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Revista da Abordagem Gestáltica

versão impressa ISSN 1809-6867

Rev. abordagem gestalt. vol.19 no.1 Goiânia jul. 2013

 

ARTIGOS - REVISÕES CRÍTICAS DE LITERATURA

 

Reflexões sobre a atuação ética do pesquisador em estudos qualitativos: um exemplo envolvendo o tema da religiosidade

 

Reflections on the ethical performance of the researcher in qualitative studies: an example involving the theme of religiosity

 

Reflexiones sobre la actuación ética del investigador en estudios cualitativos: un ejemplo relacionado con el tema de la religiosidad

 

 

Thais de Assis Antunes Baungart

Psicóloga, Doutora em Psicologia como Profissão e Ciência pela Pontifícia Universidade Católica - Campinas. É responsável técnica pela Clinica-Escola de Psicologia da Faculdade Anhanguera de Campinas (Unidade 3) e Docente nessa mesma instituição. Endereço Institucional: Faculdade Anhanguera de Campinas. Rua Luiz Otávio, 1313 (Taquaral). CEP 13087-01. E-mail: taantunes@uol.com.br

 

 


RESUMO

A atuação ética do pesquisador é uma questão que deve ser pensada e discutida em todos os tipos de pesquisa que envolve seres humanos. Na pesquisa de tipo qualitativa isso não é diferente e requer um cuidado adicional, uma vez, que irá estudar a subjetividade dos sujeitos pesquisados. O presente estudo traz algumas reflexões sobre a atuação ética do psicólogo-pesquisador. Para isso, utiliza como exemplo um estudo envolvendo questões de ordem religiosa, cujo objetivo foi verificar em que sentido a experiência religiosa de católicos poderia promover crescimento pessoal. Para a elaboração desse estudo utilizou-se a abordagem qualitativa e o método fenomenológico de pesquisa.

Palavras-chave: Pesquisa qualitativa; Atuação ética; Religiosidade.


ABSTRACT

The ethical performance of the researcher is an issue that must be considered and discussed in all types of research that may involve human beings. In qualitative research, this is no different and requires extra care, since it will study subjectivity of the subjects to be studied. This study reflects on the ethical performance of the psychologist-researcher. For this, it uses as example a study involving issues of religious order. To make the issue clearer, it will be used examples from a research aimed to show in what sense the religious experience of Catholics could promote personal growth. In carrying out this study, it was used a qualitative approach and the phenomenological method of research.

Keywords: Qualitative research; Ethical performance; Religiosity.


RESUMEN

La actuación ética del investigador es una cuestión que debe ser pensada y discutida en todos los tipos de investigación con seres humanos. En la investigación de tipo cualitativa no es diferente y requiere una atención adicional ya que estudiará la subjetividad de las personas estudiadas. El presente estudio reflexiona sobre la actuación ética del psicólogo-investigador. Para eso, se utiliza como ejemplo un estúdio involucrando cuestiones de orden religiosa. Para aclarar mejor el tema, ilustraremos con ejemplos extraídos de uma investigación cuyo el objetivo fue determinar de que forma la experiencia religiosa de los católicos podría promover crecimiento personal. Para la elaboración de este estudio se utilizó un enfoque cualitativo y el método fenomenológico de investigación.

Palabras-clave: Investigación cualitativa; Actuación ética; Religiosidad.


 

 

Introdução

Este texto traz algumas reflexões sobre a atuação ética do psicólogo-pesquisador, mormente no que diz respeito aos aspectos que envolvem a pesquisa qualitativa. Para maior clareza do assunto, ilustraremos o tema abordado com exemplos retirados de uma pesquisa anterior (Antunes, 2005) cujo objetivo foi verificar em que sentido a experiência religiosa de católicos poderia promover crescimento pessoal.

Para a elaboração do estudo utilizou-se a abordagem qualitativa e do método fenomenológico de pesquisa.

Segundo González Rey (2002), as construções qualitativas se convertem em recursos indispensáveis para se entrar em uma zona de sentido oculta pela aparência, como foi o caso do estudo que relacionou a experiência religiosa e o desenvolvimento pessoal dos participantes.

