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Revista da Abordagem Gestáltica

versão impressa ISSN 1809-6867

Rev. abordagem gestalt. v.15 n.2 Goiânia dez. 2009

 

ARTIGOS

 

Um rastro a desaparecer na praia do pensamento: Foucault e a Fenomenologia

 

A trace disappear on the beach of thought: Foucault and Phenomenology

 

Un camino a desaparecer en la playa del pensamiento: Foucault y la Fenomenología

 

 

Marcos Nalli

Universidade Estadual de Londrina

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente artigo tem como finalidade apresentar e interpretar a fase arqueológica da filosofia de Michel Foucault a partir de sua interação com a fenomenologia, em especial com a fenomenologia husserliana. Essa interação pode ser descrita num movimento que parte de uma sorte de "curto-circuito" (no qual, Foucault se vale de conceitos e intuições fenomenológicos para formular um primeiro distanciamento) até um movimento de ruptura e análise do papel da fenomenologia como uma filosofia da subjetividade. Assim, torna-se factível uma interpretação de conjunto da arqueologia foucaultiana.

Palavras-chave: Foucault; Fenomenologia; Husserl; Arqueologia.


ABSTRACT

This article aims to present and interpret the archaeological phase of the philosophy of Michel Foucault from its interaction with the phenomenology, in particular with Husserlian phenomenology. This interaction can in a move described as part of a sort of «short circuit» (in which Foucault draws on concepts and phenomenological insights to formulate a first distance) to a break and motion analysis of the role of phenomenology as a philosophy of subjectivity. Thus, it is feasible interpretation of the whole of Foucault's archeology.

Keywords: Foucault; Phenomenology; Husserl; Archeology.


RESUMEN

Este artículo tiene como objetivo presentar e interpretar la fase arqueológica de la filosofía de Michel Foucault de su interacción con la fenomenología, en particular, con la fenomenología de Husserl. Esta interacción puede en una iniciativa que, como parte de una especie de "corto circuito" (en la que Foucault se basa en conceptos y puntos de vista fenomenológico de formular una primera distancia) para un descanso y de análisis de movimiento del papel de la fenomenología como una filosofía de la subjetividad. Por lo tanto, la interpretación es factible, de la totalidad de la arqueología de Foucault.

Palabras clave: Foucault; Fenomenología; Husserl; Arqueología.


 

 

Introdução

Como negar a influência do filólogo e filósofo Nietzsche no pensamento histórico-filosófico de Michel Foucault? Foucault mesmo reconheceu publicamente, várias vezes, sua dívida para com o pensamento do louco mestre alemão. Mas como também negar que, embora menos impactante, será pela filosofia de Heidegger que ele conheceu Nietzsche e que se motivara a ler Heidegger a partir de toda a sua formação juvenil na tradição fenomenológica?

Se Nietzsche foi para Foucault o filósofo fundamental - e não se pretende negar tal influência - não se pode negligenciar jamais a capacidade do filósofo francês em lidar, é verdade que bem ao seu modo, isto é, de uma maneira singular e heterodoxa, com tradições tão díspares e de sempre se lançar para os limites "aceitáveis", isto é, ortodoxos, do fazer filosófico. Em suma, ainda que não se possa nunca negar o impacto de Nietzsche no pensamento foucaultiano, ele não deve ser visto nem como uma simples influência nem como a totalidade do pensamento de Foucault, uma vez que foi gestado a partir de uma série muito ampla de interfaces teórico-temáticas. E, esta amplitude é bem mais relevante para se compreender a filosofia foucaultiana que somente o pensamento nietzschiano, embora sua caracterização seja bem mais difícil. De qualquer modo, intentarei aqui demarcar alguns elementos dessa amplitude, notadamente aquelas referentes à fenomenologia, recuperando alguns traços do estruturalismo. Meu objetivo aqui será mostrar como os rastros fenomenológicos vão sendo paulatinamente problematizados e apagados da filosofia foucaultiana, mediante a recorrência a elementos estruturalistas e/ou nietzschianos e também a elementos, paradoxalmente, fenomenológicos - ainda que nem sempre facilmente determináveis.

 

Algum Marco Zero

Se fosse possível determinar a partir de que momento Foucault se interessa pela fenomenologia, esse momento certamente teria que ser o de sua juventude, antes mesmo da publicação de seus primeiros livros arqueológicos; obviamente no caso de entendermos que seu interesse signifique adesão ao movimento fenomenológico. Sua adesão se faz notar naqueles textos que podemos intitular "protoarqueológicos". Basta lembrarmos de três documentos que a confirmam: seu prefácio à tradução para o francês do livro de Binswanger, O Sonho e a Existência (publicada em 1954); o quarto capítulo do livro Maladie Mentale et Personnalité1 (também de 1954); e um artigo intitulado "A pesquisa científica e a psicologia" (publicado em 1957).

