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Arquivos Brasileiros de Psicologia

On-line version ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. vol.72 no.3 Rio de Janeiro Sep./Dec. 2020

http://dx.doi.org/10.36482/1809-5267.ARBP2020v72i3p.98-112 

ARTIGOS

 

Guarda compartilhada: entendimentos, potencialidades e desafios para juízes e promotores

 

Joint custody: understandings, potentialities and challenge for judges and promoters

 

Guardia compartida: entendimientos, potencialidades y desafíos para jueces y promotores

 

 

Gabriela Clerici ChristofariI; Dorian Mônica ArpiniII

IPsicóloga. Mestre em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria. Santa Maria. Estado do Rio Grande do Sul. Brasil
IIPsicóloga. Docente do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria. Santa Maria. Estado do Rio Grande do Sul. Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Com a publicação da Nova Lei da Guarda Compartilhada, esta modalidade de guarda passou a ser entendida como o regime a ser aplicado, visando o equilíbrio entre pais e mães separados no exercício da coparentalidade. Sendo assim, este estudo objetivou compreender o entendimento de operadores do Direito sobre a aplicabilidade da guarda compartilhada, as novas possibilidades e desafios que se apresentam a partir desta. Para tanto, foi realizada uma pesquisa de caráter qualitativo, com quatro juízes e quatro promotores, que atuam no estado do Rio Grande do Sul. A pesquisa fez uso de entrevistas semiestruturadas, e a análise dos dados foi feita por meio da Análise de Conteúdo. Os principais resultados apontam a inexistência de um conceito único sobre guarda compartilhada, mas diferentes entendimentos. Os operadores do Direito ainda referem a ausência de acompanhamento das famílias com a guarda compartilhada dos filhos, ao mesmo tempo em que percebem a sua importância.

Palavras-chave: Guarda Compartilhada; Psicologia Jurídica; Relações familiares.


ABSTRACT

With the publication of the New Joint Custody Law, this type of custody has come to be understood as the regime to be applied, aiming at the balance between parents and mothers, separated, in the exercise of co-parenting. Therefore, this study aimed to comprehend the understanding of legal operators about the applicability of joint custody, and the new possibilities and challenges that arise from it. For that, a qualitative research was carried out, with four judges and four promoters, who work in the state of Rio Grande do Sul. The research used semi-structured interviews and the analysis of data was done through Content Analysis. The main results point to the lack of a single concept of joint custody. The operators of Law still refer to the absence of accompaniment of the experiences of the families with joint custody, and at the same time perceive its importance.

Keywords: Joint Custody; Juridical Psychology; Family relationships.


RESUMEN

Con la publicación de la Nueva Ley de Guarda Compartida, este modo de custodia llegó a entenderse como el régimen a aplicar, con el objetivo de lograr el equilibrio entre padres y madres separados en el ejercicio de co-paternidad. Por lo tanto, este estudio tuvo como objetivo comprender el entendimiento de los operadores del Derecho sobre la aplicabilidad de la custodia compartida, las nuevas posibilidades y los desafíos que surgen de esto. Con este fin, se realizó una investigación cualitativa con cuatro jueces y cuatro fiscales, que trabajan en el estado de Rio Grande do Sul. La investigación utilizó entrevistas semiestructuradas y el análisis de datos se realizó a través del Análisis de Contenido. Los principales resultados apuntan a la falta de un concepto único sobre la guarda o custodia compartida, pero hay diferentes interpretaciones. Los operadores legales también informan la falta de supervisión de las familias con la custodia compartida de sus hijos, al tiempo que perciben su importancia.

Palabras clave: Guarda Compartida; Psicología Jurídica; Relaciones familiares.


 

 

Introdução

A separação conjugal1 configura-se como um episódio de ocorrência cada vez mais frequente na nossa sociedade. Nesse sentido, depreende-se que existe uma interdependência entre os eventos sociais e as alterações legislativas, visto que uma situação tem influência na outra. Dessa forma, baseada em importantes modificações sociais ocorridas a partir de meados do século XX, como as lutas pela igualdade de gênero, o advento da pílula anticoncepcional e a emancipação das mulheres, a Lei nº 6.515, conhecida como a Lei do Divórcio, foi aprovada no ano de 1977, no Brasil (Araújo, 2011; Lei n. 6.515, 1977).

A partir da separação conjugal, um novo contexto apresenta-se para as famílias. Compreende-se, ainda, que a ruptura da relação conjugal afeta de modo diferente os diversos membros da família, não existindo um padrão familiar após a separação (Brito, 2014). No entanto, entende-se que, nesse momento, diversas modificações no cotidiano das famílias são experienciadas. Sendo assim, Gadoni-Costa (2014) ressalta que a separação de casais que têm filhos é mais complexa, visto que envolve dois âmbitos que devem ser distintos: a conjugalidade e a parentalidade. Sobre tal aspecto, Grzybowski e Wagner (2010) afirmam que a parentalidade implica em uma série de responsabilidades dos pais para com os filhos e que não deve terminar com o rompimento da conjugalidade dos responsáveis.

