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Revista da Abordagem Gestáltica

versão impressa ISSN 1809-6867

Rev. abordagem gestalt. vol.19 no.1 Goiânia jul. 2013

 

ARTIGOS - RELATOS DE PESQUISA

 

Gestalt, grupoterapia e arte: a ressignificação do bebê pré-termo em unidade neonatal

 

Gestalt, group therapy and art: the preterm baby reframing in neonatal unit

 

Gestalt, terapia de grupo y el arte: la reformulación de bebé prematuro en unidad neonatal

 

 

Katerina Czajkowska Braga de MoraisI; Tathyane Gleice da SilvaII; Waleska de Carvalho Marroquim MedeirosIII; Camila Martins VieiraIV

IPsicóloga clínica e hospitalar. Atua no RHP (Real Hospital Português de Beneficência de Pernambuco). Formada na Residência em Psicologia pelo IMIP (Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira-PE) e Secretaria de Saúde do Estado de Pernambuco. Especialista em Intervenção Psicossocial no Âmbito Jurídico pela FAFIRE (Faculdade Frassinetti do Recife) e Licenciada em Educação Artística /Artes Plásticas pela UFPE (Universidade Federal de Pernambuco). Endereço Institucional: RHP, Av. Agamenon Magalhães, n.4760, Paissandu, Recife-PE. Email: bettulla@gmail.com
IIPsicóloga clínica e hospitalar. Atua na Unidade Neonatal (Método Canguru) do IMIP (Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira-PE). Mestre em Psicologia pela UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e Coordenadora de tutoria no curso de graduação em psicologia da FPS (Faculdade Pernambucana de Saúde). Email: tathyanesilva@gmail.com
IIIPsicóloga clínica e hospitalar. Atua na Fundação Martiniano Fernandes. Mestre em Psicologia Clínica pela UNICAP (Universidade Católica de Pernambuco), Especialista em Psicologia da Família e Realidade Social pela FAFIRE (Faculdade Frassinetti do Recife). Tutora no curso de graduação em psicologia da FPS (Faculdade Pernambucana de Saúde). Email: waleskacmm@yahoo.com.br
IVPsicóloga clínica e Arteterapeuta do IMIP (Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira-PE). Especialista em Teoria e Prática Junguiana pela UVA (RJ), Membro da diretoria da ARTE-PE (Associação Pernambucana de Arteterapia) e Mestranda em Saúde Materno Infantil (IMIP). Email: mila.mvieira@gmail.com

 

 


RESUMO

Este estudo qualitativo descritivo em saúde articula a arte na modalidade de produção plástica e a psicoterapia gestáltica, no contexto da intervenção precoce com bebês pré-termo em hospitalização. Objetivou-se favorecer o processo de ressignificação do bebê, ao identificar as dificuldades subjetivas na relação família-bebê pré-termo; estimular os familiares à compreensão do bebê enquanto sujeito; e facilitar a emergência do potencial criativo familiar frente à prematuridade. Para tanto, utilizou-se o registro descritivo de sete sessões de grupoterapia, com 79 acompanhantes e 61 bebês, do banco de dados do serviço de psicologia da Unidade de Cuidados Intermediários Neonatais Canguru de um centro de referência nacional, de fevereiro a abril de 2012. A análise fenomenológica interpretativa dos dados revelou que a terapia pela arte favorece um espaço potencial para o bebê ser posicionado por sua família como sujeito, viabilizando a relação dialógica, com novas significações em torno do recém-nascido pré-termo. Portanto, essa psicoterapia de grupo na unidade neonatal surge como uma proposta de intervenção à psicologia no contexto de fortalecimento do Método Canguru no Brasil.

Palavras-chave: Método mãe-canguru; Terapia gestalt; Psicoterapia de grupo; Terapia pela arte.


ABSTRACT

This descriptive qualitative study on health articulates art in the form of plastic production and Gestalt psichotherapy, in the context of early intervention with preterm babies in hospital. Aimed to facilitate the process of baby reframing, identifying the subjective difficulties in the family-preterm baby; to encourage families to anticipate the baby as a subject in training; and facilitate the emergence of creative family potential regarding prematurity. For this, was used the description of seven group therapy sessions, with 79 companions and 61 babies, the database of psychology service of Neonatal Intermediate Care Unit Kangaroo, a national referral center, from February to April 2012. The phenomenological interpretative analysis of the data revealed that the art therapy favors a potential space for the baby to be placed by his family as a subject in training, enabling a dialogical relationship with new significations around pre-term newborn. Therefore, this group psychotherapy in the neonatal unit appears as an intervention proposal to psychology in the context of strengthening of Kangaroo Care in Brazil.

Keywords: Kangaroo mother care; Gestalt therapy; Group psychotherapy; Art therapy.


RESUMEN

Este estudio cualitativo descriptivo en salud articula el arte en la forma de producción plástica y la psicoterapia Gestalt, en el contexto de la intervención temprana con bebés prematuros en el hospital. El objetivo era facilitar el proceso de reformulación de bebé, para identificar las dificultades subjetivas en relación familia-los niños prematuros; alentar a los miembros de la familia entiendan el bebé como sujeto y facilitar la aparición de potencial creativo rostro familiar a la prematuridad. Para ello, se utilizó el registro descriptivo de siete sesiones de terapia de grupo, con 79 compañeros y bebés 61, el servicio de psicología base de datos de Neonatología Unidad de Cuidados Canguro Intermediate un centro de referencia nacional, de febrero a abril 2012. El análisis fenomenológico interpretativo de los datos reveló que la terapia de arte a favor de un espacio potencial para que el bebé será colocado por su familia como sujeto, lo que permite la relación dialógica con nuevos significados alrededor del recién nacido prematuro. Por lo tanto, esta psicoterapia de grupo en la unidad neonatal se presenta como una propuesta de intervención de la psicología en el contexto del fortalecimiento de Kangaroo Care en Brasil.

Palabras-clave: Cuidado madre canguro, Terapia gestalt, Psicoterapia de grupo, Terapia de arte.


