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Revista da Abordagem Gestáltica

versão impressa ISSN 1809-6867

Rev. abordagem gestalt. vol.23 no.2 Goiânia ago. 2017

 

TEXTOS CLÁSSICOS

 

O que é a fenomenologia?: Parte I, a fenomenologia de Husserl

 

 

Tradução: José Olinda Braga; Pierre Thévenaz (1952)

(Universidade Federal do Ceará)

 

 

Questão por demais irritante para o profano que escuta soar essa palavra em seus ouvidos e gostaria de compreender, ainda que em linhas gerais, pelo menos, do que ela trata, ao tempo que para o historiador da filosofia ou o filósofo especialista resta o sentimento de seguir uma doutrina inapreensível e jamais claramente definida durante os cinquenta anos da rica evolução que, de Husserl, segue através de Scheler, Heidegger, Sartre e vários outros até Merleau-Ponty. A fenomenologia parece um Proteu que ora surge como uma pesquisa objetiva das essências lógicas ou das significações, ora como uma teoria da abstração; por vezes como uma descrição psicológica profunda ou uma análise da consciência, outras vezes como uma especulação sobre o "Ego transcendental"; ora como um método de aproximação concreto da existência vivida, e às vezes parece, como em Sartre ou Merleau-Ponty, se confundir pura e simplesmente com o existencialismo.1

Certo que a meada está atualmente um pouco emaranhada. Por esta razão, seria fácil demais extrair daí argumentos contra a fenomenologia, acusando-a de obscurantismo ou de incerteza: uma filosofia que após cinquenta anos, não seria ainda capaz de se definir de forma clara e inequívoca, teria provado por isto mesmo uma irremediável inconsistência! Em realidade é necessário concluir exatamente o inverso: se um método forjado, de início, para um fim bem particular e limitado, pode tomar formas tão múltiplas, é que continha nele mesmo, uma verdade e uma eficácia latentes, uma potência de renovação, um princípio de superação, que testemunham uma excepcional fecundidade. Além do que, uma boa parte desse obscurantismo não proviria de nossa incapacidade de tomar todos os fios a cada vez e discernir a unidade profunda das diversas filosofias que reivindicam o título de fenomenologia?

Verificamos, de início, que as revoluções verdadeiramente profundas em filosofia procedem muito mais de uma inovação de método do que de iluminações metafísicas; mas, ao mesmo tempo também, percebemos uma vez mais que aquilo que se quer como pura inovação de método, sem pressuposto, carrega consigo e faz aparecer mais cedo ou mais tarde, opções metafísicas fundamentais. O valor do método se revelará então simplesmente como proporcional à amplitude da filosofia ou à multiplicidade dos filósofos para os quais ela pode se insurgir como inspiração e alimento.

A esse propósito não se pode deixar de aludir ao impulso do método cartesiano, que se pretendia de início puro método, mas que em menos de um século, tinha feito eclodir três ou quatro grandes metafísicas através das quais Descartes se viu, sem dúvida, contrariado de sabê-las denominadas "cartesianas", mas que já disputavam entre si. O método crítico de Kant conduz do mesmo modo a um florescimento assustador de metafísicas e às grandes lutas filosóficas pós-kantianas e pós-hegelianas: em 1800 ou em 1840 foi verdadeiramente difícil definir, em uma fórmula unívoca quem realizou o acordo dos espíritos, o que veio a ser o aporte decisivo ou a essência da revolução copernicana da Crítica kantiana.

Contudo, se a meada fenomenológica está particularmente emaranhada, isso decorre também de uma característica própria desta doutrina. Muito do método cartesiano, foi imediatamente dado sob um formato concluído, direto em sua intenção, simples em sua aplicação, - de maneira similar, por outra parte, o método crítico de Kant, após as lentas pesquisas do período pré-crítico, se revelou maduro, seguro de si mesmo; mas em contrapartida, a diligência de Husserl (e da fenomenologia como tal) foi sinuosa e tateante: recuperação constante, exploração às cegas, perpétua retomada das questões. A fenomenologia, pode-se dizer, alia paradoxalmente duas características reputadas como excludentes uma da outra: metódica e tateante.

Há mais ainda: a desconcertante produtividade de Husserl, enegrecendo sem cessar, mais de quarenta mil páginas, das quais ele tomava apenas algumas amostras para liberá-las à publicação (não sem as refundir e as retrabalhar incessantemente), criou a situação delicada diante da qual o historiador da filosofia se encontra nos seguintes termos: antes mesmo que Husserl soubesse exatamente onde ele iria e o que ele pesquisava verdadeiramente, sua indecisão e não sei qual prestígio (de boa qualidade) de seu método já capitaneava pesquisadores, filósofos; e, enquanto ele próprio atravessava a mais grave crise de dúvida e de incerteza interior, eis já um punhado de discípulos, lançados cada qual sobre pistas divergentes, seguindo seus trilhos, com temperamentos diversos e seus próprios problemas (Scheler, Geiger, Pfänder, etc). Depois, em um estágio ulterior da evolução de Husserl, é a fenomenologia transcendental que suscita novas pesquisas, como por exemplo, aquelas de Heidegger. Mas Heidegger eclipsa seu mestre, e num ato, o transforma em uma figura do passado, em história da filosofia. É com efeito, como um típico ocorrido dos grandes iniciadores: antes mesmo de ter publicado suas últimas obras, um Kant, um Bergson, um Husserl, já são "históricos", "ultrapassados". Suas próprias posteridades lhes servem de cenário.2

Fatores extra-filosóficos aceleraram, em demasia, esse silenciamento prematuro de Husserl. Entre 1930 e 1940, na Alemanha nazista, o silêncio se fez em torno do mestre, uma vez que ele era judeu3, e foi no esquecimento que ele morreu em 1938. O drama quis que essa rejeição no passado e esse esquecimento tivessem qualquer coisa de irremediável. No entanto, a despeito da publicação atual das Husserliana, o declive não parece poder ser remontado. O pensamento de Husserl, pelo menos na Alemanha, interessa tão somente a historiadores da filosofia, e entretanto, ele começa somente agora a ser conhecido e compreendido na sua totalidade e em sua unidade. Queremos muito ver nele o iniciador da fenomenologia e o honrar como tal; mas não é próximo a ele que se acredita dever se iniciar hoje na fenomenologia; os olhares se voltam para Heidegger e sua escola, e na França, em torno de Sartre e Merleau-Ponty.