Cabe ressaltar que o método fenomenológico dispõe de mais de uma tendência, porém, para a pesquisa foi utilizada a tendência empírica (Amatuzzi, 1996), pois as conclusões foram principalmente baseadas na análise dos depoimentos dos participantes.

Fizeram parte do estudo quatro pessoas católicas praticantes (3 mulheres e 1 homem), com idade acima de 18 anos. Em relação aos procedimentos metodológicos, as pesquisas qualitativas de campo utilizam, particularmente, técnicas de observação e entrevista devido à propriedade com que esses instrumentos penetram na complexidade de um problema (Richardson, 1999).

Desta maneira, o instrumento utilizado foi a entrevista não diretiva ativa a qual teve a seguinte pergunta disparadora: "Estou fazendo uma pesquisa sobre experiência religiosa e desenvolvimento/ crescimento pessoal, o que você pode me contar sobre isso de acordo com a sua experiência?"

A análise das entrevistas foi de natureza fenomenológica, portanto, foi privilegiado o intencional ou vivido. Os dados coletados durante a entrevista seguiram um processo indutivo, ou seja, o pesquisador não se preocupou em buscar evidências que comprovem hipóteses teóricas, no entanto, o fato de não existirem hipóteses ou questões formuladas a priori não implicou na inexistência de um quadro teórico.

Tendo esse estudo como pano de fundo, podemos refletir sobre a atuação ética do pesquisador ao utilizar o método fenomenológico para desenvolver pesquisas que trabalham com a subjetividade humana, como é o caso da pesquisa sobre religiosidade.

 

1. Ética

A associação entre ética e pesquisas qualitativas abre um leque de abordagens possíveis, correspondentes à riqueza e à diversidade de métodos que dão corpo às suas práticas. Embora não se possa afirmar que todas as propostas compartilhem uma única visão do que seja a ética em pesquisa, a eleição de um ponto de partida capaz de interrogá-las é necessária, dada a natureza ampla do tema aqui sugerido. Parte-se, pois, do caráter intrínseco e constitutivo da ética na metodologia qualitativa quando praticadas a partir de relações de colaboração e interlocução entre pesquisadores e pesquisados (Guerriero, Shmidt & Zicker, 2008).

A colaboração e/ou interlocução como atmosfera de muitos exemplos de investigações participativas supõe, do pesquisador, uma constante atividade autorreflexiva, bem como a elaboração da problemática do outro, não mais como "objeto", mas como parceiro intelectual no exame do fenômeno que se quer conhecer. Nesse tipo de pesquisa não está em jogo estudar ou compreender o outro, mas sim estudar ou compreender um fenômeno ou acontecimento com o outro. Nesse sentido, a experiência deste outro é a referência para a abertura de perspectivas e pontos de vista que confrontam e dialogam com os pontos de vista do pesquisador.

A pesquisa desdobra-se no diálogo e na confrontação de lugares sociais e culturais e na interrogação sobre diferenças e convergências que circulam o fenômeno estudado.

Ainda segundo Guerriero, Shmidt e Zicker (2008) do ponto de vista formal, a questão da ética em pesquisa com seres humanos no Brasil se tornou um tema obrigatório apenas na década de 1990, consolidando-se com a Resolução nº 196 do Conselho Nacional de Saúde, datada de 10 de outubro de 1996. No entanto, os cientistas brasileiros já conheciam o Código de Nuremberg de agosto de 1947 em reação às atrocidades racistas e aos projetos eugênicos dos nazistas; a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948; ou a Declaração de Helsinque de 1964, documentos oriundos de eventos significativos, relativos a uma nova etapa no processo de consciência e de incorporação do indivíduo como sujeito de direito, principalmente no Mundo Ocidental.

Na verdade, a ética em pesquisa passou a ser um assunto de relevância para a ciência apenas após a Segunda Guerra Mundial (Rothman, 1991). Os três importantes documentos citados marcaram um novo ponto de partida para a História da Humanidade, sobretudo no que concerne aos experimentos médicos, sobretudo visando a que determinadas barbaridades não fossem mais cometidas. Tais documentos podem ser considerados balizas do nascimento da bioética como disciplina.

