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Revista da Abordagem Gestáltica

versão impressa ISSN 1809-6867

Rev. abordagem gestalt. vol.22 no.2 Goiânia dez. 2016

 

ARTIGOS - FENOMENOLOGIA E GEOGRAFIA: ESPAÇOS, LUGARES E PAISAGENS

 

O direito de sonhar em geografia - projeção bachelardiana

 

The right to dream in geography - in the bachelardian projection

 

El derecho a soñar en geografia - proyección bachelardiana

 

 

Lúcia Helena Batista Gratão

Graduada em Geografia (Licenciatura) pela Universidade Federal de Goiás, com Mestrado e Doutorado em Ciências (Geografia Física), pela Universidade de São Paulo. Pós-Doutora em Geografia, pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), Rio Claro (SP). Professora-Adjunto do Departamento de Geociências da Universidade Estadual de Londrina. Professora do Curso de Especialização em Ensino de Geografia (UEL), Professora visitante do Programa de Pós-Graduação em Geografia na Universidade Estadual Paulista (UNESP), Rio Claro (SP). Endereço Institucional: Rua 70, 110, apto. 601, Residencial Flamboyant, Jardim Goiás - CEP: 74810-350 - Goiânia - Goiás. E-mail: aguasdelu@yahoo.com.br

 

 


RESUMO

Bachelard sonha - e nos convida a sonhar. Esta é a projeção que nos incita ao debate inscrito neste texto em torno da fenomenologia nos estudos geográficos. Bachelard sonha e nos arrasta para o envolvente "espaço onírico" que nos desvela a essência do poético. O filósofo da ciência expõe seu lado noturno e nos seduz pelo universo das imagens. Este O universo noturno bachelardiano é sedutor quando nos confere o direito de sonhar em geografia pela projeção da fenomenologia da imaginação. Uma fenomenologia que se baseia na imaginação enquanto criadora e sempre voltada para o futuro: o porvir que está além do jápensado. Por esta via de projeção procura-se refletir o sentido desta força que nos arrasta para o envolvente "espaço da imaginação geográfica" atraída pela contemplação da paisagem e do lugar à luz noturna de Bachelard.

Palavras-chave: Bachelard; Fenomenologia; Imaginação geográfica.


ABSTRACT

Bachelard dreams - and invites us to dream. This is the projection that incites us into the unscripted debate in this communication around phenomenology in geographic studies. Bachelard dreams - and drags us into the involving "honiric space" that shows us the essence of poetic. The science philosopher exposes his nocturne face and seduces us through the universe of images. The bachelardian nocturne universe is seducer when giving us the right to dream in Geography by the projection of imagination phenomenology. A phenomenology based on imagination as creator and always forward-looking: the coming that is beyond the already - thought. By this projection's way it is intended to reflect the sense of this force that drags us into the involving "geographical imagination space" attracted by landscape and place contemplation through imagination.

Keywords: Bachelard; Phenomenology; Geographical Imagination.


RESUMEN

Bachelard sueña - y nos invita a soñar. Esta es la proyección que nos anima a debatir este texto inscrito alrededor de la fenomenología en los estudios geográficos. Bachelard sueña y nos arrastre a lo circundante "espacio onírico" revelando a nosotros la esencia de la poesía. El filósofo de la ciencia expone su lado nocturno y nos invita en el universo de imágenes. Este El universo de noche bachelardiano es seductor cuando nos da el derecho a soñar en Geografía por la proyección de la fenomenología de la imaginación. Una fenomenología basada en imaginación como creadora y siempre enfocado en el futuro: el futuro que está más allá de lo ya-pensado. Esta ruta de proyección busca reflejar la dirección de esta fuerza que nos lleva a los alrededores de "el espacio de la imaginación geográfica" atraído por la contemplación del paisaje y del lugar de la noche en Bachelard.

Palabras-clave: Bachelard; Fenomenología; Imaginación Geográfica.


 

 

1. Livros e olhos abertos para horizontes de sonhos: um despertar onírico

O geógrafo enquanto explorador de paisagens e lugares, aos olhos da leitura e documentos, segue procurando preencher os "espaços vazios" dos nossos "mapas de sentimentos". Esse mesmo geógrafo deve abrir os livros e os olhos para novos horizontes. Na direção desses novos horizontes segue ele, procurando projetar-se pelo universo da imaginação, aquele universo que veio à luz com Gaston Bachelard (1884-1962), filósofo da "fenomenologia da imaginação" e, que considerou a imaginação como uma potência maior da natureza humana.

