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Revista da Abordagem Gestáltica

versão impressa ISSN 1809-6867

Rev. abordagem gestalt. v.14 n.1 Goiânia jun. 2008

 

ARTIGOS

 

Solidão, amor e sexo na mulher de mais de sessenta anos

 

Love, sex and loneliness of the women over sixty

 

Soledad, amor y sexo en la mujer de más de sesenta años

 

 

Teresinha Mello da Silveira

 

 


RESUMO

As angústias vividas pelas mulheres de mais de sessenta anos, para além das perdas e lutos, inserem-se, sobretudo no âmbito do desejo de viver. A vida amorosa e sexual delas está crivada de tabus, traduzidos em um silêncio que nega o problema ou desqualifica quem ousa tocar no assunto. Nessas circunstâncias, solidão, somatizações, depressões encontram terreno fértil para se instalar, confirmando o dito popular: “velho adora falar em doença”, ou “velho só faz reclamação”. Na tentativa de desmitificar essas idéias e contribuir para que a mulher idosa seja dona de seus desejos e respeitada com tal, tecerei algumas considerações sobre amor sexo e solidão nessa faixa etária. Para traçar um perfil do idoso da classe média, levarei em consideração fatos históricos, as rápidas transformações socioculturais e tecnológicas ocorridas na sociedade, os imperativos da sociedade de consumo, a influência da mídia e os arranjos familiares atuais. Abordarei as questões referentes à atividade sexual e ao amor na terceira idade, assinalando, com base nesse quadro de referência, as raízes do sentimento de solidão experimentado pelas mulheres. Por fim, apontarei caminhos para mudanças na representação social das mulheres idosas – que lhes permitam ser ouvidas, respeitadas e acolhidas no exercício pleno de sua vida afetiva e sexual – e para a revisão das práticas terapêuticas com esse segmento da população.

Palavras-chave: Amor; Sexo; Solidão; Mulher Idosa.


ABSTRACT

The anguish experiencied by women over sixty relates mainly to issues such as desire of to live – going beyond subjects like losses and grief. Their love and sex life is still riddler with taboos, surrouded by a silence that deniesthe problem or disqualifies those who dare to approach the subject. Under these circumstance, loneliness, somatization and depression develop easily, this way confirming the sayings: “Old people love to talk about diseases”, or “Old people do nothing except complain”. In an attempt to explode this myth and help old women to take control of their condition and rights taken into account, I will approach issues such as love, sex and loneliness in this age group. So as to profile the middle class old people, I will take into consideration historical facts, the rapid social, cultural and technological changes and the imperatives of the consumer society, the influence of the media, and the new types of family arrangements. I will approach issues referring to sexual activity and love in the third age, and point out the origins of the loneliness experiencied by women based on this frame of refence. Finally, I will show ways that allows changes in the social representation of old women – changes that may make it possible for them to be listened, respected and welcomed with regard to their affective and sex life – and that contribute to revise the psychotherapeutic practices related to this segment.

Keywords: Love; Sex; Loneliness; Old Woman.


RESUMEN

Las angustias vividas por las mujeres mayores de sesenta años, además de las pérdidas y del luto, tienen que ver, sobretodo, con el deseo de vivir. Su vida amorosa y sexual, están repletas de tabúes, que se traducen en un silencio que niega el problema, o descalifica a quien se atreva a tocar en el asunto. En estas circunstancias, la soledad, las somatizaciones y las depresiones encuentran terreno fértil para instalarse, confirmando el dicho popular: “A los viejos les encanta hablar de enfermedades”, o “Los viejos solo saben protestar”. En el intento de desmitificar estas ideas y contribuir para que la mujer mayor sea dueña de sus deseos y respetada como tal, tejeré algunas consideraciones sobre el amor, el sexo y la soledad en esa edad. Para trazar un perfil de la mujer mayor de la clase media, llevaré en consideración hechos históricos, las rápidas transformaciones socioculturales y tecnológicas ocurridas en la sociedad, los imperativos de la sociedad de consumo, la influencia de los medios de comunicación y la composición familiar en la actualidad. Abordaré las cuestiones referentes a la actividad sexual y al amor en la tercera edad, señalando, con base en ese cuadro de referencia, las raíces del sentimiento de soledad experimentado por las mujeres. Finalmente, acotaré los caminos para cambios en la representación social de las mujeres mayores, que les permita ser oídas, respetadas y acogidas en el pleno ejercicio de su vida afectiva y sexual, y para la revisión de las prácticas terapéuticas con este segmento de la población

Palabras clave: Amor; Sexo; Soledad; Mujer Anciana.