 

I. A fenomenologia de Husserl

1. Os arquivos-husserl e a publicação dos inéditos (Husserliana)

Após alguns anos, graças ao enorme trabalho realizado silenciosamente durante mais de uma década pelos Arquivos-Husserl de Louvain, graças aos trabalhos críticos de toda primeira ordem que elas tornaram agora possíveis, e, para nós outros de língua francesa, graças às traduções, nos é possível compreender e interpretar mais seguramente a filosofia de Husserl e notadamente a evolução desse pensamento, de 1900 a 1938, em que vários elos importantes nos faltavam até aqui. Desse modo, toda a evolução da fenomenologia pós-husserliana se encontra esclarecida.

O acontecimento capital4 foi a publicação enfim iniciada após 1950, das Husserliana. Sabe-se que, no curto intervalo que separa a morte de Husserl (1938) da guerra de 1939, a biblioteca e o conjunto dos manuscritos de Husserl foram preservados dos perigos que eles corriam em Freiburg-en-Brisgau e posto em segurança em Louvain pelo R.P.H.L Van Breda. Subsidiado pelo apoio financeiro de mecenas belgas, depois mais recentemente pela UNESCO, e com a colaboração de sábios como os professores Fink e Landgrebe, antigos assistentes de Husserl, de M. Stephan Strasser (tornado depois titular de uma cadeira de filosofia na Universidade de Nimeguen), do senhor e senhora Walter Biemel e da senhora Gelber, ele dirige os arquivos onde se os classificaram, decifraram, retranscreveram e prepararam a edição dessa enorme "Nachlass".5

Os três primeiros volumes que acabam de ser publicados contêm textos muito importantes, aqueles que Husserl já tinha preparado ele próprio e do qual havia anunciado prematuramente a publicação, atrasada por exigência de preparação a um ponto jamais satisfatório.

O primeiro volume6 contém enfim o texto original alemão das Méditations Cartésiennes, inédito até aqui. Conhecemos o curioso destino dessa obra: em 1929, convidado pelo Instituto de Estudos Germânicos de Paris e pela Sociedade Francesa de Filosofia, Husserl pronunciou na Sorbonne, conferências em alemão sob o título Introdução à Fenomenologia Transcendental. Seu sucesso encorajou Husserl a retomar e a aprofundar os temas tratados, sob o título de Cartesianische Meditationen. Esse texto, redigido quando de seu retorno a Freiburg, foi traduzido em francês e publicado em Paris em 19317 . Contudo, apesar de seu subtítulo Introdução à Fenomenologia, esse livro não pode servir ainda de iniciação ao pensamento de Husserl para um leitor francês: ele representa de fato a última ou a antepenúltima etapa da evolução de Husserl e por outra parte, a tradução permanece imprecisa, obscura, até mesmo inexata sobre diversos pontos. Isso quer significar o quanto somos reconhecidos ao professor Strasser de nos propiciar não somente o texto original alemão, mas o texto primitivo, reconstituído das Conferências de Paris; essas quase que trinta a quarenta páginas estão entre as melhores coisas que Husserl escreveu, pela clareza da letra e da formulação, um pouco apagada nas Méditations Cartésiennes pelos desenvolvimentos sobrepostos. Além do que, nele se encontra uma coleta de observações críticas que um discípulo, o professor Roman Ingarden, de Cracóvia, endereçou ao seu mestre e às quais se sabe, Husserl dedicou um grande apreço.

O segundo volume8 é mais importante ainda, no sentido de que ele nos esclarece enfim, sobre toda uma outra fase do pensamento de Husserl, aquela que separa as Logische Untersuchungen (1900) das Ideen (1913). Tinha-se dificuldade de explicar a passagem que leva das primeiras preocupações lógicas, da crítica do psicologismo e do relativismo, das primeiras análises fenomenológicas, daquilo que se acreditava poder qualificar de realismo das essências ideais ou de novo platonismo, até o idealismo transcendental das Ideen, onde se via pela primeira vez intervir a famosa "redução fenomenológica", que parecia como que cair do céu. Husserl fora realmente realista em 1900 e idealista em 1913? Sabe-se hoje que por volta de 1905, Husserl passa por uma crise interior muito séria, que lhe chega a duvidar de sua própria qualidade de filósofo, e no dia 25 de setembro de 1906 ele escreve em seu Journal que "se se quer poder chamar-se filósofo", é necessário se empreender uma crítica radical da razão; antes de se estar esclarecido sobre este ponto, "eu não posso verdadeiramente mais viver": "Encontro-me por demais cheio de tormentos da obscuridade (Unklarheit) e turbilhões de dúvida. É-me necessário chegar a uma consolidação interior. Eu bem sei que se trata aí de algo grande, daquilo que há de maior; eu sei que grandes gênios aí falharam e que, se eu quiser me mensurar com eles, eu deverei imediatamente desesperar"9 .

Essa crítica radical da razão, advinda da meditação simultânea de Kant e de Descartes, o conduz à descoberta decisiva que vai orientar definitivamente sua reflexão na direção de uma filosofia transcendental: a redução fenomenológica. Sabe-se que se trata de uma colocação entre parênteses (de inspiração cartesiana) pela qual se opera não somente a suspensão de todo julgamento da existência e de valor sobre os objetos, mas ainda a ruptura radical com o mundo natural e a atitude natural do conhecimento. O interesse central de Husserl que parece se restringir à dimensão do objeto, da intuição das "essências" (pesquisa dita eidética), pende para o outro polo, aquele do conhecimento ou do sujeito enquanto constitui o objeto e se dá conta de sua significação de objeto. Doravante toda a reflexão fenomenológica é denominada menos pela descrição das coisas, dos fenômenos que se desvelam, que pelo problema (de inspiração kantiana) da constituição, pelo problema transcendental da constituição do sentido desse mundo "reduzido". É de fato pela redução que o filósofo pode ter acesso ao plano transcendental onde ele vai encontrar a resposta à questão do fundamento absoluto e necessário da lógica pura, das ciências ou do conhecimento em geral.

