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Revista da Abordagem Gestáltica

versão impressa ISSN 1809-6867

Rev. abordagem gestalt. vol.17 no.2 Goiânia dez. 2011

 

TEXTOS CLÁSSICOS

 

Sobre o conceito de sensação1

José Ortega y Gasset
(1913)

 

Por ainda ser sumariamente escassa a produção nacional [Espanha] de temas com sentido filosófico, estarei ocupando essa seção da Revista de Libros com trabalhos estrangeiros, com mais freqüência que em outras revistas. Dessa maneira, espera-se que o leitor possa, em torno de um ano, colocar essas notas como índice da situação em que se encontra a presente filosofia, pelo menos enquanto afeta os problemas superiores e decisivos. A ocasião é propícia. Assistimos um renascimento daquilo que Schopenhauer chamava de “necessidade metafísica” do homem. Para as pessoas educadas em pleno século XIX é incompreensível esse retornar novíssimo e vigoroso, porque talvez só tenha sido no século X que a Europa chegou a uma mínima pressão filosófica dessa forma. Contudo, quiseras ou não, esse fenômeno se apresenta com características indubitáveis.

Deixando para uma outra ocasião o estudo desse fenômeno que, em verdade, serviu de tema de uma das conferências populares dadas por mim em Ateneo, no ano 1912; hoje, limito-me a dar conta da parte crítica da tese de doutorado abaixo citada2.

O senhor Hoffmann foi discípulo de Edmund Husserl3, professor de Gotinga. Com isso fica dito qual o propósito geral de seu trabalho. A influência – cada vez maior – da “fenomenologia” sobre a psicologia tende a separar, de modo mais radical e salutar, a descrição da explicação.

Na psicologia atual e em Wundt mesmo, por exemplo, coexistem de forma confusa duas ciências muito diferentes: uma que trata de descrever e classificar os fenômenos da consciência; e a outra, de construir de forma causal o mundo psíquico. A diferença de ambas é total, principalmente se sua diferenciação não for apenas uma questão formal. Os conceitos psicológicos primários são intransferíveis de uma ciência para outra; porém, quando se esquece isso, perde-se todo valor e precisão. O autor em questão se ocupa especialmente de um desses conceitos: a sensação. Passa, então, a revisar certas definições típicas da sensação como um elemento psíquico. Tais definições vêm de Ebbinghaus, de Fr. Hillebrand, de Wundt, etc.

A primeira definição encontrada é o que Hoffmann chamou de “sensação pura”. Segundo Ebbinghaus são sensações aqueles conteúdos da consciência “produzidos imediatamente na alma por excitações exteriores, sem intermediários específicos, em especial sem experiências; puramente à mercê da estrutura inata dos órgãos materiais de uma parte e, por outra, a maneira original da alma reagir frente os impactos nervosos”. Em tal definição, tem-se a sensação como algo que, segundo ela mesma, não poderia estar na consciência real de um indivíduo adulto. Nessa consciência adulta todo o conteúdo se apresenta fundido nas experiências (recordação, imagens, etc.). Segundo essa concepção, a maioria de tais sensações “puras”, só poderá existir na consciência do recém-nascido. Com essa observação, parece claro que se trata de uma hipótese análoga aos átomos da física. Assim, a “sensação pura” constitui um objeto ideal, construído por reflexão metódica, com o fim de fazer possível a explicação da gênese psíquica. Porém, longe de colocá-la presente na consciência real, por ser isso um problema inconcluso, ou seja, um x a determinar assintomaticamente. Na acepção de Hoffmann, esse conceito de sensação é necessário para a psicologia genética, contudo carece de sentido para a psicologia descritiva (é curioso, não obstante, que o defensor mais extremo da psicologia puramente descritiva – Paul Natorp – nos beneficiou com um conceito parecido de sensação em sua “Introdução à Psicologia” de 1888. Eu espero que na nova edição, cujo segundo tomo ainda não apareceu, ele ofereça de certo modo uma correção).

Enquanto isso o conceito wundtiano de sensação, na opinião de Hoffmann, resume-se, como “estado simples, puramente intenso e qualitativo que pode segregar-se pela análise das diversas percepções sensíveis”. Desse modo, a sensação resulta em um elemento da consciência real que por sua natureza elementar não se dá, claro, separado e por si mesmo; mas se dá na mera descrição da imediatez originária da consciência. Não é como as sensações do recém-nascido; conteúdo da consciência que se define por características completamente opostas aos possuídos pela nossa consciência atual, mas na mera redução dessa e já não sujeito à análise. A simplicidade ou irredutibilidade de uma análise maior constitui a sensação, segundo Wundt (se entende, deixando de lado todo o âmbito sentimental da consciência). Se o conceito de Ebbinghaus era genético, construtivo e hipotético, o de Wundt satisfaz aos propósitos da psicologia descritiva, mantendo-se na imanência do espontaneamente dado.

Até aqui o estudo de Hoffmann não nos oferece nada de novo. No entanto, é digna a leitura de suas considerações porque servem, por exemplo, para chegar à escassez do pensamento de Wundt. À parte de certas dificuldades internas na concepção dos elementos psíquicos sustentadas pelo famoso psicólogo – que segundo mostrarei em outro lugar, são maiores das que encontram Hoffmann –, é sabido que a exposição de Wundt é de uma pobre clareza e de grave imprecisão de fundo.

