SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.14 número1Conspiração aquariana revisitada: correlações com as filosofias de Henri Bergson e William JamesA função da religião na construção social da masculinidade índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista da Abordagem Gestáltica

versão impressa ISSN 1809-6867

Rev. abordagem gestalt. v.14 n.1 Goiânia jun. 2008

 

DIÁLOGOS (IM)PERTINENTES

 

As interpretações do mal na religião e a Síndrome de Burnout

 

Interpretations of evil in the religion and Burnout Syndrome

 

Las interpretaciones del mal en la religión y la Síndrome de Burnout

 

 

Genivalda Araujo Cravo dos Santos

 

 


RESUMO

Este artigo se propõe a apresentar a partir de um enfoque multidisciplinar as diversas interpretações, concepções e representações do mal nas religiões numa perspectiva da antropologia da religião, da literatura sagrada e da sociologia da religião. Relacionaremos essas interpretações do mal, com o impacto do trabalho na saúde do trabalhador em educação, as conseqüências da Síndrome de Burnout e se esse tipo de adoecimento seria o mal na educação.

Palavras-chave: Religião; Interpretações do mal; Educação; Síndrome de Burnout.


ABSTRACT

This article aims to present from a multidisciplinary focus the various interpretations, conceptions and representations of evil in religions in a perspective of anthropology of religion, literature and sociology of the sacred religion. The article related those interpretations of evil, with the impact of work on the health of workers in education, the consequences of burnout syndrome and whether this type of illness would be badly in education.

Keywords: Religión; Interpretations of evil; Education; Burnout Syndrome.


RESUMEN

El objetivo de este artículo es presentar partiendo de un enfoque multidisciplinar las diversas interpretaciones, concepciones y representaciones del mal, en las religiones dentro de una perspectiva de la antropología de la religión, la literatura sagrada y de la sociología de la religión. Relacionaremos estas interpretaciones del mal, con el impacto del trabajo en la salud del educador, las consecuencias del síndrome de Burnout y si este tipo de enfermedad sería el mal en la educación.

Palabras clave: Religión; La interpretación del mal; Educación; Síndrome de Burnout.


 

 

O mal é experimentado de muitas maneiras, desde a doença até a morte,
desde as desgraças naturais (terremotos, vulcões, granizo) até as limitações de todo tipo,
como a pobreza, as frustrações, a perda de sentido da vida etc.
Cada cosmovisão religiosa tem sua interpretação do mal
(Croatto, 2001, p. 118).

O mundo é mau: os alunos são maus porque são indisciplinados,
não se interessam pela escola e não aprendem;
a família dos alunos é má porque não apóia o seu trabalho;
a sociedade é má porque não valoriza sua profissão;
o governo é mau porque oferece baixos salários;
a direção da escola é má porque não oferece o suporte que ele precisa;
os outros profissionais também são maus...
Enfim, tudo vai mal.
(Codo & Vasquez-Menezes, 2000, p. 31).

 

Introdução

Este artigo se propõe a apresentar algumas reflexões realizadas durante o seminário interdisciplinar: Simbólico e Diabólico – As Interpretações do Mal (realizado de agosto a dezembro de 2007), a partir da perspectiva da síndrome de burnout ser o mal na educação; e realizaremos, também, algumas provocações referentes ao problema do mal. A metodologia desenvolvida durante o seminário foi interdisciplinar e multidisciplinar para compreendermos e interpretarmos o mal nas religiões e as suas influências sociais e culturais. Por intermédio do estudo da literatura recomendada por cada docente, com a leitura dos textos, das apresentações, das reflexões e da produção de artigos pelos discentes, nós fomos tecendo o simbólico e o diabólico existente no mal.

Muitas questões burilaram o pensamento da autora durante a realização desse seminário; apresentaremos apenas alguns desses burilamentos interiores: “a maioria das grandes descobertas e revelações caras à nossa sociedade foi produto de perguntas (...) e a ciência só progride porque se fazem perguntas e se desafiam” (Arntz, 2007, p. 4).

Uma das grandes verdades sobre os paradigmas é que ‘eles mudam’. Na ciência, que é uma construção na qual uma geração se edifica em cima do trabalho dos que vieram antes, o paradigma do conhecimento evolui à medida que as visões antigas se revelam incompletas ou incorretas. Ora devagar, ora esperneando e gritando, a grandeza da ciência é que ela ‘avança’ (Arntz, 2007, pp. 28-29)!

