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Arquivos Brasileiros de Psicologia

On-line version ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. vol.72 no.1 Rio de Janeiro Jan./Apr. 2020

http://dx.doi.org/10.36482/1809-5267.ARBP2020v72i2p.72-92 

ARTIGOS

 

Repertórios linguísticos na literatura científica brasileira sobre "homofobia"*

 

Linguistic repertories in the Brazilian scientific literature about "homophobia"

 

Repertorios lingüísticos en la literatura científica brasileña sobre "homofobia"

 

 

Diego PazI; Maria Cristina Lopes de Almeida AmazonasII; Benedito MedradoIII

IDoutorando. Programa de Pós-graduação em Psicologia Clínica. Universidade Católica De Pernambuco (Unicap)/Université Paris 8 Vincennes - Saint Denis. Recife. Estado de Pernambuco. Brasil
IIDocente. Programa de Pós-graduação em Psicologia Clínica. Universidade Católica de Pernambuco. Recife. Estado de Pernambuco. Brasil
IIIDocente. Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica. Universidade Católica de Pernambuco. Recife. Estado de Pernambuco. Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo tem como objetivo analisar criticamente a produção científica brasileira sobre homofobia, termo utilizado recentemente para nomear a violência fundamentada no preconceito e na discriminação em relação à orientação sexual e/ou identidade de gênero. Para este exercício, tomamos como operador analítico o conceito de repertórios linguísticos, situado nas produções teórico-metodológicos construcionistas em Psicologia social. A análise explora os resultados da pesquisa em dois eixos analíticos centrais: 1) os territórios, contextos e microlugares em que emergem; e 2) as estratégias de enfrentamento, sejam as governamentais ou aquelas empregadas na vida cotidiana pelos sujeitos vítimas dessa violência.

Palavras-chave: Revisão da literatura; Homossexualidade; Homofobia.


ABSTRACT

The aim of this study was to perform a critical analysis of the Brazilian scientific studies on homophobia, a term widely used to describe the violence based on prejudice and discrimination related to the sexual orientation and/or gender identity. The theoretical-methodological approach used was the constructionism in social psychology, taking the linguistic repertoires concept as analytical operator. The evaluation explores the results of the research in two analytical axes which were illustrated by different linguistic repertoires: 1) the territories, contexts and micro-places in which the violence emerges; 2) the governmental coping strategies or the strategies used in daily life by the victims of this violence.

Keywords: Literature review; Homosexuality; Homophobia.


RESUMEN

Este artículo tiene como objetivo analizar críticamente la producción científica brasileña sobre la homofobia, término utilizado recientemente para nombrar la violencia fundamentada en el prejuicio y la discriminación en relación a la orientación sexual y/o la identidad de género. Para este ejercicio, tomamos como operador analítico el concepto de repertorios lingüísticos, situado en las producciones teórico-metodológicas construccionistas en Psicología social. El análisis explora los resultados de la investigación en dos ejes analíticos principales: 1) los territorios, contextos y micro-lugares en los que emergen y; 2) las estrategias de enfrentamiento sean gubernamentales o aquellas empleadas en la vida cotidiana por las personas víctimas de esa violencia.

Palabras clave: Revisión de la literatura; Homosexualidad; Homofobia.


 

 

Introdução

Este artigo tem como objetivo analisar criticamente a produção científica brasileira sobre a violência articulada ao preconceito e à discriminação em função da orientação sexual e/ou identidade de gênero contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT+), que ganha grande visibilidade social nas últimas décadas pelo uso político e acadêmico do termo homofobia (Welzer-Lang, Dutey & Dorais, 1994; Fassin, 1999; Borrillo, 2000).

Termo cunhado pelo psicólogo clínico George Weinberg em 1972, amplamente difundido na década de 1980 em virtude da crise ligada ao HIV/Aids e, atualmente, longe da consensualidade, o termo "homofobia" apresenta importantes desafios conceituais que incluem desde sua forte acepção psicopatológica herdada de sua origem clínica ainda presente no sufixo "fobia" até a superação da invisibilização de subgrupos minoritários não representados pelo prefixo "homo" (Junqueira, 2007). Apesar dos nós conceituais, seu emprego produz conquistas no campo político, como tornar visível as formas de violência ordenadas a partir da matriz heterocispatriarcal, fomentar a possibilidade de formulação de projetos de lei e programas governamentais para combater o preconceito e proteger as vítimas1 (Chamberland & Lebreton, 2012).

A superação do modo de violência que a homofobia pretende nomear ainda representa um desafio. As últimas pesquisas no Brasil apresentam números de violência ainda expressivos e mostram que a problemática continua atual e latente. O relatório publicado em 2018 pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), por exemplo, registrou 445 mortes no país em 2017, 30% a mais que 2016 (Grupo Gay da Bahia - GGB, 2018).

Como agravantes a esses dados já alarmantes, o atual governo do Brasil prevê o combate a essa forma de violência, que ele nega a existência. Inclusive, o atual chefe de Estado, Jair Messias Bolsonaro, tem sua carreira política ilustrada por afirmações explicitamente discriminatórias, não só contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, mas também contra toda sorte de minorias (no sentido político), como negros e mulheres. Eleito em outubro de 2018, sua campanha foi guiada pela produção de falsas notícias (fake news) mobilizando narrativas deliberadamente distorcidas, como a "ideologia de gênero"2 e o "kit gay"3, situando questões de gênero e de diversidade sexual no centro de fortes controvérsias morais. Um dos efeitos desse posicionamento discursivo tem sido a autorização, na esfera pública e política, da passagem ao ato violento e da manifestação concreta da violência nas mais diferentes nuances, da simbólica à letal4.

Assim, esses fatos do cotidiano reiteram a relevância do tema sobre o qual versa esse artigo e mostra a sua centralidade no debate público brasileiro. Apesar da existência de artigos que versam sobre revisões sistemáticas da literatura, a presente proposta tem a potência de, ao mesmo tempo que apresenta novas questões, apontar carências e potencialidades que servirão de subsídios para o desenvolvimento de outras pesquisas. Embora haja uma vasta produção sobre a homofobia, a sistematicidade dos procedimentos aplicados ao tema em nossa revisão torna a publicação uma contribuição original para a Psicologia.

 

Abordagem teórico-metodológica

Adotamos o conceito de repertórios linguísticos como operador analítico (Potter & Wetherell, 1996). Situado nas produções construcionistas em psicologia social, repertórios podem ser compreendidos como elementos empregados pelas pessoas para construir versões acerca de ações e outros fenômenos no processo de construção de sentidos sobre o mundo5.

