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Revista da Abordagem Gestáltica

versão impressa ISSN 1809-6867

Rev. abordagem gestalt. vol.21 no.2 Goiânia dez. 2015

 

ARTIGOS - ESTUDOS TEÓRICOS OU HISTÓRICOS

 

Michel Henry: afetividade e alucinação1

 

Michel Henry: afectividad y alucinación

 

 

Andrés Eduardo Aguirre AntúnezI; Florinda MartinsII

IProfessor Livre-Docente do Departamento de Psicologia Clínica, Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo. Membro do GT Psicologia e Fenomenologia - ANPEPP. Endereço Institucional: Av. Professor Mello Moraes, 1.721 - Cidade Universitária, São Paulo/SP - CEP: 05508-030. E-mail: antunez@usp.br
IIProfessora emérita, Doutora em filosofia, coordenadora científica do projeto internacional de investigação "O que pode um corpo", Centro de Estudos em Filosofia - CEFi, Universidade Católica Portuguesa - UCP-Lisboa/Porto; autora de livros e artigos sobre fenomenologia. E-mail: martins.florinda@gmail.com

 

 


RESUMO

Neste artigo mostramos como é que Michel Henry toma a alucinação como paradigma da fenomenalidade da vida. Nele, a fenomenalidade da alucinação situa-nos na vida afetiva deixada a nu pela fenomenalidade da vida subjetiva. E porque a vida afetiva é vivência da pura vinda a si da vida nas modalidades da audição, da visão, da angústia, do temor, nela, a alucinação, enquanto fenômeno suspenso na sua própria fenomenalidade aparece como fenômeno exemplar da vida, ainda que vivido em sentimento de pura insuportabilidade dessa prova afetiva da vida. Todavia é a partir da experiência da insuportabilidade da prova de si da vida que se encontra, inerente ao sentimento da afeção da vida, a possibilidade de reversão do sofrimento em fruição. Mostramos ainda convergências entre a fenomenalidade da vida afetiva e práticas clínicas, laboratoriais ou outras, e seus desenvolvimentos em interdisciplinaridade no nosso grupo de investigação.

Palavras-chave: Prova de si; Alucinação; insuportabilidade; Pura possibilidade; Interdisciplinaridade


RESUMEN

En este artículo mostramos cómo Michel Henry toma la alucinación como paradigma de la fenomenicidad de la vida. De acuerdo con Henry, la fenomenicidad de la alucinación nos emplaza a la vida afectiva mostrada en su desnudez a través de la fenomenicidad de la vida subjetiva. Y dado que la vida afectiva es vivencia de la pura venida a sí de la vida en las modalidades de la audición, la visión, la angustia o el temor, en la alucinación, en cuanto fenómeno suspenso en su propia fenomenicidad, aparece como fenómeno ejemplar de la vida, aunque vivido en sentimiento de pura intolerancia de esa prueba afectiva de la vida. No obstante, es a partir de la experiencia de intolerancia de la prueba de sí de la vida como se encuentra, inherente al sentimiento de la afección de la vida, la posibilidad de reversión del sufrimiento en fruición. Mostramos por último algunas convergencias entre la fenomenicidad de la vida afectiva y las prácticas clínicas, de laboratorio o de otra naturaleza, y sus desarrollos en nuestro grupo de investigación desde una perspectiva multidisciplinar.

Palabras clave: Experiencia de sí; Alucinación; Intolerancia; Pura posibilidad; Interdisciplinariedad


 

 

1. A questão

Com o título afetividade e alucinação iremos dar voz ao campo de investigação interdisciplinar entre fenomenologia da vida e ciências da saúde, ratificado por Michel Henry, no Porto, em 2001 (Henry, 2001, p. 135-142). Uma validação que só aparece neste momento da sua obra e da sua vida, porquanto nele se verificam as condições de possibilidade de um debate que vá além da refutação pura e simples das causas e das razões do adversário (Kant, 1781/1985), neste caso, o cultural confronto entre o paradigma de cientificidade veiculado pelas ciências e o veiculado pela fenomenologia da vida. Ora a experiência real que é trazida, nesse momento, ao debate e que ratifica a interdisciplinaridade é a experiência da insuficiência de um modelo de racionalidade que desconsidera os fenômenos da subjetividade. Um modelo cuja insuficiência a obra de Michel Henry, toda ela, denuncia; um modelo cuja insuficiência é, também ela, reconhecida por parte daqueles que, cientistas e clínicos, em suas atividades o praticam.