 

 

Introdução

Este trabalho foi apresentado no XIII Congresso Internacional de Terapia Familiar, da International Family Therapy Association, realizado em Porto Alegre, tornando-se um artigo em função da solicitação de participantes que em suas práticas profissionais, relacionam-se com pessoas saudáveis, com idade superior a sessenta anos.

A oportunidade de trabalhar com idosos na Universidade Aberta da Terceira Idade (UNATI) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), conduziu-me a reflexões que exporei a seguir. Essas reflexões dizem respeito principalmente à vivência das mulheres que freqüentam os diferentes grupos desenvolvidos nesse local.

A UNATI é um núcleo de extensão da UERJ que oferece cursos e abre a oportunidade de convivência entre pessoas maiores de sessenta anos. Também prepara os seus usuários, ou seja, os alunos dos diversos cursos, para levar para fora dos muros da universidade as experiências vividas internamente, favorecendo desse modo que as pessoas mais velhas, comumente vítimas de discriminação e de exclusão, tenham uma maior conscientização dos seus direitos como cidadãos. Nesse sentido, pretende a reinserção dessa faixa da população, na sociedade de que fazem parte. Além do mais, a UNATI/UERJ, sabedora das necessidades dessa faixa de idade, está vinculada ao Hospital Universitário Pedro Ernesto oferecendo, entre outras opções, atendimento ambulatorial para os participantes que precisarem, dentro de uma concepção interdisciplinar. É nesse contexto que desenvolvo parte de minhas atividades profissionais, como psicóloga da equipe de Geriatria e Gerontologia. Assim, é desse lugar que falarei.

Já não é mais novidade para ninguém o aumento do número de idosos no Brasil e no mundo. O censo mais recente do IBGE1 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) aponta para mais de 14 milhões de pessoas acima de sessenta anos em nosso país. O mesmo censo constatou que, do montante de idosos, a maior parte são mulheres. Muitas viúvas, algumas solteiras, desquitadas ou divorciadas, algumas com casamentos que não se atualizaram e outras bem casadas e satisfeitas. Bem diferente do que a visão preconceituosa, já em nós arraigada, pode esperar, as angústias vividas por essas personagens, para além das perdas e lutos, inserem-se no âmbito do desejo, da vida e da sexualidade.

Minha preocupação advém do que observo em grande parte do contingente feminino, no que se refere a temas tão delicados quais sejam de amor e sexo na chamada terceira idade. Sendo esses temas vistos como tabus, a tendência é negá-los ou simplesmente omiti-los, tornando-os sem importância. É comum que, no lugar de se falar abertamente sobre o assunto, surjam as queixas de solidão, as psicossomatizações, as depressões. Novaes (1995) é contundente ao abordar o assunto: “O corpo que não é tocado chora – grita ‘eu existo’; ao reclamarem as dores, representam esse significado” (p. 25).

Na tentativa de desmitificar e de contribuir para que a mulher idosa seja dona de seus desejos e respeitada como tal, proponho-me a tecer aqui algumas considerações sobre amor, sexo e solidão na mulher de mais de sessenta anos.

Acredito que se os profissionais de saúde, que trabalham com esse segmento da população, puderem olhar de forma mais crítica para uma problemática tão presente como a que ora trago à baila, sensíveis mudanças poderão ser observadas em toda a população já que, como donos do saber, tornam-se os principais responsáveis pelo que se diz e pelo que os próprios idosos dizem deles mesmos.