A primeira menção da redução se encontra em um texto ainda inédito, do verão de 1905, enquanto que a primeira exposição explícita e completa se lê precisamente nessas cinco lições feitas em Göttingen sobre a Ideia da Fenomenologia. O prefácio de Walter Biemel nos indica que outros manuscritos e outros cursos do mesmo período (1907-1912) retomam esse tema da "ideia da fenomenologia e de seu método", da redução, e sobretudo o tema da coisa (fenomenologia da Dinglichkeit) que será desenvolvida nas Ideen II.

O terceiro volume10 abarca a publicação integral das Ideen do qual Husserl só tinha liberado a primeira parte em 1913. Com efeito, após esses doze anos de crise interior, de dúvida, de silêncio e de pesquisa paciente, seus colegas e seus alunos pressionam Husserl a publicar uma obra sistemática que possa dar a conhecer o resultado revolucionário das descobertas feitas e constituir como que o programa da verdadeira fenomenologia, a fenomenologia transcendental. O tomo primeiro das Ideen iria ao mesmo tempo constituir o "editorial" do novo órgão da escola fenomenológica: o Jahrbuch für Philosophie und phanomenologische Forschung11 que abrangerá onze volumes (1913-1930) e publicará, entre outros, a Formale und transzendentale Logik de Husserl, o Formalismus in der Ethik... de Scheler e o Sein und Zeit de Heidegger. Contudo, antes de publicar os tomos II e III das Ideen, Husserl é cuidadoso de aprontar as Logische Untersuchungen, adaptando ao novo ponto de vista transcendental12, e depois ele não para durante mais de quinze anos de corrigir e de melhorar as Ideen I. É precisamente essa versão corrigida, com seus complementos, redigidos entre 1914 e 1929, que nos propicia o terceiro volume das Husserliana, aos quais se seguirão as Ideen II e III ainda inéditos e pacientemente esperados13 .

***

Mas ao lado das Husserliana, certos textos de menor amplitude mas de não menos importância, retirado igualmente dos Arquivos-Husserl, foram publicados bem recentemente em versão francesa, antes mesmo do original alemão, o que testemunha desse fato relevante e incontestável (sobre o qual nós voltaremos após esse estudo) que o interesse pelos Inéditos de Husserl é mais vivo na França que na Alemanha.

1. O primeiro foi emprestado da parte ainda inédita das Ideen: Rapport entre la phénoménologie et les sciences14, texto editado por Walter Biemel (com um belo retrato de Husserl). É dedicado à distinção entre ciências da natureza e ciências do espírito e põe à luz sobretudo, a relação entre fenomenologia transcendental e a psicologia. Ali se lê notadamente: "A psicologia descritiva oferece um ponto de partida característico e natural para a elaboração da ideia da fenomenologia. Tal foi, com efeito, o caminho que me conduziu à fenomenologia, como nós a compreendemos - quer dizer, a fenomenologia eidética que repousa também sobre a redução transcendental - não é absolutamente a psicologia descritiva, e, na estrita verdade, não há nada de absolutamente comum com ela... Quando a essência particular da ciência do espírito for apreendida em sua pureza e instalada em oposição como uma ciência inteiramente diferente da psicologia entendida como ciência natural, e às disciplinas que dela dependem, um novo caminho de acesso à fenomenologia se abrirá, um caminho bem superior àquele que oferecia a psicologia, e que conduzirá a muito mais longe"15 .

2 e 3. Depois se fizeram publicar dois textos do último período, dito período da Krisis16 . É o momento (1934-36) onde, sob o efeito do triunfo nazista que fez de Husserl um proscrito virtual, seu pensamento toma uma tonalidade mais grave e mesmo trágica, e se torna particularmente sensível ao tema da crise da Europa, da humanidade e da razão filosófica, ao tema da história igualmente e notadamente da história da filosofia e de sua significação.

No primeiro desses textos: La crise de l'humanité européenne et de la philosophie17, nós encontramos uma via profunda que ultrapassava imediatamente a inquietude e o ressentimento que poderia lhe causar a orientação política de seu país, como também a orientação da filosofia de Heidegger. Husserl nos convida a reconhecer na razão filosófica o sentido, a unidade e a "teleologia escondida" da história europeia (tema central desenvolvido na Krisis). E a crise atual da humanidade, grave ameaça que se manifesta tanto para o cruel irracionalismo da barbárie quanto para a "aflição metodológica das ciências" (crise de seu sentido e de seus fundamentos), em sua raiz, num "desvio naturalista e objetivista", em uma "alienação" da razão filosófica. Do velho "racionalismo absurdo" ele ali chama não apenas a um abandono das forças irracionais, mas a uma razão consciente dela mesma, quer dizer, consciente desse sentido teleológico escondido da história do espírito europeu. "A crise da existência da Europa não possui, senão, duas saídas: ou bem a Europa desaparecerá refugiando-se sempre mais estrangeira à sua própria significação racional, que é o seu sentido vital, e sucumbirá na vergonha do espírito e na barbárie; ou bem a Europa renascerá do espírito da filosofia, graças a um heroísmo da razão que submeterá definitivamente o naturalismo" (p. 258).

O segundo desses textos: La philosophie comme prise de conscience de l'humanité foi publicado em nosso país18 . Ele põe à luz essa exigência de uma "luta pelo sentido do homem". A filosofia "é a ratio no seu movimento incessante para se elucidar ela mesma (Selbsterhellung) (p. 123), por se legitimar ela mesma (Selbstrechtfertigung)" e para tomar consciência de si e se dar um sentido (Selbstesinnung). Vê-se aparecer aqui mais que em todo lugar além, com o tema da liberdade e do advir histórico da razão, aquele da responsabilidade moral do pensamento: "O homem, atingindo a última compreensão de si, se descobre responsável pelo seu próprio ser, se compreende como um ser que consiste em ser chamado para uma vida colocada sob o signo da apoditicidade" (p. 127). Será bem necessário que de novo se aprenda a compreender a apoditicidade em seu sentido profundo, mas também que aí se encontre o problema que somente Descartes em seu elã, antes de todos, encontrou: a apoditicidade como tomada de consciência do homem autônomo apreendendo sua responsabilidade radical19 .