A citação acima será o nosso guia nas provocações que realizaremos ao longo deste artigo. Acreditamos que a abordagem das ciências da religião nos estudos sobre a qualidade de vida no trabalho e o fenômeno religioso poderá evidenciar novos olhares sobre o problema do mal na educação.

O nosso conceito de religião baseia-se em Jung (1997, p. 289), quando afirma que: “a religião é uma experiência absoluta. Uma experiência religiosa (...), então ele [a pessoa] a teve e ninguém pode tirá-la dele”. A experiência fornece sentido simbólico à vida, representam forças emocionais ou numinosidade, podendo, dessa maneira, restabelecer a saúde e a nomia:

A pessoa humana precisa de vida simbólica. E precisa com urgência. Nós só vivemos coisas banais, comuns, racionais ou irracionais – que, naturalmente, também estão dentro do campo de interesse do racionalismo, caso contrário poderíamos chamá-las irracionais. Mas não temos vida simbólica [...] mas temos necessidade premente dela (Jung, 1997, pp. 272-273).

Nas nossas pesquisas realizadas entre 2003 e 2004, no Mestrado em Ciências na Religião da Universidade Católica de Goiás, evidenciamos um quadro preocupante sobre o impacto do trabalho na saúde das trabalhadoras em educação e quais as alternativas buscadas pelas profissionais em educação quando acometidas por anomias (Berger, 1985), síndrome de burnout e/ou depressão, em especial na terapêutica espiritual/religiosa, no caso da pesquisa no Espiritismo (Santos, 2004, 2007). No doutorado estamos nos propondo a estudar a qualidade de vida no trabalho na perspectiva das ciências da religião, o impacto do trabalho na saúde dos trabalhadores em educação de Goiás, acometidos com a síndrome de burnout, e a busca pelas terapias espirituais religiosas como ajuda para a Qualidade de Vida no Trabalho – QVT. As terapias espirituais religiosas ajudam na Qualidade de Vida no Trabalho? De que forma? Como se pode alcançar QVT a partir da participação em terapias espirituais religiosas? Será que as terapias espirituais religiosas ajudam as trabalhadoras em educação a encontrarem QVT? De que forma essas terapias auxiliam? Quais seriam os indícios apontados pelas trabalhadoras em educação para acreditarem que as terapias espirituais religiosas proporcionam ou proporcionaram QVT? A terapia espiritual religioasa ajuda a minimizar os reflexos do impacto do trabalho na saúde mental da trabalhadora em educação?

Estamos pesquisando e procurando compreender de que forma as terapias espirituais religiosas ajudam as/os trabalhadores/as em educação na qualidade de vida no trabalho. As terapêuticas espirituais religiosas ajudam profissionalmente as trabalhadoras em educação acometidas com a síndrome de burnout e/ou com a depressão? Em síntese, queremos continuar pesquisando o impacto da profissão na saúde mental do/a trabalhador/a em educação e a busca do restabelecimento da saúde por meio da terapêutica espiritual religiosa.

A nossa tese é que as terapias espirituais religiosas ajudam a reformular o sentido e o significado de vida no trabalho, promovendo uma maior QVT. Os indivíduos ressignificam os seus padrões e crenças negativas sobre o trabalho, por outros padrões e crenças que lhe fornecem sentido e significado de vida. Dessa forma essa ressignificação dos paradigmas da vida pessoal, dos relacionamentos e do trabalho, acaba por oportunizar outra vivência com relação aos problemas enfrentados no cotidiano profissional, gerando uma ampliação das suas percepções e a busca de alternativas para solucionar esses conflitos, promovendo um aumento da auto-estima, uma facilidade maior para o gerenciamento do stress e da síndrome de burnout.

