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Revista da Abordagem Gestáltica

versão impressa ISSN 1809-6867

Rev. abordagem gestalt. vol.19 no.1 Goiânia jul. 2013

 

RESENHA

 

"Carl Rogers no Brasil",2012

 

 

Clovis Martins CostaI; Rosane de Bastos PereiraII

IFaculdade de Jaguariúna (FAJ) & Associação Paulista da Abordagem Centrada na Pessoa (APACP)
IIUniversidade de Campinas - Unicamp

 

 

(Eduardo Bandeira) São Paulo: GRD Edições, 2012

Encontro com Carl Rogers. O título para o livro bem que poderia ser esse, mas o escolhido foi outro, Carl Rogers no Brasil. De toda forma, as palavras são distintas, mas os sentidos são bastante similares. Os depoimentos dos participantes dos Ciclos de Estudos da Pessoa, ou workshops, realizados em Recife, São Paulo e Rio de Janeiro, não deixamdúvidas de que a primeira visita que o psicólogo humanista americano, Carl Ransom Rogers (1902-1987), fez ao Brasil, em 1977,permitiu que se experimentasse mesmo um encontro, no sentido mais genuíno da palavra.

As memórias dessa primeira visita de Rogers a terras brasileiras foram transformadas em livro, pela primeira vez, pelo psicólogo clínico carioca, Eduardo Bandeira, e deram origem ao livro Carl Rogers no Brasil, publicado pela Associação Paulista da Abordagem Centrada na Pessoa (APACP).

Rogers nasceu em Oak Park, um bairro localizado no subúrbio de Chicago (Illinois), e seus estudos sobre o homem o tornaram uma referência mundial no séc.XX. Humanista e autor da obra Tornar-se pessoa, um de seus livros mais conhecidos, Rogers trabalhava na Universidade da Califórnia, em San Diego, no La Jolla Program, onde criou o Centro de Estudos da Pessoa e ministrava um curso de formação de facilitadores de grupos de encontro.

Em visita a esse ambiente de trabalho rogeriano, para fazer um curso, Eduardo Bandeira viu a possibilidade de convidar Rogers a vir ao Brasil. Foram várias conversas, à distância, troca de correspondências e alguns titubeios. E ele aceitou.

Estarei com 75 anos no ano que vem, e consequentemente não faço esses projetos com facilidade. A noção de impactar todo o país me empolga, e me parece que seus planos são tais que isso pode muito bem acontecer. Eu gostaria, particularmente, de que tudo que nós fizermos seja no sentido de fortalecer as raízes dos movimentos em direção à democracia (Bandeira, 2012, p. 40).

Foi com essas palavras, datilografadas em uma carta em 26 de fevereiro de 1976, que Rogers expressa sua alegria em visitar o Brasil, em pleno período de Ditadura Militar (1964-1985). Criador da Terapia Centrada no Cliente, o psicólogo humanista pisaria em terras brasileiras pela primeira vez no ano seguinte.

Rogers deu entrevistas, falou com repórteres e se encontrou com milhares de pessoas. Contudo, antes de vir, de cruzar o oceano em direção à América Latina, Eduardo Bandeira destaca que Rogers se mostrava preocupado com sua idade, se resistiria a um voo de tantas horas, mas, enfim, o receio deu lugar à coragem, ao novo, e foi assim que a semente da Abordagem Centrada na Pessoa (ACP), que já havia sido plantada no Brasil anos antes da visita de Rogers, se fortaleceu em solo fértil.

Por isso planejei uma escala em Manaus, onde o encontrei; ficamos por cinco dias elaborando o formato dos ciclos e acertando os detalhes do treinamento dos facilitadores e do Grande Encontro de Arcozelo. De Manaus fomos direto para Recife, centro cultural da região Nordeste, onde organizamos o primeiro ciclo no ginásio do Esporte Clube de Recife, evento no qual conseguimos uma plateia de mais ou menos oitocentas pessoas, num grande grupo muito animado e participativo. De lá descemos para São Paulo, onde promovemos o segundo ciclo no auditório do Centro de Convenções do Anhembi com uma plateia em torno de mil pessoas. Depois de dois dias de descanso, voamos para o Rio de Janeiro, para o terceiro ciclo no auditório do Hotel Nacional, em São Conrado (Bandeira, 2012, p. 67-68).

Na Aldeia de Arcozelo, no município de Paty do Alferes, Rio de Janeiro, foi realizado o I Encontro Centrado na Pessoa. Foi nesses "Encontros", ocorridos há mais de 36 anos, que Rogers esteve em contato com a cultura brasileira, em situações de confronto e também de interação.

Outro aspecto que chamou a atenção foi a mudança da fisionomia das pessoas. Parece que elas estavam mais bonitas, mais expressivas, mais radiantes. A impressão era que as pessoas ficavam mais vivas, tanto para amar como para se colocar com suas ideias, dúvidas, sonhos, concordâncias e discordâncias. Era impressionante também a alegria que circulava, embora também tivéssemos conhecimento de profundas crises de reflexões (Bandeira, 2012, p. 146).

Findos os ciclos no Brasil, a impressão é a de que os participantes, ou pelo menos a maioria deles, saíram transformados. Impossível, talvez, continuar sendo o que se era antes. Não só pela presença de Rogers, mas pela presença de todos, a partir de Rogers. Afinal, se a abordagem que ele criou estava centrada na pessoa, a única maneira de pô-la em prática seria, então, estando em contato com as pessoas e sendo com elas, no processo infinito de tornar-se quem se é.

[...] a ACP lida com isso, com o que é mais representativo no ser humano, e lida de uma maneira humana, e não como muitas terapias que enfatizam a técnica, esquemas teóricos. A terapia centrada embarca no fluxo do relacionamento entre duas pessoas: terapeuta e cliente. É através desta vivência do encontro que pode haver crescimento. Temos de enfrentar, vivenciar aquilo que é mais representativo e talvez mais difícil da pessoa: os meandros da sua emoção. Seria mais fácil lidar com seres humanos como se fossem máquina, através de esquemas e manuais, mas deixaríamos de lado o que há de mais precioso no ser humano (Bandeira, 2012, p. 164).

O humanista Carl Rogers, que não só sobreviveu à viagem como também se impressionou com o que viu, escreveu em seu diário:

O que toda essa viagem significou para mim? Significou que um país inteiro (ou como me parece) pode estar pronto para ouvir sobre a ACP. É impressionante pensar que eles apreciam isso por causa de sua natureza emocional, mas talvez até mais ainda porque estão atualmente lutando para manter a democracia viva, onde ela está em verdadeiro perigo. Eu reconheço agora que a mídia estava genuinamente interessada, e em parte estavam me usando para dizer as coisas que não tinham coragem de dizer por eles mesmos. De qualquer forma, o tempo estava realmente correto (Bandeira, 2012, p. 37-38).

 

Referência

Bandeira, E. (2012). Carl Rogers no Brasil. São Paulo: GRD Edições.         [ Links ]

 

 

Recebido em 11.04.13
Aceito em 25.07.13