 

 

Introdução

A ressignificação do bebê pré-termo e de baixo peso ante sua família foi o tema desta pesquisa, em que se articulou a intervenção precoce com bebês, a Gestalt-terapia e a arte. O estudo foi elaborado durante a residência em psicologia da pesquisadora, em unidade neonatal de um Hospital de Referência de Ensino e Alta Complexidade de Pernambuco, Brasil, no rodízio de fevereiro a abril de 2012. Clarifica-se, a nomenclatura pré-termo é usada para se referir ao bebê nascido antes da 37ª semana gestacional e considerado de baixo peso ao nascer com até 2.500g (Brasil, 2011).

Na literatura psicológica sobre o nascimento pré-termo, constata-se que a chegada de um bebê nessas condições tende a provocar estado de desamparo nos familiares que podem experimentar medo, angústia, ansiedade, condutas de isolamento, dificuldade em oferecer aconchego ao neonato, envolvido pela incubadora e demais objetos da tecnologia médica. Mathelin (1999), Jerusalinsky (2002), Wanderley (2011) alertam quanto ao cuidado para que o recém-nascido não seja significado por sua família apenas como corpo biológico, condenado aos sentidos e experiências negativas compartilhadas pelos familiares, cristalizando-o como um bebê sem futuro ou digno de piedade. Tal vivência tendenciosa, no entanto, pode ser reformulada ainda na condição de bebê, dependendo do suporte que os familiares recebam por parte de sua rede social de apoio. Nesta, incluem-se intervenções precoces da equipe de saúde, ao facilitar novas maneiras de estabelecer relação família-bebê, na perspectiva dialógica.

Importa ressaltar que o bebê se desenvolverá tanto como organismo quanto como sujeito coletivo atravessado pela cultura. Nesse sentido, Fernandes, Cardoso-Zinker, Nogueira, Lazarus & Ajzemberg (2006) afirmam que é através do contínuo e complexo processo de interações entre bebê-família / organismo-ambiente que padrões de desenvolvimento serão construídos e desconstruídos no mundo experiencial. Na condição de prematuridade, o bebê lança à família a necessidade de reordenações dos padrões esperados e estabelecidos quanto ao nascimento de uma criança saudável.

À medida que a família percebe o bebê em sua condição humana, ele se constitui como sujeito, possuidor de voz subjetiva singular. Apesar de não possuir ego formado e, portanto, de não ser ainda capaz de possuir conflitos existenciais, já lhe é possível sentir, relacionar-se com o outro e com o mundo. Desse modo, o processo de ressignificação do bebê pré-termo e de baixo peso refere-se à disposição humana para ofertar novos sentidos ao neonato, nomeando-o como uma pessoa que sofre, mas também luta pela vida e busca ser amado pelo outro, ultrapassando assim os limites de suas necessidades básicas. Diante disso, a pesquisa interventiva (Nery & Costa, 2008) estabeleceu-se na perspectiva de prevenção, agindo precocemente diante dos sinais de risco ao sofrimento emocional, antes que alguma patologia psíquica no neonato fosse instaurada (Gomes-Kelly, 2011).

Salienta-se que pesquisas sobre bebês tiveram sua história traçada, sobretudo pelas leituras sociointeracionistas, ecológica, cognitivo-comportamental ou psicanalítica. Autores como Wendland (2001) abordam que a evolução dos estudos da interação pais - bebê se especificou no campo da psicologia clínica. Em busca de referências no Google Acadêmico, Scielo e na Biblioteca Virtual de Saúde, identificaram-se notórios trabalhos sobre grupos com família na unidade neonatal, mas direcionados apenas aos adultos, como os de Scochi e cols. (2004) e de Buarque, Lima, Scott & Vasconcelos (2006), ao oferecer condições emocionais suportivas aos pais no processo de hospitalização do bebê. Por sua vez, a presente pesquisa incluiu o bebê pré-termo como interlocutor ativo na dinâmica grupal.

Este artigo então sinaliza contribuições às políticas públicas em saúde neonatal, haja vista que o cuidado humanizado ao bebê pré-termo e de baixo peso é entendido pelo Ministério da Saúde como uma das ações salutares para minimizar a mortalidade neonatal, uma das Metas do Novo Milênio. As unidades neonatais do Brasil são convidadas a praticar o Método Canguru, estratégia de atenção humanizada ao recém-nascido pré-termo e de baixo peso, que instaurou mudanças paradigmáticas à figura do bebê, ao questionar a exclusividade de seu corpo biológico e reconhecê-lo como sujeito em constituição, possível de ser acolhido e compreendido de modo integral nas dimensões biopsicossocial.

Ao longo da história de cuidado humanizado com o recém-nascido, o Brasil adaptou o Método à própria realidade nacional, ao incluir a presença das famílias nuclear e ampliada no hospital, entre outros aspectos (Ministério da Saúde, 2011). A primeira enfermaria canguru do país data de 1994, no Instituto Materno Infantil de Pernambuco. Em 1999, o Método foi reconhecido pelo Ministério da Saúde como direito do bebê e de sua mãe, através da Norma de Atenção Humanizada ao recém-nascido de baixo peso - Método Canguru. Com a Portaria GM/MS n. 930/2012 (Ministério da Saúde, 2012), ficaram redefinidas as seguintes etapas de cuidado: 1) a primeira etapa é organizada em internamento na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) e na Unidade de Cuidado Intermediário Neonatal Convencional (UCINCo). O bebê fica na UTIN, por exemplo, ao estar na fase aguda de desconforto respiratório, precisar de ventilação mecânica, ou de cirurgias de grande porte. Entre os critérios de admissão na UCINCo, listam-se necessidade de cuidados complementares após alta da UTIN, e desconforto respiratório leve, sem necessidade de ventilação mecânica. Destaca-se, já na primeira etapa, o contato pele a pele entre os pais e o bebê é iniciado, podendo por indicação médica o bebê já assumir a posição canguru, ligeiramente vestido, em decúbito prono, na posição vertical, contra o peito do adulto; 2) a segunda etapa do Método corresponde à Unidade de Cuidado Intermediário Neonatal Canguru (UCINCa), onde o bebê, clinicamente estável, recebe os cuidados maternos 24h por dia, vivenciando a posição canguru sempre que sua mãe se sente motivada para tal, podendo ainda receber o colo de outros familiares, em visita hospitalar; 3) Ambulatório de Egresso, onde é garantido ao bebê consulta sistemática e complementar à Unidade Básica de Saúde, desde a alta hospitalar (1ª e 2ª etapas) até ele atingir 2.500g.