 

Mulher Idosa e Contemporaneidade

Pelo fato de terem nascido na primeira metade do século passado, as mulheres idosas estão marcadas pela divisão, pelo conflito de valores, pois durante o curso de suas vidas, muitas transformações sociais aconteceram e, consequentemente, muita mudança de padrões de comportamento e de crenças.

– “Parece que eu nasci em outro mundo!” Disse há poucos dias atrás uma senhora de 80 anos sobre as cenas de sexo quase explícitas em uma novela da televisão.

Mesmo assim e talvez por isso, sob pena de serem vistas de forma preconceituosa e estereotipada, as maravilhosas mulheres de mais de sessenta também estão indo à luta. Ainda que de forma pouco ruidosa, elas cobram o seu lugar na atualidade desempenhando os mais variados papéis sociais e tentando, das maneiras mais diversas, modificar a representação social do idoso.

Já não é mais possível falar das pessoas mais velhas, através de chavões descabidos sobre uma forma de ser inútil, passiva, desatualizada. No entanto grande parte dos trabalhos sobre idosos colocam-no como alguém desinvestido do presente, voltado para histórias passadas, lembranças e recordações (Silveira, 2000, p. 37).

Com essas palavras eu introduzi um trabalho sobre avós. Hoje mais uma vez apelo para elas e acrescento, baseada em minha prática profissional na UNATI/UERJ, que as mulheres idosas “sofrem suas perdas, preocupam-se com doenças, choram a morte de entes queridos, estudam, namoram, dançam, participam de passeios, gostam de festas, fazem ginástica, desenvolvem atividades domésticas, filantrópicas, culturais e religiosas” (Silveira, 2000, p. 40).

Tenho plena consciência do olhar benevolente com que vejo essas pessoas mais velhas. Isto não quer dizer que não esteja atenta às suas dores e dificuldades, mas é espantosa a capacidade delas darem a volta por cima e ousar. Perto delas pode-se perceber o tanto de preconceito que existe quando se diz que o idoso resiste à mudança. Aliás, estudiosos famosos verificaram que não é que os idosos sejam mais resistentes à mudança do que os jovens. Acontece que os idosos, com sua enorme experiência de vida, já sabem escolher o que é o mais adequado para eles, logo, não se arriscam à toa (Neri, 1995). Acompanhando um pouco da evolução histórica da mulher, as colocações feitas farão mais sentido.

Uma jovem virgem, com o assentimento do seu pai, era dada em casamento para um jovem varão que pudesse provê-la e aos filhos que adviriam dessa união. União por sinal indissolúvel pelo menos até a morte de um dos cônjuges. Eis um modelo matrimonial bem aceito na primeira metade do século XX. A partir do enlace matrimonial essa jovem passa a se dedicar aos afazeres domésticos, a servir o marido, a quem deve respeito, e aos cuidados com a educação dos filhos.

Mesmo antes do casamento, a educação das mulheres já as preparava para desenvolver habilidades que contribuiriam, de alguma forma, para ser uma dona de casa prendada: costura, bordado, culinária... Delicadeza, submissão e abnegação eram então das características mais apreciadas. O amor? Bem o amor e a felicidade certamente tinham outro significado, como nos mostra Jablonski (1991). A começar pelo fato de que as escolhas amorosas, quando podiam ser feitas, não eram tão livres como hoje. Aqueles parceiros que não eram aceitos pela família eram rechaçados. É curioso notar como é comum entre as participantes da UNATI, relato desse tipo: – “F. foi minha grande paixão, mas meu pai não deixou eu casar com ele por isso ou por aquilo, então eu me casei com o N. (marido).” Às vezes ainda acrescentam: “Acho que foi melhor assim”!

Quanto à vida sexual, para as mulheres era mais um serviço, já que seus desejos e a sua realização se faziam pelo prazer daquele que o tinha por direito – o marido.

Verifica-se que, bem diferente era o papel dos homens, responsáveis pelo sustento e um pouco donos do trabalho e dos corpos de suas esposas. Visto dessa ótica, um casamento feliz era confirmado pela sua duração.