Esse conceito se coaduna com a compreensão da linguagem como prática social, um modo de ação sobre o mundo que não descreve, mas produz coisas (Austin, 1990; Ibáñez, 2004). O discurso científico é igualmente uma prática discursiva que (se) alimenta (de) repertórios, atuando na produção de regimes de verdade sobre determinado acontecimento. O que implica dizer que tais pesquisas, ao mesmo tempo que descrevem, constroem a homofobia.

Tendo em vista o seu caráter polissêmico, pois oferecem a possibilidade de observar diversidades, permanências, rupturas e contradições no discurso (Medrado, 1998), os repertórios são uma estratégia útil para analisar a literatura científica sobre a homofobia.

 

Procedimentos

Nossos procedimentos têm inspiração e buscam referências no modo de produção de revisões sistemáticas da literatura que têm sido desenvolvidas no âmbito do Núcleo Feminista de Pesquisas em Gênero e Masculinidades da Universidade Federal de Pernambuco (GEMA/UFPE)6, disponíveis em Medrado et al. (2010) e Medrado e Lyra (2015). Elegemos as bases bibliográficas: Scientific Electronic Library Online (SciELO)7 e Biblioteca Virtual em Saúde - Psicologia Brasil (BVS-PSI)8, que consideramos adequadas por seu escopo de indexação e conteúdo disponível on-line. Priorizamos artigos acadêmicos publicados em revistas científicas, pois entendemos que esse tipo de produção chega ao acesso público mais rapidamente que outras, como livros; e muitos deles sintetizam e/ou atualizam pesquisas anteriormente publicadas em outros formatos, como dissertações e teses.

Utilizamos o termo "homofobia" como principal descritor de busca. Utilizamos igualmente "LGBTfobia", "gayfobia", "lesbofobia", "bifobia" e "transfobia", que retornaram um número limitado de trabalhos que já estava contido nas buscas do descritor principal. Para uma maior amplitude utilizamos também "violência", "discriminação" e "preconceito" combinados com "homossexual", "homossexualidade", "LGBT", "gay", "lésbica", "bissexual", "travesti", "transexual" e, quando aplicável, seus plurais. Foram desenvolvidas, no total, 24 combinações.

A pesquisa nas bases de dados compreendeu o período de maio a julho de 2015, com revisões entre agosto e outubro desse ano e uma breve atualização em março de 2017. Não delimitamos previamente um recorte no período de publicação e consideramos toda a produção disponível. Identificamos um total de 1.942 artigos nas duas fontes, cujas informações (título, autor/a, ano de publicação, local de publicação, idioma, nome da revista, área temática e resumo) foram catalogadas em planilha eletrônica, organizando cada artigo em uma linha e cada informação em uma coluna.

Realizamos a leitura e seleção mais acurada tendo como orientação a eliminação de obras encontradas em duplicidade (o mesmo trabalho acessado em diferentes bases de dados; ou na mesma base, mas identificado a partir de descritores distintos). Além das repetições, foram eliminados os trabalhos em que o tema homofobia não se apresentava como eixo temático central do trabalho. Isto é, embora fosse abordado em partes menos centrais do trabalho (introdução, justificativa ou resultados), não era seu objeto de reflexão. Esse exercício, realizado a partir da leitura do título, do resumo e, eventualmente, a leitura integral do texto, resultou numa amostra de análise composto de 98 artigos.

 

Analisando repertórios linguísticos nas produções sobre "homofobia"

Um exercício de releitura atenta dos títulos e resumos nos ajudou a selecionar fragmentos utilizados para caracterizar o objeto homofobia a partir de argumentos que ressaltavam temas específicos. Esse exercício de "desmontar o texto" se trata de uma (des)organização das informações disponíveis para a visibilização de tramas discursivas que caracterizam e inscrevem nosso objeto de pesquisa, a fim de que essas sejam reorganizadas por similaridade ou contraste de conteúdo (Medrado e Lyra, 2015). Essas novas "categorias" que surgem recebem o nome de repertórios9.

À planilha em que estavam especificadas as informações de cada artigo, acrescentamos novas colunas cujos títulos eram de "Repertório 01" até "Repertório 05". Cada título e resumo que líamos, preenchíamos esses campos com expressões ou fragmentos utilizados no texto para falar sobre homofobia de diferentes maneiras. Obviamente, nem todos os textos tratavam exatamente de cinco questões diferentes e esse número sempre variava.

Tais colunas deram origem a uma tabela construída em um editor de texto no qual organizamos: na coluna da esquerda, o título atribuído ao repertório e, na coluna da direita, as expressões e fragmentos do texto que preencheram as colunas da planilha eletrônica, mencionada acima. Para cada texto, os diferentes fragmentos ocuparam lugar em diferentes repertórios, garantindo o caráter híbrido de nossa classificação.

Nossa perspectiva compreende que repertórios não são objetos preexistentes, nem estão dissociados dos sujeitos que o produzem (M. J. P. Spink, 2003). Por exemplo, com o decorrer da leitura, atribuímos títulos para os repertórios de acordo com o sentido produzido naquele conjunto de informações. Nesse processo, novas categorias surgiram, algumas tiveram seu nome modificado e outras foram condensadas. Os repertórios foram construídos no fazer e no tempo da própria pesquisa; num mesmo campo de produção que agencia simultaneamente pesquisadores/as e dados.

As constantes leituras e releituras do material, identificado no exercício (as)sistemático10 de revisão, nos proporcionou aprofundar o conhecimento sobre a literatura produzida sobre o nosso tema. Tal familiaridade foi se configurando como um facilitador no processo de categorização, indicando caminhos a seguir nas formas de organização das informações.

Após a nomeação dos diversos repertórios, notamos também similaridade entre eles. Muitos enfatizavam: 1) as diferentes formas de expressão dessa violência; 2) os territórios, contextos e/ou lugares em que emergiam; e 3) as estratégias de enfrentamento. De forma didática, produzimos um segundo agrupamento enfatizando esses eixos analíticos. Tendo em vista o escopo deste artigo e os interesses da nossa pesquisa, focalizaremos nossa discussão nos dois últimos eixos.

O que apresentamos na Tabela 1 é uma tentativa de síntese das inferências e reflexões, assim como escolhas que nos implicam no emaranhado de vetores que contribuíram para a construção desse modo de organização, que produzem uma fictícia sensação de linearidade apenas na elaboração deste texto.

