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Revista da Abordagem Gestáltica

versão impressa ISSN 1809-6867

Rev. abordagem gestalt. v.15 n.1 Goiânia jun. 2009

 

ARTIGOS

 

Algumas contribuições de Merleau-Ponty para a Psicologia em “Fenomenologia da percepção”

 

Merleau-Ponty’s contributions to Psychology in “The phenomenology of perception”

 

Algunas contribuciones de Merleau-Ponty a la Psicología en la “Fenomenología de la percepción”

 

 

Maria Virginia Filomena Cremasco

Universidade Federal do Paraná
Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este ensaio consiste na prova teórica da autora para o Concurso para Professor Adjunto do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Paraná, em junho de 2002. Apresenta sucintamente algumas contribuições para a Psicologia da tese de Doutorado de Merleau-Ponty de 1945, intitulada “Fenomenologia da Percepção”. Merleau-Ponty se propõe a descobrir as significações originárias como uma trajetória em direção à compreensão humana. Na sua proposta, a racionalidade é trazida à ciência, preservando o sujeito e o objeto, ou seja, encontrando no mundo de fato o que ele é e quais percepções podem ser confirmadas ou negadas. Merleau-Ponty recoloca a questão transcendental de Husserl, pois a partir do natural e do social, descobrimos a ambiguidade da vida, de estar ‘no’ mundo e sermos ‘do’ mundo; solicitados por ele e livre para escolhermos. Apontase contribuições para a psicologia baseadas na visão de Merleau-Ponty sobre a organização do campo perspectivo efetuada pelo corpo-sujeito em situação.

Palavras-chave: Fenomenologia; Psicologia; Crise das ciências.


ABSTRACT

This essay consists of the author’s theoretical examination in the Selection Process of Assistant Professor for the Department of Psychology at the Federal University of Paraná, submitted in June, 2002. It succinctly presents contributions to psychology in Merleau-Ponty’s doctoral thesis of 1945, entitled “Phenomenology of Perception.” Merleau-Ponty sets out to discover original meanings as a road for perceiving human understanding. In his proposal, rationality takes on the status of science by preserving both subject and object. In other words, one finds in the world what it is fact and, on this basis, what perceptions can be confirmed or denied. Merleau-Ponty re-posits Husserl’s transcendental question: based on the natural and the social we discover the ambiguity of life, of being “in the” world and being “of the” world. We are questioned by it and we are free to choose. Contributions to psychology are discussed based on Merleau-Ponty’s perspective of the organization of the perspective field carried out by subject-body in situation.

Keywords: Phenomenology; Psychology; Sciences crisis.


RESUMEN

Este ensaio consiste en la realización de la prueba teórica de la autora del Concurso para Profesor Adjunto del Departamento de Psicología de la Universidad Federal de Paraná, en junio del 2002. Presenta sucintamente algunas contribuciones a la Psicología en la tesis de Doctorado de Merleau-Ponty de 1945, intitulada “Fenomenología de la Percepción”. Merleau- Ponty se propone descubrir los significados originarios como trayectoria hacia la comprensión humana. En su propuesta, la racionalidad es llevada a la ciencia, preservando el sujeto y el objeto, o sea, encontrando en el mundo de hecho lo que él es y que percepciones, a partir de esto, pueden ser confirmadas o negadas. Merleau-Ponty redefine la cuestión trascendental de Husserl, pues a partir de lo natural y de lo social, descubrimos la ambigüedad de la vida, de estar ‘en el’ mundo y ser ‘del’ mundo; solicitados por él y libres para elegir. Se destacan contribuciones a la psicología a partir de la visión de Merleau-Ponty sobre la organización del campo perspectivo efectuada por el cuerpo-sujeto en situación.

Palabras-clave: Fenomenología; Psicología; Crisis de las ciencias.


