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Revista da Abordagem Gestáltica

versão impressa ISSN 1809-6867

Rev. abordagem gestalt. v.13 n.2 Goiânia dez. 2007

 

RESENHAS

 

Josiane Maria Tiago de Almeida

Instituto de Treinamento e Pesquisa em Gestalt-Terapia de Goiânia (ITGT)

 

 

O self desdobrado. Perspectiva de campo em Gestalt-Terapia, 2006
(Jean-Marie Robine)
São Paulo: Summus Editorial

Jean-Marie Robine é um dos nomes mais citados atualmente nos círculos de estudos de Gestalt-terapia. Psicólogo clínico desde 1967, é psicoterapeuta e estudioso de Gestalt-terapia, além de possuir formação em psicanálise, psicodrama, enfoque Rogeriano, terapia de expressão corporal, terapia sistêmica de casal e família e, finalmente, Gestalt-terapia pelo Instituto de Cleveland. Dirigiu durante vários anos a Sociedade Francesa de Gestalt-terapia e a Sociedade Européia de Gestalt-terapia. Fundador do Instituto Francês de Gestalt-terapia e das revistas Gestalt e Cahiers de Gestalt-thérapie, é também autor de diversos livros traduzidos em vários idiomas.

Seu último livro, O Self Desdobrado, nos lança a proposta de caminhar no sentido contrário ao da história e pensar a Gestalt-terapia, revisitando seus principais constructos teóricos e reelaborando-os. Robine serviu-se do conceito de self e da perspectiva de campo como elementos balizadores que permearão todo o livro, alinhavando sua reflexão numa tecedura que por vezes nos esclarece, por vezes nos sugere desafios e contradições.

É justamente nessa capacidade de questionar o sabido e desafiar o indubitável que reside o encanto desta obra. Robine nos permite um passeio pela teoria psicológica, caminhando com desenvoltura pela psicanálise, filosofia, física quântica, teoria Rogeriana, terapia sistêmica, entre outras, aprofundando, retrospectivamente, os conceitos formulados por Perls, Hefferline e Goodman (1951) no Gestalt-therapy e situando, prospectivamente, a Gestalt-terapia no bojo das modernas propostas de compreensão da experiência humana.

Os capítulos do livro articulam-se com a proposta do autor: partem de uma discussão ampla, crítica e embasadora de conceitos essenciais da Gestalt-terapia situando-os no contexto das teorias psicológicas e, posteriormente, adentram a dimensão da prática clínica, discorrendo sobre a intimidade do processo por meio de exemplos, que muito mais do que simplesmente ilustrar conceitos, ampliam nossa compreensão acerca de sua aplicação.

Na Introdução, Robine formula a ruptura fundamental intentada por Perls e Goodman com uma frase: “o self é contato”. Ao buscar seu significado, nos revela a grandiosidade do convite feito e o desafio que se nos afigura na assunção de uma postura efetivamente fiel à teoria de campo: como cogitar uma realidade humana positivamente relacional, se estamos imersos em conceitos que nos remetem ao intrapsíquico, à psicogênese, mesmo considerando, em sua leitura, que existe uma realidade “lá fora” que nos constitui e que constituímos? Como conciliar nosso pensamento estrutural com nosso funcionamento absolutamente processual? Em resposta, nos sugere uma perspectiva pouco visada da experiência humana: o self como temporalidade, como desdobramento seqüencial. Tal perspectiva será paulatinamente desenvolvida, à medida que o autor aborda cada aspecto da teoria e da prática gestáltica, mantendo-se fiel ao rigor e à criatividade.

Os três primeiros capítulos, Gestalt-terapia, protótipo da psicoterapia de amanhã, Uma estética da psicoterapia e A natureza humana – Declinações do paradigma na Gestalt-terapia, oferecem-nos um panorama teórico-histórico da Gestalt-terapia quanto à construção de seus conceitos e sua repercussão no modelo clínico postulado e na visão de homem empreendida. Já O contato, experiência primeira, A awareness, conhecimento imediato e implícito do campo e Confluência, experiência vinculada e experiência alienada discutem conceitos basilares da Gestalt-terapia vistos sob o prisma da temporalidade do self e da teoria de campo.

Em seguida, Robine nos brinda com uma excelente análise das flexões da experiência no capítulo Ansiedade e construção de gestalts onde traça, em breve linhas, uma distinção clara de como a psicopatologia gestáltica se diferencia de outras modalidades de apreensão do psicopatológico. Após essa brilhante explanação, toma o conceito de angústia/ansiedade e o esclarece situando-o por meio de exemplos clínicos.

Em O inesperado em Psicoterapia, Vergonha e ruptura da confluência e O desconhecido levado à relação Robine aborda temas que têm uma incidência por vezes velada na clínica atuando como um fundo obscuro e inexplorado ao processo e que nem sempre são tratados pela teoria ou trazidos à luz na prática psicoterapêutica, mas que não podem ser deixados de lado sob pena de perdermos dimensões essenciais da experiência humana.

O capítulo Teorizar sobre o que sempre nos escapará – Sobre a relação terapêutica apresenta uma breve discussão do autor a respeito da psicoterapia como um método contextual, distinguindo contato e relação, e sinalizando algumas implicações dessa distinção.

Por fim, O nicho ecológico – Um ensaio sobre a teoria de campo da Gestalt-terapia e Teoria e prática de grupo, teoria e prática de Gestalt-terapia nos oferecem a possibilidade de, por meio da teoria de campo, situar a situação terapêutica em uma configuração mais ampla partindo dos conceitos gerais de campo e chegando àqueles compatíveis com a prática clínica grupal em Gestalt.

Essas são, em linhas gerais, algumas das questões que Robine busca com paixão, elegância e robusta bagagem teórica e prática, não responder, mas causar-nos desassossego, levando-nos a uma reflexão teórica que fundamente uma prática consistente.

 

Referência Bibliográfica

Robine, Jean-Marie (2006). O self desdobrado – Perspectiva de campo em Gestalt-terapia. São Paulo: Summus.

 

 

Recebido em 10.11.07
Aceito em 06.12.07

 

 

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