O prefácio é uma longa análise da daseinsanálise de Binswanger, a partir da contraposição das teorias simbólicas de S. Freud e E. Husserl, evidenciando em que medida o psiquiatra suíço supera as teorias de seus mestres. O capítulo é uma interpretação da estrutura psicológica como estrutura ontológica (no sentido de uma concepção de mundo e de indivíduo inserido no mundo) com nítidos traços fenomenológicos, que devem ser considerados para uma clínica, uma terapia psicológica. O artigo, por sua vez, tem um forte tom combativo em defesa de uma abordagem psicológica caracteristicamente fenomenológica, representada por filósofos como Merleau-Ponty (o que não quer dizer que Foucault pretendia uma psicologia merleau-pontyniana) contra o modelo preponderante na França, autointitulado científico.

Todos esses textos chamam a atenção para o fato que, se comparado com alguns textos clássicos (sic!) da fenomenologia, apresenta traços no mínimo heterodoxos. Mas, um olhar mais fino terá que notar que a fenomenologia enquanto movimento jamais se caracterizou por uma história sectária, marcada por alguma espécie de ortodoxia imposta. Ao contrário, um de seus traços mais evidentes talvez resida no fato de que as gerações de fenomenólogos que vieram após o velho mestre morávio (Husserl) jamais concordaram com ele sem oferecer alguma resistência. É provável que um dos primeiros motivadores para que a fenomenologia se tornasse um movimento teórico, mais do que uma escola, consistiu na discordância quanto aos fundamentos, geralmente de natureza ontológica, da fenomenologia - e que Husserl de algum modo, inicialmente omitiu, mas que paulatinamente foi se tornando sensível aos questionamentos, independentemente do modo como deu conta deles.

Dessa forma, portanto, um dos traços característicos da fenomenologia é a discordância, o que implica em alguma heterodoxia, mas não propriamente em ruptura. A fase proto-arqueológica de Michel Foucault pode ser consistentemente interpretada nesse contexto: é, portanto, um esforço fenomenológico que se pretendia ímpar e singular. E, desse modo, poderíamos levantar uma primeira suspeita da influência da fenomenologia na formação juvenil de Foucault, a saber, o gosto pelo singular, pela diferença. Mas, ainda não temos nesta fase um ímpeto de ruptura.

 

O Curto-Circuito como um Primeiro Esforço de Ruptura

Quando Foucault rompe com a fenomenologia? E quais os motivos de sua ruptura? É bastante provável que essas perguntas mereçam um trabalho de análise de quase toda a trajetória foucaultiana, senão toda a trajetória. A relação Foucault-Fenomenologia é uma relação bem mais tensa do que parece e bem mais difícil de demarcar, dada as suas sutilezas não anunciadas. De qualquer modo, intentaremos fazê-la, ainda que sumariamente, de alguns desses movimentos de ruptura.

Certamente, o primeiro esforço de ruptura pode já se encontrar em História da Loucura. Não na História republicada em 1972, pela Gallimard, mas ainda quando ela se chamava Loucura e Desrazão, História da Loucura na Idade Clássica ; quando ainda era a tese de doutoramento de um jovem pouco conhecido na França e, que, inclusive, passara uma temporada fora, especialmente na fria Suécia. É à tese que temos que voltar. Mas como? Há alguma diferença além da mudança do título? Afirmativamente. Há precisamente entre as duas edições um prefácio.

O prefácio da primeira edição, extirpado e pouco lembrado após a consolidação pública da carreira de Foucault, é um texto singular. Ele nos permite - como convém a certos prefácios - uma leitura da História da Loucura. Quando Foucault substitui o prefácio da primeira edição pelo seu mais famoso e curto prefácio sobre a irrelevância da autoridade do autor numa determinação da leitura de um texto, ele não apenas coloca seu livro numa economia própria, mas - talvez sem querer - se impõe como autor eliminando aos seus leitores a possibilidade de ler o livro com sua intenção primeira. E mesmo que não queiramos falar de intenções, pois nos colocaríamos no perigoso território da interpretação hermenêutica destituída de balizas objetivas e confiáveis, Foucault interdita a estreita economia discursiva do prefácio com o livro, e que gera determinados efeitos de leitura e correlações, fundamentais para se entender ainda que parcialmente aquele livro.

Que leitura é essa que o prefácio nos propicia? Que efeitos são esses? A título de hipótese, trata-se de uma leitura que singulariza História da Loucura não apenas em relação à fase protoarqueológica, mas que também a singulariza em relação a todo o empreendimento arqueológico. É desta dupla singularidade que trataremos agora.