 

 

“A palavra não é desprovida de sentido, já que atrás dela existe uma operação categorial, mas ela não tem esse sentido, não o possui, é o pensamento que tem um sentido, e a palavra continua a ser um invólucro vazio (...), a linguagem é apenas um acompanhamento exterior do pensamento”
(Merleau-Ponty, 1945∕1994, p. 241)

 

Para refletirmos sobre as contribuições de Merleau- Ponty para a Psicologia baseados em sua Tese de Doutorado intitulada “Fenomenologia da Percepção” de 1945, vamos nos voltar para o campo de conhecimento em que se situava o autor em seu tempo. Sejamos, contudo, breves. Merleau-Ponty nasceu na França (Sur-mer) em 1908, início do século XX, no qual muitas reformulações teóricas e práticas aconteceriam para a Psicologia e, principalmente, para as ciências ditas humanas. Os pensadores desta época, em diferentes partes do mundo, seriam ‘tocados’ de maneiras diversas também pelas guerras mundiais que, sem dúvida, provocaram um repensar da condição humana e de sua existência. A questão da militância política também foi para Merleau-Ponty uma travessia inexorável e veremos como isso esteve relacionado às suas concepções existenciais.

A Fenomenologia, como uma corrente de pensamento, surge reconhecidamente a partir de Edmund Husserl nesta mesma época (o termo ‘fenomenologia’ havia sido utilizado pela primeira vez na metade do século XVIII). E. Husserl e S. Freud foram alunos de Brentano e podemos pensar nos caminhos teóricos que cada um se aventurou tanto na fenomenologia quanto na psicanálise, mas em ambos encontramos reflexões e marcas do mestre. É com Brentano que Husserl iniciará o que depois conheceríamos como a terceira força ou terceira via da Psicologia (situando-a nos vetores do behaviorismo e da psicanálise). É de Brentano que Husserl absorverá uma concepção de ‘intencionalidade’ que no mestre se aproximava da intentio dos escolásticos e que para a fenomenologia se caracterizará em Husserl por um idealismo transcendental no qual a consciência constitui o mundo (Husserl, 1931∕1994). A este idealismo Merleau-Ponty (1945∕1994) proporá, em “Fenomenologia da Percepção” uma superação, veremos como.

Com a fenomenologia, Husserl (1913∕1986) vem responder positivamente à crise das ciências em geral, sobretudo das humanas. O mundo da modernidade, principalmente do século XIX, apresentava-se como um mundo sem vida, povoado pela visão comportamental de homens fatuais, objetos do estudo científico. O cientificismo escravizara a Psicologia como ciência dos comportamentos observáveis, dos grandes laboratórios de investigação nos quais as emoções eram tratadas como variáveis inconvenientes a serem controladas. O behaviorismo de Watson é testemunha desta Psicologia com validade científica. Desta época, Heidegger (1933∕1987) se pronunciou posteriormente dizendo nunca existir tantos meios para se conhecer tão pouco o homem. E é exatamente a esta questão crítica para as ciências humanas que Husserl (1913∕1986) proporá uma resposta com a fenomenologia: uma ciência dos verdadeiros começos, que responderia às questões humanas, uma verdadeira ciência ‘positiva’. Projeto pretensioso ao qual seu fundador nunca terá dado cabo: sem nunca ter terminado as publicações que se propusera em seu projeto inicial e desenvolvimento teórico, Husserl nos deixa um legado sujeito a críticas, talvez inacabado, mas irrefutavelmente rico para o desenvolvimento de várias linhas de pensamento dentro da fenomenologia como, por exemplo, com Merleau-Ponty. Após esta digressão histórica, temos um breve pano-de-fundo que contextualiza sua obra.

Merleau-Ponty, filósofo e psicólogo, seguidor de Husserl, fará com sua obra uma crítica ao intelectualismo e ao positivismo ao colocar o existir humano na berlinda e o pensamento num ‘existir’ preliminar. Ele reconhecerá o caráter originário da intencionalidade, como colocada no discurso de Husserl (1966), contudo, sua intencionalidade está mais afastada do sujeito transcendental de Kant (1781∕1983) e é uma intencionalidade ligada à ‘carne’ou seja, como o próprio autor coloca: abertura de nossa carne logo plena da carne universal do mundo.

Da contribuição de Husserl (1913∕1986) quanto à orientação do pensamento ontológico (légein tà phainómena) de permitir-se ver o que se mostra e como se mostra a si mesmo, Merleau-Ponty (1945∕1994) se voltará para descobrir significações originárias. Conhecer o homem em seu mundo é um legado da fenomenologia, sobretudo, talvez, às ciências sociais.