Nesse ínterim, Campeol, Christofari e Arpini (2017) ressaltam que, independentemente da configuração familiar, há a necessidade de equilibrar os papéis parentais, objetivando a preservação da relação dos filhos com os pais. Dessa maneira, propõe-se garantir o melhor interesse das crianças e adolescentes, em especial suas necessidades emocionais e afetivas. Sendo assim, uma das transformações necessárias às famílias com pais separados diz respeito à forma de gerir a guarda dos filhos crianças e adolescentes.

Conforme o Código Civil de 2002, devidamente atualizado, a legislação brasileira prevê duas formas de exercício da guarda dos filhos: a guarda unilateral e a guarda compartilhada (Lei n. 10.406, 2002; Lei n. 11.698, 2008). A guarda unilateral dá-se quando as crianças e adolescentes ficam sob a responsabilidade de um dos pais, que tem a guarda física e a autoridade de decisão. Entende-se, no entanto, que o responsável que não detém a guarda tem sua convivência com os filhos reduzida, muitas vezes a contatos quinzenais (Brito, 2005).

Nessa perspectiva, a partir do ano de 2014, com a alteração proposta pela Lei nº 13.058 ao Código Civil (Lei n. 13.058, 2014), após a separação conjugal, "encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada". A legislação promulgada em 2014, conhecida como Nova Lei da Guarda Compartilhada, trouxe algumas modificações ao exercício do poder familiar diante de um processo de separação conjugal. A partir do que propõe a legislação, o poder familiar será exercido em conjunto pelos responsáveis das crianças e adolescentes. O compartilhamento da guarda passa a ser a regra, ficando a guarda unilateral como ação excepcional, aplicada nos casos em que a guarda compartilhada não possa ser utilizada, a saber: quando um dos responsáveis declarar que não deseja a guarda dos filhos ou quando um dos responsáveis não estiver apto a exercer o poder familiar (Azambuja, Larratéa & Filipouski, 2010; Lei n. 13.058, 2014).

Compreende-se que a guarda conjunta2 é uma forma de equilibrar a participação materna e paterna na vida dos filhos após a separação conjugal dos pais. Entende-se que, por meio da guarda compartilhada, o superior interesse da criança e do adolescente pode ser garantido, colocando-se os interesses dos filhos em detrimento das necessidades e conveniências dos pais. Na mesma perspectiva da garantia de direitos, Campeol, Christofari e Arpini (2017) explicitam que a guarda compartilhada pode evitar longos embates judiciais, promovendo o convívio dos filhos com ambos os pais, pois as relações de afeto são as mais importantes, no sentido da manutenção do melhor interesse das crianças e adolescentes. Sendo assim, com o compartilhamento da guarda, busca-se assegurar que as proposições do Estatuto da Criança e do Adolescente sejam cumpridas, promovendo a ampla convivência familiar (Lei n. 8.069, 1990).

Além disso, Alves, Arpini e Cúnico (2014) ressaltam que a modalidade da guarda compartilhada retrata, também, a conjunção entre o princípio do melhor interesse da criança e o princípio da igualdade entre homens e mulheres. A partir de então, ela surge como uma alternativa para garantir o convívio de ambos os pais com seus filhos, como também para o exercício dos papéis parentais após a separação conjugal. Nesse sentido, Brito (2004) destaca que a guarda conjunta garante o duplo vínculo de filiação, ampliando a convivência para ambos os pais.

Em pesquisa desenvolvida junto ao Instituto de Psicologia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, com 50 operadores do Direito - juízes, advogados da área da família e representantes do Ministério Público, Brito (2004) destaca alguns dos aspectos que foram apontados como justificativa para a não adesão à guarda compartilhada. Entre eles estão a tradição cultural e a ideia do instinto materno. Sobre tais aspectos, a autora pontua a referência dos entrevistados à concepção de que só o amor materno saberia desempenhar o cuidado adequado ao desenvolvimento infantil. A autora refere ainda a perspectiva apontada pelos participantes de um "comando único", sustentado na concepção de que um único responsável traria maior estabilidade, tendo os filhos um ponto de referência. Nesse sentido, as contrariedades ou desaprovações com relação à aplicabilidade estariam ancoradas em concepções sobre o casamento e as relações familiares de outrora.

Em pesquisa mais recente realizada a partir de acórdãos dos Tribunais dos estados do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Minas Gerais, sobre a utilização da guarda compartilhada, Brito e Gonsalves (2013) ressaltam argumentos utilizados pelos profissionais do Direito para negar os pedidos por essa modalidade de guarda. A pesquisa constatou que os argumentos contrários à utilização da guarda compartilhada divergem dos entendimentos e conhecimentos construídos por áreas do saber como o Direito e a Psicologia. Nesse mesmo sentido, Gadoni-Costa (2014), a partir de estudo realizado com operadores do Direito, no estado do Rio Grande do Sul, refere que a aplicação desta modalidade de guarda ainda se configura polêmica, apresentando algumas divergências entre os próprios profissionais.