Todavia se a subjetividade esteve no centro das questões que, no dizer de Michel Henry reuniram a uma mesma mesa aqueles cuja finalidade da investigação é devolver uma vida doente ao seu poder e felicidade de viver (Henry, 2001, p. 142), hoje é a afetividade que está no centro desse mesmo debate. A afetividade é o horizonte de fenomenalidade aberto e deixado a nu pela subjetividade: a fenomenalidade do emergir da vida no vivo, no dizer das ciências, ou da autoafecção da vida, no dizer de Michel Henry. Em qualquer dos casos é a afeção da vida no vivo que está, hoje, no centro das questões comuns à ciência e à filosofia. Uma e outra questionam o que culturalmente foi considerado, e de algum modo ainda é, a especificidade do nosso ser e do nosso agir: a sua incondicional liberdade e com ela a responsabilidade pessoal inerente aos nossos atos.

Hoje, ciência e fenomenologia da vida levam-nos a questionar a espontaneidade da autoafecção da vida que vivemos em corpo dotado de sentidos bem como as suas implicações em nosso agir, porquanto o agir, o agir humano, está também ele ligado ao sentimento dessa autoafecção originária da vida que, vivendo, somos. Sentimento ora tranquilamente vivido por nós, ora bruscamente interrompido pelas afeções da vida que perturbam não apenas o silêncio dos sentidos, mas dos órgãos, bem como das partes mais recônditas e esquecidas do nosso ser, atingindo por inteiro a nossa vida e com ela as nossas identidade e singularidade. Afeções cujo silêncio as denominadas patologias da vida despertam pondo a nu a vida que os silêncios silenciaram.

É neste contexto que trazemos a debate o tema afetividade e alucinação para, nele, destacarmos os contributos da fenomenalidade da vida em jogo nas investigações e práticas clínicas confrontadas, todos os dias, com factos que põem em causa as nossas crenças e os nossos modos de pensar. Factos que nos levam a pensar como se cruzam na fenomenalidade da vida a humanização e desumanização da experiência de si em registro de sentido da afeção de que a alucinação é um exemplo.

Um tema que iremos desenvolver tendo como referência dois textos de Michel Henry, dirigidos a um mesmo público - filósofos cientistas e terapeutas - mostrando a coerência interna dos mesmos e o dinamismo das questões que ambos comportam. Os textos a que nos referimos são As ciências e a ética (Henry, 1992) e Eles em mim: uma fenomenologia (Henry, 2001, p. 135-142). E iremos apresentá-los em três pontos que articulam a fenomenalidade da subjetividade com a da afetividade e esta com a interdisciplinaridade, em curso, nos nossos grupos de investigação.

No primeiro ponto situamos o tema que aqui apresentamos, na fenomenalidade da dor e do sofrimento enquanto fenômenos que remetem para o domínio da sensibilidade e, por conseguinte, da subjetividade. No segundo ponto mostramos que a fenomenalidade da dor e do sofrimento remetem da subjetividade à afetividade, porquanto todo o sentir é o sentir de uma afeção da vida em si. E no terceiro ponto apresentarmos os enredos da fenomenologia da afetividade nas ciências da vida, inclusive, as práticas clínicas.

Veremos que, em Michel Henry, a verdade da alucinação é a verdade da vida e por conseguinte será a partir da sua verdade que procuraremos saídas para a sua / nossa (des)humanização. Daremos assim continuidade a esta expressão de Michel Henry: "O homem começa onde começa esse viver definido como provar-se a si mesmo e termina onde ele cessa. Ora esse domínio de fenomenalidade é o da ética" (Henry, 1992, p. 8).