Hoffmann procede com um extremo empirismo, não pretendendo formar um conceito genético de sensação. Ao contrário, sustenta que para chegarmos ao conceito de sensação seria preciso estudar isoladamente cada classe de fenômenos sensíveis. Assim, postula que a definição e o método definidos por Wundt satisfazem nas ditas representações sonoras, mas não nas visuais. Naquelas, chegamos efetivamente aos conteúdos “relativamente independentes”, como Wundt propõe: o som simples, relativamente simples nada mais, mesmo que ainda se integrem à intensidade e qualidade. Certo de que esses dois componentes do som simples são absolutamente abstratos; ou dito de outro modo, que o fundamento de sua distinção pertence a um princípio abstrato toto coelo, diferente daquele que chegamos de um acorde aos últimos sons simples.

A facilidade de abstrair o som “simples” dos complexos não se repete nas visuais. Ainda, não entendendo bem o que Wundt chama “sensações luminosas incolores”, pergunta-se: em que consiste a simplicidade de uma cor? O critério da impossível redução a elementos mais simples não é tão seguro aqui como era na ordem paralela ao acústico. Fala-se de quatro cores fundamentais. Seriam essas as verdadeiras sensações visuais? Wundt afirma que na consciência imediata – e dessa só se fala descritivamente – as cores fundamentais não se diferenciam das cores de transição. O laranja é tão simples como o vermelho ou o amarelo. Wundt se separa – mais ainda do que Hoffmann parece notar – de seu critério de simplicidade e o substitui pelo de “saturação”. As cores simples são os gesaettigten Farben [cores saturadas]. E, no entanto, indo do vermelho ao amarelo, percebemos nesse último um processo de combinação até seu triunfo, de modo que as cores, entre o vermelho e o amarelo, nos pareçam compostas. Por isso é tão comum entre os psicólogos a opinião contrária a Wundt, segundo a qual só o vermelho, o amarelo, o verde e o azul são simples. Isso mostra que o tema é muito discutível.

Pareceria muito mais discutível se tivéssemos espaço aqui para referirmos os trabalhos admiráveis de Jaensch e Katz, que tem influenciado Hoffmann, mesmo que só citemos o segundo. Em suma, Hoffmann, reconhece também que o conceito de “sensação simples” é útil para a psicologia. No entanto, não pôde se contentar com esses conceitos, porque “representam mais uma meta que um ponto de partida para a investigação e, consequentemente, tem que se começar a teoria da sensação com formações sensíveis”, mais complexas “que sejam susceptíveis de precisa determinação”.

Com isso, encerra Hoffmann seu trabalho crítico, e inicia a sua descrição fenomenológica da percepção visual, segundo os graus de maior e menor complexidade para chegar a um novo termo, “intimidade sensível” – das sinnliche Erlebnis – e detendo-se, sem dizer formalmente, até um ponto que está por trás da “sensação” procurada.

A tese a que nos referimos é um grato produto da novíssima tendência que se tem tido no centro de Gotinga. Por isso vale a pena expor e discutir seu método e suas conclusões, reunindo frente aos comentários de certa amplitude, todo um grupo de obras recentes, nascidas do mesmo ou parecido espírito. Fica, pois, intacto o tema original de Hoffmann, que poderíamos intitular assim: o conceito fenomenológico da sensação.

Quando percebemos algo e, aqui o percebido é o que nos interessa: vivemos definitivamente o ato da percepção. Dito de outra maneira: no momento de uma percepção tal que nos interessa, também irá se constituir em nossa consciência outros atos – por exemplo, de querer, de sentir, e ainda, de pensar – ademais, o ato de perceber. Contudo, o foco de nossa atenção passa somente por este último, que se ergue no centro de nossa vida mental. Essa preferência da atenção por um ato determinado em cada instante é o que expressamos ao dizer: vivemos definitivamente esse ato.

Mas quando julgamos, quando dizemos, por exemplo: “isso é branco”, nos encontramos com um ato complexo, cujos elementos são díspares. Há nele um puro ato de predicação pelo qual afirmamos a “brancura” do “isso”. Contudo esse ato de predicação é impossível sem outros atos em que nos é dado a “brancura” e o “isso” ao que nos referimos. Nesse exemplo que tomamos o “isso” significa um objeto visual presente, portanto, algo que só pode estar frente a nós, mediante um ato perceptivo. Já a “brancura”, ao contrário, só pode chegar aos nossos olhos por um ato perceptivo, mas também por um ato meramente imaginativo ou talvez por um ato de fantasia4. Percepção, imaginação e fantasia são três classes de atos que se reúnem em uma classe única, principalmente se as colocarmos em relação com o ato predicativo. Frente a esses atos, temos aqueles mais comuns cuja função é “presentificar” simplesmente os objetos. Os chamaremos de atos “presentativos”. A predicação não é um ato presentativo, porém supõe inevitavelmente esse ato. É, portanto, o juízo um ato de segundo grau que se funda em atos presentativos ou de primeiro grau. E ainda: o juízo é uma estrutura de atos em que há um ato fundado e atos básicos ou fundantes.