Sobre a realização de pesquisas que têm como tema central a guarda de filhos, Quirino e Menezes (2017) proferem que este tem sido abordado a partir de quatro focos principais: estudos sobre a atuação da Psicologia no Judiciário, pesquisas sobre as decisões judiciais, a partir de levantamentos documentais, estudos sobre as dinâmicas familiares em situação de conflito judicial e, por fim, pesquisas que abordam o lugar da criança nesses contextos. Desse modo, entende-se como relevante a realização de estudos que tenham como protagonistas os operadores de Direito, com o intuito de compreender suas atuações nos contextos de conflitos familiares. A partir das considerações realizadas e, em consonância com Gadoni-Costa (2014) e Brito e Gonsalves (2013), que focalizam a dificuldade da aplicação da guarda compartilhada, mesmo esta sendo compreendida de forma positiva, o trabalho proposto tem por objetivo apresentar um recorte da pesquisa intitulada "A aplicabilidade da guarda compartilhada: o entendimento de promotores e juízes". Nesse sentido, este artigo propõe-se a discutir os entendimentos de juízes e promotores sobre a guarda compartilhada, as novas possibilidades e desafios que se apresentam a partir desta.

 

Método

Delineamento

Este estudo consistiu em uma pesquisa de abordagem qualitativa, com caráter exploratório, sem o objetivo de fazer generalizações. O método qualitativo foi escolhido, visto que este não pressupõe estudar o fenômeno em si, mas entender as relações de significado ampliado dos fenômenos. Com isso, a partir da abordagem qualitativa, pode-se apreender as representações, crenças, percepções e opiniões, propiciando a construção de conhecimento, por meio de novos conceitos (Minayo, 2014). Ainda, a partir do propósito do estudo de compreender o entendimento de juízes e promotores sobre a aplicabilidade da guarda compartilhada, as novas possibilidades e desafios que se apresentam a partir desta, entendeu-se que tal temática necessita de um olhar interdisciplinar e ampliado, ancorando-se, assim, na perspectiva epistemológica da complexidade (Morin, 2011).

Participantes

Participaram deste estudo oito operadores do Direito - quatro juízes e quatro promotores - de uma comarca de grande porte e de três comarcas de pequeno porte, localizadas no interior do Rio Grande do Sul. A escolha pelas cidades correspondentes a cada Comarca deu-se por intermédio de um sorteio, envolvendo uma região do Rio Grande do Sul. Já a escolha por incluir juízes e promotores para integrarem o estudo foi realizada tendo em vista a proximidade dos profissionais com as decisões envolvendo o Direito de Família, acerca das relações familiares e, mais especificamente, da guarda compartilhada.

No Quadro, encontram-se a apresentação dos participantes e demais informações e características referentes a cada um. No estudo, optou-se por não diferenciar qual cargo (juiz ou promotor) está sendo apontado por meio das falas, visto que isso poderia identificá-los, na medida em que o número de juízes e promotores em cada comarca é reduzido.

Instrumentos

A partir do delineamento qualitativo do estudo, foram utilizadas entrevistas individuais, com o objetivo de conhecer o entendimento dos operadores de Direito sobre a aplicabilidade da guarda compartilhada, as novas possibilidades e desafios que se apresentam a partir desta. O uso de entrevistas em pesquisa qualitativa justifica-se, visto que estas fornecem uma compreensão das atitudes, crenças, valores e motivações dos comportamentos dos sujeitos em contextos específicos, pressupondo uma análise em profundidade dos dados, destinada a construir informações (Gaskell, 2002; Minayo, 2014). As entrevistas foram de caráter semiestruturado (Minayo, 2014), organizadas a partir de tópicos previamente formulados que serviram de guia para o encontro.

Procedimentos

Inicialmente, o projeto de pesquisa foi apresentado a três comarcas do Poder Judiciário Estadual e Ministério Público Estadual, via e-mail, visando que estes pudessem conhecer a proposta do estudo e seus objetivos. Após, foi realizado um contato telefônico para esclarecimentos, bem como para que as dúvidas fossem sanadas. Com a autorização dos diretores das instituições, foram assinados os Termos de Autorização Institucional.

Após esse procedimento inicial, com a autorização institucional, o projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade a qual as pesquisadoras estão vinculadas, via Plataforma Brasil. O projeto de pesquisa foi aprovado sob o número 88553718.4.0000.5346. Posteriormente à aprovação do Comitê de Ética, os participantes foram contatados, a partir de seus assessores e secretários, via e-mail.

Com os contatos realizados, foram agendadas as entrevistas com os profissionais que aceitaram participar do estudo. As entrevistas foram realizadas em horário da preferência dos juízes e promotores e todas foram efetuadas em suas cidades e seus locais de trabalho. Antes do início das entrevistas, foram esclarecidos os objetivos do estudo e explanadas as dúvidas. Após este momento, os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Depois da realização das entrevistas e análise dos dados, a pesquisadora realizou a devolução dos resultados aos locais e profissionais, de forma digital.

