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Revista da Abordagem Gestáltica

versão impressa ISSN 1809-6867

Rev. abordagem gestalt. v.13 n.1 Goiânia jun. 2007

 

EDITORIAL

 

A Gestalt-Terapia é, hoje, uma abordagem “adulta”, “crescida”. Isto se dá num momento em que a reflexão em torno dos seus fundamentos, de seus conceitos principais, de suas formulações se amplia, saindo do terreno meramente técnico e adentrando o âmbito da filosofia e da discussão epistemológica. Atualmente, no Brasil, a Gestalt-Terapia se presentifica nas academias e diante de outras ciências. A modernidade nos impõe uma certeza: não mais podemos nos eximir das íntimas relações e interlocuções com o vasto campo das ciências. A constituição da Psicologia como saber, como ciência e como prática não mais prescinde de seus correlatos, como a sociologia, a antropologia, a filosofia ou mesmo a ciência empírica tradicional. E isto responde à própria essência do “espírito gestáltico”, ou seja, a concepção de que o conhecimento da realidade é atravessado por diversas perspectivas.

Caminhando nesta direção, faz-se mister observar que a construção da Gestalt-Terapia passa por uma diversidade ímpar. Para entendermos a complexidade do legado desta abordagem, é necessário vislumbrarmos o seu percurso históricoconceitual. Dentro deste percurso é importante destacarmos a relação estreita que existe entre a Gestalt-Terapia e a Psicanálise. Desnecessário relembrarmos o fato que - tanto Fritz quanto Laura - tiveram uma formação e atuaram originalmente como psicanalistas. Fritz, especificamente, teve mais influência da psicanálise clássica, mas ambos, quando na África do Sul, montaram o Instituto Sul-Africano de Psicanálise em 1935.

A Psicanálise ocupa um lugar de destaque na construção da Gestalt-Terapia. Um “lugar”, todavia, “oculto”, “esquecido” e, por vezes, renegado. Fritz foi autorizado psicanalista por Hélène Deutsch, realizou diversos processos analíticos com figuras eminentes como Karen Horney, Clara Happel, Eugen Harnick e Wilhelm Reich. Mas também passou pela influência de Kurt Goldstein, dos psicólogos da Gestalt e de filósofos existencialistas. Isto ajuda a compreender a especificidade da construção do saber na Gestalt-Terapia.

A afirmação caminha paralela à negação. Assim, não podemos nos esquecer deste legado psicanalítico da Gestalt-Terapia. Neste sentido, é preciso resgatar uma importante página desta nossa história, e nada melhor do que começarmos com Karen Horney, uma terapeuta que foi “uma das poucas pessoas em quem realmente confiava”, confessa Perls1. Karen Horney foi uma de suas supervisoras, de quem - afirma Fritz em sua biografia - herdou “envolvimento humano sem terminologia2.

Neste novo número, um dos destaques é exatamente a tradução de um verdadeiro documento da história da Psicologia: o clássico artigo de Karen Horney, intitulado “Culture and Neurosis”, publicado originalmente em 1936, no American Sociological Review. Esse texto apresenta parte das idéias originais de uma das maiores pensadoras da psicologia, traz à tona importantes reflexões sobre o papel da sociedade e da cultura na constituição do sujeito e, serve ainda, para destacar o papel feminino na construção do saber psicológico como um todo e da Gestalt-Terapia em particular.

Fritz, ao falar da “nova” abordagem, diz: “...nós acreditamos que a perspectiva gestáltica é a abordagem original, não deformada e natural da vida; ou seja, do sentimento, ação e pensamento humanos3. É este conjunto amplo e fluido que queremos apresentar na revista.

Este novo número aponta para a sedimentação da Fenomenologia como fundamento necessário para a Gestalt-Terapia. Com textos produzidos e apresentados no XIII Encontro Goiano da Abordagem Gestáltica e II Encontro de Fenomenologia do Centro-Oeste, que contou com a presença de ilustres representantes do pensamento fenomenológico brasileiro, como Creusa Capalbo, Yolanda Forghieri, Ana Maria Feijoo, Josefina Piccino, Elizabeth Rainier do Valle.