***

Assinalemos, enfim, duas grandes traduções que permitem ao leitor francês tomar consciência de dois momentos do pensamento de Husserl e que constituirão, com as Méditations Cartésiennes, como uma trilogia da fenomenologia transcendental:

1. As Idées directrices pour une phénoménologie20, tradução das Ideen I feita por Paul Ricoeur sobre a edição de 1928 e munida de um glossário que deve doravante servir de base e de guia à adaptação francesa da terminologia husserliana. Esse livro é mais que uma tradução: ele nos oferece em notas um comentário muito penetrante e surpreendentemente esclarecedor de um texto do qual todo leitor do original alemão sabe o quanto a interpretação exata é difícil. A introdução de Paul Ricoeur salva as razões desse obscurantismo primeiro e permite colocar essa obra na evolução total da fenomenologia husserliana.

2. La Crise des Sciences européennes et la Phénoménologie transcendentale. Une introduction à la philosophie phénoménologique21. Esse texto constitui aos nossos olhos (ao lado das Idées e das Méditations Cartésiennes que se destinavam igualmente, mas de forma errada, a introduções!) a melhor e a mais clara iniciação à fenomenologia transcendental. Infelizmente a apresentação tipográfica da tradução foi tão negligenciada que o leitor não pode se encontrar na estrutura dos capítulos e dos parágrafos sem o texto alemão original quase não encontrável atualmente!22

 

2. Alguns trabalhos recentes sobre Husserl

Nós nos limitamos aqui a algumas indicações (que não têm a pretensão de ser exaustiva) sobre seus últimos trabalhos. Encontrar-se-á na Revue Internationale de philosophie (janeiro 1939, p. 378-397) a bibliografia das publicações dedicadas a Husserl. Ela foi estabelecida por seu discípulo Jan Patocka, e completada por J. Raes em um suplemento lançado na mesma revista em outubro de 1950. Além disso, a bibliografia fundamentada, elaborada por Gaston Berger permanece muito preciosa (Le Cogito dans la Philosophie de Husserl, Paris, Aubier, 1941, p. 139-156; 2ª ed. 1950).

Lembremos antes de mais nada, três breves comunicações fundadas sobretudo em torno dos Inéditos, nas quais H.-L. Van Breda, diretor dos Arquivos-Husserl, nos abre algumas novas perspectivas sobre "Husserl et le problème de Dieu" (Proceedings of the Xth International Congress of Philosophy, Amsterdam, 1948, p. 1210-1212), sobre "Husserl et le problème de la liberté" (La Liberté, Actes du IVeCongrés des Sociétés de philosophie de langue française, Ser e Pensar, número 29, Neuchâtel, 1949, p. 377-381), e sobre "Réduction et authenticité d'après Husserl" (Revue de métaphysique et de Morale, 1951, p. 4-5)23.

Paul Ricoeur, professor da Universidade de Strasbourg, é não apenas o excelente tradutor de Husserl, mas aquele que se põe ao par de um autor tão difícil, seu exegeta esclarecido. Sua introdução à tradução das Idées (1950) situa em quarenta páginas o nascimento dessa obra central e suas dificuldades de interpretação. Ele distingue, no pensamento de Husserl que é um "labirinto com várias entradas", duas linhas: uma que vai da lógica formal à lógica transcendental. Em um outro estudo, "Husserl et le sens de l'histoire" (Revue de métaphysique et de morale, 1949, p. 286-316), ele tenta compreender a aparição da preocupação histórica na última filosofia de Husserl. Como em sua introdução às Idées, Ricoeur é consciente em mostrar a orientação da fenomenologia em torno da filosofia existencial. Uma filosofia da razão na história "anuncia a possibilidade de ligar uma filosofia crítica a um projeto existencial" (p. 299), e ele lembra a frase da Krisis, § 9: "Toda tomada de consciência que procede de razões 'existenciais' é por natureza crítica". Bem recentemente, em "Análise e problemas em 'Ideen II' de Husserl" (Revue de métaphysique et de morale, 1951, p. 357-394) ele esclarece e afasta os problemas da constituição da natureza material (a ideia de natureza, o sentido da "coisa") e da natureza animada (o corpo e a psique, a intersubjetividade).

Com Eugen Fink, G. Berger e P. Ricoeur, um guia muito informado e muito seguro do pensamento de Husserl é o filósofo indochinês Tran-Duc-Thao que retrata, por exemplo, de modo muito preciso, considerados largamente os Inéditos, "Les origines de la réduction phénoménologique chez Husserl" (Deucalion 3, Etre et Penser, no 30, Neuchâtel, La Baconière, 1950, p. 128-142). Quanto a seu livro mais recente Phénoménologie et matérialisme dialectique (Édition Minh-Tân, Paris, 1951)24, ele traz em toda sua primeira parte (p. 1-228) uma relevante análise sobre "o método fenomenológico e seu conteúdo efetivamente real". É um excelente trabalho de um historiador imparcial, em que se percebe a profunda simpatia intelectual que o autor de início experimentava por Husserl. Ele soube mostrar a profundidade e o valor dessa filosofia em cada uma das páginas, por assim dizer, onde ele retrata sua evolução. A segunda parte é crítica e M. Tran-Duc-Thao espera ultrapassar a fenomenologia integrando-a e mostrando que o materialismo dialético é "a única solução concebível para os problemas postos pela própria fenomenologia" (p. 5). A análise fenomenológica, segundo ele, teria parado a meio caminho, porque ela descrevera tão somente a maneira pela qual nós vivenciamos na consciência (através das superestruturas ideológicas da sociedade burguesa atual) "a praxis efetivamente real" na qual estamos engajados em meio à nossa vida material. O método de Husserl seria tão notável quanto sua falha seria evidente; ele não pode levar senão à sua própria negação, a se suprimir na sua forma idealista para se realizar na dialética material de seu conteúdo real. "O materialismo dialético se constituindo como verdade do idealismo, não o nega senão que o absorvendo no seu conteúdo efetivo"25. "A realização de uma tal tarefa implicaria evidentemente a liquidação completa do idealismo transcendental: a realidade da Dinglichkeit só pode ser reconhecida em um naturalismo de um gênero novo" (p. 97). Com a fenomenologia se "conclui a grande tradição do idealismo racionalista que se suprime enquanto se realiza" (p. 228). O livro termina com um capítulo sobre "a dialética das sociedades humanas como devir da razão" onde o autor quer mostrar que a revolução proletária é a realização efetiva do ideal humano alienado e mistificado nas religiões e metafísicas, do mesmo modo também na fenomenologia. O autor opera um deslocamento um pouco irrefletido entre a noção fenomenológica e a noção marxista da consciência; claro, como ele bem viu "ele não pode ter nenhuma dúvida que o sujeito transcendental tematizado pela fenomenologia não deva se identificar com todo rigor com o homem em carne e osso, se desenvolvendo no mundo real" (p. 8), mas isso não autoriza a deslocar a noção fenomenológica da "coisa" da noção marxista de "matéria" que nasceu em um outro contexto histórico e para responder a uma outra problemática - mesmo se a matéria em Marx é com efeito um produto da atividade humana, como a coisa em Husserl é o "produto" da atividade da consciência transcendental. Que abismo entre a significação de "produção" e "atividade" nos dois casos! Parece, pois, haver alguma ilusão ou alguma ingenuidade a concluir que "a noção (marxista) de produção dê inteiramente conta do enigma da consciência".