Inserida neste cenário, a pesquisa teve como ponto inovador a clínica precoce com o bebê pré-termo e de baixo peso à luz da Gestalt-terapia, uma vez percebida escassez de literatura própria nessa abordagem. No mais, utilizou-se a concepção de que as atividades artísticas podem assumir função psicoterápica (Ciornai, 2004), potencializando a relação dialógica entre a família e o bebê, no contexto da grupoterapia. E a Gestalt-terapia mostrou-se como uma abordagem aberta ao diálogo com a arte.

Nos estudos da psicologia do desenvolvimento, Pimentel (2005) observou a reformulação da concepção de bebê, não mais visto como um ser completamente passivo. Com base em Perls, "o nascimento dá início à contínua tarefa existencial do ser humano de manter-se vivo, cabendo ao bebê, embora dependa da mãe, realizar o 'mordisco de dependência', ou seja, o papel ativo que antecede a mastigação" (p. 24). Necessita-se, então, refletir sobre o recém-nascido pré-termo em processo de hospitalização e atravessado por protocolos de tratamento por vezes invasivos, mas essenciais à sua sobrevivência.

Ao articular a ideia de organismo (Alvim & Ribeiro, 2009) a uma possível noção de bebê para a Abordagem Gestáltica, compreende-se que, no processo de subjetivação do bebê pré-termo, este é capaz de assimilar as experiências saudáveis e prazerosas, distinguindo-as daquelas que lhe são tóxicas, lutando por seu crescimento e sobrevivência. Ao contar com três semanas de nascimento, por exemplo, possui então três semanas de experiência, resultante das trocas interacionais com o outro, com o ambiente. Não é um objeto exclusivo de manipulação do outro, seja a família ou a ciência.

Baseada nos estudos de Donald Winnicott (1978), teórico psicanalista que mais se aproxima da perspectiva fenomenológica, no que tange à relação mãe-bebê, Aguiar (2005) destaca que o bebê necessita de acolhimento e cuidado maternos para se constituir sujeito, ou mesmo de figuras de referência que exerçam a função materna. Por sua vez, Yontef (1998) aponta que o indivíduo cresce e constrói sua identidade por meio da relação com o outro, interagindo com ele, mas se diferenciando dele enquanto possuidor de auto-identidade.

No que se refere ao bebê pré-termo, esse já chega ao mundo sob a representação social da prematuridade. Na relação com seus cuidadores, ou seja, seu primeiro mundo, ele pode ser visto como um indivíduo aquém de seus potenciais, vivendo uma cristalização subjetiva de personagem prematuro no papel familiar e social, sem mesmo se dar conta desse aspecto na sua constituição como pessoa. Com essa reflexão, observa-se que o modo como a família estabelece relação com o bebê, considerando-o um sujeito, ou não, acarretará em influências na sua constituição psíquica e na sua forma de ser-no-mundo.

Compreende-se, assim, que o estudo do nascimento do bebê pré-termo desafia as ciências da saúde. Diante disso, foram revisitados autores não gestálticos, no estudo da clínica precoce e verificou-se que várias especialidades do saber científico foram convocadas para atuar de forma interdisciplinar nessa área (Golse, 2003), ofertando um lugar subjetivo ao neonato, que precisa não apenas das tecnologias duras da assistência pré-natal ou neonatal, mas também dos cuidados psicossociais e culturais. Segundo Zornig (2010, p. 465), "O bebê do século XXI é um parceiro ativo de suas interações com o mundo (...) ao invés de estar centrado sobre si mesmo, engaja-se em trocas emocionais significativas com seus cuidadores". Nesse contexto, reflete-se sobre a função da psicoterapia gestáltica, as características da grupoterapia e a função terapêutica do fazer artístico.

 

1. A Abordagem Gestáltica e a Grupoterapia com Produção Plástica

A Gestalt-terapia teve como precursor Frederick Perls, que propôs uma visão de homem e de mundo ancorada na perspectiva holística, organísmica e relacional, ao considerar o cliente em atendimento sob os "fatores emocionais, cognitivos, orgânicos, comportamentais, sociais, históricos, culturais, geográficos e espirituais" (Aguiar, 2005, p. 41) articulados entre si. Percebe-se o sujeito gestáltico lançado no mundo como um ser singular, intérprete de si mesmo, aberto às suas possibilidades, livre, capaz de se empoderar da própria vida e de transformá-la, portanto, com a potencialidade de se recriar, autogerir-se e de se autorregular, embora contornado por circunstâncias existenciais favorecedoras de inquietações e angústia, tais como o tempo e a morte (Cardella, 2002; Kiyan, 2006).

Segundo Perls (1988), a psicoterapia propõe a transformação do cliente em quem de fato ele é, ao deixar de atuar personagens ou papéis que estejam impedindo o seu crescimento. Logo, a pessoa depara-se com o paradoxo de mudança, para se tornar a versão mais real, autêntica, considerada saudável de si mesma. Assim, não se submete ao meio, nem se impõe sobre esse, mas se leva em consideração e considera o outro, ao "realizar trocas sadias com o meio, hierarquizando as necessidades mútuas" (Mesquita, 2011, p. 61).

O objetivo da psicoterapia gestáltica é a awareness, traduzida para o português como consciência, entretanto, o termo não apresenta tradução literal que alcance a sua complexidade. Compreende-se que, ao entrar em contato com seus conteúdos subjetivos, o cliente pode perceber, compreender e conscientizar-se sobre como se direciona na vida, como pensa, sente e age em relação aos mesmos, reorganizando e integrando os aspectos alienados, polarizados, que puderam emergir enquanto figuras prioritárias no campo organismo-meio. Para a ocorrência da awareness completa, necessita que a compreensão de si e da situação vivenciada ocorra integralmente, com apoio energético, sensório-motor, cognitivo, emocional, viabilizando o fluxo de vida dinâmico do indivíduo, o que o impulsiona para um futuro saudável. A psicoterapia gestáltica objetiva então a tomada de consciência do sujeito e tem a awareness também como método (Yontef,1998).