 

2. Subjetividade e clínica

Em As ciências e a ética, Michel Henry (1992) mostra a importância da subjetividade na compreensão da nossa humanidade, sobretudo quando os conhecimentos científicos falham na sua capacidade de suporte à vivência de fenómenos como a dor e o sofrimento. Michel Henry mostra quão audível é o silêncio dos sentidos, dos órgãos e da vida que, dos alvores da modernidade aos nossos dias, insistentemente ecoam e gritam nas entranhas do seu sufoco abalando toda e qualquer tentativa de os podermos ignorar. E mostra-o em consonância com o caminho aberto pela fenomenalidade da vida que paulatinamente vem desenvolvendo desde o seu primeiro romance O jovem oficial (Henry, 1954) a Palavras de Cristo (Henry, 2002). A novidade deste artigo de 1992, a havê-la, está na sua possibilidade de a fenomenalidade da subjetividade se articular com as questões das ciências da saúde, nomeadamente, as investigações laboratoriais e as práticas médico-clínicas. E afirmamos, a haver novidade, pois é de todos conhecido um diálogo de Michel Henry, sobretudo em toda a década dos anos 80, com as ciências, ainda que neste período ele se circunscrevia ao diálogo com a psicanálise, nomeadamente à sua história e à necessidade da sua refundação (Henry, 1991, p. 95-107)2. Todavia, agora não se trata apenas de refundar as ciências em torno do psiquismo humano, mas em torno da vida que conhecemos vivendo em um corpo, não um corpo qualquer, mas em um corpo dotado de sentidos: um corpo que sofre, que ama e que odeia, que quer e rejeita, que deseja e se frustra, que vive e que adoece, que morre e renasce da própria morte!

Assim, e em consonância com a fenomenalidade da vida, não é de estranhar que Michel Henry tenha sido convidado a intervir, no colóquio internacional Sofrimento e dor: subjetividade na clínica3 (1998), Colóquio em que cientistas, clínicos, terapeutas e filósofos se unem na recuperação de uma tradição cultural, a nossa, na qual o saber e a ação, em vez de se oporem, se constituem em harmoniosa unidade (Henry, 1991, p. 1), porquanto eles são tão-só modalidades do nosso ser e do nosso viver.

Como não é de estranhar que Michel Henry delineie, um pouco mais tarde (2000/2001), o que ele intui ser um possível domínio fenomenológico de interdisciplinaridade com as ciências biomédicas: "todos os conhecimentos objetivos a operar [no ato clínico] são atravessados por um olhar que vê, para lá deles, [...] o que deles resulta para uma carne" (Henry, 2000, p. 317; Henry, 2001, p. 142).

Deste modo, podemos dizer que a medicina, mesmo a medicina da dor, aparece como irredutível à fisicalidade da dor e as psicoterapias não estão isentas de manifestações físicas ou corpóreas, pelo que apelam ambas para a humanidade ou desumanidade que as habita, isto é, para a fenomenalidade da vida subjetiva (Gély, 2012, p. 177), porquanto é na sua fenomenalidade que encontramos a possibilidade bem como a recusa de amparo à vida a braços consigo mesma.

Na raiz das práticas clínicas está a vida de todos e de cada um de nós; uma vida cuja fenomenalidade se processa em um registro outro que o da objetividade e no qual a subjetividade recupera o seu espaço nas práticas clínicas e na fenomenologia da vida. Um espaço que abre à interdisciplinaridade e que Michel Henry acaba por reconhecer como sendo uma prática indispensável quer à filosofia quer à ciência: "A interdisciplinaridade não é um termo oportuno nem um piedoso voto, ela é o trabalho e o pão quotidiano daqueles, médicos e filósofos, a quem reúne uma mesma finalidade: devolver uma vida doente ao seu poder e à felicidade de viver" (Henry, 2001, p. 142).

Um espaço a que, depois da sua morte, demos continuidade e cujos mais recentes resultados publicamos já (Antúnez, Martins, Ferreira, 2014; Antúnez, Safra, Ferreira, 2014). Neles, mostramos que a sensibilidade é parte integrante da clínica, porquanto ela é constitutiva da nossa humanidade. Mas como a sensibilidade remete para o fundo afetivo do advir da vida em nós e como nós é para a fenomenalidade desse fundo em articulação com as ciências da vida que orientamos agora as nossas investigações. E é neste contexto que apresentaremos, então, agora o tema afetividade e alucinação. Ou seja, articularemos a fenomenalidade da alucinação com a fenomenalidade da afetividade da qual a alucinação aparece, em Michel Henry, como fenômeno exemplar.