Para Laura, os conceitos básicos da Gestalt-Terapia, “mais do que técnicos, são filosóficos e estéticos. A Terapia Gestalt é um enfoque existencial-fenomenológico e, portanto, é experiencial e experimental4. Esta colocação de Laura pode ser claramente constatada a partir do artigo de Mônica Alvim, intitulado “O Fundo Estético da Gestalt-Terapia”, que traz à luz as relações de Fritz e Laura com a Arte, e resgata o importante papel que teve Paul Goodman na construção da Gestalt-Terapia.

A revista traz ainda uma série de artigos com temática filosófica - de orientação fenomenológica e existencial - que foram apresentações do recente encontro, e que serviram de base para discutirmos nos fundamentos, como “A Subjetividade e a Experiência do Outro: Maurice Merleau-Ponty e Edmund Husserl” (de Creusa Capalbo); “A Temporalidade a partir da Perspectiva Existencial” (de Fabíola Pozuto Josgrilberg); “Subjectividade e Intersubjectividade: Sartre perante Hegel e Husserl” (de Pedro M. S. Alves) e “Os Fundamentos da Clínica Psicológica na Filosofia de Soeren Kierkegaard’ (de Ana Maria Lopez Calvo de Feijoo). A complexidade da qual falávamos anteriormente se encontra com a interlocução da Gestalt-Terapia com novos campos de atuação, como podemos observar através do artigo “Incríveis Infratores - Adolescentes Estigmatizados em Encontro com a Gestalt-Terapia” (de Nara Cristina Leão).

A revista ainda traz a discussão sobre a realidade do Aconselhamento Psicológico e Terapêutico, em dois momentos, com o artigo intitulado “O Aconselhamento Psicológico e as Possibilidades de uma (Nova) Clínica Psicológica” (de Fernando de Barros & Adriano Holanda) e com o brilhante ensaio de Yolanda Forghieri, uma das principais protagonistas da psicologia fenomenológica brasileira, no ensaio “O Aconselhamento Terapêutico na Atualidade”. Por fim, cabe destacar a palestra de encerramento do XIII Encontro Goiano da Abordagem Gestáltica, que vem acompanhada da linguagem poética e tocante de Jorge Ponciano Ribeiro, no texto “Eu-Tu-Nós: A Dimensão Espiritual da Alteridade nos Ciclos do Contato”.

Na seção Perfil, dedicamos nossa homenagem à marcante figura de Paulo Barros, um dos pioneiros da Gestalt-Terapia brasileira, e que recentemente deixou o nosso convívio, através das palavras delicadas e sensíveis de quem esteve ao seu lado, de quem o conhecia de perto, como Ari Rehfeld.

Por fim, apresentamos ainda neste número uma outra novidade: resumos de teses de Doutorado e dissertações de Mestrado cujos temas tocam diretamente a Gestalt-Terapia, e que podem servir de importantes referências para futuros estudos. Agradecemos a todos os nossos colaboradores - autores, revisores e pareceristas - e convidamos a você, leitor, a continuar presente conosco nessa empreitada.

Adriano Furtado Holanda
- Editor -

 

Referências Bibliográficas

Loffredo, A. M. (1994). A cara e o rosto: ensaio sobre Gestalt-Terapia. São Paulo: Escuta.         [ Links ]

Perls, F. (1979). Escarafunchando Fritz: dentro e fora da lata do lixo. São Paulo: Summus (Original de 1969).        [ Links ]

Perls, L. (1994). Viviendo en los límites: valencia: Promolibro (Original em inglês de 1992).        [ Links ]

 

 

1 Perls, 1979, p.54.
2 Perls, 1979, p.46.
3 Perls citado Loffredo, 1994, p.35.
4 Perls, 1994:141.

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