Cabe ressaltar ainda que o estudo está respaldado pelas Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa Envolvendo Seres Humanos (Resolução n. 466, 2012). Ainda, os preceitos que regem a ética em pesquisas com seres humanos foram contemplados, conforme a Resolução nº 510 (2016) do Conselho Nacional de Saúde, bem como conforme a Resolução nº 016 (2000) do Conselho Federal de Psicologia.

Análise dos dados

As oito entrevistas foram, inicialmente, transcritas, visando a sua análise. Pelo caráter qualitativo e exploratório do estudo, os dados foram analisados por meio da Análise de Conteúdo proposta por Bardin (2010), na modalidade de Análise de Conteúdo Temática. Segundo Gomes (2012), o foco da Análise de Conteúdo é a investigação das opiniões e representações sobre o tema que se pretende pesquisar.

O procedimento adotado para análise consistiu, em um primeiro momento, na leitura cuidadosa e detalhada de cada entrevista e, posteriormente, do conjunto das entrevistas, quando foram identificados os aspectos mais enfatizados, que apresentaram similaridade, e também os pontos não convergentes entre as falas dos participantes. A partir desse momento, as categorias de análise foram definidas, e com a obtenção destas, foi possível relacionar a teoria sobre o tema tratado e os dados obtidos por meio das entrevistas (Gomes, 2012). As categorias temáticas, criadas a partir do conteúdo das entrevistas, são: 1. "Eu acho que a guarda compartilhada é o melhor na perspectiva da criança ou do adolescente": diferentes formas de definir a guarda compartilhada; 2. "Depois que a gente explica eles entendem diferente": a importância das orientações e acompanhamentos.

 

Resultados e Discussão

"Eu acho que a guarda compartilhada é o melhor na perspectiva da criança ou do adolescente": diferentes formas de definir a guarda compartilhada

Esta categoria propõe-se a apresentar diferentes formas de definir e de pensar a utilização da guarda compartilhada pelos operadores do Direito. Nesse sentido, as falas dos participantes retratam a indefinição de um conceito único, mesmo que todos os juízes e promotores entrevistados tenham apresentado suas definições.

Dessa forma, identifica-se que os profissionais que participaram da pesquisa percebem e compreendem a guarda compartilhada como algo que ainda se mostra confuso e que estaria relacionado ao plano do ideal, não parecendo ter aplicação na prática: "Então, eu acho que não tá claro, até porque a coisa é mais ou menos recente!" (P2) e "Eu vejo baixo, baixíssimo o índice de aplicação da guarda compartilhada [...] Na teoria, ela é muito bonita, muito interessante, na prática eu vejo que ela tem uns... Algumas dificuldades, assim" (P7). Ainda:

Até algum tempo atrás era bem, era bem mais complicado... Acho que hoje já melhorou, já mudou, mas tem que melhorar bastante, ainda, tem muito que evoluir [...] Então, já de alguns anos pra cá, a gente começou a aplicar com mais... De forma mais concreta a guarda compartilhada. Talvez não ainda, exatamente como fosse o ideal, né (P1).

A legislação sobre a guarda compartilhada abarca um período de aproximadamente dez anos, o que pode se configurar como uma razão para os entendimentos apresentados. Cabe ressaltar, dessa forma, que a primeira legislação sobre a temática da guarda compartilhada foi promulgada no Brasil durante o ano de 2008 (Lei n. 11.698, 2008). A Lei nº 11.698, de 2008 - Lei da Guarda Compartilhada - alterou os artigos 1.583 e 1.584 do Código Civil, para instituir e disciplinar a modalidade de guarda. No entanto, a redação da legislação gerou algumas dúvidas e, por esse motivo, uma Nova Lei da Guarda Compartilhada foi criada (Lei nº 13.058, 2014). Esta, por sua vez, foi criada para estabelecer o significado da expressão guarda compartilhada e dispor sobre sua aplicação. Cabe destacar que, em paralelo com a realidade brasileira, a guarda conjunta já é utilizada em alguns estados dos Estados Unidos e na Suécia há quase 40 anos, na França e na Inglaterra há aproximadamente 25 anos, ou seja, países que deixaram de utilizar a divisão entre guardião e visitante (Brito, 2002).

Sobre esse aspecto, Schneebeli e Menandro (2014) afirmam que, na maioria das vezes, o Direito está atrás das mudanças sociais, cumprindo o papel de legislar sobre elas. No entanto, com a guarda compartilhada, a legislação parece ter precedido a mudança cultural e, por esse motivo, é compreensível que existam resistências quanto à nova modalidade de guarda. Segundo Rosa (2018), a guarda compartilhada pode ser entendida como uma ruptura paradigmática, no tocante à primazia dos afetos. Por esse motivo, as mudanças na legislação, principalmente sobre as questões relativas às situações familiares, são importantes, visto que podem trazer sérias repercussões ao exercício da parentalidade (Brito, 2002). Cabe ressaltar também que a inexistência de um conceito único, aspecto que já foi referido pela literatura sobre a temática (Brito & Gonsalves, 2013) e que foi apontado pelos participantes, relaciona-se ao fato de que a redação da legislação sobre a guarda compartilhada abre a possibilidade para várias interpretações. Assim, este pode ser entendido como um ponto que estaria pesando negativamente na aplicação da guarda compartilhada.