A Gestalt-terapia focaliza a experiência vivida pelo cliente no aqui-agora do campo terapêutico, em que se trabalha com conteúdos expressos pelo sujeito nesse contexto. A experiência de tornar-se consciente de si mesmo engloba a presentificação do passado e as expectativas do futuro, trabalhando processualmente as situações inacabadas (D'Acri, Lima e Orgler, 2007). Isso pode ser entendido na vivência grupoterápica de orientação gestáltica.

Por isso, o grupo na Abordagem Gestáltica corresponde à noção de organismo ou sistema complexo. Trata-se de uma unidade relacional, uma "constelação de relações", constituída das "inter-relações entre as inúmeras dimensões que compõem um grupo - pessoais, interpessoais, conscientes, inconscientes, funcionais, institucionais e sócio-culturais" (Tellegen, 1984, p. 74). Configura-se, mediado pelo psicólogo com experiência em grupoterapia, como espaço de interações e reciprocidade: os clientes podem escutar-se e apoiarem-se uns aos outros, revelando como lidam com as diferenças e identificações. Ainda, frente a conflitos que possam emergir entre os membros do grupo, são trabalhados os significados da experiência, o que potencializa a transformação das relações.

Desse modo, a presença de um espaço grupoterápico no hospital é vantajosa, afinal, importa que o psicólogo reajuste técnicas de acordo com as contingências da demanda, em um movimento de renovação da clínica tradicional (Souza, 2003). A grupoterapia nesse cenário de prática pode facilitar a expressão, a elaboração e a ressignificação do vivido pelos clientes, trabalhar situações de crise, minimizar a ansiedade, quebrar a ociosidade e estimular a participação dos clientes na produção de saúde. Por sua vez, o uso da arte enquanto técnica terapêutica, nesse contexto, exige do próprio psicólogo conhecimento especializado, para que o atendimento não se confunda com recreação ou função outra, como a pedagógica, com competências, atribuições e objetivos técnicos distintos da função psicoterápica.

Sobre o fazer artístico, Joseph Zinker (2007, p. 259260) afirma "(...) quando são experienciadas como processos, essas atividades permitem ao artista se conhecer como uma pessoa inteira, dentro de um intervalo de tempo relativamente breve". Conforme esse autor, toda pessoa é um artista. A sua produção diz algo além do que está materializado na pintura, no recorte, na colagem, o artista imprime na obra conteúdos para além do que se dá conta, sendo a sua arte uma expressão do seu estilo de ser-no-mundo, passível de ser apreciada esteticamente pelo outro e de ser estudada.

Nas palavras de Selma Ciornai (2004, p. 15), "as pessoas podem ser agentes da própria saúde e de seus processos de crescimento, encontrando em seus trabalhos e criações, sentidos que sejam pessoalmente relevantes e significativos". Assim, o cliente em situação de hospitalização, ou na condição de acompanhante de uma pessoa doente, pode encontrar na sua produção artística um espaço para ressignificar sua maneira de lidar com a realidade no hospital, mas também fora dele. A vivência criativa sugere-se como uma modalidade capaz de promover um reposicionamento da pessoa no mundo. Possibilitar a atenção psicológica com uso da arte no contexto hospitalar parece ultrapassar a ideia de enfrentar a doença, e se assemelha a algo como produzir e reinventar sentidos à vida.

Em consonância, a Gestalt-terapia inclina-se para o entendimento singular do ser humano, revelando abertura no diálogo com outros saberes e práticas, como a modalidade de grupoterapia com arte. Com base no exposto, a hipótese deste trabalho é que essa modalidade interventiva do psicólogo em unidade neonatal pode favorecer, por parte de mães e outros cuidadores, um processo de reinvenção de sua forma de lidar com a condição pré-termo do recém-nascido, entendendo essa não como uma negação da saúde, e sim dinamizada na história de vida singular do bebê.

Não tendo encontrado publicação em revistas indexadas que afirmassem essa especificidade, questionou-se: a produção artística como recurso grupoterápico pode potencializar na família a ressignificação do bebê pré-termo e de baixo peso hospitalizado? Na busca por uma resposta, ficaram estabelecidos os objetivos da pesquisa: favorecer o processo de ressignificação do bebê pré-termo perante sua família, no contexto da hospitalização na UCINCa; identificar as dificuldades subjetivas presentes na relação família-bebê; estimular nos familiares a visão do bebê como um sujeito e facilitar a emergência do potencial criativo nos familiares frente ao nascimento pré-termo. Dessa forma, o método de análise fenomenológica interpretativa pareceu o mais apropriado para direcionar essa pesquisa, levando em conta seu objeto de estudo - a ressignificação do bebê pré-termo e de baixo peso -, mediado pelas experiências vividas junto aos familiares.

 

2. Método

O método utilizado nesse trabalho foi a análise fenomenológica interpretativa (Breakwell, Hammond, Fife-Schaw & Smith, 2010), sustentada pelo referencial que visualiza o ser humano na sua constante atividade de produção de sentidos. Possibilita compreender como os sujeitos pesquisados lidam com o fenômeno e como o mundo se realiza na percepção de cada pessoa. O acesso do pesquisador à experiência vivida é possível por meio de uma dupla hermenêutica, ao se posicionar com empatia e criticidade frente ao fenômeno estudado. Com isso, ao iniciar a análise dos dados, o pesquisador desvencilha-se de seu campo de visão particular e compreende o campo fenomenológico na percepção do outro, nos limites de um distanciamento mínimo do pesquisador, para que os dados recebam um tratamento científico.