Atualmente, a palavra 'ética' não é usada apenas no contexto cientifico, mas, também, para se referir a assuntos diversos. Fala-se de ética no trabalho, na vida pessoal e afetiva, na religião, na política e em qualquer área que envolva comportamento humano. Neste sentido, é compreensível que a definição da palavra 'ética' muitas vezes sofra desacordos por parte dos autores.

Assim, antes de se falar sobre ética, é preciso esclarecer em qual contexto a usaremos. Segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (Houaiss, Villar & Franco, 2001, p. 445) a palavra ética significa "parte da filosofia responsável pela investigação dos princípios que motivam, distorcem, disciplinam ou orientam o comportamento humano, refletindo esp. a respeito da essência das normas, valores, prescrições e exortações presentes em qualquer realidade social".

Esse mesmo dicionário diz ainda que: "ética é conjunto de regras e preceitos de ordem valorativa e moral de um indivíduo, de um grupo social ou de uma sociedade".

Moore (1975) explica que 'ética' é uma palavra de origem grega com duas origens possíveis. A primeira é a palavra grega éthos (com épsilon, isto é, com e breve), que pode ser traduzida por costume; a segunda, também se escreve Éthos, porém (com eta, isto é, com e longo), que significa propriedade do caráter. A primeira é a que serviu de base para a tradução latina 'moral', enquanto que a segunda é a que, de alguma forma, orienta a utilização atual que damos a palavra Ética. "A ética nasce amparada no ideal grego da justa medida, do equilíbrio das ações" (Cenci, 2002, p. 9).

Para Glock e Goldim (2003), a Ética é o estudo geral do que é bom ou mau, correto ou incorreto, justo ou injusto, adequado ou inadequado. O autor enfatiza que um dos objetivos da Ética é a busca de justificativas para as regras propostas pela moral e pelo direito. A primeira é diferente de ambos - Moral e Direito - pois não estabelece regras. A reflexão sobre a ação humana é que caracteriza a Ética.

Paiva (2005), ao refletir sobre o pensamento de Cenci (2002), ressalta que se a pesquisa envolve pesquisadores e pesquisados - ou pesquisadores e participantes -, é importante que a ética conduza as ações de pesquisa de modo que a investigação não traga prejuízo para nenhuma das partes envolvidas. Dupas (2001, p. 75), lembrando Habermas, para quem "a teoria deve prestar contas à práxis", alerta que "o saber não pode, enquanto tal, ser isolado de suas consequências". Devido à imprevisibilidade das consequências de uma investigação, é imperativo que a ética esteja sempre presente ao elaborarmos um projeto de pesquisa, principalmente, quando esta lida com seres humanos.

É neste contexto da palavra 'ética' que propomos esta reflexão: falar sobre ética nas pesquisas acadêmicas que mexem com a subjetividade humana, como são os casos de estudos qualitativos sobre a religiosidade e/ou comportamento religioso, seria a mesma coisa que falar sobre ética em outros contextos de pesquisa? Como nas pesquisas quantitativas, por exemplo?

 

2. Alguns Apontamentos Sobre a Questão da Ética na Pesquisa Qualitativa

Antes de responder a tais perguntas, pensemos num outro questionamento de Guerriero et al. (2008) ao se referir a ética na pesquisa qualitativa: "como formar pesquisadores no espírito da atividade ética?" (p.48)

Os autores citados ressaltam que essa pergunta é uma provocação de difícil solução, pois, sabemos a formação ética do pesquisador passa por questões de ordem subjetiva e não apenas acadêmica. Assim, parece claro que a educação tem um papel a desempenhar no encaminhamento dessas questões e, nesse sentido, a tradição das pesquisas qualitativas pode oferecer subsídios interessantes para a formação ética.

Para Schmidt, citado por Guerriero et al. (2008), o trabalho de campo, o encontro etnográfico ou a convivência com grupos e coletividades como parte da pesquisa participante representam uma experiência formativa preciosa, pois se constituem em experiência prática que engaja o pesquisador em relações concretas e cotidianas com outros, como ele, autônomos, obrigando-o a responder pessoalmente pela distribuição democrática dos lugares de fala, escuta e decisão durante a pesquisa, comprometendo-o com as formas de apropriação e destinação do conhecimento elaborado e com a apreciação crítica de efeitos de dominação ou de emancipação do conhecimento e sua divulgação.

