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Arquivos Brasileiros de Psicologia

On-line version ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. vol.72 no.spe Rio de Janeiro  2020

http://dx.doi.org/10.36482/1809-5267.arbp2020v72s1p.3-5 

EDITORIAL

 

Questões epistemológico-metodológicas para a psicologia e as relações raciais

 

 

Luiza Rodrigues de OliveiraI; Abrahão de Oliveira SantosII

IDocente. Programa de Pós-Graduação em Psicologia e de Ensino de Ciências da Natureza. Universidade Federal Fluminense (UFF). Niterói. Estado do Rio de Janeiro. Brasil
IIDocente. Programa de Pós-Graduação em. Universidade Federal Fluminense (UFF). Niterói. Estado do Rio de Janeiro. Brasil

Correspondence

 

 

Este dossiê começou a ser concebido quando a Terra ainda girava sem que soubéssemos sobre o coronavírus, há cerca de um ano. Hoje, ao escrevermos este Editorial, há quase 160 mil vidas perdidas no país; vidas negras em sua maioria, nas cidades e no campo, e vidas indígenas nas aldeias, o que traz à cena a racialização à brasileira, isto é, uma divisão social ao mesmo tempo profunda, violenta e sutil, como diz Beatriz Nascimento, expressa no discurso de que a pandemia atingiria todos igualmente. Entretanto, não estamos todos no mesmo barco, pois o Estado faz perpetuar o racismo institucional pela sua política de morte dos corpos negros - genocídio -, como bem se vê no contexto da pandemia, e pelas operações policiais, mas também da morte das almas, dos saberes do povo preto, que vem sendo, ao longo dos séculos, alvo de uma estratégia de extermínio: temos aí genocídio e epistemicídio.

Esse número especial - Dossiê temático: Questões epistemológico-metodológicas para Psicologia e relações raciais - foi pensando e elaborado a partir de um movimento que não temos dificuldade em nomear de movimento negro. Trata-se das alterações no seio do espaço acadêmico, que se sucederam com a chegada dos corpos negros induzidos pelas ações afirmativas, sobretudo a partir de 2016, quando surge o Ocupação Preta, na Universidade Federal Fluminense (UFF), e a implementação das cotas no Programa de Pós-Graduação em Psicologia (PPGP) da UFF. No debate intenso sobre as cotas para negros/as, indígenas, pessoas com deficiência e transexuais, havia quem expressava o receio de baixar a qualificação do programa: redução da produção, da qualidade da escrita e do nível dos debates em sala de aula. Com o avanço da implementação da ação afirmativa, foram feitas alterações curriculares, como uma intervenção no PPGP, sobretudo voltada para a inserção de autores e perspectivas epistemológicas capazes de renovar a produção de conhecimento, o que corresponderia à inclusão dos saberes e das vivências sociais e históricas que esse grupo social traz.

Houve aí, como um modo de resistência às mudanças que ocorriam, o receio de que se subtraíssem os saberes já consagrados no PPGP e não houvesse o que colocar no lugar; eram sinais de preocupação com o tremor ou o cataclisma que essa nova onda negra provocava numa academia que dormiu até agora e ignorou, ou melhor, negligenciou a racialização do povo preto e os efeitos nocivos do processo social nela nomeado, envolvendo o genocídio e o epistemicídio, na subjetivação do que devemos admitir a pelo menos 54,6% da população brasileira, o que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) computou como o grupo social formado de pretos e pardos.

O dossiê traz, então, o artigo Publicações nas revistas de psicologia e relações raciais, de Abrahão de Oliveira Santos, Yan Fernandes da Silva, Tulane Oliveira da Paixão, Viviane Pereira da Silva e Luiza Rodrigues de Oliveira, com um diagnóstico das publicações nos periódicos da área de Psicologia, a respeito das relações étnico-raciais e do diálogo das pesquisas com o pensamento social brasileiro.

O artigo Psicologia em tempos sombrios e o despertar da bela adormecida: estudos em subjetividade e clínica, de Cristine Monteiro Mattar, avança na interrogação da psicologia, anunciando que seus modelos desconsidera as particularidades da violência aos grupos sociais do país.