Um dos traços mais marcantes do prefácio é que muito rapidamente Foucault (1994a, p. 159; Foucault, 1999, p. 140) nos coloca a par da tese que será construída pelo livro, pouco a pouco: " É constitutivo o gesto que separa a loucura, e não a ciência que se estabelece, uma vez feita essa divisão, na calma recobrada. É originária a cesura que estabelece a distância ente razão e não-razão ". Esta curta passagem já denuncia alguns dos elementos-chave para se pensar a relação entre Foucault e Husserl. Nele, Foucault se apropria e mantém os temas fenomenológicos da constituição e da origem; mas repudia a tese caracteristicamente husserliana dos mesmos.

Se for possível ainda falar de alguma constituição (de que? Foucault ainda não nos disse...), ela não se dá como preconizada por Husserl quando este propôs sua ontologia regional, a saber, de que cada ciência, na sua particularidade e especificidade, tematiza e simbolicamente constitui seu próprio objeto de investigação. Foucault se esforça por nos mostrar historicamente movimentos que culminaram num processo complexo que podem ser interpretados como constitutivos; mas que não podem ser interpretados como científicos, ou mesmo cognitivos. Não se trata de atos de consciência que intencionam e tematizam seu objeto fazendo-o cognoscível. Além disso, Foucault nos fala de uma origem; mas não se trata aqui de uma origem identificada, transcendental e histórica, com uma racionalidade ou com algum notável cientista (como fora Galileu em "A Origem da Geometria") que pudesse galgar a esse estatuto histórico-transcendental de ponto de origem, ou de "grau zero" - expressão, aliás, utilizada por Foucault naquele prefácio. A origem de que nos fala Foucault se instala historicamente a partir da cesura que ele identifica entre razão algo informe, porém retrospectivamente relativa àquela, chamada por ele de "não-razão".

Para exemplificarmos um pouco como o tema da constituição aparece em História da Loucura, tomemos duas passagens que apontam para isso: " ...nosso conhecimento científico e médico da loucura repousa implicitamente sobre a constituição de uma experiência ética da desrazão " (Foucault, 1961, p. 106; Foucault, 1987, p. 93). E, mais adiante, ele acrescenta:

Foi um dos constantes esforços do século XVIII ajustar a velha noção de "sujeito de direito" com a experiência contemporânea do homem social. Entre ambas, o pensamento político do Iluminismo postula ao mesmo tempo uma unidade fundamental e uma reconciliação sempre possível para além de todos os conflitos de fato. Estes temas conduziram silenciosamente à elaboração da noção de loucura e à organização das práticas que lhe dizem respeito. A medicina positivista do século XIX herda todo esse esforço da Aufklärung. Ela admitirá como algo já estabelecido e provado o fato de que a alienação do sujeito de direito pode e deve coincidir com a loucura do homem social, na unidade de uma realidade patológica que por sua vez é analisável em termos de direito e perceptível às formas mais imediatas da sensibilidade social. A doença mental, que a medicina vai atribuir-se como objeto, se constituirá lentamente como a unidade mítica do sujeito juridicamente incapaz e do homem reconhecido como perturbador do grupo, e isto sob o efeito do pensamento político e moral do século XVIII. (Foucault, 1961, p. 145s; Foucault, 1987, p. 131s)

Estas passagens são importantes uma vez que apontam para o fundamento do processo de constituição da doença mental como um objeto de conhecimento, um objeto epistemológico, ou no linguajar husserliano, um Objekt. Ou seja, Foucault retoma o tema husserliano da constituição, mas desfoca sua tese de base. Para Husserl, a constituição se dá, transcendentalmente, no ato cognitivo; ou, ressituando epistemologicamente, no ínterim do próprio procedimento científico: a ciência se constitui ao constituir ontologicamente seu próprio objeto de investigação, ao demarcar semanticamente o seu objeto, determinando suas relações de referências mútuas, determinando assim sua estrutura de significação. Entretanto, Foucault propõe algo parecido, a não ser por um detalhe. Detalhe este fundamental: a constituição do objeto se dá antes da própria emergência histórica da ciência. Desse modo, é o objeto epistêmico que constitui epistemologicamente a ciência. Assim, o doente mental antecede o asilo, e a doença mental antecede a psiquiatria e todos os demais discursos "psi". E Foucault radicaliza: o doente mental e a doença mental só aparecem num cenário já constituído, já estabelecido, de cesura entre o racional e o irracional. Por este motivo, Foucault (1994a, p. 160; 1999, p. 141) afirma, no prefácio da primeira edição, que

(...) a constituição da loucura como doença mental, no fim do século XVIII, leva à constatação de um diálogo rompido, dá a separação como já adquirida, e enterra no esquecimento todas essas palavras imperfeitas, sem sintaxe fixa, um tanto balbuciantes, nas quais se fazia a troca entre a loucura e a razão. A linguagem da psiquiatria, que é o monólogo da razão sobre a loucura, só pôde se estabelecer sobre tal silêncio.

