SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.14 número2A clínica da urgência psicológica: contribuições da abordagem centrada na pessoa e da Teoria do Caos índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista da Abordagem Gestáltica

versão impressa ISSN 1809-6867

Rev. abordagem gestalt. v.14 n.2 Goiânia dez. 2008

 

PERFIL

 

Décio Casarin (1936–2008)

 

 

Teresinha Mello da Silveira

Universidade do Estado do Rio de Janeiro

 

 

Décio querido

Eis-me aqui tal qual Sísifo1 tentando empurrar a pedra para cima na montanha. Sim, porque falar sobre você é uma tarefa quase impossível. São tantas impressões deixadas! As mais diferentes, nas mais diferentes pessoas. Talvez precisássemos de um livro de depoimentos do tipo daquele que fala sobre Perls2.

A primeira idéia que me ocorre é de começar falando sobre aquilo que todos concordam: com a sua capacidade intelectual. De fato era inteligente! Sua inteligência era privilegiada Esta era uma qualidade que a mim causava muita admiração. Bom argumentador, seus argumentos faziam tanto sentido que me deixavam perplexa. Aliás, um pouco gênio, um pouco louco, um pouco sadio demais. Qualquer coisa que um ser humano comum não poderia entender.

Em 23 de dezembro de 2007, ele assim se descreve em mensagem para um membro da lista da comunidade: “tenho em mim um adolescente que vive cometendo atos infracionais à normalidade adulta, para fazer parte deste hospício geral sem remorso de morrer antes de ter vivido.

Mas tinha mais, bem mais – era verdadeiro a qualquer preço e muitas vezes o preço era altíssimo. Você ousava parar uma palestra no meio para mostrar a sua aquiescência ou a sua discordância. Irrequieto também. Quantos Décio(s) eu conheci? Ora estava aqui, pertinho de nós, ora sumia, não sei para onde. Partia para lugares distantes com o objetivo primeiro de se encontrar. Viagens, passeios, reclusões, sempre com o mesmo objetivo – chegar mais perto da sua essência. Isto porque não se contentava com pouco. A sua caminhada era a sua vida e sua vida, caminhada. Era um eterno buscador. A vida não fazia sentido sem busca. Detestava a mediocridade e a mesmice. Tornou-se assim um eterno questionador. Gostava que as pessoas lhe fizessem críticas. A sua defesa era uma forma de aprender mais. Ele agradecia por elas.

Quanto à Gestalt, era para ser vivida, compreendida, refletida, sem moldes. Recusou desta maneira o academicismo da Gestalt. Tinha, no entanto, muito conhecimento e estudava, estudava sem parar: filosofia, teoria organísmica, física quântica, construção do sujeito, desconstrução do sujeito, self, sistema de linguagem, contato e awareness.

As pessoas mais próximas foram as que mais se beneficiaram desses estudos. Com elas você discutia, deduzia, apresentava argumentos e criava. Tais estudos serviam tanto para aguçar o seu intelecto quanto a sua sensibilidade.

Nem pensar em algo institucionalizado para nossa abordagem! A Gestalt era e é revolucionária, não seria possível enquadrá-la. Enquanto todos nós vivemos nesta dança entre os limites impostos pelo ensino tradicional e o transgredir e ir adiante proposto pelas raízes gestaltistas, você podia respeitar, mas não concordava com a institucionalização.

Lembro-me no I Encontro Nacional de Gestalt no Rio de Janeiro, marco inicial dos congressos nacionais, quando o convidei para fazer parte da organização e você se negou. E sua fala era: Não Teresinha, não, tenho muito medo disso! O “isso” referia-se à institucionalização.

Mas você apresentou trabalho, trabalho que gerou polêmica, naturalmente. Você levou uma cliente sua para mostrar a importância da awareness, falando de vivências dela, com ela ali, presente ao seu lado e colaborando com você diante de um auditório cheio. Que coragem!

Alguns participantes se espantaram, mas você reagiu. Você não era um terapeuta qualquer e não escolhera uma cliente qualquer. A sua cliente era uma pessoa responsável e comprometida. Reagiu aos comentários clichês de que não devia ser assim. Nada de deverias e não-deverias, esse não era o seu estilo.Por que não? Indagaria então. Sua apresentação teria que ser transgressora, mas sucesso absoluto. Mais uma vez você como mestre e pioneiro levou toda uma platéia a se questionar.