***

Citemos enfim o estudo de Jean Wahl, "Notas sobre a primeira parte de Erfahrung und Urteil de Husserl" (Revue de métaphysique et de morale, 1951, p. 6-34) onde ele mostra como Husserl, procurando o fundamento da percepção, do julgamento e da predicação numa esfera "passiva e anti-predicativa", anuncia antecipadamente a filosofia de Heidegger (e, poderíamos acrescentar, aquela de Merleau-Ponty).

Ludwig Landgrebe, um antigo assistente de Husserl, que redigiu e editou esse último livro Erfahrung und Urteil26, fez uma comunicação no Congresso Internacional de Amsterdam, em 1948, sobre "Die Bedeutung der phänomenologischen Methode für die Neubergründung der Metaphysik" (Philosophy and Phenomenological Research, VIII, 1947-48, p. 23 et seq.) e Yvonne Picard, "Le temps chez Husserl et chez Heidegger" (Deucalion I, Ed. Fontaine, 1946, p. 93-124).

Para as questões de lógica e epistemologia, ver Jean Cavaillès, Sur la logique et la théorie de la science (Paris, PUF, 1947, p. 44-78) e Aron Gurwitsch, "Préssuppositions philosophiques de la Logique" (Revue de métaphysique et de morale, 1951, p. 395-405). Enfim, Samue Gagnebin consagra um estudo crítico à "La mathématique universelle d'après Edmund Husserl" (Études de philosophie des sciences, em homenagem a F. Gonseth, Neuchâtel, Edições du Griffon, 1950, p. 99-114).

 

3. Unidade e significação da filosofia husserliana

Para compreender a fenomenologia de Husserl, é preciso, em primeiro lugar, não considerar cada uma de suas obras isoladamente, vendo nelas apenas a aplicação sucessiva de um método original a temas diversos: lógica, tempo, estrutura da consciência, evidência, intencionalidade, crise das ciências, etc. - de não ver nelas, tampouco, como em Leibniz, uma sequência de pontos de vista onde se exprimiria de um modo sempre novo uma mesma intuição fundamental. Nós devemos ver aí, ao contrário, um esforço paciente para levar ao esclarecimento, uma visada antes de mais nada, obscura e tateante, de sorte que as últimas obras estejam em uma larga medida indisponíveis à verdadeira inteligência das primeiras (bem mais que o inverso!). Nós somos levados a operar uma espécie de leitura ou pelo menos de interpretação de forma regressiva27 ou quiçá em ziguezague28, senão (como ocorreu no caso dos primeiros discípulos, que encontraram nas Logische Untersuchungen um método fecundo e um realismo saudável e se escandalizaram em seguida com o idealismo das Ideen), nós creremos discernir na evolução de Husserl descontinuidades, reviravoltas ininteligíveis, de fato traições que só existem em nossa imaginação.

Tentemos nos colocar imediatamente no coração de seu pensamento, nessa intercessão de doações e de exigências à primeira vista inconciliáveis. Com efeito eis aqui um filósofo cuja primeira preocupação consiste em cortar radicalmente os laços entre a lógica e a psicologia, e que em seguida parece recorrer sem cessar à psicologia e à análise da consciência para fundar sua lógica e sua fenomenologia. Ou ainda, eis um realista cujo choque revolucionário, no contexto do idealismo neokantiano do final do século XIX, consistiu precisamente em sua "Wendung zum Objekt" (o voltar-se ao objeto) e em seu famoso "Zu den Sachen selbst" (retorno às coisas mesmas), mas que não tem nada de mais objetivado por tal que de analisar o sujeito, a consciência, e de elaborar um idealismo transcendental. O que dizer?

O problema que assombra Husserl desde sua Philosophie der Arithmetik (1891) até sua morte é aquele dos fundamentos. É o fio condutor que nos revela a unidade desse esforço de reflexão prodigioso que vai fazer desse matemático um dos maiores filósofos do século XX. Interrogando-se sobre os fundamentos das matemáticas, ele se encontrou conduzido à lógica, depois à epistemologia, posteriormente à ontologia e mesmo à filosofia da história, por esse movimento irrepreensível de ultrapassamento perpétuo que é uma das características mais impressionantes dessa filosofia de dinamismo intencional da consciência. Mas o projeto permanece o mesmo depois das Logische Untersuchungen, onde ele busca "a nova fundação da lógica pura e da epistemologia" (I, p. VII), até as Méditations Cartésiennes, onde ele se preocupa em "dar às ciências um fundamento absoluto". E muito rapidamente Husserl se dá conta que as ciências, mesmo se de fato seus resultados efetivos são sempre aproximativos e imperfeitos, são orientadas, em intenção, na direção de uma objetividade absoluta; se a ciência é verdadeiramente digna desse nome, é neste objetivo, nesta ideia de ciência, e não nos seus resultados ou no conteúdo do conhecimento científico, que reside sua significação, e é por este lado que uma pesquisa dos fundamentos deve se dirigir. Assim, é a intenção do cientista, ou seja, a intencionalidade da consciência que se deve analisar: o fundamento não pode se dar senão do lado do sujeito. Ali já percebemos a dupla preocupação da fenomenologia: ela será, de uma só vez e numa unidade, a visada de um fundamento objetivo absoluto e a análise da subjetividade da consciência.