Ao que ele pontua o projeto de História da Loucura, e que precisa o sentido de seu projeto arqueológico: Fazer uma história, ou uma arqueologia, desse silêncio constitutivo da doença mental. Ou seja: se a doença mental enquanto objeto é condição para a constituição epistêmica dos discursos "psi", ela não é incondicionada; não é fundamento último. Ao contrário, a doença mental é condição condicionada das psiquiatrias, das psicopatologias, das psicologias e mesmo da psicanálise. Em suma, se já não bastasse a inversão da relação ciência-objeto científico, Foucault simultaneamente golpeia a noção husserliana da origem e de fundamento último, de tal modo que turva e tumultua os termos constitutivos do tema, que não serão mais buscados na razão. Essa proposital embaralhada se faz patente novamente no prefácio da primeira edição, quando ele nos dá mais uma pista de como pensar a arqueologia: a história cultural da razão não na determinação de sua identidade, mas em suas experiências-limites (Foucault, 1994a, 1999). Embaralhada esta afirmada, confirmada e demonstrada no percurso não-linear de História da Loucura. Foucault propõe não apenas uma história da constituição da loucura, mas também da constituição da razão. Não é só a doença mental que é condicionada pela cesura, é também a razão que tem na loucura uma de suas antípodas. Desse modo, a arqueologia é ao mesmo tempo a reconstrução histórica da experiência constitutiva da loucura enquanto doença mental, e o resgate lírico do protesto de uma outra experiência, forçosamente silenciada para permitir aquela constituição; é também o resgate dessa experiência da loucura, que Foucault considerou tanto original e primitiva quanto trágica. Daí o motivo pelo qual Foucault recorre a uma justificativa nietzschiana à sua arqueologia; daí o porquê do arqueólogo inserir seu estudo " sob a luz da grande pesquisa nietzschiana " (Foucault, 1994a, p. 162; Foucault, 1999, p. 143).

Claro que isto sugere uma leitura nietzschiana à arqueologia foucaultiana. Mas, dado que Nietzsche é recorrentemente lembrado pelos leitores de Foucault - geralmente, quem estuda o segundo, acaba estudando também o primeiro - como entender a supressão do prefácio da primeira edição? Possivelmente por dois motivos: o primeiro deles que advogamos aqui com maior segurança, consiste no fato de que, ainda que Foucault tenha se justificado em termos nietzschianos, a estratégia analítica desenvolvida por ele pode ser definida como uma utilização subversiva de temas e conceitos husserlianos, gerando um efeito de curto-circuito. Neste sentido, a arqueologia desenvolvida em História da Loucura é uma fenomenologia desenvolvida contra a fenomenologia. Por outro lado, essa contra-fenomenologia se justifica num Nietzsche bem específico, e esta é ainda uma mera suspeita, não chega a ser uma hipótese, o Nietzsche do Nascimento da Tragédia. Motivo: Foucault quis com a História da Loucura, resgatar o que ele chamou de experiência trágica da loucura, que também é experiência trágica da razão; análoga à experiência tensa, plural, porém ainda não cindida, entre o apolíneo e o dionisíaco. É essa estrutura trágica e primeira, antecedente à história da razão que Foucault quis resgatar arqueologicamente, de tal modo a permitir à loucura alguma voz, a sua voz. Como observa Roberto Machado (2001): " a presença do jovem Nietzsche é marcante, pois assim como, no Nascimento da Tragédia, Nietzsche pensa o dionisíaco como verdade do mundo, verdade que só pode ser expressa apolineamente, pela arte trágica, que é, por conseguinte, a única via de acesso a essa verdade, para Foucault " (p. 45s). Contudo, Roberto Machado vê a grande ousadia de Foucault ao desmoralizar a loucura, estabelecendo um nexo entre loucura e arte e, especificamente, a tragédia; mas desconsidera o fato de que a experiência trágica da loucura também era sócio-cultural, cujos parcos indícios se faz notar apenas na literatura. Não é a voz da loucura, mas apenas seus zumbidos... Podem essas vozes, irromperem contra uma modalidade - moderna - de razão? Talvez se vierem acompanhados de uma implosão da razão, desse modelo de razão da qual a fenomenologia forneceu-nos uma de suas facetas mais instigantes... O que explicaria o mérito contra-fenomenológico, e desse modo combativo, da primeira investigação arqueológica empreendida por Foucault.

 

A Ruptura como Resposta Negativa

Algum tempo após a publicação de História da Loucura, para ser mais preciso, em 1963, Foucault publica O Nascimento da Clínica, amparando-se em parcela significativa das pesquisas e coletas de material realizadas para o seu primeiro livro arqueológico. Seguramente, este livro é um dos mais epistemológicos escritos por Foucault. Sabe-se que a expressão "arqueologia" só aparece no subtítulo do livro, enquanto o livro é dominado por referências bem mais explícitas à epistemologia. Curiosamente, trata-se de um dos livros foucaultianos menos lembrados, inclusive pelo seu próprio autor. De qualquer modo, é um texto que nos permite evidenciar alguns aspectos importantes que indicam o distanciamento foucaultiano da velha tradição fenomenológica.