Criativo demais para tolerar o risco de qualquer enquadramento. Criar implica em liberdade. Era preciso ter liberdade para ser e esta era a sua busca. A sua constante procura algumas vezes o levou a um isolamento consentido. Afastava-se para mergulhar no mais íntimo do seu ser. Nesses mergulhos não voltava de mãos vazias – uma peça de arte assim produzida falava do âmago das suas questões. Um estudo novo no qual você mergulhou até as entranhas. Talvez um livro, como o Contato3, o último brinde aos Gestalt-terapeutas. Quem leu o livro conheceu Décio. Procurou ir à raiz da questão da linguagem para mostrar importância dela na terapia, do mesmo jeito que Perls a defendeu em muitos momentos, como por exemplo, no livro Isto é Gestalt4,no artigo Teoria e Técnica de Integração da Personalidade. A importância da linguagem, que ficou tão esquecida pelos gestaltistas, foi retomada por você de forma brilhante. E eu lhe disse isso, já que modestamente pediu a minha avaliação pelo email que segue:

Oi Teresinha
Escrevi um texto para distribuir a participantes da palestra que vou dar no pré. É um resumo da concepção que faço de Contato como um fenômeno semiótico, inseparável da linguagem verbal. Tenho especial interesse em ouvir sua avaliação crítica, com reflexões elaboradas sobre esse conteúdo, porque venho sentindo isso muito dentro de mim e preciso de referência de fora, particularmente de pessoa que tem a atividade de gestalt-terapia intensiva como você, no ensino e na prática com clientes. Vou falar de improviso e um parecer seu anterior à palestra poderá inspirar-me a novas elaborações para levar ao público presente. Se então estiver disposta a dar-me essa colaboração antes da palestra, já antecipo que fico bem agradecido.
Beijo,
Décio

Enquanto todos nós estamos batendo nas mesmas teclas para assegurarmos o futuro da Gestalt, a sua preocupação é com o nexo. Tudo tem que fazer sentido, e este sentido deve vir de uma boa awareness. Conforme você mesmo disse, fezpesquisa individual sobre awareness durante vários anos, através de inumeráveis experimentos5.

No seu livro Contato, que citei anteriormente, indo além nas questões de semântica e de semiótica, você dá uns saltos, que mesmo quem leu Korzibsky e Chomsky não consegue acompanhar, porque esta era uma viagem só sua.

Alunos meus, neófitos na abordagem, num esforço de entendê-lo através dos recursos oferecidos pelas faculdades de psicologia, vinham me perguntar sobre certas colocações ou posicionamentos que pareciam sem sentido. Mas quem acompanhava até o fim sabia que aqueles vazios eram os seus espaços de criação. E esses espaços eram defendidos por você. Se fosse razoável, era possível esclarecê-los, caso contrário, você seguia suas reflexões ao preço de algumas pessoas não entenderem.

Comprometido com o ser. Em nome de ser, você se retirou do palco onde tantas vezes tentamos colocá-lo. As idas e vindas ficavam por conta das infindáveis construções e desconstruções, trabalho hercúleo, rumo às suas verdades.

Em 2002, uma de suas voltas foi reforçada pelo convite das colegas Gladys D’Acri, Patrícia Tavares e Patrícia Albuquerque Lima (Ticha). Naquela época você expôs ao público um pouco da sua trajetória no evento “Gestaltando em Nossa Terra e Entre Nós”, no Rio de Janeiro. Desde então, muitos outros companheiros, talvez carentes das raízes da abordagem, o convidavam para palestras e seminários. Aqueles que já o conheciam vibravam, os mais novos orgulhavam-se de terem a oportunidade de beber da sua sabedoria. Mas tudo foi por pouco tempo, porque alguns anos depois você comunica a sua “saída da Gestalt”, com uma mensagem para a comunidade. Coloco entre aspas porque quem conhece você sabe muito bem que não poderia sair da Gestalt porque você é a Gestalt. Simplesmente você não queria fazer Gestalt. Nisso eu concordo contigo meu amigo, a Gestalt é um jeito de ser (voltarei a essa saída mais tarde).

Há que se falar do Décio homem, do Décio terapeuta, do Décio amigo, do Décio artista e muito mais. Não dá para enumerar as características de alguém que rejeitava tanto o ter e se propunha radicalmente a ser. Permita-me então, querido amigo, já que fui convidada a fazê-lo, continuar falando do Décio que tenho gravado dentro de mim, falar através da minha ótica, com o auxílio de outros amigos que lhe amavam tanto e que em diversas situações expressaram o carinho e respeito que lhe dedicavam.