Após a década de trinta, as mulheres passam a ter mais acesso à educação e começam a participar de profissões de cunho feminino, dentre elas, o magistério. Mas, ainda nessa época, a maioria deixava de trabalhar quando casava. Muitas mudanças, no entanto, aconteceram com os casamentos e com as mulheres até os nossos dias. Essas mudanças variam desde os avanços da industrialização até a crescente valorização do indivíduo, passando pelos mais variados viezes, como o direito da mulher votar, o surgimento da televisão como meio de comunicação e o aumento dos bens de consumo. Não pretendendo fazer deste trabalho um documento histórico, deter-me-ei nos momentos que considerei mais significativos para o entendimento dos conflitos atuais da mulher idosa.

Nos anos cinqüenta, floresce o amor romântico, o príncipe encantado, muitas vezes confundido com um bom partido deixando mostrar já nesse momento as investidas do consumismo. No final da década, o surgimento da pílula anticoncepcional, destaca-se como um fator bastante significativo para a independência da mulher. A partir de então era possível desvincular sexo de procriação e um grande passo é dado no sentido de uma maior liberdade sexual.

A década de sessenta tornou-se famosa pelos movimentos em favor de uma transformação social em todo o mundo, inclusive no Brasil. São testemunhos disto o movimento feminista e o movimento de contracultura. Também nessa época arrefece a religiosidade moralista, as mulheres passam a freqüentar mais as universidades, a participar mais ativamente da política e combater o autoritarismo da então ditadura militar.

Os valores individualistas, a igualdade de direitos para homens e mulheres que começam a se firmar vem a ser reforçados então pela lei do divórcio em 1977, abalando a dominação masculina. Parece que a partir daí um outro tipo de mulher vem se tornando mais visível, prenúncio daquela que hoje, em conformidade com os padrões socioculturais vigentes, com os padrões de consumo e com avanços tecnológicos, representa o contingente feminino nos grandes centros urbanos.

Chegando nesse momento à mulher contemporânea, o que se pode perceber é que é uma mulher preocupada com a beleza física, com a saúde, embora estressada de tantos e diversos afazeres. Muito comumente ela acumula tarefas de casa com os mais variados trabalhos, estuda, namora, preocupa-se com o amor. Se solteira, mora sozinha, se casada, divide as tarefas com o marido, mas não fica muito tempo casada. Aliás, mais do que os homens, quando insatisfeitas na relação a dois, pede o divórcio. Isto porque o casamento para elas deixou de ser um fim, ao contrário, inserido no modelo individualista, ele é apenas uma maneira de realizar os sonhos de amor mais irrealizáveis, ou seja, a busca da unidade e da completude (Badinter, 1986). Resulta que rapidamente se decepcionam. Porém, elas não desistem e sempre que podem partem para outro relacionamento amoroso. A era do descartável e do efêmero atinge também as mulheres. Diferentemente dos homens e a despeito de atualmente gozarem de uma maior liberdade sexual, o sexo está muito atrelado ao amor – se o amor morre não pode haver sexo, se a vida sexual esfriou é porque não existe o amor. Por outro lado a maternidade para elas tem um grande valor e parece que elas não estão dispostas a abrir mão desse papel. Aliás, é bem mais comum se ver nos dias de hoje famílias de mãe e filhos, do que de pai e filhos. No entanto, todos esses papéis são vivenciados com angústia e ambigüidade. Segundo Vaitsman (1994) “no campo da subjetividade as mudanças profundas são mais lentas, nem sempre acompanhando o passo da mudança social, evidenciando-se as dificuldades de se usar a categoria modernização na análise de processos que dizem respeito a um campo subjetivo” (p. 14).

Em outro trabalho meu (Silveira, 1998), utilizei um exemplo que ilustraria essa passagem. Imagine uma mãe que é uma brilhante profissional da área tecnológica, casada em segundas núpcias com um homem que já tinha outros filhos do casamento anterior e que à noite conta histórias de princesa submissa, príncipe encantado e madrasta, para a filha adormecer. Essa seria uma boa metáfora para a mulher-mãe da modernidade.

