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Revista da Abordagem Gestáltica

versão impressa ISSN 1809-6867

Rev. abordagem gestalt. vol.19 no.1 Goiânia jul. 2013

 

EDITORIAL

 

 

O ano de 2013 é um ano rico de celebrações. Um representativo número de obras e de personagens completa aniversário neste ano. Comemoramos o centenário da Psicopatologia Geral de Karl Jaspers que, ao lado dos 80 anos da publicação do Le Temps Vécu. Études phénoménologiques et psychopathologiques (publicado em 1933), de Eugène Minkowski, representam boa parte da moderna tradição psicopatológica. Igualmente a vertente existencialista comemora os 70 anos do Ser e Nada de Jean-Paul Sartre (publicado em 1943), e os 90 anos do Eu e Tu, de Martin Buber (publicado em 1923). Comemora-se, ainda, o centenário de nascimento de Paul Ricoeur (1913-2005).

Mas, seguramente, nada mais representativo do que o centenário da publicação das Ideen (ou Ideias para uma Fenomenologia Pura e uma Filosofia Fenomenológica) de Edmund Husserl, que marca uma importante transição do pensamento fenomenológico e que representa a afirmação da Fenomenologia no cenário do pensamento filosófico contemporâneo.

No esteio de tantas comemorações, nossa principal novidade, neste momento, é a efetivação da transformação da revista, cujo esteio principal é sua internacionalização, que pode ser observada pela mudança no título da revista - que passa agora a se chamar Revista da Abordagem Gestáltica - Phenomenological Studies - e que passa a contar, em seu corpo editorial, com dois consultores externos de renome internacional: Antonio Zirión Quijano (Universidad Nacional Autónoma de México) e Pedro M. S. Alves (Universidade de Lisboa, Portugal). Além desses reconhecidos autores, contamos agora com o Prof. Tommy Akira Goto, da Universidade Federal de Uberlândia, como colaborador na condição de Editor Associado. E, ainda, com mudanças em nosso Conselho Editorial, incluindo outros nomes internacionais, como André Barata (Universidade da Beira Interior, Portugal), Irene Pinto Pardelha (Universidade de Évora), Lester Embree (Florida Atlantic University), María Lucrecia Rovaletti (Universidade de Buenos Aires), Michael Barber (Saint Louis University) e Rosemary Rizo-Patrón de Lerner (Pontificia Universidad Católica del Perú).

Nossa meta é a continuidade de um crescimento que expressa o crescimento de um movimento, a partir de uma nova visibilidade, e da ampliação de novos diálogos e novas parcerias.

Inauguramos ainda, neste número, nova formatação na apresentação dos artigos publicados, seguindo diretrizes de avaliação orientadas pela Capes. Desta feita, a revista passa a ter - como seções fixas de artigos - três categorias: relatos de pesquisa, revisões críticas de literatura e estudos teóricos ou históricos.

Na categoria de "relatos de pesquisa", apresentamos neste número, três exemplos de pesquisas empíricas, orientadas pela vertente fenomenológica. No texto, Compreendendo a Experiência do Sofrimento de Mulheres na Relação Amorosa, Ana Regina de Lima Moreira e Elza Maria do Socorro Dutra - em pesquisa desenvolvida na Universidade Federal do Rio Grande do Norte - promovem a escuta clínica de mulheres em sofrimento amoroso, utilizando entrevistas qualitativas e a narrativa como recurso metodológico. A segunda pesquisa apresentada intitula-se A Reconfiguração do Significado de Família para Homossexuais: Um Estudo Fenomenológico, de autoria de Mariana Alvarenga Rodrigues e Marta Carmo - vinculadas ao Instituto de Treinamento e Pesquisa em Gestalt-Terapia de Goiânia - e se propõem a uma compreensão dos novos significados das configurações familiares, num estudo empírico-fenomenológico, utilizando a metodologia proposta por Amedeo Giorgi. A terceira pesquisa - desenvolvida junto ao Instituto de Medicina Infantil Prof. Fernando Figueira-PE - chama-se Gestalt, Grupoterapia e Arte: A Ressignificação do Bebê Pré-termo em Unidade Neonatal, de autoria de Katerina Czajkowska Braga de Morais, Tathyane Gleice da Silva, Waleska de Carvalho Marroquim Medeiros e Camila Martins Vieira. Neste texto, as autoras fazem um estudo descritivo junto a processos de intervenção precoce com bebês e seus acompanhantes, numa Unidade de Cuidados que utiliza o método canguru.

A categoria "revisão crítica de literatura" traz dois textos. Em Reflexões sobre a Atuação Ética do Pesquisador em Estudos Qualitativos: Um exemplo envolvendo o tema da Religiosidade, a professora Thais de Assis Antunes Baungart, da Faculdade Anhanguera de Campinas, busca pensar a atuação do pesquisador em relação a questões de ordem religiosa. O segundo texto - intitulado Fenomenologia da Depressão: Uma Análise da Produção Acadêmica Brasileira - de autoria de Anielli Santiago e Adriano Holanda, vinculados à Universidade Federal do Paraná, traz um panorama das pesquisas publicadas no Brasil cujo tema é a depressão numa perspectiva fenomenológica, a partir de uma pesquisa em bases de dados abertas.