Assim, no trabalho de campo, a autorreflexão e a relação com outros são fundadoras da pesquisa. Por outro lado, a forma de pesquisar traduz, ao mesmo tempo, o método e sua ética.

Como experiência prática, pessoal e intransferível, o trabalho de campo exibe de modo mais contundente a insuficiência de normas e regras como determinantes por si da ética, assim como denuncia a precariedade do método que, em geral, é reinventado nas situações concretas de investigação. Na identificação de ambos, método e ética, conta, sobremaneira, o exercício autônomo da ação e do julgamento do pesquisador. O saber acumulado pelas e nas pesquisas participantes permite indicar, no lugar de normas e regras de conduta definidas, princípios norteadores que auxiliam o pesquisador na condução da pesquisa e no exame de suas atitudes ante os colaboradores e interlocutores (Guerriero et al., 2008).

Voltando para a pergunta inicial desse capitulo: "falar sobre ética nas pesquisas acadêmicas que mexem com a subjetividade humana, como são os casos de estudos qualitativos sobre a religiosidade e/ou comportamento religioso, seria a mesma coisa que falar sobre ética em outros contextos de pesquisa?"

Sugiro que pensemos nas definições de ética dos autores acima mencionados. Conforme ressalta Paiva (2005), é importante que durante a realização da pesquisa, ambos os lados (participante e pesquisador) se beneficiem daquele momento. Isso se aplica bem às pesquisas de tipo qualitativo-fenomenológico, pois, nelas, a atuação do participante não se restringe apenas ao fornecimento de dados, como é o caso das pesquisas quantitativas. No primeiro tipo, a atuação do participante se estende a um nível mais profundo de reflexão podendo, dessa maneira, acionar aspectos psicológicos até então 'encobertos'.

Neste sentido, a atuação do pesquisador é de fundamental importância, pois, para as pesquisas fenomenológicas seu trabalho envolve desde a coleta de dados até um 'responsabilizar-se' por trabalhar com as questões emocionais que possam ter sido despertadas nos participantes. Em outras palavras, é importante que o pesquisador-fenomenólogo tome cuidado com as 'feridas' que podem ser abertas durante uma entrevista de pesquisa, pois, eticamente, não podemos 'usar' um participante como fonte de dados se não estivermos preparados para lidar com outras questões que podem aparecer no contexto da entrevista.

Destacamos a ideia de que a preocupação com a ética não se limita apenas às pesquisas qualitativas e fenomenológicas. Em todos os tipos de pesquisas deve-se respeitar e priorizar o Ser Humano, no entanto, para as pesquisas psicológicas de tipo qualitativas e/ou fenomenológicas essas preocupações se estendem, uma vez que, a participação do pesquisador se faz ativa durante todo o tempo de coleta de dados.

Numa boa pesquisa fenomenológica, tanto o participante como o pesquisador, envolvem-se no tema abordado durante a entrevista e trabalham no sentido de promover o surgimento das vivências primeiras, genuínas e autênticas do participante sobre o assunto abordado. Caso essas vivências 'despertem' aspectos que não haviam sido acessados anteriormente pelo participante (o que ocorre muito nesse tipo de pesquisa), cabe ao pesquisador ajudar o participante a lidar com tais questões, mesmo que isso tenha que ser feito fora do contexto de pesquisa (como no consultório, por exemplo).

Guerriero et al. (2008, p. 49) destaca que "(...) o teor dos princípios permite, talvez, visualizar o modo como método e ética estão imbricados, solicitando, em todas as fases da pesquisa e mesmo após o seu término, a atividade e a autonomia do pesquisador".

 

3. A Questão da Ética na Pesquisa

A pesquisa de Antunes (2005) foi um trabalho de mestrado que teve como objetivo compreender como e, em que sentido, a experiência religiosa de leigos católicos poderia trazer crescimento pessoal. Participaram desse estudo quatro sujeitos.

Os trechos abaixo foram retirados da citada pesquisa e serão uteis para ilustrar alguns exemplos de como se pesquisar aspectos subjetivos, como é o caso da experiência religiosa, tendo a preocupação com a ética.

Cabe destacar que os trechos não sofreram qualquer tipo de alteração ou adequação para serem transcritos.