Por esta via de projeção buscamos então uma aproximação fenomenológica das imagens apontando que "para esclarecer filosoficamente o problema da imagem poética, é preciso chegar a uma fenomenologia da imaginação. Esta seria um estudo do fenômeno da imagem poética quando a imagem emerge na consciência como um produto da alma, do ser do homem tomado em sua atualidade" (Bachelard, 1957/1988 b, p. 2). Sobre a "fenomenologia da imaginação" projetada em "A poética do espaço", alerta Bachelard:

Um filósofo que formou todo o seu pensamento atendo-se aos temas fundamentais da filosofia das ciências, que seguiu o mais exatamente possível a linha do racionalismo ativo, a linha do racionalismo crescente da ciência contemporânea, deve esquecer o seu saber, romper com todos os hábitos de pesquisas filosóficas, se quiser estudar os problemas propostos pela imaginação poética. (Bachelard, 1960/1988 a, p. 1)

Frente a esta postura entendemos, segundo autor, que a fenomenologia da imagem exige que ativemos a participação na imaginação "criante". É esse impulso de imaginação que vislumbramos despertar na projeção deste horizonte de sonhos - um despertar onírico. "O fenomenólogo pode despertar sua consciência poética a partir de mil imagens que dormem nos livros" (Bachelard, 1960/1988 a, p. 7), no sentido de despertar sonhadores, uma fenomenologia das imagens "criantes"; uma "fenomenologia" que tende a restituir, mesmo num leitor modesto, a ação inovadora da linguagem poética.

É esta linguagem poética que estamos a reivindicar pelo direito de sonhar em geografia. Como Bachelard, acreditamo-nos em determinar uma fenomenologia do imaginário onde "a imaginação é colocada no seu lugar, no primeiro lugar, como princípio de excitação direta do devir psíquico. A imaginação tenta um futuro (Bachelard, 1960/1988 a, p. 8)". E, à luz dessa projeção que "um mundo se forma no nosso devaneio, um mundo que é o nosso mundo. E esse mundo sonhado ensina-nos possibilidades de engrandecimento de nosso ser nesse universo que é o nosso. Existe um futurismo em todo universo sonhado (Bachelard, 1960/1988 a, p. 8).

Ah! Sonho sonhado em geografia!

Bachelard, filósofo que ama os livros e declara o seu amor pela leitura. Na introdução de uma das suas obras que trata sobre o devaneio, o sonhador autor faz uma instigante declaração diante do papel dos documentos e dos livros: "[...] digamos em algumas palavras onde, em nossa solidão, sem possibilidade de recorrer a sondagens psicológicas, devemos procurar os nossos documentos. Eles vêm dos livros - toda a nossa vida é leitura" (Bachelard, 1960/1988 a, p. 24). É diante desta declaração que me permito aqui transcrever o trecho da sua escrita em torno da leitura, do livro e da escrita:

A leitura é uma dimensão do psiquismo moderno, uma dimensão que transpõe os fenômenos psíquicos já transpostos pela escritura. Deve-se considerar a linguagem escrita como uma realidade psíquica particular. O livro é permanente, está sob os nossos olhos como um objeto. Ele nos fala com uma autoridade monótona que seu próprio autor não teria. Temos de ler o que está escrito. Para escrever, aliás, já o autor operou uma transposição. Ele não diria aquilo que escreve. [...] Mas a melhor prova da especificidade do livro é que ele constitui ao mesmo tempo uma realidade do virtual e uma virtualidade do real. (Bachelard, 1960/1988 a, p. 24-25)

Diante dessa especificidade do livro, o impulso pela leitura de olhos abertos para o despertar onírico que continuo a minha exaltação em ressonância com Bachelard:

Que benefícios nos proporcionam os novos livros! Gostaria que cada dia me caíssem do céu, a cântaros, os livros que exprimem a juventude das imagens. Esse desejo é natural. Esse prodígio, fácil. Pois lá em cima, no céu, não será o paraíso uma imensa biblioteca? Mas não basta receber, é preciso acolher. É preciso, dizem em uníssono o pedagogo e a dieteticista, "assimilar" [...] Antes de mais nada, é necessário um bom desejo de comer, de beber e de ler. É preciso desejar ler muito, ler mais, ler sempre. (Bachelard, 1960/1988a, p. 26)

A esse enlevo, um novo impulso arrebata-nos pela projeção bachelardiana: "Como penetrar na esfera poética do nosso tempo?". Pergunta o filósofo e, ele mesmo responde:

Uma era de imaginação livre acaba de abrir-se. Em toda parte as imagens invadem os ares, vão de um mundo a outro, chamam ouvidos e olhos para sonhos engrandecidos. Os poetas abundam, os grandes e os pequenos, os célebres e os obscuros, os que amamos e os que fascinam. Quem vive para a poesia deve ler tudo. Quantas vezes, de uma simples brochura, jorrou para mim a luz de uma imagem nova! Quando aceitamos ser animados por imagens novas, descobrimos irisações nas imagens dos velhos livros. (Bachelard, 1960/1988a, p. 25)

Essa perspectiva traz à plena luz a tomada de consciência de um sujeito maravilhado pelas imagens poéticas e, nesse sentido é que a poesia - ápice de toda alegria estética - é benéfica e nos encanta: "Nas horas de grandes achados, uma imagem poética pode ser o germe de um mundo, o germe de um universo imaginado do devaneio de um poeta" (Bachelard, 1960/1988a, p. 1).