O tema da constituição ainda se faz presente em O Nascimento da Clínica, onde Foucault recorre ao tema do " a priori histórico". A condição de possibilidade de constituição da medicina moderna se dá a partir do que Foucault chamou de " a priori histórico concreto do olhar médico moderno " (Foucault, 1963, p. 197; Foucault, 1980, p. 222). A tarefa arqueológica consiste neste livro em desvelar o a priori histórico da medicina: " A medicina como ciência clínica apareceu sob condições que definem, com sua possibilidade histórica, o domínio de sua experiência e a estrutura de sua racionalidade. Elas formam seu a priori concreto que agora é possível desvelar " (Foucault, 1963, p. XI; Foucault, 1980, p. XIV). A bem da verdade há outros tantos indicativos neste sentido, em especial em dois momentos significativos do livro: no prefácio e na conclusão.

É verdade que no prefácio, Foucault não dirige suas críticas explícita e exclusivamente à fenomenologia. Aliás, mais do que criticar, ele busca demarcar a especificidade de sua abordagem arqueológica. Tanto é assim que ele busca deixar clara a distância existente entre seu trabalho e a psicanálise bachelardiana do conhecimento. Claro também que não é por uma modalidade de determinação fenomenológica do conhecimento, a partir de " uma escolha objetal " (Foucault, 1963, p. VI; Foucault, 1980, p. VIII) que se podem determinar os elementos diferenciadores que culminaram na transformação da medicina nosográfica e classificatória numa medicina clínica; quais foram as suas condições de possibilidade. Essa transformação deverá ser buscada na transformação da estrutura mesma que permite a correlação sistêmica entre o dizer e o ver; na transformação da estrutura na qual se fundou o empirismo próprio da clínica:

A clínica, incessantemente invocada por seu empirismo, a modéstia de sua atenção e o cuidado com que permite que as coisas silenciosamente se apresentem ao olhar, sem perturbá-las com algum discurso, deve sua real importância ao fato de ser uma reorganização em profundidade não só dos conhecimentos médicos, mas da própria possibilidade de um discurso sobre a doença. A moderação do discurso clínico (proclamada pelos médicos: recusa da teoria, abandono dos sistemas, não-filosofia) remete às condições não verbais a partir de que ele pode falar: a estrutura comum que recorta e articula o que se e o que se diz (Foucault, 1963, p. XV; Foucault, 1980, p. XVIII).

O texto tem uma ambigüidade inevitável, decorrente das leituras foucaultianas tanto da fenomenologia quanto do estruturalismo: Foucault fala de "estrutura comum", que deve ser desvelada arqueologicamente, que antecede toda e qualquer consciência, seja intencional seja epistemológica. Desse modo, Foucault mantém sua distância do tema husserliano - e como não dizer fenomenológico - do primado da subjetividade, do cogito, que já fora anunciada alguns anos antes, com História da Loucura. E radicaliza o distanciamento, posto que, contrário àquele livro, O Nascimento da Clínica não recorre argumentativamente, nem mesmo de maneira subreptícia, a uma experiência original, a uma espécie de sujeito transcendental e fora/aquém da história. Não se trata mais de liricamente permitir alguma voz ao que fora silenciado. Trata-se sim de desvelar estruturas fundantes, que antecedem movimentos de significação. E neste sentido, mais uma vez Foucault radicaliza seu distanciamento em relação a Husserl: as estruturas não são significantes como era para este último; é verdade que elas são fundamentais ao estabelecimento de relações entre significante e significado, mas na medida em que são antecedentes, elas mesmas são destituídas de significado. Por isso, desvelar essas estruturas consiste em tomar os discursos médicos como " acontecimentos e segmentos funcionais formando, pouco a pouco, um sistema " (Foucault, 1963, p. XIII; Foucault, 1980, p. XVI). "Sistema", o outro nome dessas estruturas. Ele dirá mais adiante no mesmo texto (Foucault, 1963, p. 196; Foucault, 1980, p. 221):

Acabou o tempo da medicina das doenças; começa uma medicina das reações patológicas, estrutura de experiência que dominou o século XIX e até certo ponto o século XX, visto que, não sem modificações metodológicas, a medicina dos agentes patogênicos nela virá se encaixar (grifo nosso).

E mesmo um pouco antes, Foucault afirma que, contra a retrospecção histórica, " o olhar médico mudou de suporte epistemológico " (Foucault, 1963, p. 184; Foucault, 1980, p. 208). O que sugere para nós que "sistema", "estrutura de experiência" e mesmo "suporte epistemológico" apresentam traços de sinonímia; e o que é nesta nossa argumentação mais importante, que as estruturas se sobrepõem sem afetar sua constituição e composição imanente. Dessa forma, qualquer transformação histórica se dá pela mudança entre estruturas, pelo término e pelo começo de novas estruturas.