Vamos agora compreender um pouco sobre o mal na educação, a partir do enfoque da síndrome de burnout. No quadro abaixo, apresentamos uma descrição resumida sobre o que vem a ser a doença que está acometendo 48,04% da categoria que trabalha na educação pública no Brasil (Codo, 1999). Esses dados que estamos apresentando, neste artigo, são de 1999, possivelmente se fôssemos realizar a mesma pesquisa na educação básica no Brasil, passados seus oitos anos de resultados, os dados poderão ser ainda mais alarmantes ou quem sabe termos uma agradável surpresa que esses índices reduziram. Observemos o quadro abaixo, sobre o que são, sintomas e conseqüências da síndrome de burnout:

 

 

Como podemos perceber, essa doença chega à raiz do sentido de vida das pessoas, o trabalho acaba perdendo o sentido e o significado, chegando ao extremo da exaustão, sobrecarga, desumanização e falta de prazer naquilo que faz ou deixa de fazer, atingindo todas as esferas da vida.

Passos (2004) já reflete essa doença como uma oportunidade simbólica de mudança do velho paradigma educacional para um novo, onde os seres humanos terão condições de ter prazer e sentido de vida no que fazem.

1ª) As doenças físicas são nossas irmãs! 2ª) A cura de nossas enfermidades não pode ser feita pela supressão dos sintomas físicos e pelo silenciamento de nossas dores... 3ª) Se houver uma ação em favor da vida – e contra Burnout –, não é a supressão do signo e de sua simbolização, mas sim, compreender e modificar o significante, que são as razões sócio-econômico-político-culturais de nossos conflitos... A cura de Burnout, em nós, é a cura da escola; é a cura das relações materiais e sociais de produção; é a cura da cultura pervertida; e a cura da exploração de nosso desejo; é a destruição da mentira institucional; é a recuperação de voz de protesto, ou seja, a remissão da condição de mercadoria a que estamos submetidos como classes e que usurpa nossa humanidade (Passos, 2004, pp. 52-56).

Entendemos, assim como Passos (2004), que a síndrome de burnout – acrescentamos a depressão – manifesta-se simbolicamente no corpo, na mente, nas emoções, atitudes, sensações e no espírito das pessoas que acomete. Essa reflexão de Passos (2004) sintetiza também como a anomia age no sistema simbólico das pessoas, em especial das trabalhadoras em educação. A religião, nesses casos, quando é procurada pela pessoa que está vivenciando a doença, terá o papel de oferecer sentido, significado, conforto, respostas para a causa do mal vivenciado; e os rituais religiosos freqüentados e praticados ajudam aqueles que crêem a encontrar nomia e vida simbólica.

A partir desse enfoque, burnout deixa de ser simbolicamente uma representação do mal, uma culpa, impureza, estigma, pecado para ser salvação, redenção, justiça, ressignificação dos valores, concepções, princípios e estruturas educacionais. É uma denúncia de que algo não vai bem, não é só com os profissionais em educação e sim em toda estrutura, perpassando todos os níveis institucionais, as pessoas que trabalham na educação, as sociedades, as culturas é ao mesmo tempo uma resistência (Passos, 2004; Arntz, 2007). Sendo assim, vamos ver logo a seguir algumas reflexões sobre as interpretações e representações simbólicas do mal.

 

Alguns Referenciais Teóricos sobre a Compreensão do Mal

Os/as trabalhadores/as em educação, conforme citações neste artigo, sentem-se impotentes diante do sofrimento psíquico, da exaustão emocional, da despersonalização e da falta de envolvimento no trabalho, em função de estar em burnout (Santos, 2004; 2007). “Tudo vai mal”, expressão mencionada várias vezes por muitas pessoas, não é diferente no meio da educação, olhemos a segunda epígrafe. O paralelo que estamos realizando, neste artigo, entre o mal e a burnout na educação, evidencia uma banalização do mal de forma sorrateira e silenciosa, corroendo os sonhos e as utopias daqueles que trabalham na educação. O mal sempre povoou o imaginário da humanidade, vamos agora buscar entender o porquê, a partir da reflexão de alguns autores e autoras, abaixo.

Bauman (1999) analisou a modernidade a partir do conceito de ambivalência, a partir da teoria da ordem e da jardinagem. Ele menciona diversos exemplos de como o mal agiu na sociedade através dessas teorias ao longo do século passado. A análise sociológica da modernidade, com o olhar de Bauman, nos auxilia a compreender as reflexões que Passos (2004) apresenta sobre como se pode processar a cura da burnout.