Mas, em 1900, quem diz análise da consciência diz psicologia, porque é o momento em que a psicologia reina. Para além de toda evidência, a psicologia é impotente para fundar ou mesmo para esclarecer a objetividade absoluta inerente à ideia da ciência; ao contrário, toda a explicação psicológica tende fatalmente a arruinar esse absoluto e a dissolver a objetividade num subjetivismo relativista (de que precisamente o Tome 1º das Logische Untersuchungen fez uma crítica tornada clássica).

Husserl tentará então um avanço novo no sentido de uma análise da consciência que não seja uma análise psicológica, uma vez que ela visará essencialmente a responder ao problema epistemológico do fundamento absoluto da lógica e da ciência: esta será a análise fenomenológica. Em que ela se distingue de uma análise psicológica ou lógica? Notemos antes de mais que ela leva a marca do espírito matemático que a concebeu: com efeito, o matemático manipula os valores ou as essências ideais sem ter jamais necessidade de se perguntar se elas correspondem ou não a uma realidade de fato. O fenomenólogo por si, não procura como o lógico, sob quais condições um julgamento é verdadeiro, nem como o cientista, se ele é verdade por... nem como o psicólogo quanto ao que se passa efetivamente na consciência, mas ele coloca a questão: o que entendemos nós por...? (Was meinen wir?). Qual é a significação daquilo que temos no espírito sempre que julgamos, afirmamos, sonhamos, vivemos, etc...? A fenomenologia não é, desse modo, jamais, uma pesquisa partindo sobre os fatos externos ou internos. Será necessário, ao contrário, fazer calar provisoriamente, deixar de lado a questão da realidade objetiva ou de conteúdos reais para direcionar sua atenção simples e unicamente sobre a realidade na consciência, sobre os objetos enquanto intencionados por e na consciência, justo o que Husserl chama de as essências ideais. Será preciso compreender por tal não mais as simples representações subjetivas (se estaria sobre o plano psicológico) nem as realidades ideais ("realizaríamos" ou hipotetizaríamos indevidamente dados da consciência e estaríamos sobre um plano metafísico), mais precisamente, os fenômenos.

Para compreender esse termo, esqueçamos inteiramente a oposição kantiana fenômeno-coisa em si; porque se a fenomenologia coloca entre parênteses a realidade (em si), como o fenômeno poderia ainda se conceber em relação a um em-si, como uma realidade de segunda zona, para nós? O fenômeno é aqui aquilo que se manifesta imediatamente em nossa consciência: compreende-se que ele esteja preso numa intuição antes de qualquer reflexão ou julgamento. Tudo que se tem a fazer é deixar que ele se mostre, se libere; o fenômeno é o que se dá por si mesmo (Selbstgebung). O método fenomenológico consiste, pois, em face dos objetos e dos conteúdos da consciência, a não considerar o que somente contava para os filósofos e os cientistas: de seu valor, de sua realidade ou de sua irrealidade; a descrevê-los tais quais se dão, como pura e simples visada da consciência, como significações, a torná-los visíveis e aparentes como tais. Nessa Wesensschau, a essência (Wesen) não é realidade ideal nem realidade psicológica, mas visada ideal, objeto intencional da consciência, imanente à consciência.

Husserl aplica seu novo método antes de mais nada ao problema preciso que o preocupa, aquele do fundamento da lógica; ele busca nidificar a via da "lógica pura", entre o logicismo e o psicologismo, limpando os "fenômenos" lógicos ou "essências" lógicas. Mas os contemporâneos se aperceberam bem depressa que seria possível renovar toda a ciência dos objetos pelo método fenomenológico à condição que se passasse dos fatos empíricos aos fenômenos, às essências. Um vasto terreno inexplorado se abria ou apressava literalmente os filósofos que estavam cansados de pisotear nos canteiros de flores positivistas e científicos, preservando um sólido preconceito anti-metafísico. E é assim que as descrições fenomenológicas se acumulavam e que assaz rapidamente se edificaram as fenomenologias do direito, da arte, da religião, etc.

***

Mas Husserl, impulsionado por um elã filosófico pouco comum, já fazia eclodir os quadros de seu método, nos quais os horizontes apareciam, entretanto, ilimitados. Seu problema de fundamento não lhe permitia nenhum repouso e, aprofundando-o, ele descobria com uma angústia progressiva que esse problema era na realidade aquele da filosofia, ela própria, no qual a filosofia a tornou problema para si mesma. Se há uma crise da lógica e da ciência, é que há antes de tudo uma crise da filosofia. E o problema do fundamento, posto para além das prospecções fenomenológicas preparatórias, se torna o problema do fundamento primeiro e radical da filosofia. "O conhecimento, que no pensamento comum, ainda não filosófico, é a coisa mais natural do mundo, se evidencia aí como um mistério"29. Se a fenomenologia não alcança a tarefa de restaurar a filosofia autêntica, se ela não pode se tornar essa filosofia radical, ela terá fracassado em sua pesquisa dos fundamentos.