Por outro lado, entretanto, Foucault fala de configuração e de reorganização. Não se trata da substituição de um sistema por outro, mas de uma reorganização, de um novo arranjo para os termos componentes da estrutura. Ele se refere a " nova organização do olhar médico " quando analisa o trabalho de Bichat (Foucault, 1963, p. 192; Foucault, 1980, p. 216). Quer dizer: já é patente a distância entre Foucault e a fenomenologia; poderíamos até dizer entre O Nascimento da Clínica e História da Loucura. Entretanto, ainda se fazem presentes determinados fósseis lingüísticos e mesmo temáticos: ainda consiste para ele de encontrar uma outra maneira, estruturalista, de responder ao tema geral da significação sem recorrer aos temas fenomenológicos adjacentes, em particular o tema da primazia do sujeito. A ruptura que Foucault formula está mais para uma resposta à fenomenologia, não de maneira que essa caia em contradição ou curto-circuito; mas numa negação de suas conseqüências e de seus constrangimentos: não se afirma o sujeito como fundante, mas se descobre ou se desvela a estrutura que o funda e o constitui como tal e, inclusive, como objeto de seu próprio conhecimento. Mas esse rearranjo dos elementos, arranjo esse que se dá discursivamente, permite a configuração de um novo olhar e de um novo dizer sobre nós mesmos. Daí o conceito que lhe está diretamente atrelado, o conceito de " a priori histórico e concreto". Entretanto, se na História da Loucura Foucault recorria, apoiado numa inspiração nietzschiana, a uma experiência original e aquém da história e, portanto fora dela, para avaliar e ajuizar o valor e a verdade das transformações por que passou nossa modernidade2 ; em O Nascimento da Clínica, toda a análise e avaliação se processa com base no mesmo critério, dado historicamente, as condições de possibilidade e o a priori histórico da medicina (Machado,1989, p. 25).

Essa história arqueológica, bem mais próxima de uma perspectiva estruturalista, ainda traz ranços; ou melhor, ainda traz elementos fossilizados, que apontam para uma origem fenomenológica que se quer esquecer e apagar.

 

O Desaparecimento do Rastro na Praia do Pensamento

Se O Nascimento da Clínica estabelece uma ruptura de fato em relação à fenomenologia apresentando vestígios fossilizados de recursos, conceitos e temas fenomenológicos, As Palavras e as Coisas aumenta ainda mais o distanciamento, radicalizando constatações sobre as próprias condições de possibilidade da filosofia fenomenológica. Foucault ainda se utiliza de velhas "armas" - como o conceito e o tema do " a priori histórico" - mas introduz novas estratégias combativas em sua interface com aquele movimento filosófico.

Em consonância com o tratamento estruturalista já presente em O Nascimento da Clínica, mas tendo por referência As Palavras e as Coisas, Foucault (1994b, p. 514) definiu o conceito de sistema, um dos nomes da estrutura: " Por sistema, é preciso entender um conjunto de relações que se mantêm, se transformam, independentemente das coisas que ligam ". E mais adiante (Foucault, 1994b, p. 515), no mesmo texto radicaliza esta definição em função de seu livro de 1966:

Em todas as épocas, a forma pela qual as pessoas refletem, escrevem, imaginam, falam (até nas ruas, as conversações e os escritos mais cotidianos) e mesmo a forma pela qual sua sensibilidade reage, toda sua conduta é comandada por uma estrutura teórica, um sistema , que muda com os anos e as sociedades - mas que está sempre presente e em todas as sociedades.

E não apenas as estruturas condicionam e comandam nossas falas e atos, como também impedem de que façamos e pensemos qualquer coisa de diferente: " No deslumbramento dessa taxonomia, o que de súbito atingimos, o que, graças ao apólogo, nos é indicado como o encanto exótico de um outro pensamento, é o limite do nosso: a impossibilidade patente de pensar isso " (Foucault, 1966, p. 7; Foucault, 1992, p. 5). Quer dizer: é preciso estudar arqueologicamente como se estabelecem e se sobrepõem historicamente essas estruturas que nos condicionam integralmente, tanto no estabelecimento e ordenamento do permitido, quanto na determinação dos tabus3 epistemológicos que nos sancionam. A essas estruturas que devem ser estudadas histórico-arqueologicamente, Foucault as chamou de "episteme", ou "campo epistemológico".

