail.com

Kely Maria Pereira de Paula
kelymppaula@gmail.com

Camila Nasser Mancini
camilanmancini@gmail.com

Submetido em: 28/10/2018
Revisto em: 25/01/2019
Aceito em: 23/03/2019

 

 

1 Apoio: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

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