Partiu-se do banco de dados do serviço de psicologia de uma unidade neonatal de referência, especificamente, foi coletado o registro das sessões de grupoterapia com os familiares e seus bebês na UCINCa. As grupoterapias criativas ocorreram no auditório dessa unidade. Os familiares foram convidados pelas facilitadoras do grupo com a parceria dos profissionais de enfermagem.

Participaram 140 sujeitos, dentre os quais, 72 mães, 01 pai, 05 avós, 01 tia, chamados aqui de acompanhantes ou familiares, e 61 bebês, provindos da região metropolitana do Recife, do interior do estado de Pernambuco e de outros estados do Nordeste. Os acompanhantes tinham idades entre quinze e cinquenta anos. Bebês e familiares receberam nomes fictícios neste trabalho, a fim de assegurar-lhes o sigilo. O Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos, via Plataforma Brasil, permitiu que as vivências grupais fossem analisadas, conforme o banco de dados do serviço de psicologia. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi dispensado, devido à impossibilidade de providenciar a assinatura de consentimento dos participantes, uma vez já tendo ocorrido a alta hospitalar do bebê. Sob o número de protocolo 2973 - 12, a autorização ficou condicionada a preservar a identidade dos participantes, incluindo não ser divulgada sua imagem fotográfica.

Foram realizadas sete sessões grupais. Os temas trabalhados foram pensados a partir das narrativas dos participantes em atendimentos individuais e da demanda grupal, e mobilizaram conteúdos projetivos dos familiares dos bebês em torno destes. O planejamento foi flexível, adaptado às necessidades do grupo que, voluntariamente, participou de cada sessão. I) Carta do bebê para alguém especial: 10 mães e 07 bebês. Trabalhou-se a rede social de apoio do bebê e buscou-se facilitar a este ser reconhecido em seu lugar de sujeito no sistema familiar. Sugeriu-se às mães escolherem alguém que considerassem especial para o recém-nascido e escreverem uma carta criativa para esta pessoa, em nome do neonato. II) Ser mãe - ser mulher e a construção da identidade materna: 08 mães e 08 bebês. Objetivou-se facilitar à mulher pensar sobre outros papéis sociais que assumia fora do hospital e ajudá-la a refletir sobre o que pedia o seu bebê - amor materno, sem que ela negligenciasse a si mesma. Foi proposto que criassem seu autorretrato por meio de técnica de recorte e colagem. III) Nutrição afetiva: 09 mães, 02 avós, 05 bebês. Pretendeu-se viabilizar às acompanhantes refletirem sobre as necessidades psicológicas do bebê. Foram questionadas como poderiam nutrí-lo afetivamente e solicitou-se que respondessem por meio do fazer artístico. IV) Como me sinto sendo uma família-canguru: 14 mães, 01 avó, 10 bebês. Buscou-se possibilitar a reflexão sobre o tratamento do bebê pré-termo com o apoio da família. Foram apresentados um bebê de brinquedo e uma faixa canguru para os familiares expressarem como se sentiam diante desses estímulos visuais. V) Sonhos do bebê: 09 mães, 01 tia materna do bebê, 10 bebês. Objetivou-se contribuir para que mães e outra cuidadora supusessem um sonho do bebê, percebendo-o como sujeito, e estabelecendo possibilidade de futuro para ele. Sugeriu-se que criassem uma produção plástica em que conjecturassem os sonhos e desejos do neonato. VI) Oficina de Cartas: 03 mães, 01 pai, 03 bebês. Intuiu-se facilitar a relação dialógica família-bebê. Propôs-se que escrevessem criativamente uma carta ao bebê, dizendo como se percebiam na relação com o filho (a) recém-nascido (a). VII) Presente para o bebê em sua chegada ao mundo: 19 mães, 02 avós, 18 bebês. Trabalhou-se a compreensão da condição existencial humana do bebê enquanto sujeito lançado em um mundo de possibilidades e a percepção da necessidade de o bebê ser provido de afetos amorosos. Pediu-se que os familiares pensassem sobre formas possíveis de receber o bebê e como este gostaria de ser acolhido. Propôsse que criassem um presente para o recém-nascido com caixinhas de acrílico, além de escreverem um bilhete para ele, colocado dentro da caixa.

Nesse contexto, foram incluídos na pesquisa os bebês internados na UCINCa, mães e outros familiares disponíveis a participar da atividade. Excluídos, familiares que recusaram o grupo, mães que não puderam participar, porque se encontravam dormindo e ainda bebês que fizeram exames clínicos no horário desse atendimento. Os sete grupos ocorreram semanalmente, de fevereiro a abril de 2012, com caráter aberto, devido rotatividade da demanda, configurando-se diferentemente a cada sessão, tanto pelas temáticas emergentes, quanto pela reconfiguração dos participantes. Houve bebês e acompanhantes que participaram de apenas um encontro, em virtude do neonato ter recebido alta antes da sessão seguinte. Outros participaram de mais de um encontro.

Os grupos tiveram a mesma sequência. Os integrantes eram recepcionados com músicas instrumentais de ninar, oportunizando um ambiente acolhedor. Assim que acomodados em círculo, eram informados do objetivo da sessão, seguindo-se à técnica de apresentação dos participantes e de sensibilização à temática. As facilitadoras mantinham-se atentas para favorecer um ambiente terapêutico seguro para a expressão de questões pessoais, relacionadas ao tema em pauta. Ocorria uma conversa preliminar, e a partir dos conteúdos emergidos nessa etapa, as facilitadoras disponibilizavam recursos artísticos, como caixas de acrílico, biscuit com temas infantis, adesivos dos mais diversos, canetas de glítter, giz de cera, hidrocores, perfuradores decorativos, tesouras sem ponta, folhas de papel tamanho A4 coloridas, papéis de carta, envelopes, fitas de tecido, fitas adesivas, cola atóxica.

Ao término de cada grupo, registraram-se fotografias das produções artísticas, com a permissão dos participantes. Descreveu-se e ilustrou-se cada sessão em livro de registro de psicologia específico para este fim, referindo o enquadre do grupo, o objetivo, uma descrição do seu funcionamento, de posicionamentos dos integrantes, trechos de fala e a observação das psicólogas sobre comportamentos do grupo. Em síntese, esses grupos resultaram em um banco de dados descritivo e com acervo de imagens de produções artísticas, preservando a identidade dos clientes, material da análise fenomenológica interpretativa neste trabalho.