Contudo, Foucault ainda recorre ao conceito de "a priori histórico" para realizar sua análise pretendida, seu estudo do que chamou "experiência nua da ordem e de seus modos de ser". É um estudo, segundo ele, que visa descobrir " na base de qual a priori histórico e no elemento de qual positividade puderam aparecer idéias, constituir-se ciências, refletir-se experiências em filosofias, formar-se racionalidades, para talvez se desarticularem e logo desvanecerem " (Foucault, 1963, p. 13; Foucault, 1992, p. 11). Entretanto, há um elemento novo: o a priori histórico já não é mais pensado como condição de possibilidade, mas como condição de emergência e efetividade histórica. Assim, a arqueologia não busca mais a descoberta de elementos passíveis de serem interpretados como condições de possibilidade de algum saber, mas das redes, dos sistemas, das estruturas, dos campos epistemológicos, da epistemes que permitiram e impediram determinados discursos, determinados saberes, determinadas ciências; e mesmo determinadas filosofias. Com isso Foucault tem à sua disposição elementos suficientes para não mais combater, demarcar seu território, mas para analisar certas filosofias, notadamente a fenomenologia, como fatos discursivos, historicamente determinados e consumados historicamente, com começo e provavelmente um breve fim. Por isso, Foucault se lança a interpretar arqueologicamente a fenomenologia no seio do advento do humanismo, como mais uma filosofia do sujeito, inscrevendo "Husserl na episteme do século XIX", e como pós-kantiano (Lebrun, 1989, p. 43), e que também atinge os trabalhos de Merleau-Ponty, mesmo naqueles momentos em que ele tentou ir contra determinados pressupostos subjetivistas e transcendentais, presentes no velho mestre morávio. Ora, o pressuposto da subjetividade como fundante, como condição transcendental é bem anterior ao projeto fenomenológico, perpassando os trabalhos e as filosofias de Descartes e Kant, dentre tantos outros. Husserl é um dos herdeiros desse pressuposto. E mais que isso, essas filosofias subjetivistas são apenas alguns dos exemplares de toda uma gama de discursos que emergiram a partir da episteme moderna, que suplantou e constrangeu o tema da representação, subsidiando-a ao primado e à imediaticidade do cogito fundante. Essas filosofias todas, e de forma alguma sem excluir o movimento fenomenológico, são primas-irmãs das ciências do homem, que tiveram seu advento a partir do século XVIII. Aliás, são suas irmãs mais velhas que muito rapidamente foram dispensadas pela novidade e frescor de suas irmãs mais jovens, as ciências do homem. Para que uma antropologia filosófica (ao menos em seu sentido mais ortodoxo) - generalizante, sistematizante e, por isso mesmo, superficial e fútil - se podemos dispor da sociologia, da psicologia, da etnologia, da economia e mesmo da história como formas de ciência e discursos criteriosos, rigorosos, precisos, circunstanciados e profundos?

De qualquer modo, sejam as filosofias, como a fenomenologia, que advogam em causa da tese do sujeito transcendental e fundamental, sejam as ciências humanas, pelas quais o homem se descobre simultaneamente como seu sujeito e objeto, Foucault lança luzes para o solo epistemológico, seu a priori histórico, que condiciona e determina todos esses acontecimentos discursivos. Onde todos, filósofos e cientistas, acreditavam encontrar seu fundamento último, expresso explicitamente ou apenas tomado como pressuposto, vem o arqueólogo para escavar - ou muito melhor, para registrar num mapa, tal como a metáfora deleuziana do cartógrafo - uma estrutura, a episteme moderna, que lhes é imanente e que as constrange naquilo que julgavam mais fundamental: o homem. E é aí que vemos Foucault se aproximar não apenas do estruturalismo, com seu traço caracteristicamente antihumanista, mas também de Nietzsche, que denuncia não apenas a morte de Deus, mas também seu assassino; e que Foucault, irmanado a Nietzsche mas talvez indo ligeiramente além, pergunta pelo fim histórico4 dessa episteme que ainda nos serve de solo e, por conseguinte, coerente com sua análise arqueológica das epistemes, conjectura a possibilidade do fim da finitude, do ocaso do tema do homem como condição transcendental e pressuposto fundamental da plêiade de discursos modernos:

Uma coisa em todo o caso é certa: é que o homem não é o mais velho problema nem o mais constante que se tenha colocado ao saber humano. [...] E isto não constitui liberação de uma velha inquietude, passagem à objetividade do que, durante muito tempo, ficara preso em crenças ou em filosofias: foi o efeito de uma mudança nas disposições fundamentais do saber. O homem é uma invenção cuja recente data a arqueologia de nosso pensamento mostra facilmente. E talvez o fim próximo. Se estas disposições viessem a desaparecer tal como apareceram; se, por algum acontecimento de que podemos quando muito pressentir a possibilidade, mas de que no momento não conhecemos ainda nem a forma nem a promessa, se desvanecessem, como aconteceu, na curva do século XVIII, com o solo do pensamento clássico - então se pode apostar que o homem se desvaneceria, como, na orla do mar, um rosto de areia (Foucault, 1966, p. 398; Foucault, 1992, p. 403s).

 

Um Epílogo? Talvez um Recomeço? Quem Sabe?