Por serem contabilizados em mais de um repertório, a soma não corresponde ao número total de obras analisadas. Além disso, embora apresentemos o quantitativo, nosso olhar privilegiou a observação sobre a diversidade de sentidos produzidos. Desse modo, no intuito de enriquecer as análises, lançando mão de outros elementos discursivos além daqueles disponíveis nos títulos e resumos, empreendemos a leitura dos textos completos que compuseram os eixos analíticos acima, detalhados a seguir.

 

Territórios como microlugares

Esse eixo temático refere-se aos lugares que constituem o campo empírico onde os estudos foram realizados. Mas não apenas. Territórios não se limitam ao espaço físico, mas aos "microlugares" que possibilita (Spink, 2008)11, conceito que nos ajudou a perceber que os lugares e suas (re)descrições são importantes elementos das pesquisas que identificamos. O conceito de microlugares dialoga diretamente com a noção de campo-tema (P. K. Spink, 2003), pois projeta o nosso olhar de lugares físicos, para os contextos utilizados nas pesquisas como matriz de questionamento e argumento.

Na revisão da literatura que realizamos, a escola e a universidade (n = 24) foram os territórios mais visitados na problematização sobre a homofobia. Caracterizadas por normas rígidas de gênero e sexualidade, que incluem expectativas a respeito da masculinidade, feminilidade e heterossexualidade (Russell, 2011), a escola se constitui como guardiã e reprodutora da ordem heterossexista (Cornejo, 2010), na qual se configura um cotidiano naturalizado de discriminações de caráter homofóbico e sexista (Nardi, 2008).

Nesse cenário, surge a proposição de políticas e programas que visam promover climas escolares mais seguros para estudantes LGBT (Russell, 2011) na busca pela redução da vulnerabilidade à violência e à homofobia (Nardi, 2008). Destaca-se o "Educando para a diversidade", no quadro de ações do programa "Brasil sem homofobia" (Brasil, 2004). Essas iniciativas se configuram como vetores da intervenção estatal nas práticas escolares (Pereira & Bahia, 2011).

Tais políticas e programas, entendidos como discursos e, enquanto tal, que legitimam e sustentam práticas, são produtivos e constroem noções peculiares de sujeito LGBT. Desse modo, ao investigar os efeitos enunciativos de tais políticas, o trabalho de Eliana Quartiero e Henrique Nardi (2012) destaca algumas dessas noções, como "o diferente" ou de "pessoas em risco ou vulnerabilidade". Nomeações que denotam um sujeito vitimizado e restrito em suas possibilidades de agência na relação com as violências às quais vivenciam.

Ainda sobre as pessoas que habitam/frequentam os locais pesquisados, embora alguns trabalhos utilizem como marco empírico o discurso de profissionais da educação (gestores/as e professores/as), apenas um trabalho analisa a experiência de professores/as não heterossexuais no contexto do cotidiano escolar, indicando a invisibilidade desses/as profissionais (Nardi & Quartiero, 2012).

A ausência da discussão sobre diversidade sexual e de gênero no contexto escolar também é um tema que recebe destaque nos trabalhos sobre homofobia nesse espaço, pois consideram a omissão, também um signo de violência (Dinis, 2011). O silêncio no debate sobre o tema não opera somente no currículo escolar, mas nos livros didáticos (Lionço & Diniz, 2008; Vianna & Ramires, 2008; Roselli-Cruz, 2011).

A impossibilidade do diálogo aberto sobre diversidade sexual e de gênero nos documentos que atravessam as práticas escolares produz um cotidiano hostil para a experiência de ser LGBT nesse espaço. Num estudo sobre a percepção de professoras de ensino médio e fundamental sobre homofobia na escola (Borges, Passamani, Ohlweiler, & Bulsing, 2011), as autoras e autores observaram que não existe uma preocupação formal com questões sobre a sexualidade no ambiente escolar e que discriminações, muitas vezes em forma de brincadeiras, são geralmente ignoradas.

Em síntese, o cotidiano escolar ainda é um espaço de manutenção da heteronorma e de controle das sexualidades, operadas na manutenção de discursos que naturalizam a heterossexualidade, que as sustentam hegemonicamente como única forma de inteligibilidade sexual e que deslegitimam toda expressão diversa de orientação sexual e de identidade de gênero (Fazano, Ribeiro & Prado, 2011; Teixeira Filho, Rondini & Bessa, 2011).

Outro território significativamente visitado nas pesquisas é o ambiente organizacional e do trabalho (n = 8). Souza e Pereira (2013) caracterizam as organizações como profícuas fontes de investigação, pois tendem a reproduzir os valores e normas da sociedade na qual estão inseridas, cujos padrões heterossexuais são dominantes. Nessas pesquisas, o setor bancário está frequentemente presente (Garcia & Souza, 2010; Souza, Silva & Carrieri, 2012).

Homens homossexuais ocupam a primazia dos trabalhos como sujeitos mais ouvidos. Mulheres lésbicas, em número bem menos expressivo, também são mencionadas (Irigaray & Freitas, 2011). Pessoas transexuais são citadas em apenas um trabalho (Carrieri, Souza & Aguiar, 2014). De forma geral, as formas de violência que cada grupo experimenta no ambiente de trabalho parecem manter estrita relação com aquelas relacionadas a cada um deles no contexto social mais amplo (Carrieri et al., 2014)

A maior parte desses trabalhos ouviu pessoas em cargos de gestão nas organizações, o que não surpreende ter grande parte dos artigos versando sobre homens, tendo em vista que essas posições são ainda prioritariamente ocupadas por eles. Isso reproduz a invisibilidade experimentada pelo feminino, seja no corpo da mulher lésbica ou transexual.

Por outro lado, esses homens sujeitam-se aos padrões hegemônicos de masculinidade, ocultam sua homossexualidade ou evitam expressar comportamentos ditos "afeminados", na tentativa de serem percebidos por seus/suas colegas e gestores/as como pessoas "normais". Noção de normalidade que está sempre associada aos seus pares heterossexuais. Apesar desse investimento em se "camuflar", homossexuais têm uma participação reduzida nos grupos de convivência formados no âmbito das organizações e têm levado mais tempo para ocuparem posições de liderança quando considerados os mesmos aspectos na comparação com seus/suas colegas heterossexuais (Souza & Pereira, 2013).