Voltando à mulher idosa, podemos refletir sobre o tanto de competição (desigual) que existe entre uma jovem e uma velha. O mundo está aberto para os jovens e fechado para os velhos. O padrão de beleza valorizado, as roupas, as opções de lazer e as preferências dos homens tendem sempre para o lado da beleza e da juventude. Aí então, as coisas ficam mais complicadas.

Quando penso na mulher idosa do panorama contemporâneo tenho a impressão que ela está lutando com armas obsoletas. Individualmente ela pode contar com uma auto-estima razoável, com um potencial de saúde favorável, uma boa capacidade de adaptação, família e amigos que lhe dão suporte, e toda uma cultura que valoriza o novo e o belo, que enfatiza a rapidez, que apela para a substituição e para o descartável (Jablonski, 1991).

Gostaria de traçar agora, a partir das informações dadas, um perfil da mulher idosa da camada social média da população, nos principais centros urbanos do Brasil, usando elementos que me apóiem no que pretendo expor.

Algumas são casadas há mais de trinta anos, muitas são viúvas, algumas são desquitadas (termo que os jovens de depois da Lei do Divórcio não conhecem), algumas “não deram sorte” e continuam solteiras. Buscam um envelhecimento saudável e digno. Morrem de medo das famosas doenças psicogeriátricas (demência e depressão). A família é o centro de suas preocupações e também o seu esteio. Socialmente, esforçam-se para desfrutar das opções que lhes cabem e lutam por mais espaço. Gostam de consumir, conversar, passear. Têm muitos preconceitos. Invejam as mulheres mais jovens. São solidárias, habilidosas. Oscilam entre o desejo que as mantém vivas e o medo da morte. Têm desejos ocultos que escondem muitas vezes delas mesmas. Desejam ardentemente um companheiro do sexo oposto, apesar de todas as dificuldades internas – preconceitos – e externas – os homens além de serem em número menor, preferem mulheres mais novas.

A respeito de seus corpos, têm uma necessidade enorme de serem tocadas e quando têm consciência disso, falam do vazio que sentem e da dor física que sentem quando não tem quem as toque. Os consultórios de fisioterapia estão repletos de pessoa que tentam perpetuar os tratamentos para serem tocadas por uma outra pessoa.

Como se pode ver, na mulher de mais de sessenta as marcas da ambigüidade, os conflitos entre o que lhes foi incutido e os apelos do mundo atual ficam muito evidentes. No entanto, o que pretendo destacar a propósito das vivências das mulheres mais velhas, é que a grande maioria experimenta um profundo sentimento de solidão, solidão essa que conduz ao desespero ou a uma variedade de queixas que enchem os consultórios de médicos e psicoterapeutas. Sobre esse assunto tratarei mais detalhadamente adiante.

 

Sexo e Amor na Mulher Idosa

Tenho a impressão de entrar em um terreno incerto e por demais perigoso! As três palavras que dão título a esse item são comumente vistas como tabus. O diálogo que se segue reflete bem o que afirmo.

“– Eu já não estou mais em idade disso”. Diz a voz do preconceito. Outra voz, com mais bom senso retruca: “– Ah, mas é bom ter um companheiro!” Diz uma terceira “– Companheiro sim, mas sexo... Eu, heim! Depois ele fica lá todo ofegante e às vezes tem até que usar a bombinha do enfisema”. Essa última retruca com muita raiva. Essas são algumas passagens que pude presenciar num grupo onde participavam pessoas de pelo menos duas gerações.

Embora ocorram mudanças fisiológicas que se evidenciam após os 40 anos, no que diz respeito à esfera sexual nos homens, quanto à freqüência, duração, tipo de ereção e de resposta orgástica, nenhuma delas interfere na possibilidade de experimentar uma grande satisfação emocional e prazer sexual (Novaes, 1995, p. 25).

Ao refletir sobre as palavras de Novaes, não posso deixar de pensar que as doenças que acometem os idosos, como as doenças osteoarticulares, hipertensão, enfisema ou diabete, interferem no desempenho sexual e podem desestimular seus portadores a fazerem novas investidas. No entanto, como os jovens, alguns são mais viris e outros não.