Agora bem, essa unidade de atos de diversos graus traz consigo uma relação funcional entre eles que se manifestam, por um lado, enquanto atendo ao ato superior – nesse caso a predicação –, também vivo nele e só nele me dou conta, não dando conta dos outros atos concomitantes. No entanto, não há dúvidas que os realizo; não há duvidas de que constituem nesse instante minha consciência, como pode fazê-lo o ato superior. Do mesmo modo, quando a visão de algo me irrita dou-me conta do objeto como objeto de minha irritação e não como simples objeto de minha visão.

Todo o juízo, dizíamos, se funda em atos presentativos. Todavia, os atos presentativos são independentes e não se fundam em outros atos mais simples ainda? A questão, como podemos perceber, tende a dispor um conjunto íntegro de atos da consciência em uma escala que cada grau supõe o antecedente como fundamento. De um lado encontraríamos uma classe de situações da consciência em que é essencial a dualidade de elementos: atos definitivos ou aos que atendemos primariamente; e atos periféricos (periféricos a respeito ao que fixo a atenção) cujos atos àqueles se fundam. Do outro lado, aparece com toda agudeza o problema se há outro tipo de situação da consciência em que esta se coloque constituída por um só ato. O tipo anterior parecia mais essencial a essa, ou seja, a funcionalidade entre ato central e ato periférico. Dir-se-ia que a consciência consiste em uma dinâmica entre uma zona de atenção e uma zona de desatenção: como se para dar-se conta de algo fosse forçoso ter outro “algo” sem se dar conta disso.

Para resolver a dificuldade e fixar a essência dos atos mais simples sobre o qual se ergue o complexo edifício de nossa consciência integral, convém, pois, trazer a análise precisa do ato presentativo mais importante: a percepção. Mas, antes, duas palavras sobre o método dessa análise.

De propósito deixamos esse lugar para responder à pergunta: o que é fenomenologia? O que acabamos de tratar é um exemplo de fenomenologia, por isso será mais fácil edificarmos uma definição. A propósito: “todo juízo é um ato de segundo grau que se funda em atos presentativos”, isso possui um valor legal. É uma lei. Mas de onde chega esse valor, lei? Para obtê-la não necessitamos investigar muitos atos reais de juízo, basta apenas como nos colocaremos diante de um. Não se trata, pois, de uma lei indutiva, de uma lei empírica; só vale para fatos observados ou, pelo menos, dentro de um espaço de experiência limitada pelas condições de fato. Por exemplo, limitando a existência de uma espécie determinada, o homem. Essa proposição vale para todo ser capaz de julgar. Não expressa uma conexão fática como expressa a lei da gravidade. Não nos diz sobre as condições do espaço e tempo (que são fáticas) a que está submetida um juízo. Ao contrário, proclama uma necessidade absoluta: a de que é impossível ter um juízo sem um ato de presentificação, seja de quem julga, seja esse um homem ou Deus.

Tampouco se trata de uma lei dedutiva. Não partimos de um conceito de juízo, de um juízo geral para encontrar ele mesmo, como Kant diria, analiticamente, na exigência de fundar-se em outros atos. Na dedução, o caso particular não deriva conhecimento. Somos nós, que frente à indução, dizemos: não necessitamos de um ato real e presente de juízo, porque ele e só ele traz a lei... Não é do conceito de juízo que extraímos a lei, senão do juízo mesmo, de um juízo qualquer que verificamos ou fingimos verificar.

O caso não é tão estranho como pudera parecer à primeira vista. A visão de algo colorido já basta para estabelecer essa lei: “Não há cor sem extensão sobre aquilo que se estenda”. Agora bem, o conceito “cor” e o conceito “extensão”, por si mesmos, não possibilitariam nunca essa lei. Por outro lado, essa lei não se apóia em minha visão enquanto essa seja um fato – como a lei da gravidade se apóia no fato bruto da situação dos astros no espaço. Não, a verdade é que eu não posso separar a cor da extensão: isso não depende de minha constituição fática, de meu real poder ou não poder. Não sou eu quem tem poder ou desejo poder: a lei expressa é que a cor não pode libertar-se da extensão.

Indução e dedução são métodos indiretos de obter proposições verdadeiras. Os termos expressam isso com claridade: a verdade é por esses métodos, induzida ou deduzida, nunca vista. Toda proposição, mediante o alcance, funda sua certeza, eventualmente, nas leis formais que a lógica estabelece para a indução ou dedução no geral. De modo que, embora a proposição indutiva se refira aos objetos materiais – os ópticos, por exemplo –, sua verdade procede da subordinação ao observado em conceitos puramente lógicos. Como em Stuart Mill, que todas as verdades indutivas dependem da verdade do axioma (?) e proclama a uniformidade no curso da Natureza. O axioma cujo qual é muito mais um capricho de Stuart Mill, quanto mais uma louvável esperança. Disso resulta que nossas afirmações sobre um objeto físico não extraem seu valor cognoscível do que ele mesmo é, senão de uma complicação entre o que dele possuímos e o axioma geral da indução. O axioma, sem hesitar, perturba todas as afirmações sobre os objetos concretos.