O tratamento dos dados de análise deu-se em quatro etapas. Em princípio, dialogou-se com os dados documentais, em que a pesquisadora posicionou-se com abertura e receptividade frente à leitura dos registros do grupo. Isto é, na leitura inicial do material, observou-se o que emergiu na percepção da pesquisadora, aquilo que se destacou para a sua consciência. Na segunda etapa, a pesquisadora pôs-se disponível para acolher o fenômeno que se apresentava a partir do diálogo com os registros das narrativas e das imagens fotográficas. À medida que os assuntos destacavam-se na leitura, foram estabelecidos para análise os temas iniciais de cada sessão, agrupados em codificações temáticas. Depois, os sete encontros grupais foram analisados comparativamente, de acordo coma aproximação de temas que se desvelaram nas sessões, viabilizando agrupamentos temáticos. Em complemento, as imagens fotográficas das produções artísticas serviram para contextualizar esse refinamento temático, sob uma leitura comparativa com os registros verbais, conforme as orientações de Bauer & Gaskell (2011). Por fim, especificou-se uma transição do nível da descrição para o nível da interpretação de forma vertical (em cada sessão) e horizontal (entre as sessões). Foi fundamental nesse momento a postura empática e crítica da pesquisadora, que buscou relacionar com clareza os dados aos conceitos da Gestalt-terapia.

Em suma, os temas acolhidos e a compreensão do fenômeno manifesto foram formados à medida que a pesquisadora ultrapassava a leitura descritiva do fenômeno e movia-se para interrogar a elaboração dos significados dos participantes acerca do bebê pré-termo. Foi uma análise centrada no diálogo com o material, em que a pesquisadora permitiu-se ser afetada pelo que emergia nos textos, construindo-se uma narrativa alternativa para a vivência grupal. Após apresentar o corpo teórico e metodológico da pesquisa, seguem os resultados encontrados e a discussão sobre os mesmos.

 

3. Resultados e Discussão

Durante as sessões de grupoterapia na UCINCa, produções verbais e artísticas emergiram, de modo a expressar o estilo como cada dupla familiar-bebê estabelecia sua relação de afeto. Foi possível que tais produções passassem por uma análise fenomenológica interpretativa, com o intuito de apontar os efeitos emergentes da vivência grupal, através da criatividade artística e da escuta clínica sobre o modo como a família circunstancialmente se endereçava ao seu bebê. Esta escuta fundamentou-se na visão de que o psicoterapeuta evita julgamentos, interpretações ou qualquer postura apriorística sobre as produções dos clientes. Contribui para que dialoguem com suas criações, de forma interessada e curiosa no processo de autodescoberta. Segundo Ciornai (2004, p. 52), trata-se de "ajudar a intensificar e a aprofundar o contato da pessoa com um tema que esteja sendo emergente, proporcionando-lhe possibilidades de vivenciá-lo de outras perspectivas".

Nesse contexto, os resultados obtidos foram interpretados na interface de duas temáticas norteadoras: a awareness familiar diante do nascimento pré-termo do bebê; o reconhecimento de si e do outro no aqui-agora grupoterápico.

 

4. A Awareness Familiar diante do Nascimento Pré-termo do Bebê

Este tema de análise foi estabelecido com base nos episódios grupais em que os participantes se davam conta de seu modo singular de exercer o cuidado junto ao bebê pré-termo hospitalizado. Segundo Mathelin (1999), o exercício da parentalidade é sustentado por diferentes discursos em torno da ação de cuidar de um bebê. Ao exercer uma função parental, a pessoa depara-se com um ideal materno/paterno/familiar, influenciado por sua experiência de vida pessoal e pelo discurso sociocultural e político.

Por exemplo, na grupoterapia de tema Oficina de Cartas, sugeriu-se aos familiares que criassem uma carta expressando como se percebiam na função materna ou paterna na relação com o bebê. Juntos, Marcos e Bianca, pais do bebê Gustavo, adesivaram em papel de carta coloração creme quatro corações, um laço, imagem de um bebê, um expressão facial de sorriso e uma borboleta, enquanto registravam a percepção de si mesmos pela escrita. Na metade superior do papel de carta, Bianca escreveu: "Eu Bianca sou para Gustavo uma / mãe cuidadosa, carinhosa pois/ Procuro passar pra ele todo o meu amor / Para que ele sinta oquanto o amo ele é / pra mim um presente que Deus mim deu". Em seguida, as palavras de Marcos: "Eu Marcos sou para Gustavo um pai / carinhoso pois procuro mim dedicar o / maximo por ele vou da todo o meu amor / para quando ele crescer sentir orgulho / de ter um pai como eu, pois ele é minha / vida". Nesse grupo, observaram-se sinais de idealização sobre o modo de ser mãe e de ser pai, ao compartilharem orientações de sua comunidade e da equipe de saúde acerca de como deveriam exercer suas tarefas de cuidado do bebê. No fechamento, refletiu-se sobre possibilidades do exercício das funções materna e paterna e a importância da relação dialógica com o bebê para a sua saúde integral.

Por sua vez, na sessão grupoterápica Ser mãe, ser mulher: construção da identidade materna, como base no objetivo esclarecido anteriormente, sugeriu-se que criassem seu autorretrato - visão de si mesma enquanto mulher - por meio de técnica de recorte e colagem. Áurea expressou amor pelo bebê, referiu cansaço físico e emocional no ambiente hospitalar, além de saudades de sua vida profissional. Na produção plástica, escolheu a figura de uma cozinha, dizendo trabalhar em buffet e estar com muitas saudades do seu emprego, como visualizado na Ilustração A.