Em Usos dos discursos psi: a questão racial (1930-1950), Hildeberto Vieira Martins trata do discurso racial nos anos 1930 a 1950, na psicologia. O artigo Cheiro de alfazema: Neusa Souza, Virgínia Bicudo e racismo na psicologia, de Regina Marques de Souza Oliveira, é um ensaio poético-psicológico a respeito da vida da médica e psicanalista Neuza Santos Souza, autora do célebre livro Tornar-se negro.

O artigo Virgínia Leone Bicudo: contribuições aos estudos sobre relações raciais, de Karine Oliveira Barbosa e Arthur Arruda Leal Ferreira, discute o primeiro trabalho acadêmico que desmascara a propalada democracia racial. Trauma, colonialidade e a sociogenia em Frantz Fanon: os estudos de subjetividade na encruzilhada, de Fátima Lima, interpela os estudos da subjetividade, trazendo à tona a dificuldade do acolhimento das questões do povo preto.

Em Racismo e psicologia na escola: diálogos entre Fanon e Freire, Luiza Rodrigues de Oliveira, Thais Bispo Balieiro e Abrahão de Oliveira Santos aproximam o educador Paulo Freire e o psiquiatra e revolucionário da descolonização da África para pensar uma educação antirracista. Já Raça e Subjetividade: do campo social ao clínico, de Lia Vainer Schucman e Monica Mendes Gonçalves, descreve as diferentes formas de como a racialização penetra no campo social como mecanismo de sujeição.

O artigo Das impossibilidades do racismo etnosemântico à fala como saída, de Daniele Menezes, Jefferson Nascimento, Rosa Schechter, Giselle Falbo e Paulo Vidal, seguindo o pensamento psicanalítico, aborda o racismo pela linguagem, como um sintoma do laço social. O artigo 14: Racismo e necropolítica: um debate entre teoria social e psicanálise, de Carlos Costa, Thayslane Pereira dos Santos Leite, Angelo Marcio Valle da Costa, Julia sardinha Leonardo Lopes Martins, Claudia Soares Sant´Anna, Daniel Henique Serra dos Santos, Ana Clara Oliveira da Cunha Soares, Renata Magaldi Granato Moraes, Maria Isaura Rodrigues Pinto e Rafael Bordallo de Figueiredo Raposo, também no pensamento psicanalítico, toma a pandemia como um analisador e, em sua crítica social, discute a relação entre a racialização e a gestão medicalizada do direito de vida e de morte no Brasil.

A violência obstétrica praticada contra mulheres negras no SUS, de Paula Land Curi, Mariana Thomaz de Aquino Ribeiro e Camilla Bonelli Marra, parte de experiência de estágio e extensão universitária em Psicologia, em maternidades públicas e examina a violência obstétrica contra mulheres negras no Sistema Único de Saúde (SUS). O artigo "A colonização foi muito perfeita aqui": reflexões de refugiadas africanas no Brasil, de Lumena de Aleluia Santos e Amana Rocha Mattos, apresenta entrevistas de mulheres africanas migrantes e analisa a subjetivação sob a condição de refugiadas africanas no Brasil.

O artigo A inclusão do povo indígena Pupkary/Apurinã no contexto contemporâneo, de Valdirene Nascimento da Silva Oliveira/Kamara Kymiu e Marcia Moraes, pensa o sentido da inclusão de alunos/as indígenas com deficiências nas escolas municipais, em aldeias dos Pupkary/Apurinã, no Acre. Assim, traz à baila questões dos povos originários.

Wanderson Flor do Nascimento, em Enterreirando a investigação: sobre um ethos da pesquisa sobre subjetividade, trata do risco do extrativismo epistêmico, diante da atual emergência de subjetividades em espaços de resistência, como os terreiros de candomblé.

Esse conjunto de textos se pretende ferramenta de continuidade de um movimento negro. Nesse sentido, desejamos que estejam à altura das necessidades dos leitores.

 

 

Correspondence:
Luiza Rodrigues de Oliveira
luiza.oliveira@gmail.com

Abrahão de Oliveira Santos
abrahaosantos@hotmail.com

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