Ainda, Bachelard é o filósofo que nos eleva a alma e concede-nos o direito de sonhar. Dissera ele: [...] "A poesia nos proporciona documentos para uma fenomenologia da alma. É toda a alma que se entrega com o universo poético do poeta. [...] E a língua dos poetas deve ser aprendida diretamente, precisamente como a linguagem das almas. [...] O devaneio nos põe em estado de alma nascente" (Bachelard, 1960/1988a, p. 14-15). Por esta via, Bachelard se projeta sobre o imaginário artístico e sobre o sonho acordado, o devaneio. "Assim começa o itinerário pelos países do sonho e da fantasia, amorosamente atento às florações artísticas desses territórios e, conquista a partir dessa época - para ele e para nós - os fundamentos da legitimidade do devaneio, os motivos que tornam o sonho imprescindível à arte e à vida. Conquista o direito de sonhar (Pessanha, 1970/1994).

Bachelard, filósofo francês nascido na região de Champagne, Barsur-Aube, em 27 de junho de 1884 e falecido em Paris, em 16 de outubro de 1962, dedicou grande parte da sua obra à filosofia da descoberta científica procurando aproximar com a filosofia da criação artística. Com esta estrutura a obra bachelardiana é conhecida e dividida em duas vertentes: a "vertente diurna" e a "vertente noturna", como o próprio autor expressa no seguinte trecho da obra "Poética do devaneio". Comenta que: "Tarde demais conheci a tranquilidade de consciência no trabalho alternado das imagens e dos conceitos, duas tranquilidades de consciência que seria a do pleno dia e a que aceita o lado noturno da alma" (Bachelard, 1960/1988a, p. 52).

A esse enlevo, gostaria de debruçar-me e apreciar com menos rapidez e mais cuidado sobre os livros 'para não engolir' páginas corridas, não lidas, não aprendidas e sentir o gosto e o prazer de saboreá-las. Pois, trata-se de uma leitura aprendiz - leitura que nos conduz ao encontro com a realidade geográfica ao labor fenomenológico. Por isso aqui, remetemos o convite à leitura de Bachelard para acessarmos o horizonte de sonhos a que se procura projetar rumo ao direito de sonhar em geografia.

Ao longo das páginas desse texto seguiremos procurando (re)compor a geografia aos olhos sonhadores pela leitura de Bachelard. Esta geografia imaginada, sonhada, traçada pela escrita do geógrafo francês Eric Dardel, que se estende, se amplia e se projeta por tantos outros olhares sonhadores e escritas geográficas. A escrita dos geógrafos Eric Dardel e Yi-Fu Tuan expressam e revelam fortes traços de influência bachelardianos seus estudos em torno da relação de existência "Homem-Terra", impressa e expressa nas essências geográficas paisagem e lugar inscritas pelo 'princípio' de pertencimento e de afetividade na forma dos termos geograficidade (Dardel, 1952/2011) e topofilia (Tuan, 1961; 1974/1980).

As escritas de pertencimento e sentimento topofílico Homem-Terra, inscritas e impressas na expressão geographia seduziram-me e fizeram despertar o meu olhar poético-apaixonado pelas imagens da água através da leitura da sua obra "A água e os sonhos" (Bachelard, 1942/1989). Essa obra é que nos fez (en)levar a enveredar-nos como geógrafos pela poética do rio. Essa leitura é que enlevou nossa a alma à entrega ao universo poético do poeta. E, nesse sentido que a língua dos poetas deve ser aprendida diretamente, precisamente como a linguagem das almas. "Assim em nosso modesto estudo das mais simples imagens, nossa ambição filosófica é grande: provar que o devaneio nos dá o mundo de uma alma, que uma imagem poética testemunha uma alma que descobre o seu mundo, o mundo onde ela gostaria de viver, onde ela é digna de viver" (Bachelard, 1960/1988a, p. 15).

Foi essa a nossa ambição geográfica e o nosso encantamento pelo poético. Foi o que nos seduziu e nos ensinou Bachelard pelas bordas da geografia humanista (Holzer, 1992). Foi também embalada por esse enlevo foi traçada a escrita de "A poética d' "O Rio" - Araguaia!" (Gratão, 2002). Uma escrita encantada pelas águas à luz da imaginação poética. Uma escrita geográfica à luz bachelardiana, que procuramos deslumbrar e projetar nesse texto pelo direito de sonhar.