O mesmo acontece com a dedução. Também aqui a verdade de uma proposição objetiva se obtém abandonando o objeto que se trata, apoiando-se em outras proposições que se consideram como verdades provadas. Isso não significa dizer que indução ou dedução não sejam métodos científicos suficientes: significa simplesmente dizer que não se pode com eles pretender a dignidade de métodos primários na obtenção da verdade.

A proposição: “estou vendo uma mesa com livros e papéis” não deriva sua verdade de nada que não seja o estado objetivo mesmo que se faz referência. A proposição se limita a descrever em expressões uma objetividade patente, imediata, não inferida. O perigo da alucinação não põe em risco sua verdade, porque não falo de um objeto como existindo à parte e independente de minha visão, senão do que vejo, enquanto vejo.

Portanto, essa proposição supõe em mim a capacidade de dar-me conta dos estados objetivos individuais: essa capacidade se chama percepção, imaginação..., na experiência em geral ou intuição individual5. Por essa intuição é dado um objeto individual, ou seja, um objeto presente, frente a mim em um momento do tempo e em algum lugar do espaço. A mesa que falávamos é um objeto individual, porque é um objeto que eu tenho agora, só agora; aqui e só aqui frente a mim.

Em todo objeto individual há, portanto, dois elementos: o primeiro, o que o objeto é: a mesa, com sua forma e cor, etc.; e outro elemento é a observação de sua existência, aqui e agora. O segundo elemento é o que faz de um objeto um fato. Como o tempo flui e as relações espaciais variam isso leva o objeto ser fato junto a que o envolve externamente e, por isso, se diz que frente a nós só se dão coisas absolutamente fugazes; uma incessante mudança. Contudo, isso é um erro: em toda intuição individual pode-se abstrair algo desse elemento que o individualiza e converte em fato o objeto, ficando o que se abstrai isento das narrações têmporo-espaciais, invariável, eterno.

Meu ato de visão da mesa transcorre: a mesa material – motivo de minha visão – corrompe-se, mas o objeto “mesa que eu vejo agora” é incorruptível e isento de vicissitudes. Talvez minha recordação dela seja obscura e confusa, mas a mesa que vi, tal e como a vi, constitui um objeto puro e idêntico a si mesmo. Não é um objeto individual, mas sim sua essência. A intuição individual, chamada na experiência, converte-se sempre em intuição essencial. Vejamos como:

Há uma “maneira natural” de efetuar os atos da consciência, quaisquer que sejam esses atos. Essa maneira natural se caracteriza pelo valor de ação que têm esses atos. Assim, a “atitude natural” no ato de percepção consiste em aceitar, existindo diante de nós, uma coisa pertencente a um âmbito de coisas que consideramos efetivamente como reais e que chamamos de “mundo”. A atitude natural no juízo A é B, consiste em crermos resultantemente que existe um A que é B. Quando amamos, nossa consciência vive sem reservas no amor. Nessa eficácia dos atos, quando nossa consciência vive os atos em atitude natural e espontânea, chamamos o poder de execução daqueles.

Suponhamos agora que, ao ponto de ter efetuado em nossa consciência, por assim dizer, de boa fé e naturalmente, um ato de percepção se flexiona sobre si mesma e, em lugar de viver na contemplação do objeto sensível, se ocupa agora em contemplar sua percepção mesma. Essa, com todas suas conseqüências executivas, com toda sua afirmação de que algo real há em sua frente, ficará, por assim dizer, em suspensão. Sua efetividade não será definitiva, será só efetiva como “fenômeno”. Notemos que esta reflexão da consciência sobre seus atos: 1º) não os perturba, a percepção é o que está antes, só que agora – como diz Husserl de maneira esboçada – está posto “entre parênteses”; 2º) não se pretende explicá-los, senão que descrever o que meramente se vê, da mesma maneira que a percepção não explica o objeto, somente a presencia na perfeita passividade.

Pois bem, todos os atos de consciência e todos os objetos desses atos podem ser “colocados entre parênteses”. O mundo “natural” inteiro, a ciência enquanto sistema de juízos efetuados de “maneira natural”, tudo fica reduzido a fenômeno. E não significa aqui fenômeno no que Kant sugere, por exemplo, com algo substancial por trás dele. Fenômeno é aqui simplesmente o caráter virtual que adquire tudo, quando seu valor efetivo natural passa a ser contemplado, em postura espetacular e descritiva, sem atribuir-lhe o caráter definitivo. Essa descrição pura é a Fenomenologia.

A Fenomenologia é descrição pura das essências como é a matemática. O tema cujas essencialidades a fenomenologia descreve é tudo aquilo que constitui a consciência6. Definição semelhante aproxima de uma maneira perigosa a fenomenologia da psicologia. E, efetivamente, as primeiras investigações de Husserl – ainda sem saber ter chegado à fórmula clara – padeceram de uma interpretação psicológica. Husserl mesmo em sua obra de 1900 – Investigações Lógicas – fala equivocadamente da fenomenologia como uma “psicologia descritiva”. Tratava-se de um novo território de problemas que o próprio fundador não podia ainda abarcar de uma só vez. Contudo, fica evidente que a nova ciência não é psicologia, se por psicologia entendermos, segundo o uso, uma ciência descritiva empírica ou uma ciência metafísica.