Percebe-se, entretanto, que a guarda compartilhada está sendo aos poucos mais utilizada no Brasil. Brito (2005) salientou, em pesquisa com profissionais do Direito, que, no início, muitos destes se posicionaram contrários à aplicação da guarda compartilhada. Seguindo a mesma linha de pensamento, de acordo com Azambuja et al. (2010), os Tribunais, de início, foram muito cautelosos na aplicação da guarda compartilhada. Entretanto, com o tempo, esta passou a ser vista como uma possibilidade de diminuir os efeitos da ruptura conjugal para as crianças e adolescentes. Gadoni-Costa (2014) também refere que não haveria uma tendência consolidada, por parte do sistema jurídico, em indicar a guarda compartilhada, por mais que as taxas de aplicação venham aumentando.

Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística corroboram com a percepção de uma maior utilização, visto que a modalidade da guarda conjunta era aplicada em apenas 7,5% dos casos no ano de 2014, passando para 12,9% do total de guardas dos filhos crianças e adolescentes no ano de 2015, modificando-se para 16,9% dos casos de guardas definidas no país em 2016 e para 20,9% no ano de 2017 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2014, 2015, 2016, 2017).

A seguir, são demonstradas outras compreensões e entendimentos compreendidos como positivos e benéficos, que os participantes apresentaram sobre a modalidade de guarda em questão, estando, principalmente, relacionadas com a continuidade das responsabilidades parentais:

Acho que hoje não tem mais dúvida disso, que, que é muito mais vantajosa, né... A, a guarda compartilhada, pra criança, do que a unilateral. Acho que a criança vai ter um ganho né, na formação dela, intelectual, psicológica... Com a guarda compartilhada (P1).

A separação deles né, não precisa acontecer em relação ao próprio filho. Então, eu vejo a guarda compartilhada como um instrumento de proporcionar pro filho uma convivência com os pais, sem que ele sofra os reflexos da separação [...] Eu acredito que a guarda compartilhada seja, sim, a melhor modalidade de guarda a se definir em relação aos cuidados do filho né, de pais separados (P4).

Eu acho que a guarda compartilhada é o melhor na perspectiva da criança ou do adolescente, porque estabelece uma responsabilização dos dois, por todas as, todas as questões atinentes aos filhos [...] Quando surgem os conflitos, quando surgem os problemas, então eu vejo de uma forma muito positiva... A guarda compartilhada (P8).

Pode-se perceber que, por mais que existam dificuldades e dúvidas quanto à utilização da guarda compartilhada, as percepções dos juízes e promotores mostram-se positivas no que se refere às responsabilidades parentais. Dessa forma, estão alinhadas com aquelas descritas pela literatura sobre a temática, que evidenciam a guarda compartilhada como uma alternativa para a manutenção das responsabilidades dos pais após a separação conjugal (Alves et al., 2014; Brito, 2003; Rosa, 2018). Andrade (2015) refere que, para os Tribunais da Espanha, a guarda compartilhada é compreendida como a melhor solução para as crianças e adolescentes, porque estes podem relacionar-se com seus pais, sempre que tal convivência não lhes acarretar prejuízos.

De acordo com Schneebeli e Menandro (2014) e Andrade (2015), o que deve nortear qualquer decisão sobre as crianças e adolescentes é o princípio do melhor interesse, que pode ser alcançado por meio da Guarda Compartilhada. Ainda, Groeninga (2008) compreende que o significado de guarda compartilhada é o compartilhamento solidário das responsabilidades, que são inerentes ao poder familiar, e que não se desfazem após a separação conjugal.

No tocante à guarda unilateral, observa-se que o responsável "visitante" - que não detém a guarda dos filhos - participa menos da educação e do desenvolvimento destes, ficando, por vezes, excluído do processo educativo e com os vínculos fragilizados (Brito, 2002). Na mesma perspectiva, Schneebeli e Menandro (2014) proferem que, na guarda compartilhada, ambos os pais são guardiões, corresponsáveis pelos filhos em todos os âmbitos de suas vidas, independentemente de sua base de moradia. Dolto (2003) menciona que os pais e mães, além de possuir o direito, têm o dever de conviver com seus filhos e participar de sua educação. Assim, pode-se perceber a guarda compartilhada como uma aliada para a manutenção das relações e vínculos das crianças e adolescentes com os ambos os pais após a separação conjugal destes. Acredita-se que seja importante salientar que as interações que a criança estabelece com a mãe são diferentes das interações estabelecidas com os pais, sendo as duas de extrema relevância para o seu desenvolvimento saudável. Dessa forma, Brito (2005) explicita que se deve atentar para que a dimensão da paternidade não seja menosprezada ou relegada a segundo plano.