É evidente que o prenúncio, ou melhor, a conjectura do fim do homem como tema/problema do pensamento, como limite arqueológico-histórico da modernidade que ainda é a nossa, também é, de modo mais específico, uma aposta pelo fim histórico da fenomenologia como todas as filosofias do sujeito. Seria este um sinal de que, enfim, Foucault teria se liberado de toda a fenomenologia? Mas será que Foucault tinha tal pretensão? Será que um dos aspectos mais instigantes dessa relação voltada ao desaparecimento não reside justamente na tensão constante que ela implica? E que esse desaparecimento, mais do que aniquilamento, deve ser pensado como esquecimento; naquele velho sentido presente tanto na fenomenologia quanto em Foucault, de que o esquecimento se faz fundamental? Não temos respostas para tais questões... Mas que elas suscitem novas maneiras de pensar velhos problemas ou, neste caso, de pensar os empreendimentos filosóficos e analíticos de Foucault; este filósofo que já se tornou um clássico. E os clássicos, odiados ou amados, devem sempre ser lidos pelo que podem contribuir a fazer-nos pensar sobre nós mesmos e nossa atualidade, nossa ontologia histórica; nessa necessidade, quase ética, quase vital, de pensarmos sob o signo da diferença.

 

Referências

Foucault, M. (1961). Histoire de la Folie. Paris: Gallimard.         [ Links ]

Foucault, M. (1963). Naissance de la Clinique. Paris: Gallimard.         [ Links ]

Foucault, M. (1966). Les Mots et les Choses. Paris: Gallimard.         [ Links ]

Foucault, M. (1980). Nascimento da Clínica. Rio de Janeiro: Forense Universitária.         [ Links ]

Foucault, M. (1987). História da Loucura. São Paulo: Perspectiva.         [ Links ]

Foucault, M. (1992). As Palavras e as Coisas. São Paulo: Martins Fontes.         [ Links ]

Foucault, M. (1994a). Entretien avec Madeleine Chapsal. Dits et Écrits. (Vol. I, p. 513-518). Paris: Gallimard.         [ Links ]

Foucault, M. (1994b). Préface. Dits et Écrits. (Vol. I, p. 159-167). Paris: Gallimard.         [ Links ]

Foucault, M. (1999). Prefácio ( Folie et Déraison ). Ditos e Escritos. Problematização do sujeito: psicologia, psiquiatria e psicanális e (Vol. 1, p. 140-148). Rio de Janeiro: Forense Universitária.         [ Links ]

Lebrun, G. (1989). Note sur la phénoménologie dans Les Mots et les Choses. Em V. V. A. A., Michel Foucault Philosophe (p. 33-53). Paris: Éditions du Seuil.         [ Links ]

Machado, R. (1989). Archéologie et Épistémologie. Em V. V. A. A., Michel Foucault Philosophe (p. 15-32). Paris: Éditions du Seuil.         [ Links ]

Machado, R. (2001). Foucault e a Literatura. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Universidade Estadual de Londrina, Centro de Letras e Ciências Humanas, Departamento de Filosofia, Campus Universitário. Caixa Postal 6001.
CEP: 8605.1990 (Londrina, PR).
E-mail: marcosnalli@yahoo.com

Recebido em 12.11.08
Aceito em 26.02.09

 

 

Marcos Nalli - Graduado em Filosofia, Mestrado em Educação pela Universidade Estadual de Maringá, Doutorado em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas, e Pós-Doutorado no Centre de Recherche Historique École des Hautes Études en Sciences Sociales (Paris). Atualmente é professor Adjunto da Universidade Estadual de Londrina, atuando tanto na graduação quanto no mestrado em filosofia.
1 Trata-se da primeira edição do livro que veio a ser traduzido para o português como Doença Mental e Psicologia. A edição francesa conta com essa primeira versão, com o titulo original Maladie Mentale et Personnalité ; posteriormente Foucault modifica alguns pontos do texto (em especial, a primeira parte) e reescreve a segunda parte, modificando igualmente o título para Maladie Mentale et Psychologie, versão que ficou mais conhecida do público brasileiro (Nota do Editor).
2 O que sugere para nós que a arqueologia desenvolvida na História da Loucura tem dois momentos não coincidentes ainda que complementares: um momento analítico e um momento crítico. Essa interpretação das pesquisas foucaultianas como dotados de dois momentos será retomado por Foucault em sua aula inaugural no Collège de France, A Ordem do Discurso.
3 Não podemos esquecer que o conceito estruturalista de "estrutura" tem como uma de suas características marcantes o fato de que são sistemas correlacionais e topológicos que constrangem e mesmo impedem determinados comportamentos e, generalizando, fenômenos culturais. Daí a noção de "tabu", tão explorada em diversos trabalhos de um dos mais ortodoxos estruturalistas: Claude Lévi-Strauss.
4 Eis que tema historicamente paradoxal: o tema do fim histórico! Será que ele pode ser pensado como o tema do fim da história? Mais uma vez, paradoxalmente, cremos que não.

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