A fenomenologia separa-se das formas usuais na psicologia, porque se ocupa exclusivamente das essências e não das existências. Em geral, a psicologia trata do fato da psique humana, como a astronomia do fato dos corpos celestes. A existência da consciência humana é um suposto constitucional sem a qual a psicologia careceria de sentido. Ao contrário, esse suposto é só necessário para que existam fenomenólogos, mas é indiferente para a constituição da fenomenologia. Cabe, com certeza, uma fenomenologia particular da consciência humana. É o que com maior veemência nos interessará – mas, como será possível isso sem uma fenomenologia geral?

Do que foi dito até aqui, e se meditarmos um pouco, deixamos de estabelecer uma distância inequívoca entre fenomenologia e psicologia. Por isso, cabe fazer uma breve observação que acentue sua diferença. A consciência humana – de que trata a psicologia – é, digamos com ingenuidade, um objeto bastante específico, ou seja, mais específico que aquela “razão sã” e aquele “entendimento são e natural” que se costumava falar em épocas mais felizes que a nossa. Porque a adição de “humana” traz uma prudente intenção limitativa, que falta, se falarmos simplesmente “consciência”. Temos, pois, adiante dois elementos heterogêneos que aspiram formar unidade de uma coisa: consciência-humana.

Com efeito, por consciência entendemos aquela instância definitiva que de uma ou outra maneira constitui o ser dos objetos. Se nosso interesse ao falar de “consciência humana”, como acontece em toda linhagem de positivismo, consiste em limitar estritamente a qualidade de ser e não-ser, reduzindo-a às perfeitas relatividades, necessitamos pelo menos que o objeto limitado – todos aqueles que envolvemos para mediarmos – não seja um ser relativo e de qualidade limitada. De maneira que o relativismo e antropologismo mais extremo exijam um sentido do termo consciência ilimitado e absoluto– prova da contradição íntima em que aqueles vivem –, dentro do qual se constituirá, como objeto entre nós, o objeto “consciência humana”. Esse sentido é o que tem o termo consciência na expressão “consciência de”: “consciência de” branco, da figura, da existência, etc.

Quando Descartes supôs que todas nossas predicações sobre as coisas padecem de erro; ainda, quando se coloca entre parênteses toda objetivação transcendental, toda afirmação ou negação de algo como realidade, adverte-se que nem por isso tem-se concluído o âmbito íntegro do ser. Que anuladas pela dúvida todas as nossas proposições transcendentais, continuam possuindo uma constância, um ser absoluto tomadas como meras cogitationes. Na cogitatione, na consciência, chegam todos os objetos de uma vida absoluta. O ser real, o ser transcendente poderá ser de outro modo que como eu penso que ele é, mas o que eu penso é tal e como eu penso, seu ser consiste precisa e exclusivamente no ser pensado. Assim, o real tem dois lados: o que dele aparece na consciência, o quê se manifesta e, ademais, aquilo que não se manifesta. Assim, um corpo físico é essencialmente uma dualidade, porque não pode manifestar-se; se aparece em três dimensões, somente em uma série e sucessivas cogitationes (que nesse caso chamaremos percepções) parciais – agora de um lado, depois do outros, etc. No entanto, como tem profundidade, tem um interior que vai se manifestando em séries de percepções até o infinito; de sorte que, o que do corpo físico é como realidade integral, nunca obter-se-á por completo a evidência, por ser fenômeno e consciência. E é por isso que a física nunca converter-se-á em um ciência pura e exata. Ou seja, um triângulo é puramente o que pensamos que ele é; o que é como consciência.

Na fenomenologia, a consciência é o plano da objetividade primária em que tudo esgota seu ser no aparecer (phainómenon), mas não como um fato têmporo-espacial e nem como realidade de uma função biológica ou psicofísica ligada a uma espécie, mas sim, como “consciência de”. Assim, para concluir essa brevíssima introdução do que entendemos por fenomenologia, citemos um exemplo, seguindo a concepção de Husserl.

O brilho metálico é uma evidente peculiaridade luminosa que percebemos envolvendo um objeto de prata. Um físico estudará o porquê as combinações não patentes, não-manifestas, produzem esse fenômeno. O psicólogo estudará por quais mecanismos psicofisiológicos chegamos a essa percepção. O físico, assim, busca num lado do fenômeno “brilho metálico” a constituição da coisa material que dele se manifesta. O psicólogo busca a gênese desse fenômeno na realidade da psique individual. Ambos partem do fenômeno, porém, o abandonam pelos objetos reais, isto é, objetos científicos, produtos de uma operação racional construída. No caso, o fato está em entendermos sobre o que é o “brilho metálico” mesmo; ou de outro modo, que classes de cores e em que disposição, etc., temos que vê-los, para que vejamos “brilho metálico”. Em suma, convém fixar a essência dele, do que vejo enquanto, e só enquanto vejo. Parece coisa óbvia e supérflua? Então, ensaie uma definição para esse fenômeno e verá como esta tarefa é extremamente penosa. Provavelmente não se tem dado uma descrição satisfatória de coisa tão trivial. Se a tivéssemos à mão, possuiríamos a definição da “consciência de” brilho metálico, a qual valeria a pena ao humano, sobretudo, para o infra-humano e sobre-humano. Todo sujeito, divino ou mundano, para quem o brilho existe, perceberá da mesma maneira o essencial.