Trecho 1:

Pesquisadora: 'M (participante)' estou fazendo uma pesquisa sobre experiência religiosa e crescimento pessoal, o que você pode me contar sobre isso de acordo com a sua experiência?

Participante: Não sei como começar (silêncio), preciso te contar tudo?

Pesquisadora: você só precisa falar aquilo que você sentir vontade de falar, se você não estiver se sentindo à vontade, não precisa falar.

Ao iniciar a entrevista a pesquisadora procurou deixar a participante à vontade para falar sobre o que quisesse em relação à pergunta disparadora. Sua preocupação estava em fornecer um ambiente de segurança e acolhimento, para que assim, a participante pudesse se expressar livremente e, dessa maneira, chegar à essência de suas experiências religiosas.

Para uma pesquisa ser verdadeiramente fenomenológica é preciso que exista esse 'envolver-se com' por parte do pesquisador. A neutralidade, neste caso, não está no sentido do 'não envolver-se', mas sim, no sentido do 'abrir-se a experiência do outro', ou seja, esvaziar-se completamente de seus juízos e valores pessoais para que se possa entrar, profundamente, em contato com o vivido do participante (Amatuzzi, 2001). É nesse sentido de neutralidade, que o pesquisador deve trabalhar para poder, de fato, compreender o vivido relatado.

Quando não se faz esse esvaziamento (redução fenomenológica), corremos o risco de não sermos éticos em nossas pesquisas. Acabamos por colocar ao participante nossos próprios valores pessoais mesmo que sem a intenção de fazê-lo, o que pode trazer como consequência, uma coleta de dados 'impura' (pois o participante pode relatar aquilo que o pesquisador deseja ouvir e não aquilo que é original em sua vivência), além de desenvolver danos emocionais ao participante (imposição de juízos e valores).

Trecho 2:

Participante: "(...) só sei que depois que eu comecei a viver para Deus minha família mudou. Tudo lá em casa ficou diferente, estamos mais juntos, mais felizes. Não sei se é por causa da religião, só sei que tudo ficou muito melhor".

Pesquisadora: Então eu estou entendendo que a religião, ou melhor, a sua experiência religiosa foi muito importante por causa dessa união familiar que você teve, é isso mesmo?

Participante: (...) agora você disse uma coisa que eu ainda não tinha pensado, o que mudou tudo não foi a religião em si, mas sim, a minha experiência religiosa. Isso faz sentido para mim.

Outra questão ética que se faz muito importante nas pesquisas fenomenológicas é a preocupação com o 'ganho' do participante em relação á pesquisa. Este 'ganho' não se refere somente ao desenvolvimento de conhecimento científico, mas também, a promoção de saúde psicológica para quem do estudo participa. Paiva (2005) fala sobre esse aspecto ao dar exemplos de pesquisas farmacológicas com grupos controle. Segundo a autora, algumas dessas pesquisas não se preocupam em beneficiar todos os participantes, dando oportunidade de medicação apenas para um dos grupos e deixando de lado o grupo placebo.

Trecho 3:

Pesquisador: 'A' como foi para você falar sobre tudo isso?

Participante 'A': Foi tranquilo. Eu acho que a entrevista me ajudou resgatar um pouco minha história passada e a comparar com o meu presente. Não me preparei para a entrevista! Eu sabia que era uma pesquisa de mestrado, né? E que eu iria falar sobre religião. Acho que essa reflexão foi muito importante para mim.

Trecho 4:

Pesquisadora: 'M', como você está se sentindo? Como foi essa experiência de estar me contando sobre a sua experiência religiosa? Como foi esta entrevista para você?

Participante 'M': Bem..., eu estou um pouco emocionada, mas eu gosto muito de parar e pensar. (...) é que às vezes eu não tenho coragem, às vezes eu fujo, mas eu gosto muito de parar para saber quem eu sou de verdade. Eu estou agora com as mãos molhadas e estou ansiosa, mas foi muito bom..., muito bom mesmo, porque foi uma das primeiras vezes que não senti um entrave para falar o que eu penso, eu me senti bem à-vontade e isso me ajudou a clarear um monte de coisas que estavam na minha cabeça.

Pesquisadora: sinto que tudo isso ainda esta muito angustiante para você. Gostaria de continuar a falar sobre esse assunto? Gostaria de trabalhar melhor essas questões?