Quanto às mulheres, também são observadas diferenças individuais. Com o advento da reposição hormonal, guardado o novo recorte para a atividade sexual, qual seja, uma menor lubrificação – compensada com cremes indicados pelos médicos – e um tempo maior para atingir o orgasmo, podem obter a plena satisfação se assim o desejarem e as condições do organismo permitirem. Ocorre, porém, a necessidade de serem mais ativas do que foram preparadas, já que o que elas aprenderam é que as mulheres têm que ser receptivas, enquanto que os homens precisam também de mais estimulação para que seu pênis fique ereto. Mudanças como esta fazem as mulheres, por vezes, ficarem com raiva, como no exemplo já citado. Uma nova forma de exercer a sexualidade as coloca de frente com as limitações próprias do envelhecer. É preciso estar aberta para as mudanças do tempo e isso geralmente não é tão fácil.

Uma das coisas que me chama a atenção nas mulheres do ambulatório da UNATI é que, apesar de serem atendidas por vários profissionais (médico, enfermeiro, assistente social), elas só falam de suas questões sexuais para os psicólogos. Parece que o silêncio só pode ser quebrado com alguém que está acostumado a ouvir todo o tipo de “loucura”. Além disso, o psicólogo é como um padre confessor que absolve os “pecados”. Habituadas a um controle repressivo da família e da religião – esse é um aspecto significativo nessa faixa da população – não há como falar abertamente sobre o assunto. Minhas impressões se baseiam nos relatos contaminados de culpa, de sensação de sujeira, de não dever pensar mais nessas coisas e, o que é comum, de negação e racionalização, quando então seus desejos são projetados em outras pessoas (geralmente amigas menos reprimidas) e julgado da forma mais cruel.

Mas, se no encontro com o psicoterapeuta elas descobrem que podem desejar, deparam-se então com a interdição da idade. – “Quem vai querer uma velhota como eu?” Ou racionalizando: “Sexo não me faz falta, eu quero é um amigo”. Na verdade elas desejam e se perguntam: “Quem vai querer pegar nesse corpo enrugado e flácido”?

Um outro aspecto que gostaria de considerar, é que nesse segmento da população, mais do que nas mulheres mais jovens, o sexo está atrelado a casamento e a concepção. Ora, muitas dessas mulheres não têm mais ou nunca tiveram um companheiro e evidentemente não estão em fase de procriação.

Por muitos séculos, a sexualidade foi vista pelas civilizações como sinônimo de sexo e diretamente ligada à reprodução. Este processo de ligação veio pela imposição de fatores religiosos, políticos e sociais, visando o controle da possibilidade do prazer natural, que não estivesse ligado ao amor ou ao compromisso de uma futura relação, como, por exemplo, o casamento (Risman, 1998, p. 112).

Constato que, para Risman (1998), amor sexualidade e casamento não precisam necessariamente estar juntos. Tal afirmação está de acordo com o ponto de vista de sexólogos, que justificam assim o alto índice de infidelidade conjugal nos casais (Useche, 1999). Seguindo essa mesma linha, Jablonski (1991) alerta sobre o amor e o casamento:

Ao tornar sinônimos amor e casamento, esse ainda indissolúvel e monogâmico, a cultura, ela própria cria uma armadilha inescapável aos jovens nubentes gerando uma expectativa que não poderá se cumprir, com todas as frustrações e conseqüências funestas que advêm de esperanças alimentadas e em seguida abortadas (p. 81).

Retornando mais uma vez às histórias e estórias de nossas sexagenárias e setuagenárias, verifico que na geração delas, conformar-se com uma vida sexual frustrante era comum e se por acaso fosse satisfatória, só poderia ser com aquela pessoa com quem casaram, mesmo que ela morresse. Mas elas lembram também das tentativas de burlar o controle, das carícias furtivas, logo evitadas, das expectativas, nem sempre realizadas, de um prazer mais pleno. Aliás, algumas acham que o fato de esperar para se relacionar sexualmente após o casamento dava um sabor especial ao ato. Outras lamentam não terem nascido em dias mais favorecedores de opções de viver e escolher, como suas filhas e netas. São muitas as experiências vividas e contadas, no entanto, o que une todas essas personagens é a solidão.