Como vemos, a fenomenologia goza de uma abordagem invejável, digna de prestígio histórico, sem arrebatar novidade. Todo clássico idealismo – Platão, Descartes, Leibniz, Kant – partiram de tal princípio fenomenológico. Os objetos são, antes que reais ou irreais, objetos, ou seja, presenças imediatas frente à consciência. O que faz a fenomenologia ser inédita consiste em interromper o método científico no plano do imediato e patente enquanto tal do vivido. O erro a ser evitado radica que, sendo a pura consciência o plano das vivências7– a objetividade primária e envolvente –, quer circunscrever-se dentro de uma classe parcial de objetos como sendo a realidade. A realidade é “consciência de” a realidade; mal pode, por sua vez, ser a consciência uma realidade. Bem, isso porque a psicologia considera a “consciência humana” como uma realidade que nasceu em um dia determinado e em um ponto do espaço sobre o feixe do real. Porém, sem esquecer que não é o que tem na consciência, mas o que tem de humana quem faz daquela unidade um tema de estudo realista. A mecânica é uma parte da pura consciência, cuja verdade e não-verdade, juntamente com seus juízos, raciocínios, etc., é completamente alheia a toda a determinação tempo-espacial. Como poderá ser um problema para uma psicologia realista? Não o é, com efeito, nem poderia sê-lo; tal equivaleria a estudar a influência da gravitação nas leis do xadrez. O que se pode estudar na psicologia é: por que o corpo da mecânica ideal, a “consciência de” a mecânica se atualiza no corpo vivo de um inglês em tal data exata. Não, pois, a consciência mesma, mas a entrada e saída dos conteúdos da consciência em um corpo ou, o que me é indiferente em uma alma, em uma realidade, é tema da psicologia explicativa. Para a fenomenologia fica o campo literalmente ilimitado das vivências.

Terminando aqui esta breve informação, voltemos à questão da memória em Hoffmann. Os “graus da sensibilidade visual” são os temas principais de Hoffmann. O seu propósito consiste em delimitar as distintas formas de “consciência de” uma coisa – entendendo por coisa o que vulgarmente se entende – o que constitui a percepção real. Ou de outro modo: quais são os elementos que se dão ante um sujeito para que este perceba uma coisa. Os elementos que se buscam não têm de entender-se geneticamente, senão descritivamente.

É certo que esse propósito fica reduzido à mais modesta proporção. Hoffmann limita-se a perseguir o que um sentido – a visão – aporta à percepção. Ele propôs, antes de tudo, chegar a um conceito claro do último elemento perceptivo: a sensação. Veremos como fica esse último empenho.

Antes de qualquer avanço, Hoffmann distingue entre o que chama “coisa” o físico e o que pensamos no cotidiano. A “coisa” do físico é um composto de átomos, por definição, imperceptíveis, dotada de qualidades, que em rigor também são imperceptíveis. Algo, portanto, indisponível para a percepção; um ente só racionalmente abstrato. As chamadas “qualidades secundárias” são atribuídas pela física, não às coisas; mas sim seu influxo mecânico sobre nossos órgãos do sentido. Ao contrário disso: “quando na vida ordinária falamos de coisas, entendemos algo corpóreo que completa o espaço (o aparente, não o geométrico), que tem essa ou aquela situação frente às outras coisas, que em seu interior, assim como nas diversas partes de sua superfície possui tal cor; a que atribuímos certa resistência contra a pressão; um certo grau de dureza, de polimento ou aspereza, etc..” A física parte dessas propriedades, arrebatando umas, adicionando outras, chegando a formar o que Hoffmann chamou de “coisa atômica”, em oposição a “coisa sensível”. Essa “coisa sensível” é o conteúdo da percepção plena. Essa coisa existente agora entre nós no espaço em que percebemos, de tal e qual forma, com um interior e um exterior.

Aqui se impõe uma nova distinção analítica. É indubitável que no ato de percepção plena percebemos as coisas como corpos, isto é, como cheias, não constituídas por meras superfícies. E, contudo, em cada momento, os sentidos manifestam só superfícies. De modo que a percepção já nos surge como síntese de duas formas de consciência distintas: aquela em que nos dá a coisa superficial e aquela em que pensamos o interior da coisa. Hoffmann abandona o problema de como isso que chamamos o interior das coisas se apresenta frente a nós e limita a questão às propriedades superficiais da coisa. Como, por outra parte, refere-se só à percepção visual, designando o correlato8 dessa como “coisa real visual”.