A terceira categoria - "Estudos Teóricos ou Históricos" - tem sete artigos. Em A Existência como "Cuidado": Elaborações Fenomenológicas sobre Clínica Psicoterapêutica, de autoria de Danielle de Gois Santos e Roberto Novaes de Sá (da Universidade Federal Fluminense), aborda noções existenciais de Heidegger em suas possíveis repercussões para a psicoterapia na contemporaneidade. Na mesma direção do pensamento heideggeriano, temos o artigo Do Sujeito à Presença como Transitividade para o Ser: O Desafio de uma Passagem Epocal sob a Ótica do Pensamento de Heidegger, de Marcos Aurelio Fernandes, da Universidade de Brasília, onde analisa a situação do homem na contemporaneidade, a partir de sua passagem crítica, enquanto risco e oportunidade.

No artigo Expressando Vivências: O Ensaio Vivencial como Escrita, Unidade de Sentido e Aprendizagem Significativa, de autoria de Carlos Roger Sales da Ponte (Universidade Federal do Ceará - Campus Sobral), com base na perspectiva pedagógica de Carl Rogers, propõe uma atividade avaliativa que chama de "ensaio vivencial", como forma de expressão significativa de estudantes. Já em Ação Corporal e as Reversões entre Consciência e Movimento: O Problema do Realismo Fenomenológico - de Marcos Ricardo Janzen, Thiago Gomes Decastro e William Barbosa Gomes - temos um estudo histórico que traça uma relação entre corporeidade e consciência, estabelecendo relações entre a fenomenologia descritiva, as ciências cognitivas e a fenomenologia existencial, bem como suas intersecções com outras ciências, como educação física e ergonomia.

A presença do pensamento existencial se faz no artigo A Angústia e a Culpa no Transtorno Obsessivo-Compulsivo: Uma Compreensão Fenomenológico-Existencial, de Gustavo Alvarenga Oliveira Santos, da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, como uma análise dos fenômenos da culpa e da angústia, a partir da descrição de comportamentos compulsivos em Von Gebsattel, articulados com as ideias de Medard Boss. Numa direção paralela, o artigo Intersubjetividade em Michel Henry: Relação Terapêutica - de autoria de Maristela Vendramel Ferreira e Andrés Eduardo Aguirre Antúnez - trazem as ideias de Michel Henry para um debate sobre intersubjetividade num contexto da clínica psicológica e clínica psicoterápica. Por fim, no texto intitulado Luto e Fenomenologia: Uma Proposta Compreensiva, a professora Joanneliese de Lucas Freitas, discute o tema do luto sob um ponto de vista existencial, entendendo-o como uma ruptura e como modo de ser-no-mundo.

Temos ainda a honra de trazer ao público de língua portuguesa, um dos mais representativos estudos publicados na segunda metade do século passado. Trata-se do famoso artigo de Thomas Nagel - Como é Ser um Morcego? - publicado originalmente em 1974, na The Philosophical Review1. Esse texto ocupa significativo espaço em qualquer discussão que toque temas como consciência e cognição, e esperamos com isto aproximar cada vez mais os debates com pesquisadores das ciências cognitivas. Agradecemos aos editores da revista "Philosophical Review", bem como à Duke University pela autorização para tal tradução.

Mantendo nossa tradição de trazer sempre traduções de textos clássicos da produção fenomenológica, o atual número traz um estudo assinado por Maximilian Beck (1887-1950), que foi membro do grupo fenomenológico de Munich, com um texto publicado originalmente em 1941, sob oo título A Última Fase da Fenomenologia de Husserl: Exposição e Crítica.

Num ano em que o Brasil trouxe de volta o debate em torno dos trabalhos e propostas de Carl Rogers, e que acolheu o XII Fórum Internacional da Abordagem Centrada na Pessoa, publicamos a resenha do livro "Carl Rogers no Brasil", escrito pelo responsável pela vinda de Rogers ao Brasil pela primeira vez, Eduardo Bandeira. A resenha é assinada por Clovis Martins Costa e Rosane de Bastos Pereira.

Na mesma direção do inacabamento da fenomenologia husserliana, esperamos que este número seja um novo "recomeço radical", e que possamos estar construindo uma nova página na nossa história.

Boa leitura a todos

 

Adriano Furtado Holanda
- Editor -

 

 

1 Título original: "What Is It Like to Be a Bat?", publicado na The Philosophical Review, Vol. 83, No. 4 (Oct., 1974), pp. 435-450, publicação da Duke University Press on behalf of Philosophical Review.