 

2. O espaço geográfico e a essência do poético

Para Eric Dardel, o precursor da geografia fenomenológica, o conhecimento geográfico deve ter como objeto decifrar os signos ocultos da Terra, como ele próprio escreve: "O conhecimento geográfico tem por objeto esclarecer esses signos, isso que a Terra revela ao homem sobre sua condição humana e seu destino. Não se trata, inicialmente, de um atlas aberto diante de seus olhos, é um apelo que vem do solo, da onda, da floresta, uma oportunidade ou uma recusa, um poder, uma presença (Dardel, 1952/2011, p. 2)

Isso também é visto na leitura imaginante de Bachelard que acaba por nos arrastar para o envolvente espaço geográfico e, que nos desvela a essência do poético em geografia. Nesta perspectiva (en)levada e embevecida pelas águas bachelardianas (Gratão, 2002), o geógrafo Dardel nos impulsiona pela sua escrita poético-fenomenológica:

Múltiplas são as modalidades sob as quais a realidade geográfica conduz, através de símbolos ede suas imagens, para além da matéria. A água, por exemplo, em uma função idealizante, aquela do espelho que amplia, repete e enquadra. Nela o mundo se contempla e "tende à beleza" (Bachelard). Rio, lago ou mar, a superfície das águas presta homenagem ao universo e à poesia. A água não é somente o espelho com o qual a Terra se estende ao céu, às árvores, às montanhas. Ela mistura as imagens que se levantam das profundezas e aquelas que se referem ao céu ou à costa. A intimidade da substância líquida suaviza o dourado frio do reflexo, e cria um mundo de formas moventes que parecem viver sob o olhar. (Dardel, 1952/2011, p. 37)

A escrita de Dardel é traçada por um forte pulso de entusiasmo, apelo e encantamento poético - força que emana da Terra (geo-graphia). Uma leitura apaixonada à luz de Bachelard, pois, revela-se carregada de sentidos e valores humanos. Uma escrita impregnada de vida. Uma escrita de existência,

[...] uma geografia em ato, uma vontade intrépida de correr o mundo, de frequentar os mares, de explorar os continentes. Conhecer o desconhecido, atingir o inacessível, a inquietude geográfica precede e sustenta a ciência objetiva. Amor ao solo natal ou busca por novos ambientes, uma relação concreta liga o homem à Terra, uma geograficidade (géographicité) do homem como modo de sua existência e de seu destino. (Dardel, 1952/2011, p. 1-2)

A escrita de Yi-Fu Tuan também sobre influência de Bachelard está impressa no seu texto poético, originalmente escrito em inglês, intitulado "Topophilia or sudden encount erwith Nature" (Tuan, 1961). Nesse texto, Tuan comenta longamente três obras de Bachelard, originalmente escritas em francês, que para ele são exemplos do estudo da topofilia: "La terre et los rêveries de la volonté" (Bachelard, 1948), "La poétique de l'espace" (Bachelard, 1957) e "L'eau et lês revês" (Bachelard, 1942). A sua escrita é uma verdadeira declaração do amor à Natureza expresso pela topofilia, esta afeição especial aos lugares. Sobre o envolvimento do geógrafo com da topofilia, Tuan escreve:

Geógrafos, acho que podia dar tempo fora de suas funções práticas e juntar aos poetas retratando o esplendor da terra. Isso não significa que devemos começar a descrever paisagens e rígidos planos em alguma data futura, quando deve abranger toda a terra com estes retratos. Não é necessário planejar, certamente não tem nenhuma obrigação para descrever qualquer área que não temos um carinho especial ou um fascínio inexplicável. Geógrafos têm vantagem sobre arquitetos, urbanistas e outras pessoas de vida selvagem que não corresponde a julgar imediatamente. Como poetas e artistas, têm maior prazer em saborear os frutos da terra. (Tuan, 1961, p. 32)1

Unir-se aos artistas e poetas para retratar o esplendor da Terra, expressão de motivação e impulso para despertar e conduzir o geógrafo a aventurar-se pelo campo da fenomenologia através da imaginação poética, o que se enleva a leitura de Bachelard. Aventura geográfica explorada e captada pela sequência de atos: a alma impondo como seu único desejo o abandono do corpo árido da técnica e da ciência buscando recompor a corporeidade diante do que se expõe (exposto). Com esta predisposição surge uma nova visibilidade do espaço que procura o mundo vivido ativando e ampliando o olhar na direção da (imagem) poética. E então, como declara o filósofo da "fenomenologia": "E foi assim que viemos a pensar: é com o devaneio que se deve aprender a fenomenologia" (Bachelard, 1957/1988b, p. 14). À luz desta declaração desperta-nos com nova revelação:

Há horas na vida de um poeta em que o devaneio assimila o próprio real. O que ele percebe é então assimilado. O mundo real é absorvido pelo imaginário. Shelley nos oferece um verdadeiro teorema da fenomenologia quando diz que a imaginação é capaz de nos fazer "criar aquilo que vemos" (referindo-se a uma fenomenologia da pintura). Seguindo Shelley, seguindo os poetas, a própria fenomenologia da percepção deve ceder lugar à fenomenologia da imaginação criadora. (Bachelard, 1957/1988b, p. 14)

Bachelard sonha e nos convida a sonhar e, nessa projeção nos (en)volve e nos (en)leva pelo campo geográfico permeado por imagens e pela imaginação geográfica, começando "o itinerário pelos países do sonho e da fantasia, amorosamente atento às florações artísticas desses territórios" (Pessanha, 1994, p. x). Nesse itinerário de projeção imaginária Bachelard nos arrasta para o (en)volvente "espaço onírico" onde se encontra a "essência do poético". O filósofo da ciência expõe seu lado noturno e nos seduz pelo universo das imagens. "[...] inovador da concepção de imaginação, explorador do devaneio, exímio mergulhador nas profundezas abissais da arte, amante da poesia [...]" (Pessanha, 1994, p. vi).