Parece que o único fator realmente capaz de contrabalançar e eventualmente compensar o potencial genocida adormecido nas capacidades instrumentais da modernidade e sua mentalidade racional-instrumental é o ‘pluralismo do poder’ e, portanto, o pluralismo de opiniões autorizadas. Só o pluralismo devolve a responsabilidade moral da ação a seu natural portador: o indivíduo que age (Bauman, 1999, p. 60).

Para Croatto (2001) as expressões simbólicas do mal em algumas cosmovisões religiosas, a partir do enfoque antropológico, surgem primeiramente na linguagem através da experiência humana e religiosa. Simbolicamente pode ser representado como sendo: impureza – vem de fora, mancha, adere à pessoa, esse símbolo é muito utilizado nas religiões através dos rituais de purificação; pecado – o outro, uma relação que pode ser consigo mesmo ou apontar o dedo ao outro, o símbolo religioso é a conversão, a remissão dos pecados; culpa – é uma interiorização da falta da pessoa, os símbolos da culpa é o peso ou carga, que pode ser medido e o símbolo religioso é a libertação, “tirar o peso de cima” (Croatto, 2001).

O artigo “O mal e suas representações simbólicas: o universo mítico e social das figuras de satanás na Bíblia”, de Luigi Schiavo (2000) trás uma reflexão que serve de orientação na compreensão das diversas vestimentas, sentidos e significados dados ao mal através das representações do diabo. O artigo retrata o conceito histórico da palavra diabo, Lúcifer e demônio e como o significado foi mudando ao longo do processo histórico desde o Antigo Testamento até o Novo Testamento Bíblico. O diabo possuiu diversas representações simbólicas, como por exemplo: luz, adversidade, doença, calamidade, protetor, adversário, indutor do mal. O artigo buscou fundamentar através dos livros bíblicos, apócrifos e em outras literaturas o sentido e significados do mal:

O processo de demonização está relacionado à situação de conflito de impotência e de opressão entre grupos sociais e povos. Esta chave nos permite (...), ler de maneira crítica as várias imagens do demônio na Bíblia, como expressão e memória de situações de conflito, sofrimento, perseguição e morte, mas também como grito de esperança na derrota definitiva do demoníaco que, de mil maneiras, ameaça a vida humana (Schiavo, 2000, p. 65).

O mal foi utilizado como instrumento de dominação, de medo, de poder, coerção, de controle social, de perpetuação de paradigmas que interessavam a determinados grupos dominantes. Em resumo, o mal possuiu vários nomes e vestimentas ao longo da história da humanidade. O mal se fundiu com a história do diabo, o Lúcifer.

Schiavo (2001), num outro artigo, “Como é que é sentir o calor? A história de Lúcifer que se tornou demônio por causa da mulher”, relata as representações simbólicas construídas sobre a mulher na Bíblia. Contextualiza a influência cristão-judaica-grego-romana e desmistifica o papel temido da mulher pelo patriacalismo. “A pergunta que nos guiará será: por que a mulher, o sexo e o amor sexual são culpados pelos males que afligem a humanidade?” No final o autor problematiza e menciona as diversas formas de mal imputado às mulheres através das comparações, da dualidade, da necessidade da imposição de símbolos e imagens negativas referentes à mulher, da ambivalência, da impureza e da tentação da mulher/Lúcifer. Schiavo (2001) propõe no seu texto uma quebra de paradigmas e o resgate da imagem da mulher, de forma positiva. Constrói uma metodologia feminina, contraponto a literatura com uma leitura nas entrelinhas, buscando verificar as omissões, os medos, os temores e os vazios literários. O autor afirma que o patriarcalismo deixou um legado de machismo, dualidade, vergonha do corpo, da sexualidade, da beleza e na construção simbólica bíblica do feminino de forma negativa.