Acredita-se que o entendimento sobre a guarda compartilhada evidenciado pelos participantes parece ser claro. Contudo, ainda haveria necessidade de superar algumas barreiras que inibem sua aplicação. Sobre a temática, Rosa (2018) aponta que o exercício da coparentalidade deve ser o norte dos profissionais que atuam em varas de família. no entanto, a utilização da guarda compartilhada ainda não é hegemônica pelo judiciário. Dessa forma, compreende-se que a guarda compartilhada é um marco de ruptura epistemológica e que torná-la regra pode favorecer o exercício da coparentalidade e combater a visão adultocentrista, que ainda vigora no país. Entende-se, assim, que a guarda compartilhada é uma construção que visa à proteção das crianças e adolescentes.

Cardoso e Brito (2017) pontuam também que a guarda compartilhada é um dispositivo de garantia da convivência familiar, direito que deve ser assegurado à criança e ao adolescente. Assim, no conjunto de alterações que propõe a guarda compartilhada, está o desafio de rever o lugar da paternidade na organização familiar, ampliando sua participação e presença. Em outro estudo, Brito (2004) aponta que a guarda conjunta traduz uma validação social para o exercício da condição de pai, na medida em que o efeito simbólico da lei não pode ser desprezado. A partir de tais entendimentos, a próxima categoria propõe refletir sobre a necessidade de maior participação do sistema judiciário no apoio às famílias.

"Depois que a gente explica eles entendem diferente": a importância de orientações e acompanhamentos

Segundo os juízes e promotores participantes, a conceitualização da modalidade de guarda compartilhada não se faz clara para os próprios pais e mães, que irão vivenciá-la diariamente. Gadoni-Costa (2014, p. 16) especifica a necessidade de os profissionais aprofundarem o conhecimento para que a guarda compartilhada não fique só "no papel" e, dessa maneira, possa chegar à prática, com o objetivo de que o modelo teórico da legislação seja compatível e adeque-se às vivências do dia a dia. De acordo com Alves (2009), as preocupações dos operadores do Direito devem voltar-se à efetivação na prática da guarda compartilhada.

Para Groeninga (2008), é de fundamental responsabilidade que os operadores do Direito dispensem maior cuidado à dinâmica familiar que diz respeito às relações entre pais e filhos pós-separação. Percebe-se o quanto é importante que a guarda compartilhada seja compreendida pelos profissionais e que o debate sobre sua relevância seja fomentado pelo sistema judiciário, visto que estes profissionais orientarão as famílias que estão passando por um processo judicial de separação conjugal e guarda de filhos. Sobre isso, Alves, Arpini e Cúnico (2015) entendem a relevância da construção de espaços que promovam o diálogo sobre as relações familiares após a separação, destacando a dimensão das discussões sobre a guarda compartilhada e a manutenção da parentalidade.

Dessa maneira, entende-se que realizar explicações e sanar as dúvidas das famílias poderia ter um efeito benéfico para a vivência da guarda compartilhada, clareando os entendimentos dos pais e mães. Por isso, por meio das percepções dos participantes, percebe-se que a fala e os esclarecimentos realizados pelos profissionais têm um alcance importante: "A gente explica, então, para as partes, o que que é a guarda compartilhada, o que que é a unilateral e na maioria, se consegue deliberar que seja compartilhada, fixando residência habitual (P6)". A participante 4 também fez menção a respeito da importância dos esclarecimentos:

Aí depois que eu faço esclarecimento e trago algumas situações, nessas ações em que se discute a guarda, eu posso dizer que em 80% dos casos eu consigo reverter a ideia deles inicial, né? Levo essa sugestão e a gente encerra a conciliação com guarda compartilhada (P4).

Para Alves et al. (2015) e Brito (2005), a informação e o esclarecimento sobre o instituto e as modalidades de guarda são fatores importantes para que os pais possam sentir que estão instrumentalizados a refletir e tomar decisões sobre como será o exercício parental após sua separação conjugal e sobre quais são seus direitos e deveres. Compreende-se o quanto é necessário que os profissionais levem as informações às famílias, visto que as pessoas envolvidas nos conflitos familiares podem conhecer melhor as modalidades de guarda e, assim, repensar e refletir acerca de suas opiniões construídas a partir do senso comum. Na mesma perspectiva, os juízes e promotores referiram sobre as audiências de conciliação e o potencial que estas apresentam:

A gente sempre preza pela audiência de conciliação [...] Nessas audiências a gente consegue, muitas vezes, convencer os pais daquilo que é melhor ou não pra criança. Então, assim, muitas vezes como as pessoas não sabem exatamente o que, que é uma guarda compartilhada (P5).