Embora em menor número, estudos foram realizados em outros territórios, tais como: locais públicos (n = 5), espaços de sociabilidade LGBT (n = 2), eventos de cunho político-cultural (n = 1), instituições religiosas (n = 3), a mídia (n = 3), a família (n = 5), o esporte (n = 2), serviços de saúde (n = 1) e delegacia (n = 1).

O trabalho etnográfico de Souza, Malvasi, Signorelli e Pereira (2015), que acompanhou o itinerário de 49 travestis numa cidade do Sul do Brasil, exemplifica tanto a pluralidade como o caráter inusitado dos espaços que a pesquisa pode se desenvolver. Na perspectiva dos autores e autora, à medida que as pessoas percorrem caminhos, edificam trajetórias por espaços, lugares instâncias e instituições, articulam territórios e subjetividades.

Locais públicos compreendem espaços urbanos frequentados de forma geral por toda a população. Os exemplos encontrados em nossa revisão são parques ou zonas de prostituição (Cavagnoud, 2014; Gouveia, Athayde, Soares, Araújo, & Andrade, 2012; Verduzco & Sánchez, 2011). Por outro lado, espaços de sociabilidade LGBT, como bares e boates, são locais privados direcionados para o lazer geralmente noturno dessa população a partir do estabelecimento de uma relação comercial (Monteiro, Villela & Soares, 2014; Perucchi, Brandão, & Vieira, 2014).

Eventos culturais LGBT também são lócus de produção de análises sobre homofobia (Fernandes, 2013). Esses eventos são potentes na produção de um campo de ação política à medida que visibilizam estéticas socialmente posicionadas pela norma como desprezíveis/marginais, ou seja, utilizam o potencial das artes para afetar sensibilidades e percepções como estratégia de luta contra a discriminação e o preconceito.

O território religioso também foi investigado nas pesquisas sobre homofobia. Um dos estudos que identificamos foi realizado em seminários católicos, bem como em seminários evangélicos com diferentes orientações teológicas e buscou analisar as relações entre o preconceito contra os homossexuais e as representações sociais sobre a homossexualidade com dados de estudantes de teologia de ambos os sexos, evangélicos e católicos (Pereira, Torres, Pereira & Falcão, 2011).

O campo da religião, controverso e polissêmico, aparece situado de maneiras diferentes nos repertórios acima. As religiões cristãs estão presentes nos repertórios que enfatizam a ideia de uma homofobia pautada por fundamentalismos religiosos (Mott, 2010). As demais religiões, em especial as de matrizes africanas, são identificadas nas práticas religiosas de sujeitos em situação de maior vulnerabilidade à violência (Fernandes, 2013).

A materialidade dos territórios não se dá apenas em espaços geograficamente localizáveis. A mídia impressa como jornais ou revistas, as notícias online, propagandas ou telenovelas também são dispositivos linguísticos que fazem circular repertórios. Identificamos trabalhos cuja mídia é seu campo empírico (n = 3), sendo as notícias de jornal o principal veículo que, em síntese, ressaltam três linhas narrativas predominantes: 1) a mídia enquanto dispositivo de produção de verdades; 2) a violência noticiada como pontual e individualizada, não como um problema social; e 3) os jogos de (in)visibilidade tanto da homossexualidade como dos modos de ser homossexual.

Sobre o primeiro aspecto, Cassal (2013) escreve que "as notícias da mídia são guias turísticos, pretensamente neutros e desinteressados que apenas retratam o que está ali" [itálicos nossos] (p. 33). Os trechos que destacamos salientam que os materiais midiáticos, em especial as produções jornalísticas, denotam uma "noção de veracidade implicada", pois são produzidos para fornecer um "retrato da realidade" (Rodrigues & Hennigen, 2011).

Embora busquem se autolegitimar como verdades em si mesmas, as notícias de jornal são apenas uma versão possível da realidade, que seleciona elementos em detrimento de outros na produção ficcional de sua narrativa. Neste movimento, de seleção no que o discurso acolhe e faz funcionar como verdade, de distinguir enunciados verdadeiros de falsos, determinadas posições subjetivas que são tornadas visíveis têm sua existência sancionada, outras não (Machado, 2004; Rodrigues & Hennigen, 2011)12.

Para ilustrar tais jogos de (in)visibilidade, tomamos como exemplo a pesquisa de Carrara e Vianna (2006) que analisou uma compilação de recortes de jornal com notícias pertinentes à violência contra homossexuais e produziu uma comparação entre as informações presentes na imprensa e nos inquéritos policiais. O autor e a autora ressaltam que não foi possível localizar os registros oficiais de muitos casos, dada a imprecisão das informações presentes na mídia sobre o local do crime, a data da ocorrência ou os nomes de vítimas e acusados/as e omissão do dado sobre a homossexualidade da vítima, nos arquivos policiais ou na imprensa.

Cassal (2013) reverbera essa observação trazendo outros elementos e afirma que esses corpos transgressores são vistos de forma focal e pontual nos noticiários (quando são vistos), individualizando a violência e promovendo um "genocídio do silêncio e da invisibilidade" de todo o grupo social.

A omissão dessa informação implica num problema social grave. Tendo em vista que a homofobia em muitos estados do Brasil ainda não é um crime possível de ser tipificado e que alguns dos principais relatórios sobre violência homofóbica no país ainda estão baseados em dados obtidos através da mídia, podemos afirmar que esse tipo de violência ainda é bastante subnotificada. Por outro lado, quando exibida "de forma insossa, natural e irreversível" (Cassal, 2013, p. 29), seu caráter de problema social é excluído no argumento dos fatos isolados e pontuais.

Avançando nas análises sobre a produção de microlugares, identificamos o contexto familiar como lócus de manifestação da homofobia. Seja a expulsão pelos familiares ao terem ciência da homossexualidade dos/as filhos/as, seja o desejo deles/as próprios/as pela ruptura ou afastamento temporário ou permanente do vínculo familiar como forma de cessar as situações de hostilidade e opressão, a experiência de ser homossexual tem sido marcada no âmbito familiar pela exclusão (Peruchi, Brandão & Vieira, 2014).

As agressões que se iniciam no contexto do núcleo familiar são perpetuadas no ambiente escolar. Esse rompimento pode acontecer em ambos os espaços, especialmente no caso das travestis (Souza, Malvasi, Signorelli & Pereira, 2015). A ruptura dos vínculos consanguíneos tende a formação de "novas famílias", com pessoas que compartilham das mesmas dores, dos mesmos interesses, desejos e sonhos. O afastamento da família biológica e a construção de espaços de convivência construídos pelo afeto são uma forma de lidar com o sofrimento decorrente da homofobia familiar.