 

3. Subjetividade e afetividade

A subjetividade, apreendida na sua positividade e não em oposição à objetividade, abre a dor e o sofrimento a uma fenomenalidade que se efetiva aquém de toda e qualquer previsibilidade e, por conseguinte, de toda e qualquer objetividade ou ser, porquanto a dor e o sofrimento se provam no processo da vida que apenas conhecemos originariamente vivendo. Dor e sofrimento provam-se no advir da vida em nós e como nós tal como se provam a alegria, a angústia, uma cor ou um som: provam-se como constitutivas do nosso ser. Pelo que a materialidade ou o tecido fenomenológico (Henry, 1990, p. 6) da dor e do sofrimento são dor e sofrimento. Dor e sofrimento instalam-se em nós, reestruturando-nos até mesmo na desconstrução do que somos, possibilitando que nos recriemos até mesmo a partir daquilo a que chamamos adoecer. Sentimo-los, provamo-los nessa instalação da vida, tomada em seu fundo que é ele mesmo seu suporte e seu alicerce, na pura fenomenalidade do seu advir. Ou em linguagem henryana: "Puros são os sentimentos que provêm da prova de si mesmo que é o ser e a vida, uma vida absoluta", acrescentando "a pureza do sentimento reside em seu fundo" (Henry, 1963, p. 843).

Ora em Michel Henry o fundo do sentimento é a afecção da vida em si mesma; afecção que provamos como possibilidade principial do nosso viver, porquanto nele somos e existimos. Todavia se todos estamos de acordo em que vida se instala em nós como possibilidade principial do nosso viver nas modalidades de poder ver, andar, querer, rejeitar, pensar, sentir, já nem todos estaremos de acordo quando se atribui, essa possibilidade principial ao temor, à alucinação, à angústia, ao medo, ao desespero, como o faz Michel Henry. E pode fazê-lo, pois é isso que a fenomenologia da vida nos revela: dor, sofrimento, alucinação, temor, angústia, cor, som, odor, desejo são tonalidades afetivas da vida que experienciamos como impulso, pulsão, pulsar de vida em apelo à vida. Impulso ou pulsar que em linguagem henryana se traduz também em excedente de potência vivida em cada modalidade da vida. Excedência que é um fardo em si mesma, que é sofrimento, porquanto esse pulsar nos deixa a braços com a vivência desse excesso: "A força daquilo que originariamente adere a si, na união edificadora do ser, a força da afetividade e do sentimento, é isso aquilo de que o sofrimento tem a cargo antes de ser o peso da sua tonalidade própria, o suplemento, o excedente de potência que ele deixa romper e liberta como aquilo que nele há de permanente mesmo quando culmina e se quebra em dor extrema e em soluço" (Henry, 1963, p. 840).

Temos então que se cada tonalidade afetiva do nosso viver é pura coesão consigo mesma - coesão essa que permite a identidade de cada tonalidade - ela é também um fardo. Fardo tanto mais difícil de suportar quanto mais excessivo for o seu peso. Peso ou excedência que se pode rasgar em dor e em soluço e que, no limite nos pode deixar sem poder. Poder da vida que no limite do excesso de si nos pode deixar sem poder, eis o que caracteriza a fenomenalidade da alucinação. E assim se toda e qualquer prova da vida - visão, a audição, amor e ódio, percepção - são instalações da vida em nós, como nós, principialmente vivenciadas como sentimento de uma afeção que nos impulsiona a agir, o agir decorrente de uma afeção que no excesso de si nos deixa sem poder, deixa-nos também, de igual modo, sem a possibilidade de usufruir dessa possibilidade principial do nosso viver.

E é neste sentido que mais uma vez a fenomenalidade da alucinação abre a fenomenalidade da vida não apenas à sua verdade, mas à verdade de nós mesmos: poder ou não usufruir dos poderes da vida; o mesmo será dizer mover-se no e com o fundo da vida em si para que a própria vida acresça de si.