Sanford (1988), no texto “A ontologia do mal”, faz um passeio nas diversas teorias explicativas do problema do mal na teologia cristã e reflexões sobre o interesse e as críticas de Jung à doutrina da privatio boni: “A idéia básica da doutrina da ‘privatio boni’ é que só o bem possui substância; o mal não teria substância própria, mas uma existência apenas no sentido de diminuição do bem” (Sanford, 1988, p. 169). Jung baseia-se em três argumentos para derrubar a doutrina da privatio boni:

1. A imagem unilateralmente luminosa de Cristo contradiz o fato de que o ‘si-mesmo’ é uma combinação dos opostos. 2. A divisão e isolamento entre o mal e a divindade deu a ele demasiada autonomia, com resultados desastrosos para a humanidade, especialmente quando a doutrina da ‘privatio boni’ tranqüiliza os homens numa falsa sensação de segurança ao negar a realidade do mal, ainda que o sentimento humano esteja contra tal negação. 3. A objeção lógica de que o mal é real, já que o bem e o mal são um par de opostos logicamente equivalentes... Já mencionamos o fato de que Jung sentiu que o símbolo trinitário divino estava incompleto, uma vez que ele deve ser um símbolo da totalidade, e que o símbolo do quaternário seria mais representativo da totalidade (Sanford, 1988, pp. 174-175).

As reflexões realizadas por Sanford (1988), após análises da citação acima, evidenciaram que o mal e o bem coexistem, formam uma totalidade e depende do ponto de vista da pessoa; pois uma situação pode ser bem para si e para o outro pode ser um mal.

Já a Souki (2007) reflete sobre o conceito da banalização do mal a partir da análise dos escritos de Hannah Arendt:

Pensar sobre o mal não constitui uma tarefa fácil e muito menos confortável ou prazerosa, ao contrário, representa um desafio... Outra saída é considerar o mal como um enigma e, nessa via, evitá-lo ou remetê-lo ao ‘buraco negro’ do mistério e do insondável. Mas o fato de ignorá-lo, deslocá-lo de seu estatuto real ou expurgá-lo do pensamento não o esconjura, nem tampouco o retira do universo dos problemas humanos... Foi em relação a tais eventos concernentes a Eichmann que Hannah Arent empregou pela primeira vez a expressão banalidade do mal... ‘Era como se naqueles últimos minutos ele estivesse resumindo a lição que este longo percurso através da maldade humana nos ensinou, a lição da temerosa banalidade do mal’... associa claramente ‘inconsciência’, ‘afastamento da realidade’, e ‘obediência’... Isto significa que a aparência de banalidade tem justamente a função de ocultar o verdadeiro escândalo do mal... (Souki, 2007, p. 43).

Pensar se burnout é o mal na educação é um desafio. Como paralelo ao pensamento desenvolvido na citação acima, os estudos sobre burnout evidenciam que a pessoa afasta-se da realidade, obedece cegamente à burocracia e busca se tornar inconsciente dos seus atos, atitudes, sentimentos, emoções, coisificando-se e desumanizando-se para não sofrer. Acaba por responsabilizar os outros dos males sofridos e enfrentados na profissão, vê tudo que é relacionado ao trabalho como negativo, desiste estando trabalhando; muitas pessoas não sabem que tem essa doença (Codo, 1999; Codo & Vasques-Menezes 2000; Santos, 2004). A educação sofre da banalização do mal? Nesse artigo não temos a pretensão de aprofundar tal questionamento, o paralelo fica como provocações que podem sugerir possíveis estudos comparativos com os estudos de Hannah Arent. No nosso ponto de vista burnout na educação pode representar a banalização do mal.

Conforme já refletimos em Passos (2004), burnout pode ser uma oportunidade de revisão de paradigmas individuais e/ou coletivos, e para Souki (2007), uma oportunidade de rever nossos pontos de vistas e colocar outros óculos para compreendermos como a banalização do mal age em nosso meio. Sendo assim, voltamos a nossa indagação sobre se é burnout o mal da educação ou é um sinal que os paradigmas educacionais precisarão ser revistos? Segundo a nossa interpretação do texto de Sanford (1988), é a pessoa individualmente que consegue a cura para o problema do mal existente em sua vida privado e/ou coletiva. As concepções representadas pelas crenças religiosas sobre o bem e o mal auxiliariam nesse processo de cura individual. Sendo assim basta curar somente o indivíduo que solucionaremos o problema do mal na educação? Onde fica a interdependência das partes e a totalidade do ser?