A família é o meio socialmente autorizado a ocupar o lugar de instituição guardiã e reprodutora da heteronormatividade e de exclusão das dissidências dessa norma (Toledo e Teixeira Filho, 2013). A problematização dos pilares que sustentam a heterossexualidade enquanto norma (a reprodução como finalidade única das relações sexuais, por exemplo) são também formas de promover resistência às formas de opressão que legitimam e naturalizam a violência contra pessoas LGBT tanto na família quanto em diferentes microlugares.

Há ainda o caso em que a discriminação é replicada por instituições que deveriam amenizá-la ou cessar o círculo da violência, como as delegacias de polícia e os serviços de saúde. Esses dois espaços foram investigados no mesmo estudo (Souza, Malvasi, Signorelli & Pereira, 2015), cujos autores e autora apontam que, no caso das delegacias, muitas travestis evitam realizar boletins de ocorrência por receio de que sejam revitimizadas. Nos serviços de saúde, são comuns na forma de tratamento, olhares, gestos e falas que denunciam o julgamento moral e o desrespeito ao nome social, sendo frequentemente identificadas publicamente com o nome masculino. Esses são exemplos das contradições nas práticas institucionais que deveriam acolher e minimizar o sofrimento das populações vulneráveis que as buscam.

Para além das questões particulares abordadas acima, de modo geral, percebemos, com base nessa revisão da literatura, que a homofobia parece emergir em múltiplos contextos, no cotidiano de pessoas LGBT. Todavia, percebemos lacunas e invisibilidades de contextos e lugares onde opera a homofobia. Por exemplo, não identificamos artigos publicados de pesquisas desenvolvidas no contexto carcerário com pessoas em privação de liberdade. O cenário político também fica invisível, mesmo se a homofobia tenha sido observada em declarações e plataformas políticas de candidatos/as abertamente antiLGBT na mídia, em debates e propagandas eleitorais. Igualmente na internet, em blogs e redes sociais, mesmo se novos termos como "cyberbullying" sejam cada vez mais frequentes no cotidiano.

Nesse contexto, ao invés de ler o dado quantitativo como uma hierarquia entre lugares (mais ou menos violentos) ou as ausências como inexistência da violência, podemos analisar as concentrações e rarefações por diferentes prismas, como a dificuldade de acesso a determinados campos ou uso de refinadas estratégias discursivas para negar a existência do preconceito em outros. Há ainda de se considerar os limites dos métodos atuais face aos novos terrenos onde o preconceito age.

Compreender os mecanismos de ação do preconceito no âmbito das vicissitudes de cada contexto, permite a prevenção da passagem ao ato violento ou, minimamente, a produção de modos de agenciamento e resistência. Partindo então do potente enunciado de Michel Foucault (1988/2011) "onde há poder, há resistência", entendemos que, do mesmo modo que as formas de expressão do preconceito, os modos de resistência possuem muitas facetas, alvo de nossa atenção na próxima categoria.

 

Estratégias de enfrentamento

Nesta seção, os repertórios, em síntese, articulam-se num duplo movimento. Por um lado, as estratégias formais, aquelas que congregam as respostas governamentais na promoção da cidadania LGBT no Brasil e suas interfaces com o ativismo e a academia. Por outro lado, aquelas empregadas no cotidiano pelos sujeitos na relação com a violência.

No campo das estratégias formais, os trabalhos que versam diretamente sobre as estratégias governamentais apresentam os resultados da pesquisa "Políticas para a população LGBT no Brasil: um mapeamento crítico preliminar"13, que, em linhas gerais, buscaram analisar criticamente o processo de formulação e implementação de políticas públicas de combate à homofobia e de promoção da cidadania e dos direitos humanos da população LGBT (Mello, Brito, & Maroja, 2012), assim como refletir sobre a efetividade dos planos, programas e conferências produzidos e realizados pelo governo federal no processo de construção dessas políticas (Mello, Avelar, & Maroja, 2012), nas áreas de saúde, assistência e previdência social, educação, trabalho e especialmente segurança (Mello, Avelar & Brito, 2014) no Brasil, em meados dos anos 2000.

Explorando os seus principais aspectos numa narrativa cronológica temos que, em 2002, mesmo que durante o mandato do então Presidente Fernando Henrique Cardoso tenha sido publicado o Programa Nacional de Direitos Humanos 2 (PNDH 2), contendo propostas de ações referentes aos "direitos dos homossexuais" como pauta do governo federal, é no mandado do Presidente Lula que o movimento organizado encontra receptividade para as suas demandas e começa a ter respostas práticas na promoção e garantia de seus direitos (Mello, Brito & Maroja, 2012).

Importante destacar que essas ações não nascem espontaneamente pelo desejo do estado em favorecer uma determinada população, mas pelo reconhecimento e incorporação da agenda do movimento social e das reflexões acadêmicas na construção de respostas à problemática da violência contra "homossexuais", que desde a década de 1980 promove modos de coletar e visibilizar dados sobre denúncias de violação de direitos dessa população (Ramos & Carrara, 2006).

É a partir de 2004 que ações de promoção da cidadania LGBT começam a ser desenvolvidas. Até o momento, elas estavam restritas à esfera da saúde, com foco no combate ao HIV/Aids. Este avanço acontece principalmente no âmbito do Executivo, nos níveis federal, estadual e municipal, em face da estagnação do Legislativo decorrente da pressão exercida por parlamentares ligados a grupos fundamentalistas religiosos.

A partir desse período, Mello, Brito e Maroja (2012) destacam: 1) o conjunto das principais iniciativas à criação do Programa Brasil Sem Homofobia (BSH), em 2004; 2) a realização da I Conferência Nacional de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (GLBT), em 2008; 3) o lançamento do Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (PNDCDH-LGBT), em 2009; 4) a criação do Programa Nacional de Direitos Humanos 3 (PNDH 3), em 2009; 5) a criação da Coordenadoria Nacional de Promoção dos Direitos de LGBT, em 2010; e 6) a implantação do Conselho Nacional LGBT, em 2010. Embora muitas iniciativas tenham sido propostas, a situação dos direitos da população LGBT no Brasil é a de que "nunca se teve tanto e o que há é praticamente nada" (p. 425). Esse sentimento de esvaziamento se (re)produz no encontro de múltiplos fatores.

Como políticas de governo (de caráter transitório) e não de Estado (consistentes e de largo alcance), estão suscetíveis ao desejo de continuidade dos/as atuais chefes dos poderes executivo ou possíveis sucessores/as. Esse cenário corrobora para uma forte insegurança jurídica quanto à perenidade dos direitos já conquistados.

