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Revista da Abordagem Gestáltica

versão impressa ISSN 1809-6867

Rev. abordagem gestalt. vol.17 no.2 Goiânia dez. 2011

 

EDITORIAL

 

 

Ao final do século XIX, quando aquelas ciências que – na atualidade – viriam a ser chamadas de “ciências humanas” davam seus primeiros passos, e buscavam se estabelecer no terreno das objetividades, Wilhelm Dilthey (1833-1911) já discutia sua “teoria da visão de mundo”, ou a Weltanschauung: “(...) em que ‘viver é apreciar’, é avaliar, é escolher, é dar sua ‘interpretação’ ao mundo natural” (Japiassu & Marcondes, 1990, p. 73). Em sua obra fundamental, Introdução ao Estudo das Ciências Humanas1 (de 1883), Dilthey critica a apropriação da visão positivista da realidade humana, afirmando que esta realidade é “essencialmente social e histórica” (Japiassu & Marcondes, 1990, p. 73) e, assim, não seria passível de explicação – causal e racionalista –, mas de compreensão.

Posteriormente, em outra obra fundamental – principalmente para a psicologia, as Ideias sobre uma psicologia descritiva e analítica (de 1894) – Dilthey ratifica esta posição, assinalando que as ditas “ciências humanas” (à época chamadas de ciências do espírito) tem uma especificidade:

As ciências humanas partem do nexo psíquico dado na experiência interna. A diferença fundamental do conhecimento psicológico em relação ao conhecimento da natureza consiste no fato de o nexo ser dado aqui primariamente na vida psíquica, e é aí que reside, portanto, mesmo a primeira e fundamental peculiaridade das ciências humanas (Dilthey, 1894/2011, p. 158).

Este nexo é representado pela palavra alemã Erlebnis, ligada a “vida”, a “viver”. Quem traduziu este vocábulo, originalmente proposto por Dilthey, foi o filósofo espanhol José Ortega y Gasset (1883-1955), em 1913, com a palavra “vivência” (Mora, 1994/2004). Este neologismo castelhano passou a significar “experiência vivida subjetivamente” ou “experiência interna”, fundamental – pois – para as ciências humanas em geral e, particularmente, para as ciências psicológicas, como bem aponta o iminente psiquiatra Nobre de Melo (1979).

Fizemos esta introdução como forma de anunciar o que trazemos neste novo número da Revista da Abordagem Gestáltica que, ao longo dos últimos cinco anos, assumiu uma proposta – e um desafio – de se tornar mais um veículo para a difusão, debate e solidificação do pensamento fenomenológico no Brasil. Como tal, este novo número conta com os primeiros trabalhos apresentados no II Congresso Sul-Brasileiro de Fenomenologia, realizado na Universidade Federal do Paraná, entre 02 e 04 de junho de 2011.

Um número expressivo de participantes – mais de 350 pessoas – e outro ainda mais expressivo – mais de cem trabalhos2 apresentados, entre conferências, palestras, comunicações, etc. – mostra que um novo movimento começa a tomar corpo no país.

Começamos a publicar algumas destas contribuições, trazendo aos leitores doze desses trabalhos – oito deles frutos de pesquisas em Programas de Pós-Graduação –, que refletem não apenas a solidez da discussão, como também a diversidade de temas e autores que tem sido trabalhados em psicologia fenomenológica no país: Brentano, Husserl, Heidegger, Merleau-Ponty, Sartre e Tillich, dentre outros, são alguns desses autores. Em contrapartida; espacialidade, percepção, religiosidade, arte, clínica, suicídio e psicopatologia, são alguns desses temas.

E, ao final, brindamos a todos com a tradução de um excelente texto de Ortega y Gasset – intitulado Sobre o Conceito de Sensação, de 1913 – onde o autor, além de fazer uma breve, mas significativa introdução à fenomenologia, nos indica o lugar da “vivência” a que nos referimos no início.

 

Adriano Furtado Holanda
- Editor -

 

Referências

Dilthey, W. (2011). Ideias sobre uma psicologia descritiva e analítica. Rio de Janeiro: Via Verita Editora (Original publicado em 1894).         [ Links ]

Japiassu, H. & Marcondes, H. (1990). Dicionário Básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.         [ Links ]

Mora, J.F. (2004). Dicionário de Filosofia. São Paulo: Loyola (Original publicado em 1994).         [ Links ]

Nobre de Melo, A.L. (1979). Psiquiatria (Vol. I). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira/FENAME.         [ Links ]

 

 

1 Título original: Einleitung in die Geisteswissenschafter.
2 Os Anais do II Congresso Sul-Brasileiro de Fenomenologia (cujo tema foi “Vínculo, Relação, Diálogo), estão disponíveis online e podem ser consultados no link: http://www.labfeno.ufpr.br/textos/Anais_II_Congresso_Sul_%20Brasileiro_de_Fenomenologia_2011.pdf.