 

Os Reflexos do Mal na Pessoa em Burnout

Um trabalhador que entra em Burnout assume uma posição de frieza frente a seus clientes, não se deixando envolver com seus problemas e dificuldades. As relações interpessoais são cortadas, como se ele estivesse em contato apenas com objetos, ou seja, a relação torna-se desprovida de calor humano. Isso acrescido de uma grande irritabilidade por parte do profissional, este quadro torna qualquer processo ensino-aprendizagem, que se pretenda efetivo, completamente inviável. Por um lado, o professor [trabalhador/a em educação] tornar-se incapaz do mínimo de empatia necessária para a transmissão do conhecimento e, de outro, ele sofre: ansiedade, melancolia, baixa auto-estima, sentimento de exaustão física e emocional (Codo & Vasques-Menezes, 2000, p. 31).

Como podemos observar na citação acima, o mal representado no estar em burnout pode prejudicar a qualidade de vida no trabalho. O sentimento de impotência, de culpa, de frustração, de decepção, de desilusão, de perda de sentido de vida leva a um círculo vicioso que se não for diagnosticado e tratado de forma consciente, as pessoas, as escolas e as instituições envolvidas nesse processo podem adoecer, ou melhor, já estão adoecidas, conforme pesquisas já realizadas. Conseqüentemente, pode gerar uma banalização do mal, uma psicopatologia, desperdício de energia humana, de recursos financeiros, violência simbólica e total desumanização nas relações. Observemos os reflexos da citação acima, no quadro das sintomatologias:

 


 

Essas sintomatologias camuflam a doença da desistência, as pessoas começam a acreditar que estão acometidas de males físicos, passam por diversas especialidades médicas até descobrirem que o que sentem é burnout, o mal que acomete os cuidadores (Santos, 2004, 2007; Barasuol, 2005). É evidente e explícito o mal estar, a dor psíquica sentida e vivenciada pelos/as trabalhadores/as em educação, observemos as citações mencionadas nesse artigo sobre burnout. A pessoa, ao sentir algo que não sabe identificar ao certo o que tem, ao perceber e vivenciar sentimentos de dualidade, hostilidade, frieza, irritabilidade, intolerância, pessimismo, desmotivação, apatia, em síntese, “tudo vai mal”; como poderá ter qualidade de vida no trabalho?

 

Onde Buscar Ajuda para o Mal em Burnout?

Conforme nossos estudos no mestrado ficaram evidenciados, uma das alternativas buscadas pela pessoa para solucionar ou minimizar o problema do mal vivenciado pode ser na religião. As teodicéias explicativas das religiões, com suas terapias espirituais/religiosas, podem fornecer qualidade de vida através das respostas ou rituais para cura ou libertação dos males enfrentados.

Para Weber (1999), o conceito de teodicéia significa uma ação racionalizada, como as respostas das religiões, das suas concepções, das visões e das cosmovisões sobre Deus, pecado, salvação, injustiça, justiça, imperfeição do mundo, sofrimento, dor e morte. “O problema da teodicéia encontrou soluções diversas e estas estão numa relação muito íntima com a formação da concepção de deus e também com a das idéias de pecado e salvação” (Weber, 1999, p. 351).

Já para Berger (1985):

Se uma teodicéia responde, de qualquer maneira, a essa indagação de sentido, serve a um objetivo de suma importância para o indivíduo que sofre, mesmo que não envolva uma promessa de que o resultado final dos seus sofrimentos é a felicidade neste mundo ou no outro [...]. Os ?ganhos’ da teodicéia para a sociedade devem ser entendidos de um modo análogo aos que são proporcionados ao indivíduo. Coletividades inteiras adquirem a possibilidade de integrar eventos anômicos, agudos ou crônicos, no nomos estabelecido na sua sociedade (pp. 70-71).

Sendo assim, a religião tem a resposta ao mal, tenha ele, o mal, o nome que tiver. Aquele que crê busca a instituição religiosa ou o espaço sagrado e realiza todos os rituais a fim de encontrar a qualidade de vida almejada.

Resumindo, a religião ajudou profissionalmente: por ser o local onde houve reabastecimento de energia, esclarecimento, conscientização, gerando equilíbrio, paciência, tolerância, compreensão, tranqüilidade, força, aprendizado para conviver com os diferentes, respostas, paz, serenidade, humanização e sentido de vida. Essa experiência religiosa proporcionou às pessoas, que buscaram a terapêutica Espírita, o significado, a motivação, o prazer, os meios e os instrumentos para o enfrentamento dos problemas, sejam eles quais forem em especial no cotidiano profissional (Santos, 2004).