 

 

Outra mãe falou sobre sua vaidade, de como gosta de se maquiar, usar brincos e arrumar-se na medida do possível, na enfermaria, tentando sentir-se bem consigo, para conseguir suportar os dias na UCINCa. Embora o fato de ser mãe não exclua a possibilidade de ser vaidosa, observou-se nas narrativas e produções de algumas mulheres o posicionamento de negligenciarem o autocuidado, em função de se dirigirem unicamente aos cuidados dos bebês. Em contrapartida, percebeu-se participantes que, sendo mães e encontrarem-se como acompanhantes de seus bebês hospitalizados, conseguiram tratar de sua vaidade, desejos, cuidar da auto-estima para então poder cuidar melhor dos filhos.

Ao facilitar a compreensão familiar sobre a dialética entre a família possível versus o ideal parental, a psicoterapia de grupo contribuiu com a evidenciação das potencialidades da família. Com isso, os acompanhantes dos bebês encontraram a possibilidade de elaborar sua identidade enquanto organismo ou sistema familiar, segundo suas possibilidades subjetivas, assumindo-as de modo autêntico, próximo ao que lhes era possível ser enquanto unidade familiar única, não necessariamente correspondente a um conceito idealizado de família.

Ressalta-se, para a Gestalt-terapia, o sujeito só tem sentido quando é compreendido como um todo (Perls, 1979; Aguiar, 2005), na condição existencial de se refazer e autodescobrir-se permanentemente. Assim, favoreceu-se a restauração da capacidade criativa do indivíduo, na ideia de que ele "cria a vida como uma obra de arte", segundo Robine (2006, p. 38), viabilizando o crescimento e a autonomia do cliente, em um espaço seguro e livre de julgamentos. Percebeu-se que a grupoterapia com produção plástica facilitou aos participantes afirmarem-se na forma singular de ser de cada um, e não através da negação de sua singularidade. Construíram uma ressignificação consciente, isto é, atingiram awareness de si e da situação, elaborando uma percepção de possíveis estilos de si mesmos e de sua relação com o bebê, lidando com os entraves do nascimento pré-termo, sem se cristalizarem nele.

 

5. O Reconhecimento de Si e do Outro no Aqui-agora Grupoterápico

Na grupoterapia, os participantes experienciaram no aqui-agora estilos diferentes de exercer a relação afetiva com o bebê; desenvolver suas possibilidades e limitações; perceber a si próprios nessa relação; além de reconhecer no bebê um sujeito dotado de identidade própria, isto é, considerá-lo uma pessoa que percebe o mundo a sua volta, sente e se expressa conforme sua condição etária, necessitando de amor e reconhecimento para se constituir saudavelmente em seus aspectos sociais, culturais, psicológicos, biológicos e espirituais.

Tratava-se de vivenciar e saber como estavam produzindo falas, gestos e artes manuais no aqui-agora da grupoterapia criativa, ao descobrir e produzir sentidos dirigidos ao bebê. Este começava a ser visto para além de sua biologicidade. Observou-se que, no início de cada sessão, o discurso dos participantes costumava focar as necessidades básicas do neonato, compartilhando a dificuldade dele em ganhar peso, os perigos quanto à fragilidade dos órgãos respiratórios, entre outros aspectos da fragilidade orgânica. Quando as facilitadoras questionavam aos bebês como eles se sentiam no hospital, o que mais gostavam, ou o que achavam da própria mãe e de outros familiares, a primeira reação era um riso coletivo, como se estivesse sendo proposto às mesmas pensar em algo fora da realidade possível. Pareciam estranhar que um bebê tivesse a capacidade de sentir, mesmo que de forma primária.

Na sessão Sonhos do bebê, por exemplo, propôs-se às acompanhantes que conjecturassem um desejo para o recém-nascido, percebendo-o como sujeito e supondo um futuro para o mesmo. Rita, mãe do bebê Eduardo, pareceu espantada com a proposta e questionou: "é pra falar o sonho dele?!" A psicóloga respondeu que sim e Rita repetiu a pergunta, como se não acreditasse no que estava escutando.

Na sessão Nutrição Afetiva, em que as participantes foram convidadas a refletir sobre a nutrição psíquica de seus bebês, evidenciou-se a competência dos familiares em nutrir o neonato com afeto amoroso e a importância deste movimento para o desenvolvimento integral saudável do bebê. Algumas mães que, por fatores emocionais ou biológicos, não conseguiam amamentar, expressaram na fala e na produção plástica seu descontentamento, além do sentimento de inferioridade perante aquelas que amamentavam seu filho.

Como demonstrado na Ilustração B, Lurdes expressou na sua produção artística o investimento amoroso dedicado à filha, a recém-nascida Luana, diagnosticada com Síndrome de Down. Através de carimbos de flores, sol e notas musicais que compuseram a figura de uma panela; além de carimbos de corações, beijos; adesivos de bombom, morangos, leite, borboletas, corações, bebê, um carro; desenhos de flores e corações feitos por Lurdes. Mãe e filha emergiram, ainda, representadas por figuras de duas fadas, com os nomes de ambas. Para Luana, a mãe criou uma receita própria com nutrientes afetivos, usando além das imagens, a linguagem escrita: "Siga a receita / 1p. de carinho / 2p. de Afeto / 2x. de felicidade / 1c. de ternura / 1x. de Amor / 1c. de Respeito / Misturo tudo e do A / minha minina especial / e muito mais que ela precisa e merece". E deixou ainda escrito um modo particular de compreender sua condição de mãe de bebê pré-termo, sinalizando a possibilidade de suportar a condição pré-termo da filha e as exigências da vida hospitalar através da fé, "Deus não escolhe / os capacitados mais / capacita os escolhidos".