O universo noturno de Bachelard é sedutor quando nos confere esse direito de sonhar em geografia pela projeção da "fenomenologia da imaginação" (en)levando-nos aos vislumbres da poética geográfica (Gratão, 2002; 2006) ou geografia de sonho (Dardel, 1952/2011). Projeção da "fenomenologia" que se baseia na imaginação enquanto criadora e sempre voltada para o futuro: o por-vir que está além do já-pensado. Via de projeção que procura refletir o sentido dessa força criante que aponta para o campo da imaginação geográfica, despertando e atraindo àqueles que têm comprometimento com a concretude das coisas e olhos abertos a contemplar a realidade geográfica que se estende ao voo da imaginação.

À luz bachelardiana, o geógrafo sonha e se deixa arrastar para o espaço geográfico procurando desvelar a essência do eu-poético e o eu-sonhador em geografia. A essa luz redescobre o direito de sonhar pelo misterioso mundo das imagens poéticas e deslumbra a travessia geográfica dessa projeção. Com esta postura, outro olhar é desperto. Um olhar que busca e prossegue a tarefa de desvendar imaginantemente a realidade geográfica (Dardel, 1952/2011). Um olhar que se projeta do olhar empírico, "natural' e forçosamente se penetra no reino da imagem e do sonho e, que remete, afinal, aos jogos infinitamente multiplicadores e espelhantes da imaginação, sob o jogo alternado das sombras e da luz. Um olhar luminoso como início da trajetória que conduz às construções imagéticas, aos múltiplos artefatos do imaginário, à imaginação especulante? "O rigor da ciência não perde nada ao confiar sua mensagem a um observador que sabe admirar, selecionar a imagem justa, luminosa, cambiante" (Dardel, 1952/2011, p. 3).

Nesse labor fenomenológico o que está o sonhadorgeógrafo a fazer, em obediência apenas ao próprio desejo diante da força das imagens? Retirando da "bagagem" o peso do saber "diurno" e nela a depositar a leveza "noturna" de apreensão do imaginário poético, em sinal de despojamento, de renúncia ao peso das regras cientificistas, à causalidade, à insatisfação geometrizante do espaço geográfico? E, então, seduzido pela satisfação de sentidos e da explosão de imagens, segue ele aventurando-se pelo sedutor e (in)certo mundo da imaginação criadora? Essas são indagações que instigam o debate no campo da geografia por essa vertente filosófica do pensador francês. Esse filósofo camponês que nasceu no solo da Champagne, em 1884, e somente se transferiu para Paris em 1940, convidado a ministrar cursos na Sorbonne, morando num apartamento da rua LaMontagne-Sainte-Geneviève, em seu "exílio" citadino. "De "estilo filosófico rural", como reconhece Canguilhem (conforme citado por Bachelard, 1970/1994), distante dos padrões acadêmicos convencionais, longe dos modismos sorbonnianos, embebido de experiências colhidas em direito e apaixonado convívio com a natureza - experiências que fazem de Bachelard também um filósofo da natureza enquanto paisagem" (Pessanha, 1994, p. vi).

Desse mundo-vida, mundo-da-vida, vida-vivida brota a "fenomenologia da imaginação" na travessia da vertente diurna para a vertente noturna e, neste percurso (en)leva os geógrafos que se deixam seduzir e encantar pela vertente noturna desta via epistemológica. A sedução e o encantamento por essa vertente bachelardiana que legitima filosoficamente o direito ao devaneio é nos estimula a investigar sua contribuição no campo da geografia fenomenológica permeando, especialmente, pela paisagem e pelo lugar. Aqui, contemplados como uma trama de entrelaçamentos de sentidos e encantação poética, permitindo-se vaguear entre as veredas da imaginação nesse universo de imagens, devaneio e sonho. Como alerta Bachelard (1957/1988b, p. 19): "O espaço percebido pela imaginação não pode ser o espaço indiferente entregue à mensuração e à reflexão do geômetra. É um espaço vivido. E vivido não em sua positividade, mas com todas as parcialidades da imaginação". Ainda, completa o filósofo das imagens (poéticas): "Mas as imagens não aceitam ideias tranquilas, nem sobretudo ideias definitivas. Incessantemente a imaginação imagina e se enriquece com novas imagens. É essa riqueza do ser imaginado que gostaríamos de explorar" (Bachelard, 1957/1988b, p. 19). É essa riqueza do ser imaginado que se busca explorar pelo campo da imaginação geográfica.