A descrição dos fenômenos tinha aberto o caminho, mas ela não podia por si mesma conduzir Husserl ao objetivo. É claro, com efeito, que seria simplesmente contraditório visualizar a solução de um problema de fundamento, e, quanto mais, do fundamento absoluto do conhecimento racional, com a ajuda de um método simplesmente descritivo ou pela intuição das essências. O método fenomenológico dissimulava nele um projeto de início velado, mas que se desnuda de mais a mais. Não se tratava mais somente de ver e de descrever o simples "aparecer" das coisas, nem tampouco de uma teoria da consciência no sentido que a epistemologia do final do século XIX a compreendeu. De fato, "a teoria da essência do conhecimento"30 não se centrará sobre a questão da objetividade ou da verdade, uma vez que a realidade e o ser foram colocados fora de circuito; mas, sobre esse novo terreno da análise fenomenológica, ela visará a retomar novamente o problema do fundamento radical de todos os aspectos da razão filosófica. Tratará de encontrar uma evidência absoluta que, como o "fenômeno", traria nele mesmo a legitimação que se daria ela própria como primeira e absoluta e não teria necessidade de nada mais para ser encontrada, no que pese uma fonte radical de "apoditicidade" que daria seu sentido à ciência e à razão em geral.

Assim, pois, o método fenomenológico, apropriado às análises descritivas das essências visadas pela consciência, deve ele mesmo ser radicalizado. É o momento decisivo em que Husserl descobre e faz intervir a "redução fenomenológica", dando acesso sobre o plano filosófico a uma posição que, ainda assim, não será nem objetivista (ou naturalista), nem metafísica, nem, bem entendido, psicologista ou subjetivista. Um campo novo se abre: o campo transcendental. De uma análise não psicológica da consciência, Husserl passa à análise da consciência não psicológica, a consciência transcendental. É por um processo de redução (na contracorrente das tendências naturais do espírito), por um ascetismo radical do mesmo modo, por um engajamento total, que ele conjura o espectro da psicologia e as tentações dissimuladas do psicologismo. A fenomenologia se torna então uma filosofia transcendental.

Qual é aqui a significação do termo transcendental? E em que essa nova diligência conduz Husserl em direção à solução de seu problema?

Se a redução é dita "fenomenológica", é sempre no sentido caracterizado em seu ápice: ela deve permitir apreender desta vez o mundo (não mais simplesmente tal objeto do mundo) como fenômeno. Trata-se de fazer aparecer não mais na sua realidade de fato ou sua existência (que são postas entre parênteses), mas na realidade imanente à consciência. O que é "reduzido", é agora - mais ainda que os fatos ou o "real" em tal ou qual setor do saber - o mundo, a totalidade de todos os julgamentos empíricos, racionais e mesmo científicos que nós carregamos sobre o mundo na atitude natural. Reduzir não quer dizer eliminar nem por em dúvida. Não se encontra aqui nada de similar à etapa cética que atravessa um Descartes, para recuperar em seguida, peça por peça, esse mundo eliminado pela dúvida. A colocação entre parênteses, o "coeficiente de nulidade"31 atribuída ao mundo não significa que Husserl se separa do mundo, e o mergulha, como Descartes, momentaneamente no não-ser. Muito ao contrário, a redução tem por tarefa essencial e primordial fazer aparecer essa ligação intencional essencial entre a consciência e o mundo, relação que permanece velada na atitude natural. Para Husserl, o mundo permanece aí na redução; mas agora percebemos que todos os conhecimentos de fato concernem a um sujeito (o Ego transcendental) como a um termo último e primeiro que é a origem, o suporte ou o fundamento de seus sentidos.

A redução conduz, pois, simultaneamente, à "evidência apodítica" do eu (ao cogito, à consciência de si) e ao mundo-fenômeno intencionado por essa consciência transcendental, e sobretudo à sua ligação absolutamente fundamental e indissolúvel (intencionalidade da consciência transcendental). Mas esse cogito não é, como em Descartes, o conhecimento indubitável de um ser, de uma coisa pensante que, ela ao menos, "detém" num mundo duvidoso, nem a experiência interna de uma espécie de fato primitivo, o eu mesmo32**; isso seria ainda ficar no nível do mundo, da consciência psicológica e da consciência natural do fato. É a apreensão de si além do mundo natural, em uma evidência absolutamente indubitável, como subjetividade transcendental, quer dizer, como origem de todas as significações, como sentido do mundo. Do mesmo modo, fazer aparecer o mundo como fenômeno, é compreender que o ser do mundo não é mais sua existência ou sua realidade, mas seu sentido, e que esse sentido do mundo reside no fato de que ele é um cogitatum visado pelo cogito. O que a redução faz aparecer, não é o cogito sozinho, mas ego-cogito-cogitatum33, quer dizer, a consciência-deste-mundo, a consciência constituindo o sentido do mundo. E o mundo, nessa nova perspectiva, "não é uma existência, mas um simples fenômeno"34, ele é significação. Não imaginemos, pois, duas esferas que compartilhariam a totalidade da realidade: o mundo natural e o campo transcendental, que seria como um fundo do mundo metafísico suscetível a seu turno de ser descrito, apreendido, conhecido como uma segunda natureza. Só existe um mundo e o transcendental é suficiente, me parece, como um outro nome da intencionalidade constituinte da consciência.

Seria necessário ter o prazer de mostrar em detalhe aqui como a noção de intencionalidade vem transformar fundamentalmente os dados tradicionais do problema filosófico. Em Franz Brentano, a noção de intencionalidade tinha ainda um escopo psicológico: ela era a característica de todo fenômeno psíquico. Em Husserl, ela passa a ter imediatamente um escopo epistemológico, depois transcendental, mesmo ontológico: ela caracteriza uma nova relação entre o sujeito e o objeto, entre o pensamento e o ser, uma ligação essencial onde estes são inseparáveis e sem a qual nem a consciência nem o mundo seriam mesmo apreensíveis. A intencionalidade da consciência quer dizer que "toda consciência é consciência de alguma coisa": mas, bem entendido, não se trata dessa banalidade em que se acredita frequentemente, segundo a qual toda consciência ou conhecimento tem um objeto ou um conteúdo! Após séculos que se reflete sobre o conhecimento, não se teria mais evidentemente necessidade de fazer aparecer assim "descoberta". Não! Em virtude da intencionalidade a noção mesma de uma realidade em si ou de um objeto absoluto se torna absurda, impensável em todo caso35; e de outra parte a ideia (cartesiana, por exemplo) de uma consciência fechada sobre si mesma que não receberá o mundo ele próprio e que teria por primeira tarefa de se assegurar que ela percebe bem a realidade "no original", é igualmente exclusa. Do mesmo modo a tarefa da filosofia não pode mais consistir em se instalar ansiosamente, no seio do mundo natural existente e do conhecimento natural, entre o sujeito e o objeto, numa atitude "crítica" que visaria estabelecer se o sujeito alcança ou não alcança a objetividade em si, se o objeto é visto ou construído pelo sujeito, que se interrogaria sobre a realidade do mundo exterior, etc36. "A filosofia se situa em uma dimensão nova, em vista de todo conhecimento natural..., e a essa nova dimensão, corresponde um método novo, radicalmente novo, oposto ao método natural". Negá-lo, seria não ter compreendido o nível dos problemas próprios à crítica do conhecimento, não ter compreendido o que a filosofia quer e deve ser..."37. E Husserl acrescenta uma sobrecarga: "Pode parecer pretencioso que eu ouse endereçar uma censura de tal gravidade, o mais grave que se poderia endereçar à filosofia atual e mesmo a toda filosofia do passado, mesmo quando esta admitia que a filosofia tem seus métodos próprios. Mas o silêncio não serve de nada aí para onde vão as coisas essenciais, embora eu faça figura de pretencioso"38.