Retomemos as teses da fenomenologia da vida em Michel Henry: na fenomenalidade da vida a visão ou audição em nada diferem da fenomenalidade da angústia ou do desespero, bem como em nada diferem da fenomenalidade da alucinação. Aliás, a alucinação é que colhe em si mesma o paradigma de toda a fenomenalidade da vida, porquanto a sua fenomenalidade se processa em uma anterioridade absoluta (Kanabus, 2011; Kanabus, 2014, p. 144) a qualquer assenhoreamento que dela possamos fazer bem como de qualquer referência a uma realidade heterogénea à sua (Gély, 2014, p. 107-136). Todavia estamos implicados em cada modalidade da prova da vida, porquanto todas as suas provas são por nós vividas como puro sentimento de visão, audição, amor, ódio, angústia, temor, desespero. Puro sentimento ou consciência pura de uma afeto. Simples sentir-se a braços consigo mesma, a vida, em sentido henryano, nada tem de inconsciente (Henry, 1992, p. 4). Mesmo quando sucumbe a si mesma, sobretudo quando sucumbe a si mesma, a vida sente que sucumbe aos seus poderes mergulhando na angústia, mergulhando no seu próprio desespero. A vida adoece na prova de si mesma, sucumbindo a si mesma.

Ora se atendermos à fenomenalidade deste sucumbir a si mesma temos que aquilo a que a vida sucumbe é ao peso do afeto. A um excesso de si que a impede de ser o seu ser, ou seja, viver, sentir, experienciar, criar. Um excesso de si é um excesso de afeção que emerge da sua disponibilidade a outrem qualquer que ele seja. Compreender as várias modalidades da doação deste excesso é compreender as várias modalidades de o gerir e essa parece ser a questão que reúne, a uma mesma mesa, filósofos e médicos, pois aí estará a possibilidade de devolver uma vida doente ao seu poder e à sua felicidade de viver (Henry, 2001, p. 142).

E assim, mais uma vez a fenomenalidade da alucinação abre a fenomenologia da vida, em Michel Henry, às questões que estão, hoje, no centro das nossas interrogações culturais. Ela abre, para lá do debate que implica a necessidade de considerar a subjetividade nas práticas clínicas, ao atual debate com as neurociências, em torno da interrogação sobre a possibilidade de um agir ético quando se descobre que o fundo da vida em nós é habitado por uma "arqui-inteligibilidade com leis próprias" (Henry, 1992, p. 6) que impulsionam e determinam o nosso agir, qualquer que seja a modalidade com que provamos essa arqui-inteligibilidade e suas leis: na modalidade de alucinação, de angústia, de temor, de visão, de audição, de pensamento, de andar, de amor, de ódio, de volúpia ou de incômodo, numa palavra nas modalidades específicas do nosso ser. Todavia, modalidades que nelas nos implicam para com elas podermos viver. A vida, a vida de todos e de cada um de nós é originariamente relação, comunidade. O sentimento de si é prova dessa relação. Retomar o dinamismo dessa relação é devolver uma vida ao seu poder e à sua felicidade de viver.

O que só pode ser feito se na fenomenologia da prova de si, se houver, para lá do rompimento com o narcisismo, o ensimesmamento ou o fechamento da vida em si, nela, espaço para em afeto se mover. Ao provar-se na vida o si prova-se mais do que si mesmo; em afeto prova-se unido a todos os si(s) que na vida se provam; mais não apenas a todos os si(s) que na vida se provam, mas a tudo o que na vida se prova(Henry, 2004, p. 224). Possa então a vida mover-se nesse provar-se mais do que si mesma, nesse provar o outro em afeto.

Michel Henry não faz uma ética: indica apenas o âmbito da sua fenomenalidade que é o do domínio do agir. Um domínio que é o domínio da prova de si da vida que, ao fazer prova de si, nela nos implica, impulsionando-nos irrecusavelmente a interagir com o fundo afetivo pelo qual e no qual ele em nós se revela ou manifesta. Um fundo primordialmente relacional pelo que o nosso agir, na vida e com a vida, é primordialmente ético. É nesta arqui-relacionalidade da vida afetiva que se alicerça a interdisciplinaridade em entre os saberes da vida.