Na Revista IGT na Rede,6 o próprio Décio fala em um vídeo sobre a sua trajetória na Gestalt e menciona aspectos de sua vida que eu não conheci. O que escrevo a seguir, como já expus, é fruto do meu olhar e uma singela homenagem àquele que a meu ver foi o pai da Gestalt-terapia no Rio de Janeiro e com quem eu tive a alegria de partilhar momentos pessoais e profissionais bastante profundos.

Ele se dizia Gestalt-terapeuta em terapia individual, de grupos, maratonas, casais e terapia familiar, e coordenador de grupos de ensino e treinamento em Gestalt-Terapia. Meu primeiro contato com ele foi em 1978, quando comecei a participar dos grupos de formação em Gestalt coordenados por Maureen Miller. Eu era tão quietinha, tão na minha que, talvez por isso, ele não tenha se lembrado de quando nos conhecemos, e ora pensava que foi num workshop coordenado pela Thérèse Tellegen, ora no I Encontro de Gestalt. Em seu depoimento, no vídeo da Revista IGT na Rede, ele não citou meu nome como fazendo parte do grupo e mesmo quando interpelado pelo entrevistador e organizador da revista (nosso colega Marcelo Pinheiro), ele insistiu que eu não fiz parte desta turma. Como também outros colegas não foram citados, eu fiquei consolada. Afinal, quem me convidara para participar do grupo foi a Márcia Tassinari, conhecida terapeuta da Abordagem Centrada na Pessoa e que na época era minha supervisora. Ela me convidara a pedido da própria Maureen, com que tive deliciosos convívios num grupo no Rio e em outro em Salvador.

Em nosso último encontro, eu e Décio conversamos sobre isso e ajudei-o a lembrar de momentos vivenciais fortes onde estávamos os dois. Por sinal este foi um dos encontros típicos dos que acontecia com o Décio. Nada marcado, num bar da COBAL de Botafogo, no Rio de Janeiro, ainda cedo, estava ele reencontrando a filha e um neto que vieram da Holanda para visitá-lo enquanto eu iria encontrar com algumas amigas que participam junto comigo de um grupo de meditação. Quando nos demos conta, a filha, o genro e o neto foram para casa e estava ele ali com cinco mulheres até então desconhecidas, discutindo as mais variadas questões sobre humanidade, sociedade, arte e meditação e também o tema do seu livro lançado recentemente. Ficamos a manhã toda numa conversa agradabilíssima, rica e terapêutica.

Antes de participar dos grupos com a Maureen, ele já tinha feito formação com dois chilenos famosos. Adriana Schnacke (Nana) e Francisco Huneuus (Pancho), do Chile, durante três anos, de 1975 a 1978. As vindas de Maureen ao Brasil fizeram com que ele abrisse as portas do seu escritório de psicoterapia para as nossas aulas e vivências com ela. A esse respeito, sua generosidade era digna de nota. Muitos outros profissionais convidados por ele nos brindaram com trabalhos terapêuticos e teóricos de monta. Através dele conheci, entre outros, John Stevens.

Antes de conhecê-lo pessoalmente eu ouvia falar do Décio como “o” Gestalt-terapeuta. Uma amiga nossa dizia sempre em tom solene: “Gestalt no Rio? Só o Décio Casarin”. Pelo laço que até hoje tenho com esta amiga, Salete Cabral, passei a endeusar o Décio.

Em parte em função das minhas fantasias, na primeira vez que o vi ele me pareceu uma grande águia, pronta para voar, forte e acima do bem e do mal. Confesso que esse seu jeito me assustava um pouco. Fazia eu me sentir pequena, menos, sei lá... Logo depois ele se sentava, como todos os outros membros do grupo e se dispunha a ver, ou melhor, se abria para o que iria acontecer como todos os outros participantes. Neste momento a minha idealização ia por água abaixo. Era engraçado ver a águia virar um ratinho, sentado na almofada, com os joelhos dobrados, meio encolhido, a cabeça quase entre as pernas. Uma outra dimensão do Décio tinha expressão neste momento e ele funcionava quase que só com sua sensibilidade, com o seu coração. Era no mínimo curioso ver alguém que parecia tão poderoso, dar o seu lugar para cada um explorar e trilhar os caminhos de ser. Se fosse a sua vez de se trabalhar, sabia se colocar frágil e surpreendia a nós, vis mortais, ver aquele que parecia uma muralha abrir o seu coração e mostrar suas feridas.