Um exemplo disso está em qualquer objeto alheio, remoto a nosso tato. Um corpo cúbico colocado a alguns metros de distância nos oferece três de suas superfícies, de forma que não coincide nunca com a que atribuímos à coisa real cubo. Variando nossa orientação e distância a respeito dele, muda-se a forma, o tamanho, a cor, etc.; contudo, nós sempre percebemos como cubo. A “coisa real visual” consiste, assim, em uma série de visões sobre a coisa com certa continuidade que nos representa a permanência de um idêntico objeto. E, é essencial para que todos entendam o que é coisa real, que essa série de visões, de experiências, seja literalmente infinita. Não podemos esgotar os pontos de vista das quais cabe ver a coisa que, segundo Hoffmann, Kant chamaria de uma idéia, pois se trata de um conceito limite.

Se subtrairmos o que na percepção declaramos como presente – o que em verdade não está – teremos uma série de visões efetivas que não nos dará adequadamente a coisa real, mas sim, o que a toda hora estamos tomando como coisa real. Se eu dou uma volta inteira ao redor de uma cadeira, uma série contínua de imagens se desenvolve em mim, chegando a formar um círculo fechado. Posso chamar isso de coisa real? É certo que não. Essa série concluída não é mais que uma mínima parte do que posso apreender sobre o objeto. Se, a partir da distância que mantive ao girar em torno da cadeira não se mostraram os veios, a aspereza, etc., da madeira, essas propriedades podem aparecer se me aproximar. A nova distância me permitirá obter uma nova série concluída. Que privilégio pode-se atribuir a uma dessas séries sobre as outras pretendendo ser ela a real?

Essas coisas obtidas são, portanto, uma série concluída de visões, algo que parece adequar-se ao que chamamos realidade, mas que não é. Hoffmann chama essa série concluída de “coisas visuais” (Sehding), seguindo a terminologia de Jean Hering, em oposição às reais. Com respeito a essas, aquelas são verdadeiramente presentes na visão. Tudo o que não seja “coisa visível” da “coisa real”, pertence ao que podemos chamar de fator ideal da percepção.

Assim por exemplo: o tamanho. Um tamanho determinado é propriedade que atribuímos muito caracteristicamente a cada coisa. Não falo do tamanho métrico, que seria o da “coisa atômica”, mas do tamanho aparente que geralmente atribuímos a um objeto. Agora bem, as árvores do final de uma rua têm menor “tamanho visual” que as primeiras mais próximas. Um copo é grande se estiver a um metro de distância; menor se estiver a alguns metros. Por outro lado, o “tamanho visual” varia segundo os indivíduos. Hoffmann fala que para quem está na lua cheia no zênite, ao diâmetro rígido pode-se atribuir meio metro.

Qual é, então, o tamanho da “coisa real”. Entre os vários que vimos, tomamos um e fazemos dele o tamanho. Hoffmann chama esse tamanho de “tamanho natural”. Cada coisa tem “uma zona de distância” na qual nos parece mais ela mesma. O tamanho que nessa zona de distância se oferece é elevado à norma. Não se pode marcar uma determinação geral a respeito de qual seria essa zona. Só cabe dizer que os limites dela estariam entre a distância mais próxima que permite tomar a visão integral dos objetos e suas partes e a mais distante que conserva o tamanho que nessa mais próxima apresentava.

Uma curiosa complicação vem ao encontro. As partes de uma casa – um tijolo, por exemplo – não são vistas por mim em seu “tamanho natural” quando vejo a casa inteira em seu “tamanho natural”. Nos objetos de magnitude considerável, o tamanho natural não é uma simples soma de tamanhos naturais de suas partes. É possível, sem dúvida, reunir uma parte sobre a outra em seu tamanho natural e obter assim um tamanho do todo que seja a soma. Nesse exemplo da casa, isso seria um produto construtivo e não o tamanho visual do objeto.

Prossegue Hoffmann fazendo observações interessantes sobre o gênero de dependência entre as variações de tamanho visual e as variações das imagens da retina. Ao meu entender, essa consideração não interessa ao problema fenomenológico, prosseguindo o tema memória de Hoffmann que trago nesse extrato. Só para referir sobre isso, quando ele fala da sensação, reproduzo suas conclusões. Ao afastar-se uma coisa da pupila, diminui-se o tamanho natural da coisa visual em menor grau que o tamanho métrico das imagens na retina. Por conseguinte, não há correspondência estrita, há relativa interdependência entre a base fisiológica e a imagem. Assim, cabe que, tendo o mesmo tamanho a imagem na retina, o tamanho visual varia. Tome-se uma pena de escrever: coloque-a a 30 ou 40 centímetros de distância e aparecerá em seu tamanho natural. Conservado-a na mesma distância, coloque de fundo a janela e acomode a visão ao molde desta. A pena aparecerá, então, bem maior.

Ficam, então, outros constituintes fenomenológicos da “coisa visual” ainda mais importantes: a figura e a cor9.