 

4. Afetividade e interdisciplinaridade

O primeiro elemento importante da fenomenologia da vida trazido a este debate é a possibilidade inerente à própria experiência ou à prova de si e consiste na possibilidade de a vida se amparar da sua própria afeção de vida. Cada um de nós, ao provar a vida em seu fundo afetivo, ampara-se de si amparando-se da vida em si. Uma possibilidade cuja intuição nos parece estar em jogo na insistente referência de Michel Henry a Kafka: chance que "o solo no qual me apoio nunca é mais largo do que os dois pés que o cobrem. Porque o mistério da vida é este: que o vivo é coextensivo ao Todo da vida nele, que tudo nele é a sua própria vida. O vivo não se fundou a si mesmo, ele tem um Fundo que é a vida, mas esse Fundo não é diferente dele, ele é a autoafeção na qual ele se autoafeta e com a qual, dessa forma, se identifica" (Henry, 1990, p. 177).

Um fundo da vida nem é um fundo anônimo nem uma singularidade sem relação. É uma ipseidade porquanto se vivencia nas modalidades da consciência pura de angústia, de desespero, de medo e até mesmo de desamparo. O desamparo é a pura consciência da sua possibilidade de ser na e pela vida pática. Pois quando tudo desmorona, eliminado qualquer possibilidade de retoma (Henry, 2002, p. 123), o puro sentimento de abandono, de vazio (Henry, 2003, p. 291) é ainda ele mesmo possível em seu viver, mas agora como que aberto a possibilidades ainda por viver, ainda impensáveis, ainda inexistentes: em porvir!

Ao revelar-se pelo sentir-se a vida expõe-se como pura consciência afetiva e ao fazê-lo permite-nos conhecê-la conhecendo com os seus limites as suas possibilidades. Os enredos da vida são enredos afetivos: as relações são os fios desse tecido de afetos! Fios não raro vividos em um emaranhado de emoções que deixem sem poder aquele que assim as vive. Todavia ainda assim, fios que esperam transitar em tecidos ainda por tecer! Fios desejos!

Michel Henry, em o romance o Filho do rei, refere esta possibilidade assim mesmo; na modalidade de desejo. Diz ele a respeito de uma das personagens do romance: Mariette/Lucile "(...) cravada com mais flechas do que o santo preso à coluna, não é de fraqueza mas é dos teus poderes que tu sucumbes (...) possa a perfeição inscrita na sua carne e que dela irradia não permanecer entre nós demasiado horrendos, oh sim, possa ela ser mais forte do que o insuportável. Possa ela não ser louca!" (Henry, 1981, p. 65).

Possa a vida ser mais forte que o insuportável! Possa ela amparar-se desse insuportável! Possa ela não enlouquecer! Possa ela conviver com a revelação primordial do poder do afeção da vida, mesmo quando esta na imersão de si a deixa sem poder, aniquilada, reduzida a escombros! Possa ela renascer da pura consciência do escombro!

Possa ela! Desejo transformado em possibilidade, deixada em aberto pela fenomenalidade da vida no artigo "Eles em mim: uma fenomenologia": a possibilidade de "devolver uma vida doente ao seu poder e à felicidade de viver". Possibilidade já reconhecida no romance O Filho do rei, mas negada na ineficácia das práticas clínicas que se sustentavam num divórcio entre teoria e prática. É para a possível conciliação deste divórcio que a conferência de Michel Henry, no Porto em 2001, chama a atenção. Uma conciliação que consideramos possível, não como aplicação de uma teoria a uma prática, mas pela inerência de ambas à fenomenalidade da vida em si mesmas, como temos vindo a expor.

Em termos fenomenológicos trata-se de atender ao (des)enlace dos fios pelos quais a vida se regenera e recria: os fios da passagem da pura consciência de um fundo ao envolvimento com esse fundo de modo a revolvê-lo em seu mesmo fundo. Em linguagem husserliana, diríamos que queremos saber da articulação entre duas modalidades da consciência do escombro: a pura consciência de escombro vivida como sentimento que, ao mesmo tempo que arranca de si mesma (ante-símul / Vor- Zugleich) a pura passibilidade do escombro, se vive, ao mesmo tempo (Zugleich), renovada a partir da retoma desse escombro. Em termos henryanos falaríamos da corpopropriação do escombro: pathos-avec.