 

 

No acompanhamento individual, Lurdes expressou suas dificuldades em mencionar, além da situação pré-termo do bebê, ainda a condição sindrômica da filha. No entanto, o fazer artístico ajudou-a a entrar em contato com estes conteúdos, trabalhando-o criativamente. Assim, pôde ressignificá-los na grupoterapia. Ao se expressar concretamente na arte e com o apoio grupoterápico, Lurdes mencionou a condição sindrômica de Luana, para além de uma perspectiva estigmatizante. Ao preparar no grupo a receita afetiva para o bebê, identificou suas competências maternas e conseguiu visualizar o potencial da filha. Depois desse dia, sentiu-se mais à vontade para falar sobre a síndrome de Luana no acompanhamento psicológico individual. De igual modo, uma avó também nomeou a neta de especial, e com a entonação de voz emocionada, mencionou que escondia a mão do bebê com o lençol, por causa da malformação. Ao falar sobre o assunto no grupo, pareceu aliviar-se, a partir da ressignificação do que chamava de defeito. Ao compartilhar suas dificuldades, as participantes puderam identificar-se umas com as outras, receber e dar apoio no tempo do grupo, bem como buscar por reconhecimento.

Ao término dessa sessão, espontaneamente, Lurdes colou sua produção na parede, acima do leito, seguida por outras acompanhantes que repetiram o gesto. As mães puderam vivenciar a superação de um personagem materno de fracasso e incompetência, no qual poderiam vir a se cristalizar. Através dessa experiência emocional atualizadora, elas se viram engrandecidas na sua capacidade de nutrir afetivamente seu bebê, assumindo-se mais integradas e conscientes de suas competências maternas, segundo confirmaram posteriormente pela fala e atitudes nos atendimentos individuais.

Conforme Pinto (2009), pode-se dizer que as mães se sentiram conciliadas consigo, mas provavelmente buscaram através da exposição das produções plásticas, alcançar uma conciliação com o social, diante dos profissionais de saúde que insistiam na produção do leite materno. Em outras palavras, pareciam buscar o reconhecimento de que poderiam ser boas mães, apesar de não estarem conseguindo amamentar.

Os dados ainda apontaram os efeitos contextuais e imediatos na interação familiares - bebê. Durante as sessões, os participantes dirigiam a palavra ao bebê, com voz particular e estabeleciam gestos de carinho. Enquanto produzia sua obra de arte, uma avó alternava entre se concentrar na produção e conversar com a neta, além de cheirar sua cabeça. O bebê reagiu ao gesto de carinho da avó, que percebeu o sorriso da neta e a troca de olhar.

Vale salientar, várias vezes, as facilitadoras se posicionavam como mediadoras dessa relação, também dirigindo a palavra ao bebê, ou falando em nome dele, com o objetivo de favorecer a capacidade criativa dos participantes, no que tange ao laço de afeto. Estando cientes de sua função na clínica precoce com o bebê, as facilitadoras também tinham em mente que a expressão e a elaboração segura dos conteúdos subjetivos dos acompanhantes na unidade neonatal depende que o psicoterapeuta de grupos cuide de promover suporte e mediação. Como afirma Tellegen (1984), a grupoterapia é um espaço terapêutico aberto ao desconhecido, onde é permitido ampliar a consciência sobre suas possibilidades e limites existenciais, enquanto o psicoterapeuta facilita aos participantes a expressão de si.

Dessa forma, observou-se que a grupoterapia criativa facilitou a expressão de si, confirmando as ideias de Saviani (2004). O fazer artístico permitiu aos familiares da UCINCa compartilharem dialogicamente os conflitos, tornando-se conscientes destes, também das potencialidades da vida interior. A grupoterapia com arte não foi garantia de uma mudança radical nos estilos interativos dos familiares com o bebê, mas permitiu aos participantes a vivência no imediato do grupo, com ampliação da consciência, ao estabelecer com o bebê relação dialógica marcada pela aceitação, pelo reconhecimento, mas primordialmente, pelo direito de estarem conhecendo um ao outro, logo, foi possível a família ressignificar seu conceito sobre o bebê. Uma das mães, por exemplo, foi descrever seu bebê, e afirmou "ele é uma pessoa...", surpreendendo-se com a própria fala, a ponto de corrigir-se ("...não, é um bebê!"), o que abriu espaço para reflexão grupal.

 

Considerações Finais

A partir das duas temáticas de análise - a awareness familiar diante do nascimento pré-termo do bebê e o reconhecimento de si e do outro no aqui-agora grupoterápico - foi possível perceber a produção artística como um instrumento eficaz ao psicoterapeuta de grupo na intervenção precoce com os bebês. As grupoterapias com arte começavam com o ponto de vista de que o bebê dependia da UCINCa para ganhar peso, tirar a sonda, com foco na sua condição biológica, como visto nos resultados. E seguiram na interrogação sobre se o bebê seria capaz de entender sua realidade, uma interrogação motriz na clínica psicológica com bebê, no processo de suposição dele como sujeito.

Ao ser utilizada a produção artística na clínica precoce, os familiares expressaram-se diante do bebê pré-termo, dirigindo-lhe uma palavra, um toque, um olhar de afeto, para além do sentido trágico muitas vezes ofertado ao corpo imaturo. Os participantes puderam perceber o seu bebê, vendo-o no espaço grupal como alguém que gosta, sente raiva, reclama, aceita, sorri. E perceberam as expressões de olhar e sorriso do bebê como uma resposta aos estímulos do adulto nas sessões. Os grupos criativos da UCINCa caracterizaram-se como espaço de expressividade, triagem, apoio ambiental e ressignificação, através de um foco centralizado - a construção de significados em torno do bebê pré-termo, a produção de um olhar de desejo para esse bebê.

Enquanto produção científica resultante de uma trajetória de residência em psicologia, esta pesquisa apresentou o seu valor teórico e social, ao possibilitar um olhar gestáltico no campo da clínica precoce com bebês pré-termo e de baixo peso, oferecendo-se como uma possibilidade interventiva a mais para a prática do psicólogo na promoção de saúde neonatal. Foi preservada a noção de que cuidar do bebê requer mudar o paradigma biologicista para o paradigma holístico sobre o neonato, o que contribui com o fortalecimento do Método Canguru no Brasil. Sugere-se então a continuidade do trabalho, inclusive uma investigação que compare os efeitos subjetivos no bebê ao longo de sua participação nos grupos, o que não foi viável à proposta da presente pesquisa.

 

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Recebido em 18.02.2013
Primeira Decisão Editorial em 18.05.2013
Aceito em 12.07.2013