 

 

Tradução: Prof. Dr. Tommy Akira Goto
(Universidade Federal de Uberlândia)
Revisão Técnica: Prof. Dr. Adriano Holanda
(Universidade Federal do Paraná)

Nota biográfica José Ortega y Gasset (1883-1955) foi um filósofo espanhol, que atuou como ativista político e jornalista. Formou-se na Universidade Central de Madri em 1904, seguindo para a Alemanha, período caracterizado pela primeira etapa de sua filosofia. Nesse período recebe a influência da escola de Marburg e da Fenomenologia de Edmund Husserl. Já insatisfeito com o neokantismo, o encontro com a fenomenologia de Husserl foi um “feliz sucesso”. Em 1923, fundou a Revista de Occidente, revista que ficou responsável por publicar, traduzir e comentar grandes autores do pensamento filosófico. Durante a ditadura espanhola, exila-se na Argentina, contribuindo também para a difusão da Fenomenologia na América Latina. Regressa à Espanha em 1948, porém, logo em 1955, falece acometido de um câncer. Autor prolífico, discorreu sobre temas diversos, entre filosofia, história, política, arte, dentre outros. De sua vasta obra, destacamse: Investigaciones Psicológicas (curso de 1915–1916, mas publicado somente em 1982); El tema de nuestro tiempo (1923); ¿Qué es filosofía? (1928–29, curso publicado postumamente em 1957); Kant (1929-31); ¿Qué es conocimiento? (publicado em 1984, refere-se a três cursos entre 1929, 1930 e 1931, que tinham como títulos, respectivamente: “Vida como ejecución (El ser ejecutivo)”, “Sobre la realidad radical” e “¿Qué es la vida?”); La rebelión de las masas (1929); Misión de la Universidad (1930); Ensimismamiento y alteración. Meditación de la técnica (1939). Suas obras completas foram publicadas em Madrid (Editorial Alianza/ Revista de Occidente), em doze volumes, entre 1946-1983. Recentemente, o Editorial Taurus (junto com Santillana Ediciones Generales) e a Fundación José Ortega y Gasset, reeditaram suas obras completas em dez volumes (2004-2010).
1 Texto publicado originalmente nas séries de artigos da Revista de Libros (Madrid), no ano de 1913.
2 “Estudos sobre o conceito de sensação” (Untersuchungen über dem Empfindungsbegriff), por Heinrich Hoffmann, Archiv für die gesamte Psychologie, tomo XXVI, cadernos 1 e 2, 1913.
3 Grifos nossos (Nota do Editor).
4 Refiro-me ao tema, hoje muito discutido, da fantasia de cores em cegos de nascimento.
5 Edmund Husserl, em “Idéias para uma Fenomenologia Pura e uma Filosofia Fenomenológica”.
6 Edmund Husserl, em “Idéias para uma Fenomenologia Pura e uma Filosofia Fenomenológica”, § 75.
7 Edmund Husserl em “Idéias para uma Fenomenologia Pura e uma Filosofia Fenomenológica”, § 75. Aproveito essa ocasião para pedir auxílio em uma questão terminológica aos que se interessam pela filosofia espanhola se, como creio, filosofia espanhola significar só a filosofia explicada em vocábulos e que sejam para os espanhóis plenamente significativos. O caso que agora me refiro trata de um curioso problema que hoje tem conquistado atenção de toda a filosofia alemã e, contudo, faz poucos anos – que não chegam a cinqüenta – que tivemos pensadores alemães que buscaram ou compuseram uma palavra nova que vou expressar. Essa palavra, Erlebnis, foi introduzida, segundo penso, por Dilthey. Depois de dar muitos rodeios durante anos, esperando esbarrar em algum vocábulo já existente em nossa língua e suficientemente apto para transcrever aquela, tenho constantemente abandonado e passado a buscar uma nova. Trata-se do que se segue em frases como: “viver a vida”, “viver as coisas”, que adquire no verbo “viver” um curioso sentido. Sem deixar seu valor declarante tomar uma forma transitiva, significando aquele gênero de relação imediata em que entra ou pode entrar o sujeito com certas objetividades. Pois bem, como chamar cada atualização desta relação? Eu não encontro outra palavra que “vivência”. Tudo aquilo que chega com tal imediatez a meu eu, que entra formando parte dele, é uma vivência. Como o corpo físico é uma unidade de átomos, assim também o eu ou corpo cônscio é uma unidade de vivências. Como toda palavra nova, reconheço que esta pode soar mal. No entanto, ela já existe em composições como convivência, sobrevivência, etc. e outras análogas. Estou certo que o dicionário acadêmico não traz essas formas compostas, o que me faz temer se será um pouco exótica. Solicito, pois, aos filólogos, que se interessem por essa consulta. Por enquanto não se encontra outro termo melhor, assim continuarei usando “vivência” como correspondente a Erlebnis.
8 Todo ato de consciência é referência a um objeto por meio do “intencional” do ato. O correlato do ato não é o objeto – por exemplo, o sol de que falo –, senão aquele “objeto imanente”, aquele “sentido” pelo qual penso, referindo-se ao sol. O correlato da percepção é o percebido, não o objeto transcendente a mim. Essa distinção, acaso difícil, não pode ser aqui explanada.
9 No final desse artigo se dizia: “Continuará”, porém não teve continuação (Nota do Tradutor).