A homofobia institucional promovida pelo Estado é referida de formas diversas: na reprodução do nexo heterossexual nas suas práticas, tal como a negação de direitos civis, na experiência de discriminação de seus mecanismos institucionais (serviços de saúde e delegacias), ou na forma como esses mecanismos reagem às situações de discriminação quando acessados. Esses exemplos evidenciam a ambivalência nas práticas do Estado que, no dever de proteger, negligenciam e reiteram a violência (Souza, Malvasi, Signorelli & Pereira, 2015; Mello, Avelar & Brito, 2014).

Nesse cenário, foram criados os Centros de Referência em Direitos Humanos nas secretarias estaduais de Segurança Pública, previstos no programa de ações propostas pelo programa "Brasil sem Homofobia", especialmente desenhados para o acolhimento, orientação, apoio, encaminhamento e apuração de denúncias e de crimes contra homossexuais (Brasil, & Ministério da Saúde, 2004; Ramos & Carrara, 2006). Todavia, a fragilidade institucional e a deficiência estrutural ocasionaram e têm ocasionado sua descontinuidade pelo país.

Diante da fragilidade das ações e da discriminação estatal, a capacidade de criar uma vida menos precária e mais digna de ser vivida para a população a qual se destina é colocada em xeque. Para Mello, Avelar & Brito (2014),

Isto leva, inclusive, a se ponderar que, talvez, a questão das violências dirigidas à população LGBT (e, assim, de seu enfrentamento) extrapole as possibilidades de atuação governamental em seus marcos jurídicos, uma vez que há dimensões do preconceito e da discriminação heterossexista culturalmente arraigados, produzidos e reproduzidos no cotidiano (p. 316).

O fragmento acima possibilita pensar que existem deslocamentos que a lei não promove. Além disso, a precariedade atual indicada na literatura mostra fissuras nos modos de enfrentamento atuais no âmbito do Estado, compreendendo que políticas públicas são uma forma, mas não a única, nem a mais potente, de produzir resistência contra as violências experimentadas no cotidiano das pessoas.

O número de artigos que analisam práticas institucionais - como políticas públicas (programas governamentais e centros de referência), dispositivos jurídicos (ações de criminalização da homofobia), ou ainda os movimentos sociais e a academia - é bastante significativo (n = 26) em relação àqueles que se ocupam das estratégias individuais acionadas no cotidiano pelos sujeitos (n = 9). Estas articulam-se num movimento de conformidade ou confrontação.

Por um lado, a conformidade com as normas de gênero que compreendem "manter identidades discretas", que inclui o segredo sobre suas relações amorosas; "manter as aparências", que significa também não aparecer ou manter a invisibilidade; dissimular uma heterossexualidade presumida; e evitar falar no assunto. Estratégias que buscam a tolerância, apaziguar a violência sem confrontá-la, essas formas de "driblar" o preconceito não eximem os sujeitos de situações indesejadas. Elas suscitam formas de preconceito igualmente sutis, como afastamento de amigos e familiares, coerções, chantagens e outras formas de assédio moral e psicológico (Monteiro, Machado & Nardi, 2011).

Por outro lado, configuram-se como "modos mais combativos" assumir um modo de posicionar-se explicitamente contra as manifestações de preconceito e discriminação na assimilação de uma visão de mundo e projeto de sociedade, um "modo de subjetivação militante", que não envolve necessariamente a filiação associativa; apropriação do vocabulário dos estudos de gênero e sexualidade para a construção de um vocabulário político para posicionar-se contra as formas verbais de preconceito, sejam as formas explícitas como o insulto, sejam as formas mais sutis pela propagação de normas que inferiorizam a homossexualidade em relação a heterossexualidade; sair de casa e afastar-se dos vínculos familiares violentos e enfrentar desde muito cedo os altos custos de uma vida autonomamente financeira; Recusar e/ou esconder demonstrações de afeto em público (Monteiro, Machado & Nardi, 2011).

Ainda no campo da confrontação, Juan Cornejo (2010) e Teixeira, Marretto, Mendes e Santos (2012) percebem a tensão que se estabelece quando jovens assumem a identidade homossexual numa atitude de resistência ao cotidiano escolar hostil. O "sair do armário" como uma ferramenta de ação política.

Compreendemos que posturas de conformidade ou de combate indicam posições de sujeito assumidas no emaranhado de forças em que se configuram as redes de poder (Foucault, 1982/2014). Num movimento de tensão entre assujeitamento e resistência, essas posições conformam diferentes e novos modos de subjetivação capazes de promover importantes deslocamentos (Foucault, 1984/2010). Assim, pesquisas que apostam na visibilidade de modos alternativos de subjetivação carregam em si um importante potencial de resistência ético-política. Todavia, essas ainda são pouco expressivas.

Peres e Toleto (2011) apostam nas dissidências existenciais queer como forma de resistência e enfrentamento dos modos de subjetivação normatizados e das instituições que marginalizam tais existências. Pesquisas sobre o preconceito direcionado a pessoas intersexuais não foram identificadas. Outras categorias identitárias presentes atualmente no cotidiano como "não binários", "pansexuais" ou "assexuais" não são mencionadas e descortinam-se como um futuro campo de investigação.

Dado o grande número de trabalhos identificados a partir do descritor homofobia, observamos que este termo foi amplamente mobilizado pelas pesquisas para nomear a violência fundamentada no preconceito e discriminação em relação à orientação sexual e/ou identidade de gênero. Uma parte desses trabalhos coloca em xeque os limites do termo, tanto pelos apagamentos das orientações sexuais e identidades de gênero promovidos pelo seu prefixo, como pelo sentido nosológico que guarda o seu sufixo do contexto médico-clínico de seu surgimento14. Uma tentativa de fuga desse impasse é a adição das letras que indicam os sujeitos políticos internos ao movimento social LGBT+, resultando no uso do termo LGBTfobia, mas que fracassa em dar conta toda a complexidade desses sujeitos e as lógicas opressivas a que são particularmente submetidas e submetidos. Além disso, preserva toda a carga negativa do sufixo "fobia"15.