O delineamento de um projeto de investigação interdisciplinar em torno do conceito henryano de corpopropriação foi objeto do colóquio internacional realizado em 2012, em Lisboa (Martins, 2014, p. 73-76). As implicações do conceito de corpopropriação nas terapias, suscitadas pela apresentação da conferência de Benoît Kanabus O conceito de corpopropriação em Michel Henry e Christophe Dejours no colóquio internacional Michel Henry: O incondicional da condição humana, realizado no Porto em 2013 (Kanabus, 2014, p. 101-113)4, estiveram na origem de um encontro interdisciplinar, realizado na USP (Universidade de São Paulo/Brasil) e na UGS (Universidade General Sarmiento, Argentina) em 2014. Os resultados destes encontros e debates estão já publicados.5

Neste artigo, mostramos como é que esse conceito de corpopropriação vai de encontro a uma necessidade deixada em suspenso, no romance O Filho do rei. Nele, Michel Henry, depois de ter remetido o conceito do inconsciente para a fenomenalidade pura da consciência nas modalidades da angústia, do desamparo, da aniquilação, do desmoronamento, deixa nela em aberto a possibilidade do amparo da vida ao excesso que ela mesma gera! Se o outro se dá como excesso que aniquila, então ele também se pode dar em excesso que ampara! Excesso vivido como afeto; excesso que identifica cada um em si mesmo aquando nesse mesmo excesso vivido! Excesso à espera de recriação de si mesmo. Desejo fracassado no romance O Filho do rei. Desejo retomado no artigo "Eles em mim: uma fenomenologia", mas respondendo agora ao tema do próprio colóquio: "os outros em eu"! Os outros em eu, como os outros em mim: pathos-com! Vida! Relação que em afeto se tece e se vive! Em afeto se renova dos escombros!

É na continuidade dessa possibilidade que o tema da corpopropriação enquanto possibilidade de uma fenomenalidade do amparo da vida a partir do puro sentimento ou consciência de um fundo afetivo ao qual estamos vinculados permite dar novos desenvolvimentos a práticas clínicas cuja receptividade à fenomenologia da vida faz já parte das suas atividades bem como integrar outras que descobrem essa mesma afinidade. Tal é o caso das práticas clínicas que se prendem com questões de motricidade. Um trabalho iniciado em Primavera de saudade em fios quatro-zero (Martins & Teixeira, 2007, p. 17-28) e que tinha como objetivo a interdisciplinaridade das terapêuticas da recuperação de uma mobilidade perdida quer por doença quer por acidente. Um trabalho a que Renato Mauri está a dar continuidade integrando o conceito no estudo da motricidade humana e do desporto. Uma prática para a qual muito pode vir a contribuir uma tradição cultural do Brasil e que é o jogo da "capoeira"6. Um jogo que, em linguagem fenomenológica, consiste em amparar-se em totalidade do movimento do corpo do outro transformando a agressividade do adversário em contínuo jogo. Corpo a corpo, em grupo, em comunidade a vida supera-se arrancando à inércia e à morte, o embuste, a fraude, a dor, o sofrimento. A vida de cada um de nós supera-se e desenvolve-se ao envolver-se com a vida de todos e de cada um de nós. E é por isso que a vida comunitária em Michel Henry, não é apenas subjetividade mas sentimento: pathos, épreuve de soi, que enquanto amparo de si é co-pathos ou pathos-avec (Henry, 1990).

É no enredo desse pathos que colhemos as leis próprias do nosso viver e com elas as suas possibilidades e os seus limites (Henry, 1992, p. 6). Limites ou constrangimentos revelados pelo dinamismo da vida afetiva que vivemos em nossa "carne"; que vivemos em "carne e osso". Limites nos quais, no dizer de Adélia Prado, nunca nada está morto e onde o que parece estático espera (Prado, 2001). Dizer que Jacqueline Santoantonio bem conhece em suas práticas de Ateliê de Pintura (Santoantonio, 2014, p. 253-272). Neste, se põem em movimento energias que há muito espreitam, temerosas, as formas de sua expressão. E tal como em Kandinsky, também no Ateliê de Pintura as cores expressam esse originário movimento da vida indispensável a todo o dizer originário que a obra de arte encarna. Por isso em Michel Henry a narrativa do sentimento do sol nas costas (Henry, 1981, p. 105), na obra O Filho do rei, traz em si a mesma dimensão de eternidade que a obra de Kandinsky ou uma obra do renascimento. A verdade da alucinação é impossibilidade da sua opacidade a si mesma. A opacidade a si mesma é a sua falsidade. Mas essas são a verdade e a falsidade de toda e cada prova da vida: a impossibilidade da opacidade a si mesma na pura consciência afetiva versus a sua opacidade inconsciente tanto quanto a sua visibilidade sem fundo.