A imaginação é um além psicológico. Ela assume o aspecto de um psiquismo precursor que projeta o seu ser. A postura fenomenológica leva-nos a tentar a comunicação com a consciência "criante". Como revelou o próprio Bachelard: "E foi assim que escolhi a "fenomenologia" na esperança de reexaminar com um olhar novo as imagens fielmente amadas, tão solidamente fixadas na minha memória que não sei se estou a recordar ou a imaginar quando as reencontro em meus devaneios" (Bachelard, 1960/1988a, p. 2).

Como para Bachelard talvez nos perguntem também, por que modificando o nosso ponto de vista anterior, buscamos agora uma determinação fenomenológica na geografia. Fiel aos nossos hábitos, estávamos também, acostumados a considerar o espaço geográfico "fora de qualquer tentativa de interpretação pessoal" (Bachelard, 1957/1988b, p. 3). Pelo campo da geografia enveredando-se e deixando-se embrenhar pelas leituras de Bachelard, passamos por uma grande "repercussão psíquica" e encontramos a transubjetividade do saber geográfico. Observamos, então, que essa transubjetividade não podia ser compreendida em sua essência, apenas pelos hábitos das referências objetivas. Só a fenomenologia poderia ajudar-nos a reconstituir a subjetividade geográfica. Para isso, é necessário associar sistematicamente o ato da consciência criadora - consciência sonhadora.

Nessa projeção geográfica a exigência fenomenológica está em apreender o próprio ser de sua originalidade e em beneficiar-se, assim, da insigne produtividade psíquica que é a imaginação.

A imaginação a princípio é um fator de imprudência que nos afasta das pesadas estabilidades. [...] certos devaneios poéticos são hipóteses de vidas que alargam a nossa vida dando-nos confiança no universo pelo devaneio. Um mundo se forma no nosso devaneio, um mundo que é o nosso mundo. E esse mundo sonhado ensina-nos possibilidades de engrandecimento de nosso ser nesse universo que é o nosso. Existe um futurismo em todo universo sonhado. (Bachelard, 1960/1988a, p. 8)

Nesse contexto aqui, poderíamos até dizer como disse Bachelard que a própria fenomenologia da percepção deve ceder lugar à "fenomenologia da imaginação" criadora. O conhecimento do mundo real exige investigações fenomenológicas complexas. E, então, afirma: "E foi assim que viemos a pensar: é com o devaneio que se deve aprender a fenomenologia" (Bachelard, 1960/1988a, p. 14). A "fenomenologia do espaço" exige que ativemos a imaginação criante-dinâmica, já afirmara também o filósofo. Para além do contrassenso em que se incorre com frequência, lembremos que a fenomenologia não é uma descrição empírica dos fenômenos. Descrever empiricamente seria uma subserviência ao objeto.

Se o geógrafo enquanto explorador de paisagens e lugares segue procurando preencher os "espaços vazios" dos nossos "sentimentos", a leitura de Bachelard tem aqui a contribuição de conduzir o geógrafo a se projetar pelo mundo maravilhoso das imagens, aventurando-se pelo espaço da fenomenologia rumo à fenomenologia da imaginação. Por este espaço se aventurando, descobrindo e chegando ao campo da imaginação geográfica. Em (con)fluência com os dois grandes nomes da geografia humanista já destacados, Eric Dardel e Yi-Fu Tuan, encontram-se outros nomes que por outros percursos e escritas têm deslumbrado esse campo de estudo, tais como Wright (1947); Tuan (1961; 1974/1980; 1990); Prince (1961; 1971); Lowenthal (1982); Lowenthal e Prince (1964); Dardel (1952/2011); Holzer (1992) que influenciaram profundamente nossas pesquisas-poéticas (Gratão, 2002; 2006; 2010).

A imaginação nos conduz a lugares inacessíveis que por outras maneiras de exploração geográfica não seriam alcançados. O geógrafo da imaginação pode acessar outros horizontes viajando pelo mundo das imagens procurando encontrar e desvelar imagens geográficas, sendo que para ter esse prazer da exploração é preciso sair do porto seguro da objetividade "diurna" e viajar pelo misterioso mundo da subjetividade "noturna" à luz imaginação bachelardiana. Aqui, pressente-se a magia do direito de sonhar que inspirou a geografia de sonho de Eric Dardel na sua geografia fenomenológica. Uma geografia traçada e vivida em atos fundada pela geograficidade e permeada pela poeticidade. Essa amálgama geográfica congrega geógrafos que sonham e se deixam arrastar para o envolvente campo da imaginação geográfica (Gratão, 2002; 2006; 2010). Diante dessa projeção onírica vislumbram-se caminhos possíveis no campo sonhado da geografia.