Podemos afirmar, assim, que as autoras e autores utilizam o termo homofobia para se referir aos dados encontrados no âmbito das pesquisas que desenvolveram (principalmente porque um número expressivo dessas pesquisas versam sobre políticas públicas, que no Brasil se constituíram sob a égide desse termo), mas não se limitam a sua reprodução sem uma crítica aos limites e apagamentos que produz. Se por um lado percebemos mudanças no seu uso, por outro, o sentido do termo homofobia preserva aquele da literatura que o consagrou no âmbito acadêmico da década de 1990, inspirada pelas agendas políticas dos movimentos homossexuais dos anos 1980 (Welzer-Lang, Dutey & Dorais 1994; Fassin, 1999; Borrillo, 2000)16. Ou seja, um conceito que, embora perecível diante de críticas teóricas contundentes, nomeia e articula lógicas de dominação atuais, imbuídas e embutidas em nossa história.

Quanto às abordagens, uma melhor compreensão das formas de opressão que integram a complexidade do entrecruzamento de marcadores sociais diversos, como classe, raça e geração, ainda é sutil. A perspectiva interseccional é pontuada, mas ainda carece de análises que movimentem o conceito utilizando o material empírico das pesquisas.

 

Uma produção sem conclusão

Nosso estudo permitiu ver como a homofobia tem sido compreendida no meio acadêmico, assinalando aspectos como: espaços onde estão sendo realizadas pesquisas sobre essa forma de violência, mostrando concentrações, rarefações e ausências; principais autores/as que vêm sendo utilizados/as para fomentar esse tipo de discussão; os posicionamentos trazidos nos artigos a respeito das estratégias de enfrentamento contra a homofobia - como veem e as críticas que realizam aos programas governamentais, e, ainda de forma tímida e no contexto da tutela do Estado, os agenciamentos movimentados pelos sujeitos no cotidiano face a esse modo de violência.

Buscamos, dentro dos limites que um artigo permite, apresentar o que foi encontrado na revisão, bem como produzir uma análise com os elementos do campo do gênero e sexualidade de modo a explicitar lacunas nas atuais pesquisas. Nossos eixos analíticos delinearam-se principalmente pautados na nossa pesquisa de doutorado, num movimento de apropriação e questionamento. Outros enfoques poderiam ser desenvolvidos. No entanto, os limites do nosso estudo abrem precedente para novas revisões da literatura que podem vir a ser realizadas.

O conhecimento produzido nas discussões, análises e apontamentos apresentados no corpo desse trabalho é fulcro para que pesquisadoras/es possam refletir sobre novos sentidos na construção deste tema, bem como novas formas de produzir pesquisas - lugares, sujeitos, abordagens e métodos - que servirão para a produção de estratégias mais eficazes no combate à violência por identidade de gênero e orientação sexual.

Vale ressaltar que, entre a produção da pesquisa, a elaboração deste artigo e a sua revisão final, muito acontecimentos colocaram em xeque várias das conquistas relatadas na literatura pesquisada, especialmente, aquelas que concernem ao reconhecimento do Estado em relação à necessidade de ações governamentais de enfrentamento à homofobia em nosso país. Nos últimos anos, temos enfrentado no Brasil um claro retrocesso em relação às estratégias de enfrentamento da homofobia.

Além disso, figuras detentoras de grande capital político com falas abertamente homofóbicas (além de racistas e misóginas, só para citar as mais escancaradas) têm legitimado no debate público o discurso de ódio, e suas práticas, contra grupos minorizados politicamente. É o caso, por exemplo, do atual presidente brasileiro, Jair Messias Bolsonaro e a atual ministra da mulher, da família e dos direitos humanos, Damares Alves. Essa última esteve, recentemente, no centro de uma grande polêmica quando, ao ser gravada pela câmera de um telefone celular, fazia uma declaração em voz alta: "Atenção, atenção! É uma nova era no Brasil. Menino veste azul e menina veste rosa". O vídeo viralizou e desencadeou uma onda de manifestações nas redes sociais em que pessoas, desde celebridades como Caetano Veloso e Rita Lee até pessoas que não são famosas, publicavam fotos com a cor "adequada" ao seu gênero. Nesse período, a hashtag #cornãotemgênero esteve entre os "assuntos do momento" (trend topics) do Twitter Brasil. Bolsonaro, entre tantas atrocidades que já declarou, disse recentemente num programa de televisão de uma apresentadora e apoiadora que, contradizendo as principais estatísticas brasileiras sobre violência contra pessoas negras, "no Brasil, é coisa rara o racismo".

No contrassenso do crítico cenário atual, percebemos que a homofobia continua a ser um potente instrumento de denúncia da violência articulada ao preconceito e discriminação em função da orientação sexual e/ou identidade de gênero contra LGBT. É o caso, por exemplo, do recente julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que, por meio de duas ações movidas pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transgêneros e Intersexos (ABGLT) e o Partido Popular Socialista (PPS), solicita que seja fixado um prazo para que o Congresso Nacional (atualmente instado por deputados e deputadas que representam e militam pelos interesses de grupos religiosos ultraconservadores) edite uma lei sobre o tema. Embora o julgamento tenha sido suspenso após seu quarto voto favorável à edição da lei (que, segundo informações do site do STF, será retomado no dia 23 de maio de 2019), trouxe o assunto novamente às mídias e, principalmente, as discussões do cotidiano.

A conjuntura atual supracitada confere a este artigo uma dimensão histórica importante, cujas análises podem contribuir para a retomada futura de um estado democrático de direito, em que a violência contra LGBT+ não seja considerada irrelevante ou ainda encorajada.

 

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Endereço para correspondência:
Diego Paz
diegopaz.psy@gmail.com

Maria Cristina Lopes de Almeida Amazonas
crisamaz@gmail.com

Benedito Medrado
beneditomedrado@gmail.com

Submetido em: 23/10/2018
Revisto em: 27/04/2019
Aceito em: 20/05/2019

 

 