Fisicamente forte, espadaúdo, tinha um quê de fragilidade, de timidez no seu modo de falar a dois, mais ainda quando falava em público. Desviava os olhos, abaixava a voz, o que contrastava com o vozeirão e a contundência com que se colocava quando se via julgado. Reativo? Não, a resposta se fazia em função da coerência com a sua verdade. Somos o que somos! Sim porque coerência para ele era coisa séria. Coerência a qualquer preço.

Extremismo, radicalidade, autenticidade. Não, não pensem em dureza, de jeito nenhum. Décio era doce, amoroso, por vezes parecia um gato carente esperando carinho, mas temia o aprisionamento. Contudo, quando precisava sabia pedir. Nos momentos difíceis da vida recorria aos amigos sem cerimônia e em seus desabafos mostrava quem era o Décio, por inteiro. Nossa amiga em comum, Jane Rodrigues, pessoa que conheceu e sabe do Décio como ninguém, relata o número de vezes que ele recorreu a ela para desabafos e dúvidas. Passavam noites conversando se fosse necessário:

Fomos colegas de consultório, ele foi meu terapeuta numa das horas mais cruciais da minha vida. Sempre desvelado comigo. Sempre pioneiro em um monte de coisas da nossa profissão e da nossa abordagem. Décio é polêmico porque ousava ser.
Tinha esta coragem. Foi meu colega de formação e muitas vezes meu mentor.
Foi meu amigo de farras, de noitadas sem fim. Na casa dele ou na minha, onde conversávamos esquecendo que o dia já raiava.
Eu tenho um profundo amor por ele, respeito e admiração. Fui confidente dele em diversas ocasiões.
Muito solitário, mal compreendido e criticado. E amado, respeitado e reconhecido.
Jane
Em 30/04/2008

Por ocasião do lançamento do seu livro recorreu a muitas pessoas, dentre elas Patrícia Albuquerque Lima (Ticha), convidada a fazer o prefácio do mesmo, e a mim antes de divulgá-lo. Quanto a mim, recebi agradecida a seguinte mensagem no lançamento:

Teresinha!
Você me inspira confiança como pessoa amiga e como profissional. É bom receber seu apoio a este livro.
Beijos.
Décio
27/09/2007

Também era muito generoso. Se alguém buscasse e pedisse, ele estaria aberto para dar, mas sem jogo, sem manipulação. Odiava ser manipulado. No seu jeito, despedia a pessoa, mandava-a embora se fosse preciso.

Aprendi com ele que eu tinha que olhar as pessoas de frente para ser respeitada e este foi um dos maiores legados que ele me deixou. Pude confrontá-lo algumas vezes e não morri, pelo contrário, tive o seu reconhecimento pela minha assertividade.

Apaixonado pela paixão vivia desconcertado com relação às mulheres e era muito vulnerável. Certa vez ele me disse que não sabia viver sem afeto. O carinho das mulheres o nutria. Se, contudo, a fronteira de valores dele fosse invadida, por mais apaixonado que ele estivesse ele se desobrigava do relacionamento. Eu sempre imaginei como seria difícil um relacionamento de casal com ele. A esse respeito, muitas vezes ele foi descartado também, e sofria, sofria muito. Tudo em Décio era intenso. Em 2005, viajamos com outros Gestalt-terapeutas, amigos muito queridos, do eixo Rio-São Paulo, para Itatiaia e curtimos um fim de semana especial em meio ao verde, às comidas e lembranças que envolviam músicas, poesias e fotos. Que bom ver o Décio novamente entre nós! Era ele tentando mais uma vez algo novo ou buscando pertencer? Dentro da sua coerência, ele desfrutava do convívio, escolhia a alimentação adequada, defendia a Teoria Organísmica numa visão ecológica e relacionava tudo isso com a sua trajetória, a qual se misturava com a trajetória da Gestalt.