 

Considerações Finais

Esperamos ter contribuído com as nossas provocações e colocado mais lenha nessa fogueira do problema do mal, a partir do enfoque do burnout na educação. Esse é um debate, concordando com Souki (2007), que é desafiante.

A crise da modernidade pode ser exemplificada na metáfora do jardineiro que separa as ervas daninhas das plantas que ele considera mais importante. Tivemos ao longo do processo histórico exemplos de diversas teorias científicas, que fundamentaram essa concepção da jardinagem ao longo do século XIX e XX. As conseqüências dessa teoria jardineira acabaram sendo materializadas na prática, no passado, através do Holocausto, do racismo, do Q.I., do modelo educacional e Estatal excludente (Bauman, 1999).

Podemos também analisar essa metáfora do jardineiro, a partir das interpretações e representações simbólicas do mal, a partir do paralelo do caos e da ordem, ocasionado por estar em burnout:

O caos, ‘o outro da ordem’, é pura negatividade. É a negação de tudo o que se empenha em ser. É contra essa negatividade que a positividade da ordem se constitui. Mas a negatividade do caos é um produto da autoconstituição da ordem, seu efeito colateral, seu resíduo e, no entanto, condição ‘sine qua non’ da sua possibilidade (reflexa). Sem a negatividade do caos, não há positividade da ordem; sem o caos, não há ordem (Bauman, 1999, p. 15).

O caos estar em burnout. A ordem pode ser as teodicéias explicativas sobre o problema desse mal. A cura pode ser fornecida pelas terapias espirituais/religiosas como tratamento desse caos. Nas interpretações do problema do mal, no nosso caso estar em burnout, caos e ordem caminham juntas e iluminam a nossa estrada onde flores e ervas daninhas convivem no mesmo espaço.

Como disse Passos (2004) “a cura de Burnout, em nós, é a cura da escola; é a cura das relações materiais e sociais de produção...”. Seria a representação simbólica, do caos e da ordem, a biodiversidade na floresta da vida. Sendo assim, as religiões podem trazer sentido e significado de vida no trabalho. As mesmas podem deixar de ser um mercado de ofertas simbólicas, na disputa do cliente para suas terapias espirituais/religiosas (Bourdieu, 1998). Para se tornarem em alternativas de qualidade de vida no trabalho.

A partir da compreensão do [Holos = Totalidade] do problema do mal (no nosso caso, a burnout na educação), conforme citação de Sanford (1988) sobre Jung e Arntz (2007), é romper com o paradigma mecanicista, fragmentalista das especializações e percebermos as interdependências das partes. É permitir emergir, despertar uma nova consciência holística, onde “somos todos um”. Sendo assim, as representações simbólicas do mal não serão vistas de forma fragmentada e nem acusaremos o outro dos males existentes em sociedade ou nas culturas ou nas religiões. A interdependência de tudo e de todos os seres vivos existentes no planeta terra, emergirá como uma nova consciência responsável pela qualidade de vida (Arntz, 2007).

Poderemos ressignificar nossos modelos e percepções sobre a vida, sobre as religiões, sobre o problema do mal. A ordem estabelecida não será de quem tem mais poder ou ocupa o lugar de destaque em sociedade. A ambivalência do ser retorna à essência divina, o sagrado ganha sentido e significado, conseqüentemente o local de trabalho, a profissão torna-se prazerosa. Para exemplificarmos essa reflexão, observemos a citação logo abaixo e vamos aprender um pouquinho com o sábio Weber, pois temos que tomar:

‘Cuidado, o diabo é velho; envelhecei também para compreendê-lo’. Isto não significa a idade, no sentido da certidão de nascimento. Significa que se desejarmos haver-nos com esse diabo teremos de não fugir à sua frente, como gostam de fazer tantas pessoas, hoje. Em primeiro lugar, temos de perceber-lhe os processos, para compreender seu poder e suas limitações. A ciência hoje é uma ’vocação’ organizada em disciplinas especiais a serviço do auto-esclarecimento e conhecimento de fatos inter-relacionados... O destino de nossos tempos é caracterizado pela racionalização e intelectualização e, acima de tudo, pelo ‘desencantamento do mundo’. Precisamente os valores últimos e mais sublimes retiraram-se da vida pública, seja para o reino transcendental da vida mística, seja para fraternidade das relações humanas diretas e pessoais. Não é por acaso... (Weber, 1982, pp. 179-180).