Em “Fenomenologia da Percepção” o autor se propõe a descobrir as significações originárias como uma trajetória em direção à compreensão humana: por a consciência em presença de sua vida irrefletida nas coisas. A existência enquanto um ‘existir na situação’ situa a Psicologia fenomenológica como a que descreve o comportamento do homem em relação, no seu sentido imediato &– aquele que o homem faz surgir em relação. Assim, em Merleau-Ponty (1945∕1994), sua filosofia atenta à realidade da história, à significação dos fenômenos, à inserção do homem na realidade da existência. Daí sua relação com a filosofia da história e do marxismo militante que perpassou suas vivências bem como a do amigo Sartre e como inicialmente ocorreu com Heidegger.

“O que é fenomenologia?” é assim que Merleau-Ponty inicia sua Tese e segue dizendo que o objetivo da fenomenologia é restituir à coisa sua fisionomia concreta, aos organismos sua maneira própria de tratar o mundo, à subjetividade sua inerência histórica. O objetivo seria alcançado por reflexões sistêmicas e sistemáticas, de ampliações, de exageros, de especulação e imaginação do objeto em estudo &– método próprio à descrição do que se mostra. O objeto de estudo poderia ser visto de muitas maneiras e de muitos lugares e é assim que ele se doa à percepção, como fenômeno &– phainomenon &– o que se mostra, aquilo que se mostra a uma consciência.

Assim, a percepção não é aquilo que acolhemos pelo olhar como ‘formas’ de conjuntos preexistentes. Ela tem sentido em função da subjetividade viva do ser que percebe &– do próprio corpo enquanto centro de perspectiva, da intencionalidade ‘carnal’ a que nos referimos, sentinela silenciosa de nossos atos. Com essa conceituação de percepção, nesta segunda Tese de doutorado de Merleau- Ponty “Fenomenologia da Percepção” há um ultrapassamento da gestalt utilizada para desenvolver sua primeira Tese “A Estrutura do Comportamento” (Merleau-Ponty, 1942∕1972). Nesta, o comportamento é apresentado como tendo uma estrutura, uma ordem, uma significação. O autor refuta o cientificismo behaviorista de Watson e utiliza a gestalt para dizer que o comportamento não é a soma de reflexos, mas surge como conjunto de reações significativas. Merleau-Ponty procura corrigir o idealismo de Husserl da fenomenologia transcendental, centrado na consciência, com os resultados da gestaltheorie em sua primeira Tese (Merleau-Ponty, 1942∕1972) e ultrapassa o naturalismo desta, na qual a consciência é absorvida pelas estruturas naturais que a definem, com “Fenomenologia da Percepção”.

Ao trocar as essências transcendentais por essências existenciais, Merleau-Ponty (1945∕1994) oferece uma importante contribuição como método para as ciências humanas e sociais. Nesse sentido, todas as visões são verdadeiras se não tomadas isoladamente, o que terá crucial influência no pensamento filosófico, social e científico. É exatamente essa visão fenomenológica que está na base das idéias pós-modernas que questionam as certezas e hegemonias teóricas e metodológicas. Justamente o que contrasta com a objetividade e a autoridade do pensamento positivista da modernidade.

É nessa proposta que a racionalidade é trazida à ciência, preservando o sujeito e o objeto, ou seja, encontrar no mundo de fato o que ele é e que percepções a partir disso podem ser confirmadas ou negadas. Para a pesquisa psicológica e poderíamos estender às psicoterapias, o que caracteriza essa fenomenologia é a distinção entre a ordem da experiência e a ordem da análise. O pesquisador, terapeuta, professor falam da ordem da experiência, estando distanciados da ‘neutralidade’, prerrogativa do cientificismo moderno, para se aproximarem de um humanismo no qual o sentido imediato é aquele que o homem faz surgir na sua relação com o mundo e os outros homens &– exatamente o ‘existir em relação, na situação’.

Desse ponto de vista da experiência, o pesquisador em fenomenologia deve movimentar-se para a ordem da análise, na qual a experiência e a evidência deverão ser confrontadas, ou seja, ‘a fundação do possível no real’. O que se apresenta, portanto, é uma unidade constituída por alguém vivendo em situação num mundo concreto. A interpretação será, pois, a possível para aquele pesquisador, uma contribuição a serviço da crítica. É essa visão que atualmente esperamos que o conhecimento acadêmico procure trilhar, nesse ‘novo rigor’, perspectiva proposta inicialmente pela fenomenologia.