Jablonski (1991), ao abordar o tema da longevidade, chama a atenção para a “síndrome do ninho vazio” – “A situação na qual marido e mulher, unidos, já criaram os filhos, que por sua vez já constituíram suas famílias, abandonando a ‘casa materna’” (p. 97). De fato, como já dissemos em outro momento, a mulher é muito identificada com o papel de mãe e no momento em que restam juntos ela e o marido pode ser que ambos se deparem com um outro estranho ao seu lado. Identifico em alguns casais que tem muito tempo de casados essa espécie de solidão a dois.

São vidas separadas num mesmo ambiente: ele sempre vendo televisão, ela sempre cuidando dos afazeres domésticos, por exemplo. Não existe mais diálogo e, o que é mais importante, não há qualquer curiosidade sobre como o outro está se sentindo. Casais com muito tempo de casados se gabam de conhecer muito bem o seu par, como se o que a pessoa foi um dia permanecesse para sempre. O que se constata é que cada um fica com a sua dor, cada um com seus segredos, mas nada é partilhado. Nem mesmo o amor-companheiro, no qual a grande paixão se transforma ao passar a fase inicial do casamento, de maior idealização, faz-se presente na vida da maioria dos casais idosos com quem tive contato. Um acúmulo de mágoas e decepções macula o relacionamento conjugal, mantendo-o frio, desestimulante. A mulher que é tão pautada por uma relação afetiva satisfatória, vê-se incompleta e infeliz.

O que dizer das viúvas e desquitadas? Mais especialmente o que dizer daquelas mulheres cuja defesa contra a invasão do amor e do desejo não foram exitosas? “Além disso, vigora em nossa cultura monogâmica o já citado padrão de dupla moral, que concede ao homem muita liberdade e à mulher muita falta de liberdade” (Jablonski, 1991, p. 124).

Aponto neste momento para as desvantagens da mulher, numa cultura que, a despeito de todas as mudanças, ainda continua machista, menos um pouco, é verdade, mas ainda machista. É claro que com relação à mulher idosa, outros elementos são acrescentados, agravando a situação delas: menos opções de escolha, valores morais e religiosos arraigados, legados de seus pais e avós e a censura de amigos e familiares. “Trata-se de um crivo social, e escapar a ele significa ser segregada, marginalizada...” (Costa, 2000, p. 24).

Colocado dessa maneira, fica claro o conflito: almejar a satisfação afetiva e sexual de um lado e a rejeição dos demais membros da sociedade do outro. O resultado dessa equação? Muito provavelmente é a opção de viver a dor calada e sozinha. Triste opção, da mais amarga rotina, mesmo que tenha um par, nem desavenças existem mais, só doer e gemer. Resta nessas circunstâncias a profissão de mãe, colaboradora da filha ou do filho nos cuidados com os netos. Dessa maneira, corrobora ela, essa mesma mulher que sofre calada, de uma forma ambivalente e até paradoxal, com a manutenção de uma concepção de idoso destorcida e estereotipada.

Aponto aqui para o fato de que na realidade atual, excluindo-se os casamentos bem-sucedidos – que não são tantos – sexo, amor e mulher de mais de sessenta anos, estão unidos pela solidão.

 

Considerações Finais

... A velhice, de modo algum, significa um final, mas, ao contrário, este momento parece relacionar-se a uma série de (re)significações e recomeços que muitas vezes só foram possíveis nesta etapa da vida (Costa, 2000, p. 31).