* Este artigo é um recorte produzido da pesquisa de doutorado que vem sendo desenvolvida, desde 2015, no Laboratório de Psicologia Clínica Fenomenológica Existencial e Psicossocial (LACLIFEP) vinculado ao Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Católica de Pernambuco, com o apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e de responsabilidade do primeiro autor deste artigo e orientada pela segunda autora.
1 O emprego do termo vítima em nosso texto não significa a naturalização de um lugar de dominação, mas nomeia uma pessoa que vivenciou uma situação de violência, sem desconsiderar as possibilidades de agência inerentes a toda relação de poder que não implique em total aniquilação das possibilidades de resistência.
2 Para uma breve genealogia sobre a cruzada contra a "ideologia de gênero", no Brasil, ver Miskolci (2018), e, no seu contexto de surgimento no Vaticano, e sua propagação em grande parte da Europa, ver Kuhar e Paternotte (2017).
3 Um material formulado durante o governo do Partido dos Trabalhadores (PT) para promover uma educação que contribua para a tolerância à diversidade sexual que seria distribuído em escolas públicas de nível básico. Esse material, apelidado por seus criadores de "Kit anti-homofobia", que nunca chegou a ser de fato distribuído face ao veto da ex-presidente Dilma Rousseff em função da pressão de grupos conservadores, que construíram narrativas distorcidas sobre seu conteúdo que supostamente desqualificava a heterossexualidade e incentivava as crianças a tornarem-se homossexuais e/ou mudar de sexo.
4 Por exemplo, o site "Mapa da Violência Política no Brasil" registrou desde no mês de outubro de 2018, período no qual se desenrolaram as eleições presidenciais, mais de 160 casos de agressão a pessoas LGBT+, negros/as, mulheres e outros grupos minorizados politicamente.
5 Inicialmente nomeado de repertórios interpretativos, posteriormente revisitados por Spink e Medrado (1999), resultando na mudança do termo.
6 Site: www.gema-ufpe.blogspot.com
7 www.scielo.org
8 www.bvs-psi.org.br
9 Apesar de entendermos que categorias possuem uma função didática e que buscam produzir certa homogeneidade, ao trabalhar com repertórios, buscamos respeitar a diversidade encontrada em cada texto. Essa polissemia nos fez adotar um modo de organização em que o mesmo trabalho pudesse estar em diferentes repertórios.
10 Utilizamos o termo "(as)sistemático" numa tentativa de nomear a porosidade das fronteiras entre o exercício dito "sistemático" que desenvolvemos na busca por textos em bases de dados e outro, dito "assistemático", que nos permite ter acesso aos textos nos encontros do cotidiano (indicações de pesquisadores/as mais experientes, orientador e/ou orientadora, colegas com quem discutimos sobre nosso tema de pesquisa, bem como participação em eventos). Mesmo que ambas sejam potentes estratégias de construção do corpus de uma revisão da literatura, raramente as explicitamos com detalhes em nossas pesquisas. Nós fazemos essa discussão de forma pormenorizada em um artigo que consideramos complementar a este, pois descreve com detalhes as estratégias que nós mesmos utilizamos nessa revisão, e que será brevemente publicado. Para tal, ver Paz, Amazonas e Medrado (no prelo).
11 Segundo Peter Spink (2008) a noção de "microlugar" é uma ideia figurativa ou metafórica mais do que uma definição objetiva", amplia-se aos encontros que acontecem no cotidiano desses lugares, considerando tanto suas materialidades como sociabilidades (p. 70). Os micro-lugares, tal como os lugares, "são produtos e produtores de vários processos sociais e identitários", somos nós, os temas sobre os quais dialogamos, as pessoas com as quais conversamos, como e onde vivemos (p. 71).
12 Destacamos que os textos de Machado (2004) e Rodrigues e Hennigen (2011), embora não tenham sido identificadas a partir da busca sistemática deste levantamento, são referências que utilizamos para dar base a argumentos desta secção do texto, diferentemente das demais referências que, identificadas em nosso levantamento, exemplificam as análises.
13 O relatório da pesquisa encontra-se disponível em: www.sertao.ufg.br/politicaslgbt.
14 Cunhado na década de 1970, o termo se distancia de seu teor psicoclínico que o inscreve nas relações individuais, significando o medo de homossexuais, e, nos anos 1980, populariza-se nas agendas dos movimentos homossexuais com o objetivo de chamar atenção para a violência sofrida por esse grupo. Ao longo da década de 1990, submetido a um exame de historicisação, passa a ser utilizado para nomear um fenômeno de amplitude social intrinsecamente articulado aos sentidos produzidos sobre a homossexualidehomossexualidade, revelando-se uma ferramenta com forte potência política.
15 A potência criativa das autoras e autores dos artigos que analisamos vão além das emendas ao termo "homofobia" para expandir os seus limites conceituais e exploram igualmente a proposição de expressões alternativas, tais quais "violência contra homossexuais" (Ramos & Carrara, 2006), "preconceito contra homossexuais" (Fleury & Torres, 2007), "violência por preconceito sexual" (Gomez, 2007), "discriminação de homossexuais masculinos" (Garcia & Souza, 2010) ou "intolerância à diversidade sexual" (Mondragón, 2009).
16 Na academia, o conceito de homofobia se institui na esteira das produções francófonas do campo da sociologia, disciplina em que os estudos de gênero encontram grande expressividade nesse contexto, no início da década de 1990. Num primeiro momento, para o sociólogo francês Daniel Welzer-Lang, Pierre Dutey e o sociólogo franco-canadense Michel Dorais (1994), a homofobia, que na época era uma palavra que ainda não existia nos dicionários de língua francesa, era compreendida sumariamente como uma expressão do sexismo, a medida que o homossexual seria associado à mulher ao assumir uma postura passiva no ato da penetração. Posteriormente, encontra eco numa coletânea organizada em 1999 pelo jurista franco-argentino Daniel Borrillo e o sociólogo e jurista francês Pierre Lascoumes, com contribuições de referências incontornáveis da sociologia das homossexualidades como Éric Fassin e Didier Eribon, a obra ainda sem tradução para o português L'homophobie: comment la définir, comment la combattre (Homofobia: como defini-la, como combate-la; tradução nossa). Nessa publicação, os autores enfatizam, de um lado, a articulação da homofobia a outras lógicas de opressão como a xenofobia, o racismo ou o antissemitismo e, de outro lado, a potência política da visibilidade e denunciação desse modo de violência, como no texto de Éric Fassin (1999) no âmbito dessa coletânea sobre o "outing" da homofobia. A obra é seguida pela publicação igualmente de Daniel Borrillo, na França, em 2000, e no Brasil, em 2010, do livro Homofobia: história e crítica de um preconceito, que se tornou uma referência na área e ponto de partida para os estudos sobre essa forma de violência nos dois países. Situando no Brasil, apesar de ser visto pela primeira vez numa publicação no jornal O Globo, designando "horror ao homossexual" (Ramos & Carrara, 2006, p. 191), o primeiro texto acadêmico que identificamos desenvolvendo a homofobia como um conceito foi na Revista Estudos Feministas, em se tratando da tradução de um texto de Welzer-Lang, sobre A construção do masculino: dominação das mulheres e homofobia (ver Welzer-Lang, 2001).

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