Ainda em Merleau-Ponty (1945∕1994), podemos apontar outras contribuições ao focalizarmos a visão da organização do campo perspectivo efetuada pelo corposujeito em situação. Como colocado pelo próprio autor: o sentir assume a qualidade de um valor vital, apreende-o primeiramente em sua significação para nós, para esta massa pesada que é nosso corpo, e daí se segue que ele sempre comporta uma referência ao corpo... o sentir é esta comunicação vital com o mundo que no-lo torna presente como lugar familiar de nossa vida. (Merleau-Ponty, 1945, p. 79)

O sentir sempre comporta uma referência ao corpo. O problema para ele é compreender essas relações singulares entre a paisagem e o eu como sujeito ‘en-carnado’. O sentir é então esta comunicação com o mundo: ele é o tecido intencional que o esforço de conhecimento procurará decompor. (Merleau-Ponty, 1945, p. 27) Temos assim o solo referencial para as terapias existencial-humanistas e também para as corporais. Vemos também a possibilidade de diálogo convergente com o próprio existencialismo.

Para o autor nascemos ‘do’ mundo e com isso somos solicitados e nascemos ‘no’ mundo, o que significa que estamos abertos a uma infinidade de possíveis, à liberdade. Existimos, portanto, sob duas relações nas quais não há determinismo nem escolha absoluta. O chamamento do mundo no qual e do qual somos solicitados, e que só para nos referir ao pontual conceito de Heidegger (1927∕1989) de ‘ser-aí’ em situação (Dasein), convoca-nos a escolher e disto não há saída a não ser a liberdade em escolher. Em Sartre (1943∕1997), a liberdade humana é a condenação à escolha e esquivar-se a isso é negar a responsabilidade em existir.

Em “Fenomenologia da Percepção” os motivos que nos fazem escolher não anulam a liberdade, o que poderia se pensar como um paradoxo à máxima existencialista, mas fazem com que a liberdade não fique sem suporte no ser, ou seja, escolhemos e o mundo nos escolhe (Merleau- Ponty, 1945, p. 145). Notemos que aqui e existência assume uma dimensão muito mais complexa diante da ambigüidade: nascer do mundo e nascer no mundo &– uma existência que convoca um ser a vivenciar sua história como sua, numa corporeidade viva.

A experiência do corpo revela uma existência ambígua, não é causalista como no biologismo ou naturalismo, pois as funções corporais são retomadas no drama único da existência. Assim, o corpo não é objeto, nem poderia ser. Pela mesma razão, a consciência não é pensamento. O que se apresenta é sempre outra coisa além do que é, sem fechamento. Alcançar esse significado é o objetivo proposto pela fenomenologia e por isso metodologicamente indagamos ao fenômeno: ‘o que é isto?’ Pois o significado não está aqui, nem lá, mas nessa relação que permite que o significado apareça, que o fenômeno se revele. Por isso dizemos ‘ir-à-coisa-mesma’, numa revelação eidética daquilo que se mostra à uma consciência intencional. Daí aponta-se para a possibilidade vivencial de conhecer o corpo, ou seja, habitá-lo numa existência (Dasein) é a possibilidade primeira de ir ao encontro do que se revelará como essência, não transcendental, mas existencial.

É assim também que o autor aponta para a sexualidade, ou seja, enquanto o movimento da existência humana: se a história sexual de um homem dá a chave de sua vida é porque na sexualidade se projeta sua maneira de ser com relação ao mundo, isto é, com relação ao tempo e aos outros homens. Nessa perspectiva, independente da linha de pensamento, os trabalhos em sexualidade encontram uma sólida fundamentação teórica quanto à sua importância. Merleau-Ponty (1945∕1994) nesta mesma obra que discorremos, diz que Freud contribuiu para a fenomenologia sem o saber, pois ao se referir ao inconsciente como instância psíquica que revela que não agimos ou pensamos sem uma significação, Freud apontava justamente para a consciência enquanto ‘consciência de alguma coisa’, ou seja, uma intencionalidade, como Brentano se referia. É assim que tanto em Freud quanto em Merleau-Ponty não falamos de amor, ódio, ternura, etc., como emoções sem uma situacionalidade, mas referimo- nos ao sujeito que vivencia suas emoções, o sujeito que ama, que odeia, etc.