Certa vez, descendo em um elevador da UERJ, observei um grupo de alunas da UNATI: muitas mulheres e dois homens. Um deles era visivelmente o mais ousado. Mesmo antes de entrarmos no elevador ele abraçava uma, tocava os braços de outra, fazia galanteios e seu entusiasmo parecia muito bem aceito pelo grupo. Quando entramos percebi que ele passou a acariciar levemente a nuca de uma das companheiras a qual estava mais perto dele. Dona dos meus preconceitos, eu achei seu toque quase obsceno (se fossem jovens eu não acharia). Ela tinha os cabelos curtos e, ao mesmo tempo em que ele acariciava, puxava suavemente os pelos da raiz da sua cabeça. Parecia que nem estava acontecendo nada com ela e continuava conversando. Porém, a rápida olhada que dava ao redor, traía a sua espontaneidade. Imaginei que ela estivesse sentindo arrepios. Lembrei-me então dos adolescentes quando experimentam as primeiras sensações sexuais com seus parceiros e que ainda não sabem o que devem fazer com elas ou que precisam esconder o seu prazer. Achei que essa era a chave para compreender o que se passa com essas pessoas mais velhas. Como os adolescentes, eles precisam ser confirmados em seus anseios, em suas investidas. Eles precisam ter claro que a única obrigação que eles têm nesse mundo é de se fazer feliz e de deixar o outro ser feliz. Para isso torna-se necessário uma cultura de respeito às diferenças. Essa mudança não se faz senão com muito trabalho e desde muito cedo na vida. Enquanto nossas crianças estiverem vendo velhice como sinal de decrepitude, nossos velhos não poderão gozar de seus plenos direitos como pessoa e como cidadão. É preciso que haja mais encontros entre as diferentes gerações, onde as angústias e dúvidas de qualquer dos segmentos sejam acolhidos e discutidos. O preconceito é filho da ignorância, é preciso saber mais sobre idosos.

Tenho aprendido na minha prática profissional com mulheres idosas, a importância de se viver até o último momento. Tenho aprendido também que as mulheres da UNATI/UERJ são uma minoria, mas bastante atuantes, mais do que isso, juntamente com aquelas de outros centros de convivência e de outras UNATIs, elas são pioneiras, ricas mutantes, prenúncio de uma outra forma de ser e de ver essa faixa da população. Com elas descobri que envelhecer pode ser motivo de orgulho. A elas eu agradeço nesse momento a possibilidade de me preparar para um futuro tão próximo.

 

Referências Bibliográficas

Badinter, E. (1986). Um é o outro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.        [ Links ]

Costa, M. A. F. (2000). O tempo, a traça e um doce modo: sexualidade e auto-estima na mulher idosa. Monografia apresentada como parte dos requisitos para aprovação como pós-graduada, no Curso da Residência em Psicologia Clínico-Institucional do HUPE/UERJ.

Jablonski, B. (1991). Até que a vida nos separe: a crise no casamento contemporâneo. Rio de Janeiro: Agir.

Néri, A. L. (1995). Psicologia do envelhecimento. São Paulo: Papirus.

Novaes, M. H. (1995). Conquistas possíveis e rupturas necessárias: psicologia da terceira idade. Rio de Janeiro: Grypho.

Risman, A. (1998). Sexualidade. In A. Risman, A saúde do idoso: a arte de cuidar (pp. 111-115). Rio de Janeiro: EdUERJ.

Silveira, T. M. (1998). A construção criativa na vida do casal: limites e possibilidades do casamento contemporâneo. Dissertação de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.

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Useche, B. (1999). 5 estudios de sexología: manizales. Colombia: ARS Serigrafias Ediciones.

Vaitsman, J. (1994). Flexíveis e plurais: identidade, casamento e família em circunstâncias pós-modernas. Rio de Janeiro: Rocco.

 

 

Recebido em 30.04.08
Aceito em 15.07.08

 

 

1 URL: ibge.gov.br/home/estatística/população/censo2000/tabelabrasil111.shtm

Teresinha Mello da Silveira - Doutora e Mestre em Psicologia Clínica pela PUC-Rio; Supervisora de atendimentos clínicos (individuais, grupais, de casal e de família) de alunos da Graduação, do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Preceptora e Professora de Teoria e Práticas de Grupo e de Psicologia do Idoso, do Curso de Especialização, Modelo Residência do Instituto de Psicologia/Hospital Universitário, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Coordenadora da Psicologia no Ambulatório da Universidade Aberta Terceira Idade, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. E-mail: <teresinha.silveira@globo.com>

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