Com o conceito de corpopropriação é a condição humana que deve ser repensada em seu fundo. Amparada no afeto que das entranhas à flor da pele (Henry, 1996) se prova, amparada naquilo que a observação de uma radiografia nos pode dizer o que daí resulta para uma carne (Henry, 2000, p. 317), amparada desde uma afeção que se traduz em uma proteína com implicações na memória (Teixeira & Martins, 2006, p. 321-233), ou na criação de um ambiente enriquecido que favoreça uma determinada morfologia dos neurônios com implicações na qualidade de vida de doente com Alzheimer ou ainda na determinação de períodos de desenvolvimento humano que são mais ou menos propícios ao aparecimento de distúrbios psiquiátricos (Yu, Teixeira, Mahadevia, Huang, Balsam, Mann, Gingrich & Ansorge, 2014), amparada em seu fundo, a fenomenalidade da vida, tal como faz prova de si, permite fazer a passagem do registro da objetividade para o da subjetividade para nesta encontrar as leis que a revolvem por completo: com a inversão fenomenológica a vida renasce em seu fundo e o fundo renasce com ela.

O Acompanhamento terapêutico, enquanto acompanhamento dos enredos afetivos da vida em todos e em cada um de nós, poderá vir a ser a expressão de uma cultura, em que a prática clínica, mais do que acompanhar as representações e simbolizações do real, acompanha aquilo que lhes dá expressão: a vida afetiva com seus constrangimentos e possibilidades em amoroso enlace de fios que tecem cada viver.

 

Referências

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Antúnez, A. E. A; Safra, G. & Ferreira, M. V. (2014) (Orgs.). Anais do I Congresso Internacional Pessoa e Comunidade: Fenomenologia, Psicologia e Teologia e III Colóquio Internacional de Humanidades e Humanização em Saúde. São Paulo: IPUSP. Acessível em: http://www.bvs-psi.org.br/php/level.php?component=17&item=137.         [ Links ]

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Recebido em 10.05.20157
Aceito em 23.09.2015

 

 

1 Texto apresentado no Seminário do Centre d'éthique contemporaine, Montpellier 3 a 9 de Abril 2015.
2 Referimo-nos à Genealogia da Psicanálise e aos múltiplos artigos em torno deste tema, nomeadamente, o texto Phénoménologie et psychanalyse, in Psychiatrie et existence, Grenoble, Millon, 1991, p. 95-107.
3 Colóquio organizado pelo grupo de Filosofia da medicina do Instituto de Oncologia de Lisboa, Francisco Gentil, em Arrábida, 1998.
4 In Michel Henry: o incondicional da condição humana, Revista da Faculdade de Teologia, Porto.
5 Os resultados desta investigação serão publicados na Revista de Psicologia da USP, 2015, volume 26, número 3. Os artigos são da autoria de Andrés Antúnez; Benoît Kanabus, Florinda Martins, Gilberto Safra e Maristela Ferreira.
6 A fenomenologia da vida não passa ao lado da vida: as suas potencialidades manifestaram-se-nos em uma festa de "capoeira" para crianças, que teve lugar na Fondation Lycée Pasteur - Casa Santos Dumond - São Paulo. A elas e seus organizadores o nosso reconhecimento.
7 Nota do Editor: Uma versão deste artigo encontra-se publicado em Espanhol, na Revista Ápeiron. Estudios de filosofía - Filosofía y Fenomenología, Nr.3 (Octubre 2015), España. A publicação das versões em português e em inglês foram autorizadas pelo editor espanhol, a quem agradecemos a gentileza, permitindo-nos tramitar o presente artigo em nosso periódico.

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