É a intencionalidade associada à noção de campo perceptivo em situação, inicialmente apontada em “Fenomenologia da Percepção” que nos possibilita falar que não percebemos o olho, mas o olhar, assim como não percebemos o rosto corado, mas a vergonha. Isso nos dá uma dimensão existencial para todas as percepções e vivências (Merleau-Ponty, 1945∕1994, p. 26).

Dessa forma Merleau-Ponty (1945∕1994) dirá que a ‘cura’ em fenomenologia, também na psicanálise, da qual não se absteve de pensar, é o que se configura por intermédio do terapeuta-paciente, como possibilidade de novas relações de existência, ou seja, reviver o passado na perspectiva da co-existência com o terapeuta. É nessa configuração e re-atualização que se constituirá o conceito de transferência em Freud (1912∕1980) e de ‘tele’ em Moreno (1975), sendo que cada qual desenvolverá perspectivas terapêuticas diferentes.

A tarefa da fenomenologia é desenterrar o ‘solo original’ na qual a criança participa e no qual o adulto recobriu com suas racionalizações: devemos voltar ao cogito para ir buscar um logos mais fundamental que o pensamento objetivo, que dá a este último seu direito relativo e ao mesmo tempo o põe em seu lugar. O cogito ao qual o autor se refere é rico da experiência primitiva do mundo e do outro: a percepção de outrem e o mundo subjetivo só são problemas para os adultos. A criança vive num mundo que acredita ser de imediato acessível a todos os que a cercam; ela não tem consciência nenhuma de si própria, nem aliás dos outros, como subjetividades privadas; ela não suspeita que sejamos todos e que ela própria seja limitada a um certo ponto de vista sobre o mundo.

Nesse ‘solo original’ a expressão de algo e seu sentido são uma coisa só, é assim que a criança atinge a interioridade do outro e é capaz de expressar, claramente o modo como vivencia suas emoções e sentimentos &– o que costumamos chamar de ‘ingenuidade’. O cogito primordial é rico de interrelação e só nela se constitui algum saber, pois o social já está aí quando o conhecemos ou o julgamos. Antes da tomada de consciência o social existe. Surdamente e como solicitação. É assim que Merleau- Ponty (1945∕1994) re-coloca a questão transcendental de Husserl, pois que do natural e do social, descobrimos a ambigüidade da vida, de estar ‘no’ mundo e sermos ‘do’ mundo; solicitados por ele e livre para escolhermos. Emolduramos nossa existência por intermédio e através de nossas escolhas e nisso reside o verdadeiro transcendental revelado por Merleau-Ponty que ofereceu tantas contribuições e ferramentas para continuarmos insistindo na descoberta do ser.

 

Referências

Freud, S. (1980). A dinâmica da transferência. Edição Standard Brasileira de Obras Completas de Sigmund Freud (Vol. XII, pp. 131-143). Rio de Janeiro: Imago. (Originalmente publicado em 1912).        [ Links ]

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Merleau-Ponty, M. (1994). Fenomenologia da percepção. (C. Moura, Trad.) São Paulo: Martins Fontes. (Originalmente publicado em francês, 1945).        [ Links ]

Moreno, J. L. (1975). Psicodrama. São Paulo: Editora Cultrix.        [ Links ]

Sartre, J-P. (1997). O Ser e o Nada. Petrópolis: Vozes. (Originalmente publicado em 1943).        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Praça Santos Andrade, 50, 2º andar, sala 211
Centro - CEP: 80.060-240 - Curitiba - Paraná
E-mail: virginiacremasco@ufpr.br

Recebido em 20.04.09
Primeira Decisão Editorial em 12.08.09
Aceito em 19.09.09

 

 

Maria Virginia Filomena Cremasco - Professora do Mestrado e do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Paraná, Doutora em Saúde Mental pela Unicamp e Membro da Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental.

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