Nesse ínterim, entende-se o compromisso de o juiz indicar às famílias a existência da guarda compartilhada, visto que esta determinação está definida na Lei nº 11.698 (2008) e é mantida pela Lei nº 13.058 (2014). Conforme a redação, "na audiência de conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe o significado da guarda compartilhada, a sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções pelo descumprimento de suas cláusulas" (Lei n. 11.698, 2008; Lei n. 13.058, 2014). O participante 7 evidenciou sobre as audiências de família:

Tem audiências aqui que a gente ficou já algumas, umas três, quatro horas, assim, atrasaram todas, assim. Já houve dias que nós ficamos sem almoço, geralmente que as audiências da manhã começaram a emendar com as da tarde, e as pessoas da audiência da tarde já estavam ali, e a gente ali. Então assim, [...] processos a gente já conseguiu, assim, bons resultados, acho que vale a pena, sabe? (P7).

Nota-se que as audiências de família parecem ter um caráter especial e demandar mais tempo dos operadores do Direito. É possível identificar também que as audiências de conciliação têm a possibilidade de levar informação até as famílias. Este processo pode ser compreendido como importante, visto que, em muitos casos, é nesse momento que os pais irão conhecer e entender a relevância da guarda compartilhada para o desenvolvimento de seus filhos. Cabe ressaltar o envolvimento que os juízes e promotores, participantes deste estudo, mencionaram ter quanto à temática das orientações para as famílias. O participante 6 relatou que as audiências são importantes, no entanto, não são suficientes: "Se ficar só nessa orientação que é passada nas audiências, dificilmente as pessoas vão... Se não buscar se informar mais sobre isso" (P6).

Sobre esse aspecto, Resmini (2015) observa que a falta de orientação aos pais pode refletir em decisões não apropriadas. Conforme Azambuja et al. (2010), as famílias deveriam receber um acompanhamento no período pós-separação. Dessa forma, as autoras acreditam que se pode realizar a supervisão do cumprimento dos deveres assumidos em favor dos filhos, já que, em caso do descumprimento de uma obrigação familiar acordada, pode haver penalidades. Já Brito e Gonsalves (2013) apontam que devem ser incentivadas e implementadas legislações, políticas públicas e programas que evitem o afastamento e auxiliem os pais na vivência da guarda compartilhada, incentivando o convívio com os filhos.

No entanto, os operadores de Direito integrantes deste estudo afirmaram não existir tal acompanhamento, o que foi retratado nas falas: "Então, a gente não tem esse acompanhamento posterior [...] A gente não fica sabendo. A gente fica sabendo quando não tá funcionando" (P3) e "Isso também é um receio que a gente tem, é que fique uma coisa só no papel, né?" (P8). Ainda:

Só que a gente não tem aquele retorno ainda, porque pelo sistema dos processos, encerra o processo por sentença ou por acordo, e a gente não acompanha mais, né. Então a gente não sabe depois lá, se funcionou, qual foi o resultado, né. Acho que era algo importante também... A gente pode ter uma ideia assim, porque muitas vezes quando não funciona, os casos voltam, né (P1).

Percebe-se, a partir do que foi explicitado pelos participantes, a inexistência de acompanhamento após os acordos ou sentenças judiciais sobre a guarda compartilhada. Nessa esteira, Kostulski, Christofari, Bloss, Arpini & Paraboni (2017) apresentam a experiência de um programa de extensão universitária, em um Serviço de Psicologia, que atua em parceria com o Direito, sendo desenvolvido em um Núcleo de Assistência Judiciária, que demonstra a importância da realização de tal acompanhamento. A partir dos resultados do programa, é possível compreender que o acompanhamento para as famílias se torna fundamental, visto que é no dia a dia que os acordos ou as sentenças judiciais serão vivenciados e é, também, nesses momentos que as dificuldades poderão aparecer.

No entanto, o participante 2 evidenciou obstáculos para a realização dos acompanhamentos, corroborando outras falas e demonstrando o papel do sistema judiciário em suas comarcas: "Não vejo instrumentos, nós aqui no judiciário, de acompanhar isso" (P2). Ainda, as participantes 3 e 5 explicitaram que o acompanhamento é disponibilizado somente para determinadas famílias, aquelas que se encontram em risco: "Na família a gente resolve, em tese, são aquelas situações que, em tese, não tem risco" (P3) e "Nós acompanhamos famílias constantes, mas em situação de risco, geralmente não são famílias que possuem essas questões de guarda compartilhada" (P5).

As falas apresentadas sobre as situações de risco retratam aqueles casos nos quais as crianças e adolescentes encontram-se em situação de vulnerabilidade, considerando problemáticas familiares envolvendo violência, dependência de álcool e drogas, entre outros; e, por tais motivos, as famílias são acompanhadas regularmente. No entanto, acredita-se importante a existência do acompanhamento, para além do esclarecimento das dúvidas que podem surgir sobre a modalidade de guarda compartilhada, mas também com um caráter preventivo, entendendo que se o acompanhamento não existir, riscos podem surgir. Tais entendimentos são importantes na medida em que existem, por exemplo, casos de alienação parental em famílias pós-divórcio. Sobre esse aspecto, o participante 7 apontou:

Eu sempre imagino que a guarda compartilhada, ela é muito melhor do que a guarda unilateral, se mantém esse vínculo isonômico de pai e mãe com o filho. Isso inclusive inibe eventual alienação parental, mantém um vínculo, porque naturalmente dependendo da idade da criança, quanto menor for o vínculo no quesito tempo, entre pai ou mãe e filho, mais vai haver um distanciamento, e mais vai se abrindo uma margem para a alienação parental, para esse distanciamento desse vínculo e não me parece saudável (P7).