 

Considerações finais: Nosso sonho! Eu sonhadora de mundos

Como nos projetar para o envolvente espaço onírico? Como acessar o campo da imaginação geográfica? Perguntas que muito nos têm inquietado e que nos vêm despertando o desejo do direito de sonhar. Desejo que vem sendo deslumbrado pela projeção bachelardiana. Bachelard sonha e nos projeta para o mundo - mundo-do-ser - ser-no-mundo - o eu-poético - o eu-sonhador de mundos. Imaginamos mundos para a expansão de ser que recebemos dos devaneios cósmicos. Mundos para habitarnosso-ser-imaginante.

O que poderiam vislumbrar os geógrafos que se obstinam pelo mundo da imaginação? Não teríamos o que se espelhar? Perderíamo-nos pelos "labirintos em que se debatem os sujeitos examinados pelo psiquismo das imagens; pelo poder do imaginário; pela força material, movida pelas duas grandes funções psíquicas: a vontade e a imaginação?", é o que se pergunta Bachelard (1948/1991, p. 51). Frente a essa indagação deixaríamo-nos a aventurarmos por esse mundo (incerto) que se abre para o (nosso) mundo, como já fora anunciado? "Uma era da imaginação livre acaba de abrir-se. Em toda parte as imagens invadem os ares, vão de um mundo a outro, chamam ouvidos e olhos para sonhos engrandecidos" (Bachelard, 1960/1988a, p. 25).

O pensamento bachelardiano aos nossos olhos já repercute fortemente no espírito de Dardel quando escreveu em 1952, a sua obra marcada pela linguagem poética transcrita pelo mundo-solo-Terra da imaginação geográfica. Por entre sonhos e devaneios a geografia dardeliana segue iluminada por raios oníricos, iluminando e despertando os que desejam e que se deixam (en)levar por esta vertente de exploração e escavação fenomenológica. Por essa vertente pressente-se a relevante contribuição como outro modo de fazer geografia. Dardel ousou, sonhou, escreveu e projetou essa geografia vivida em atos pela experiência de um ser-onírico. Um novo olhar geográfico se projeta rumo a uma geografia de sonho, como ele assim escreveu: "[...] a geografia envolve e penetra os sentidos de doçura e de luz. Continuando nossa exploração das expressões geográficas, chegamos, pelas vias do imaginário, a uma geografia de sonho" (Dardel, 1952/2011, p. 5). A expressão de Dardel originalmente escrita em francês (géographie de revê), é sedutora e instigante e, ao mesmo tempo, traz e repercute uma sonoridade profunda da linguagem poética.

Do desvelamento poético o geógrafo da imaginação nos impulsiona e nos encoraja a transitar e a transviar por esse campo geográfico que se abre para um mundo que é o nosso mundo. Uma abertura para um mundo belo, para mundos belos. Um mundo do eu sonhador. Retornando a Bachelard (1960/1988a, p. 8): "E esse mundo sonhado ensina-nos possibilidades de engrandecimento de nosso ser nesse universo que é o nosso". Possibilidades de engrandecimento de nosso estar-no-mundo. Geógrafo sonhador? Geógrafo que sonha?

É Bachelard que nos encoraja a projetarmos nesse universo quando nos mostra as possibilidades de nos libertar da função do real:

As exigências de nossa função do real obrigam-nos a adaptar-nos à realidade, a constituir-nos como uma realidade, a fabricar obras que não são realidades. Mas o devaneio, em sua própria essência, não nos liberta da função do real? Se o considerarmos em sua simplicidade, veremos que ele é testemunho de uma função do irreal, função útil, que protege o psiquismo humano, à margem de todas as brutalidades de um não-eu hostil, de um não eu-estranho. (Bachelard, 1960/1988a, p. 13)

Resta-nos para isso, aprofundarmos a escavação fenomenológica de Gaston Bachelard para conhecermos com presteza e dignidade o Bachelard Noturno que tanto instiga e inquieta os seus leitores no campo da geografia. Nosso sonho! Que possamos sonhar e nos deixar arrastar para esse espaço onírico-geográfico e, enquanto geógrafos-sonhadores temos o papel de investigar esse campo de escavação fenomenológica, analisando as experiências mais recônditas primitivas e diretas do Ser Humano com a Terra, esta geograficidade original como lugar, base e meio de existência. Um campo permeado por conteúdos humanistas que levou o precursor da geografia fenomenológica a declarar que "a geografia como "oxigênio da alma", é uma das formas de humanismo" (Dardel, 1952/2011, p. 82).