Sua última aparição em eventos gestálticos foi no Congresso Nacional, em setembro de 2007, no Rio de Janeiro, e ao final do mesmo envia esta mensagem para os organizadores:

À Comissão Organizadora
Gente, vocês criaram e produziram todos os recursos para esse Congresso ter sido um Paraíso de encontros humanos, produção científica, refinado lazer e afeto para nós, uns com outros. Sinto que esse Congresso me transformou para mais abertura à vida e transformou muitas pessoas para viverem melhor. A obra de vocês deixa uma renovadora força viva atuando em todos nós.
Um beijo,
Décio

Muito para contar, mas em 24 de janeiro de 2008, uma notícia bombástica via email para a lista de Gestalt terapeutas do Brasil: Despeço-me da profissão de psicoterapeuta e dos colegas da Gestalt-terapia. Um choque!Na mesma mensagem, fica claro que a porta ainda está aberta quando explica que:

A convite de Danilo Suassuna, escrevi um texto didático sobre a “Complementaridade Intuição/Ego”, publicado na última revista de Abordagem Gestáltica, do ITGT, de Goiânia. Traz a questão (que foi omitida por Perls e seguidores), sobre “Organismo” também como poder determinista da morte, em oposição complementar com a intuição, como força de vida contra a morte, na ação criadora de informação durante o Contato. Segue, noutro e-mail, um texto de resposta à interpelação sobre crítica a Lacan feita no livro, outro sobre sexualidade na Matéria. Na revista eletrônica do IGT está encaminhado um texto sobre Pensamento Verbal e logo será finalizado outro, sobre Contato, também numa redação bem didática, diferente do livro. Essas ficam como as últimas contribuições por mim prestadas à Gestalt-terapia. 

Muito curiosa esta sua fala, intrigante mesmo. Ele se despede, fala de morte e deixa legados. Curiosa porque três meses depois nos deparamos com a notícia do seu falecimento. Impactante, porque súbito. Impactante, porque não nos pareceu natural. Impactante, porque esperávamos que ele adoecesse. Impactante, porque Décio.

Não posso esquecer então que ele, por mais de uma vez, me disse que determinaria quando ia morrer. A nós, no entanto, ele não comunicou que era aquele o momento. Ou será que comunicou e mais uma vez nós não pudemos compreendê-lo?

Quanto aos legados, para além de um consistente escopo teórico para a nossa vertente terapêutica, ficam seus filhotes, um pouco órfãos, mas capazes de se reposicionar e recriar com sua perda. Nomes caros para a nossa comunidade como Sônia Majerovisky, Jane Rodrigues, entre outros.

Seu enterro foi digno dele. Em pleno sábado, após o feriado do primeiro de maio, aqueles que gostavam dele e que puderam ali estar, não se furtaram a estar presente. E num ritual indiano lindo, com muito som, água, fogo e preces, nos despedimos. Para mim, no entanto, sua morte só se concretizou quando deletei seu nome da minha lista de contatos. Mesmo assim ele continua vivo me convidando sempre à ousadia.

 

 

1 Personagem mitológico. Por toda a eternidade Sísifo foi condenado a rolar uma grande pedra de mármore com suas mãos até o cume de uma montanha, sendo que toda vez que ele estava quase alcançando o topo, a pedra rolava novamente montanha abaixo até o ponto de partida por meio de uma força irresistível. Por esse motivo, a tarefa que envolve esforços inúteis passou a ser chamada “Trabalho de Sísifo” (www.geocities.com/Athens/Olympus/7866/sisifo.html).
2 Gaines, J. (1989). Aqui y Ahora. Santiago: Cuatro Vientos Editorial.
3 Casarin, D. (2008). Contato. Rio de Janeiro: Revinter.
4 Perls, F.S. & Stevens, J. (1977). Isto é Gestalt. São Paulo: Summus Editorial.
5 Casarin, D. (2005) Entrevista com Décio Casarin: Histórias da Gestalt-terapia brasileira. Revista IGT na Rede, vol 2, nº 2, disponível em www.igt.psc.br/Gestalt-Terapeutas/Decio_Casarin.htm
6 Casarin, D. (2005) Entrevista com Décio Casarin: Histórias da Gestalt-terapia brasileira. Revista IGT na Rede, vol 2, nº 2, disponível em http://www.igt.psc.br/ojs/viewarticle.php?id=119&layout=html

Teresinha Mello da Silveira - Doutora e Mestre em Psicologia Clínica pela PUC-Rio; Supervisora de atendimentos clínicos (individuais, grupais, de casal e de família) de alunos da Graduação, do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Preceptora e Professora de Teoria e Práticas de Grupo e de Psicologia do Idoso, do Curso de Especialização, Modelo Residência do Instituto de Psicologia/Hospital Universitário, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Coordenadora da Psicologia no Ambulatório da Universidade Aberta Terceira Idade, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. E-mail: teresinha.silveira@globo.com

Creative Commons License