Segundo Rosa (2018), a alienação parental é a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente, promovida por um dos pais ou responsáveis pela criança - o alienador, para que repudie outro responsável - o alienado, ou que cause prejuízo ao estabelecimento de vínculos com este. A partir disso, depreende-se que a alienação parental pode apresentar-se como uma das situações de risco no contexto da dissolução conjugal e da parentalidade, visto que ela pode levar ao rompimento de vínculos e sofrimento para os filhos, que se apresentam como um instrumento de disputa e são levados a escolher entre um dos pais. Assim, acredita-se que os acompanhamentos se fazem necessários, pois os conflitos familiares podem ter desdobramentos e, se tiverem a devida atenção, podem ser minimizados.

Compreende-se, nessa perspectiva, que a sentença judicial não tem o poder de definir a história de cada família, visto que os conflitos estão no âmbito das relações. Nesse sentido, um dos aspectos que poderia auxiliar é o trabalho multidisciplinar, ampliando a atuação do judiciário a partir de outros profissionais, como os da Psicologia e do Serviço Social.

 

Considerações finais

A partir das análises, foi possível compreender alguns entendimentos de operadores do Direito sobre a aplicabilidade da guarda compartilhada. Suas compreensões demonstram que esta seria a melhor modalidade de guarda, já que ela está em consonância com o princípio do melhor interesse da criança. Os juízes e promotores integrantes do estudo também ressaltaram que a guarda compartilhada ainda é pouco utilizada no cenário brasileiro. Entretanto, relataram que a aplicação está em crescimento, na medida em que a guarda conjunta está, aos poucos, sendo melhor compreendida. Dessa forma, pode-se perceber que a guarda compartilhada está sendo mais utilizada, porém, com ressalvas. Assim, pode-se considerar que o compartilhamento da guarda passa por um momento de transição no cenário jurídico brasileiro.

Nesse sentido, os operadores do Direito apontam para um instrumento que entendem ser importante e que pode auxiliar as famílias na vivência da guarda compartilhada: o acompanhamento às famílias. Tal acompanhamento mostra-se, de acordo com os participantes, relevante, visto que dificuldades podem ser vivenciadas no dia a dia das famílias e ele poderia auxiliar na superação de tais situações. Ainda, o acompanhamento pode ser entendido como uma forma de desobstruir a justiça, no sentido do cuidado que pode ser dispensado aos pais, crianças e adolescentes envolvidos nos conflitos familiares, para que as famílias não necessitem voltar ao Judiciário para discutir as situações do dia a dia em novos processos. Assim, acredita-se relevante que as famílias sejam acompanhadas, visto que se está mudando um paradigma jurídico-social.

Ressalta-se, nesse contexto, a importância do trabalho da Psicologia e de um espaço de escuta e reflexão sobre o compartilhamento da guarda. Também, acredita-se importante discutir sobre a relevância do tempo para elaboração por parte dos pais acerca da nova situação na qual a família encontra-se, contexto no qual a Psicologia pode auxiliar. Salienta-se ainda a realização de intervenções em conjunto com profissionais do Direito, contribuindo para a maior aplicabilidade e efetividade da guarda compartilhada. Acredita-se, também, que os entendimentos manifestados pelos juízes e promotores estão intimamente relacionados com a aplicação da guarda compartilhada. Dessa maneira, compreende-se ser de fundamental relevância discutir acerca da temática da guarda compartilhada, para que os conceitos sejam refletidos e os obstáculos quanto à sua utilização possam ser superados.

Por fim, o estudo em questão se configura como o recorte de um contexto específico, não sendo possível que sejam feitas generalizações. No entanto, a pesquisa pode apontar alguns caminhos entendidos como importantes no sentido de compreender a guarda compartilhada e sua utilização. Sugere-se também a realização de outros estudos sobre a temática da guarda compartilhada, assim como sobre a participação da Psicologia dentro do sistema judiciário brasileiro, considerando sua potencialidade para observar os aspectos subjetivos que se encontram presentes nas relações familiares.

 

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Endereço para correspondência:
Gabriela Clerici Christofari
gabrielacchristofari@gmail.com

Dorian Mônica Arpini
monica.arpini@gmail.com

Submetido em: 17/04/2019
Revisto em: 30/07/2019
Aceito em: 26/08/2019

 

 

1 Neste trabalho, os termos separação conjugal, divórcio e dissolução da união estável serão utilizados como sinônimos, sem distinção jurídica.
2 Guarda conjunta é utilizada como sinônimo para guarda compartilhada (Brito, 2003).

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