Finalizando, a representação do mal está simbolicamente representada em diversas vestimentas que escondem os porquês dos males na educação. Claro que não foi o nosso propósito analisar todos os males educacionais. Mas sim apresentar a você leitor/a outro olhar na perspectiva das ciências da religião. Como vimos nesse artigo às conseqüências da burnout na qualidade de vida no trabalho evidenciam-se ser desastrosas. Os teóricos estudados no seminário interdisciplinar sobre o mal forneceram diversas pistas sobre as interpretações e representações simbólicas do problema do mal conforme o enfoque da antropologia da religião, da literatura sagrada ou da sociologia da religião. Claro que privilegiamos alguns autores para a nossa análise, em detrimentos de outros olhares, e acrescentamos outros que não foram estudados no seminário, mas que consideramos relevantes para a compreensão das provocações expostas nesse artigo.

 

Referências Bibliográficas

Arntz, W. (2007). Quem somos nós? A descoberta das infinitas possibilidades de alterar a realidade diária. Rio de Janeiro: Prestígio.        [ Links ]

Barasuol, E. B. (2005). Burnout e docência: sofrimento na inclusão. Três de Maio: Setrem.

Bauman, Z. (1999). Modernidade e ambivalência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

Berger, P. (1985). O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião. São Paulo: Paulinas.

Bourdieu, P. (1998). A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva.

Codo, W. & Vasques-Menezes, I. (2000). Burnout: sofrimento psíquico dos trabalhadores em educação (Cadernos de saúde do trabalhador, INST/ CUT-Brasil). São Paulo: Kingraf.

Codo, W. (1999) (Org.). Educação: carinho e trabalho. Petrópolis: Vozes/Brasília: Ed. da UnB.

Croatto, J. S. (2001). As linguagens da experiência religiosa: uma introdução à fenomenologia da religião. São Paulo: Paulinas.

Jung, C-G. (1997). A vida simbólica: escritos diversos. Petrópolis: Vozes.

Passos, L. A. (2004). Retrato bem temperado da cultura escolar brasileira. In: A. M. M. Silva & M. A. S. Aguiar. Retrato da escola no Brasil (pp. 52-56). Brasília: ArtGraf.

Sanford, J. A. (1988). Mal, o lado sombrio da realidade. São Paulo: Paulus.

Santos, G. A. C. (2004). Educação, profissão perigo. Burnout, depressão e o tratamento espiritual no Espiritismo. Dissertação de Mestrado em Ciências da Religião. Goiânia: Universidade Católica de Goiás.

Santos, G. A. C. (2007). Educação profissão perigo: burnout, depressão e tratamento espiritual no Espiritismo. In: C. T. Lemos (Org.). Religião e Saúde (pp.39-69). Goiânia: Descubra.

Schiavo, L. (2000) O mal e suas representações simbólicas. In: Estudos da Religião 19 (pp. 65-83). São Bernardo do campo: UMESP.

Schiavo, L. (2001) Como é sentir o calor? A história de Lúcifer que se tornou demônio por causa da mulher. In: Estudos Bíblicos 72 (pp. 73-89). Petrópolis: Vozes.

Souki, N. (2007) O problema do mal em Hannah Arent. In: II Simpósio Internacional de Teologia e Ciências da Religião (pp. 43-60). Belo Horizonte: Primacor.

Weber, M. (1982). Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro: LTC.

Weber, M. (1999). Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Brasília: Editora da UnB.

 

 

Recebido em 09.05.08
Primeira Decisão Editorial em 20.08.08
Aceito em 22.09.08

 

 

Genivalda Araujo Cravo dos Santos - Possui graduação em História pela Universidade Federal de Goiás (UFG) é Doutoranda e Mestre em Ciências da Religião pela Universidade Católica de Goiás (UCG). Endereço para correspondência: Rua Noruega, Qd.109, Lt.14, Jardim Europa, CEP 74330-120, Goiânia/GO. E-mail: <genivaldacravo@ig.com.br>

Creative Commons License