Além do cuidado com todas as questões emocionais do participante, é importante que o pesquisador também se atente aos rótulos que, normalmente, são atribuídos devido aos resultados da pesquisa. Paiva (2005) em seu artigo "Reflexões sobre ética e pesquisa" atenta para esta questão citando muitos exemplos de casos de estudos que acabam por rotular uma instituição ou grupos de pessoas sem ao menos apontar para uma possível solução aos problemas encontrados durante a pesquisa.

A mesma autora adverte também sobre os cuidados que se deve ter ao concluir uma pesquisa sem antes mostrá-la, mesmo que parcialmente, aos participantes. Tal atitude pode trazer como consequência uma análise errônea ou mesmo tendenciosa dos dados.

Para solução de tal problema, a autora sugere que sejam distribuídos resumos em linguagem simples para que os participantes possam ler antes mesmo da pesquisa ser publicada.

No que se referem aos resultados das pesquisas científicas estes devem ter o cuidado com a questão do rótulo. É muito comum verificarmos que, depois de realizado um estudo científico, os participantes, bem como outras pessoas que possuem característica semelhantes as do participante sejam facilmente rotuladas. Neste sentido, se rotula o religioso como fanático, o assustado como neurótico, o introspectivo como esquizoide, o criativo como desajustado, a mulher 'firme' como masculina, a criança curiosa como hiperativa, etc (Rosenberg, 1987)

Por ultimo, gostaria de ressaltar a importância que todo pesquisador deve ter no que se refere á socialização de seus resultados de pesquisa. Penso que um estudo fenomenológico em seu objetivo final deve promover maiores reflexões sobre o assunto abordado, além, é claro, de ser facilitador de outros estudos derivados deste primeiro.

Para finalizar deixo a reflexão de Paiva (2005, p 58) sobre o pensamento de Motta (1998):

A ética não é algo dado pela natureza, mas um produto de nossa consciência histórica. Não vem pronta para ser consumida, mas é construída na ação humana, que sempre exige a presença do outro. Quem exercita a ética são indivíduos que fazem parte de uma comunidade. Seus atos são morais somente se considerados nas suas relações com os outros. Sem o outro, não há ética.

 

Referências

Amatuzzi, M. M. (1996) Apontamentos acerca da pesquisa fenomenológica. Estudos de Psicologia (Campinas), 13(1),5-10.         [ Links ]

Amatuzzi, M. M (2001). Por uma Psicologia Humana. Campinas: Ed Alínea.         [ Links ]

Antunes, T. A. (2005). Experiência religiosa católica e desenvolvimento pessoal: um estudo fenomenológico (Dissertação de Mestrado). Centro de Ciências da Vida, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas.         [ Links ]

Cenci, A. V. (2002). O que é ética? Elementos em torno de uma ética geral. Passo Fundo: Ed. NUEP Publicações.         [ Links ]

Dupas, G. (2001) Ética e poder na sociedade da informação. De como a autonomia das novas tecnologias obriga a rever o mito do progresso. São Paulo: Editora UNESP.         [ Links ]

Guerriero, I. C. Z, Shmidt, M. L. S., & Zicker, F. (2008) (Orgs). Ética nas pesquisas em ciências humanas e sociais na saúde. São Paulo: Editora Hucitec.         [ Links ]

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González Rey, F. L. (2002). Pesquisa qualitativa em psicologia. São Paulo: Ed. Pioneira Thomson Learning.         [ Links ]

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Paiva, V. L. M. O. (2005). Reflexões sobre ética na pesquisa. Revista Brasileira de Linguística Aplicada (Belo Horizonte), 5(1),43-61.         [ Links ]

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Rosenberg, R. L. (1987). Palavras sobre ética. Aconselhamento Psicológico Centrado na Pessoa. São Paulo: EPU.         [ Links ]

Rothman, D. J. (1991). Stranger at the Bedside: a History how Law and Bioethics Transformed Medical Decision Making. Nova York: Basic Books.         [ Links ]

 

 

Recebido em 03.02.12
Primeira Decisão Editorial em 08.10.12
Segunda Decisão Editorial em 03.04.2013
Aceito em 04.04.2013