Por esse campo de sonho seguem os geógrafos levando consigo as marcas desta trajetória humanista (Holzer, 1992). Bachelard propicia o entendimento da geografia feita por Dardel a qual despertou e conduziu outros exploradores de sonhos. Um deslocamento de sujeitos que se estabelece pela imaginação projetada por este filósofo camponês "exilado" em Paris, que envolto por raios noturnos vem iluminar e proporcionar o encontro de geógrafos com artistas e poetas. Geógrafos-exploradores de imagens que ao sonhar despertam, vislumbram e deslumbram novos campos de ação pela imaginAÇÃO! Transposição possível na geografia que se faz pelo universo da arte, da fantasia, da criação. Essa geografia que se permite fazer - e que se faz - à luz bachelardiana. "A linguagem do geógrafo sem esforço transforma-se na do poeta. Linguagem direta, transparente, que "fala" sem dificuldade à imaginação, bem melhor, sem dúvida, que o discurso "objetivo" do erudito, porque ela transcreve fielmente o "texto" traçado sobre o solo" (Dardel, 1952/2011, p. 3).

A luz projetada de Bachelard ajuda a decifrar a escrita da Terra, expressão fundante na escrita do geógrafo humanista Eric Dardel. Dardel inspira os amantes da fenomenologia a redescobrir e a reconhecer a geografia por esta abordagem, fazendo desatar a imaginação dos que diante dela - como diante de um oráculo ou de um quadro de água de Monet, de um poema de Thiago de Mello ou de Manoel Barros, de um verso de Cora Coralina, de Garcia Lorca ou de Pedro Casaldáliga ou de uma cascata - entregam-se ao devaneio e à reflexão. Desse modo, considerando a imaginação como uma potência maior da natureza humana. Por essa via de potência humana é que se vislumbra e se projeta a contribuição de Gaston Bachelard como busca e ensinamento na geografia. Assim,

A obra de Bachelard é busca e ensinamento. Busca, na ciência, da riqueza do humano. Ao lado da razão, nos textos do filósofo, a imaginação recupera seus direitos, como propulsora do saber científico: só conhecemos, de modo rigoroso, diz Bachelard, aquilo com que um dia, sonhamos. Por isso, seus textos de epistemologia são contraponteados por estudos que compõem uma original abordagem poética do mundo. [...] E o que Bachelard nos ensina? Rememora o caráter dinâmico, a historicidade fundamental do saber. [...] É preciso pôr-se à escuta, dialogar e aprender com seus escritos, estar atento. Como ele, também buscamos. (Cesar, 1989, p. 5-6)

Diante desses ensinamentos vislumbramos caminhos que nos (en)levam ao fazer uma geografia que se pensa, experiência e sonha; que se cria e recria colocando-nos no mundo: um estado de alma; uma entrega como o universo poético. Bachelard propicia à sua luz noturna um fazer geográfico que proporciona o encontro entre geograficidade e poeticidade numa só escrita geográfica. Como nos ensina Dardel, a geograficidade alia ao rigor da ciência a observação pessoal e poética. Se Dardel traz para a geografia a geograficidade, Bachelard traz a poeticidade. Desse entrelaçamento do encontro da ciência com a arte surge e funda-se a poética geográfica. Bachelard seduz o geógrafo que se aventura pelo campo da imaginação dialogando com autores, atores, artistas, poetas, romancistas, musicistas; caminhantes, viajantes. Exploradores que vislumbrando o mundo das imagens passam ao deslumbramento da imaginação poética, e, nesse deslocamento seguem enveredando-se pelo universo onírico embrenhando-se no mundo da arte, da fantasia, da criação. Mundo fascinante para o geógrafo sonhador.

Embrenhar-se do pensamento bachelardiano é estar aberto para mudanças. "E quem é que não tem necessidade de libertar-se de preconceitos, do mau costume, da preguiça intelectual, da desmotivação cultural, do conformismo educacional?" (Silva, 1999, p. 3). A esta abertura para mudança, permito-me encerrar esse texto com uma transcrição da leitura de Bachelard sobre o direito de sonhar, feita pelo também filósofo, José Américo Pessanha.

Filósofo da solidão, mas também da felicidade, filósofo da solidão feliz - porque da felicidade da mão criadora e da palavra feliz que laboram no instante solitário -, Bachelard desata, no território da imaginação, os últimos nós que poderiam ainda prendê-lo a qualquer resquício intelectualista e redutivista. Deseja captar o poético apenas poético, ter o prazer, somente o prazer, do poético. Por isso, acaba por fazer do devaneio objeto e método. Aquela imprudência que é método em filosofia adquire agora forma final e mais requintada. E, na imprudência do devaneio: a liberdade. E nessa liberdade: o pleno direito de sonhar. (Pessanha, 1994, p. xxx)

 

Referências

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Recebido em 03.05.16
Primeira Decisão Editorial em 09.08.16
Aceito em 01.09.16

 

 

1 "Geographers, I think, might take time off from their practical duties, and join - at y he poets in portraying the splendor of the earth. I do not mean that we should all start describing landscapes, and grimly plan on some future date when the entire earth will be covered with such portraits. We need no plan, we certinly have no obligation to describe any area other than the one for which we have a special fondness or inexplicable fascination. Geographers have na advantage over architects, town planners and wildlife conpeople we not called upon to give immediate judgment. Like poets and arists, we have greater leisure to taste the various fruits of the earth" (Tuan, 1961, p. 32).

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