Para esclarecer essa novidade, tentemos ver, na intencionalidade transcendental, o entrelaçamento original dos temas cartesianos (evidência, intuição, o ver) e os temas kantianos (a constituição do objeto na consciência, logo a atividade constituinte ou criadora). Mesmo se Husserl utiliza uma linguagem kantiana, sobretudo na primeira exposição da redução (Die Idee der Phänomenologie), não nos enganemos. Seu radicalismo foi de vera transcendental; é de inspiração bem menos kantiana que cartesiana: contra toda uma tradição alemã anti-cartesiana, Husserl revive, ao contrário, com a intenção de radicalidade que trabalha na experiência do todo metódico. Se ele define a fenomenologia como "uma crítica da razão lógica e prática"39, ele não pretende absolutamente como Kant, fazer comparecer a razão diante de um tribunal para verificar seus títulos e suas pretensões, mas se aferrar radicalmente ao mistério da consciência.

Como Kant, Husserl pensa que o objeto reenvia ao sujeito e que o problema da consciência é essencialmente um problema de constituição: é a partir da consciência (transcendental e não psicológica) que se pode compreender as estruturas do mundo intencionado e sobretudo a unidade de seu sentido. Mas, como Descartes, Husserl vê na consciência, não mais simplesmente o elemento formal e unificador da consciência, a condição de possibilidade do objeto, mas uma doação concreta (não empírica); vivenciada imediatamente como consciência (mas não psicológica); e o objeto não será construído por esta consciência, ele se dará ou se desvelará por si mesmo em face dessa consciência. Ultrapassamos arduamente todo realismo e todo idealismo (psicológico ou subjetivista) graças a essa noção de Selbstgebung que alia o tema cartesiano da intuição e o tema kantiano da constituição. Nós podemos operar essa ultrapassagem uma vez que todo transcendentalismo, e sobretudo aquele de Husserl, o implica. É a uma espécie de visada transcendental40 ou de vivido transcendental à qual a fenomenologia nos convida. O retorno aí destacado à evidência, após todos os construtivismos neokantianos, é antes de tudo um retorno à evidência apodítica pela qual a consciência se atém ela mesma no cogito; depois, essa consciência se "vê" imediatamente como doadora de sentido, como fonte de significação para o mundo; e enfim, nessa dupla evidência, o objeto ou a coisa (o mundo) já é dado, essencialmente ligado à consciência pela intencionalidade; de outro modo dito, o mundo se dá por si próprio à consciência que lhe dá seu sentido.

Essa camada de evidências transcendentais é tornada acessível pela redução, que revela sua verdadeira face. Ela é bem mais que um simples método ou que um artifício: ela é uma conversão de intencionalidade: no lugar de nos perdermos no objeto visado, nós refletimos sobre o ato intencional. Nós tomamos uma nova atitude em face do mundo de nossa experiência e abrimos também um novo campo de experiência fazendo aparecer uma nova consciência, porque esse Ego transcendental não é um eu vazio e formal, mas um eu concreto. Insistamos aqui ainda sobre a permanência do anti-psicologismo de Husserl justo sobre o plano transcendental. Se ele pode conceber o transcendental como um campo de experiências, como qualquer coisa de concreto e de vivido, não é uma espécie de experiência rara, um refinamento inédito da experiência íntima de si, mas verdadeiramente um domínio não-psicológico: aquele do sentido, do fundamento apodítico, de uma verdadeira evidência racional e filosófica. Digamos antes que esse domínio é aquele da consciência do sentido (que é necessariamente consciência doadora de sentido) e que este vivido transcendental é a racionalidade mesma, chamada à consciência e à compreensão de si própria, conquistando a intuição criativa do sentido que ela porta explicitamente em si.

Nós vemos em consequência a dupla tarefa da redução fenomenológica: ela deve de um lado descartar definitivamente as tentações renascentes da consciência psicológica, nos permitir ultrapassar sua irremediável contingência e os diversos relativismos danosos por toda pesquisa de sentido e de fundamento e nos fazer ascender também à evidência apodítica do fundamento radical; por outra parte ela nos guarda de todo realismo ingênuo e de todo naturalismo. A intencionalidade tem igualmente um duplo mérito: é de fazer explodir o idealismo projetando a consciência na direção do mundo, no mundo, e de assegurar a junção entre o vivido contingente e o sentido necessário desse vivido.

O método da redução tem, pois, permitido a Husserl promover a descrição fenomenológica e de lhe demandar a solução mesma do problema do fundamento radical. Ele tem o direito desde então de afirmar que a fenomenologia é "a filosofia primeira"41 no duplo sentido de filosofia essencialmente rudimentar, de iniciante, e de filosofia dos princípios fundamentais. Mas para uma vez filosofia primeira, e experiência (no sentido não empírico do termo que Husserl lhe dá) não são momentos excludentes um do outro: essa filosofia primeira, que não teme mais doravante se chamar metafísica, permanece um "empirismo radical"42. É que de fato, apesar de todas as reduções, todas as colocações entre parênteses, o vivido restou intacto e presente até o final, e sobretudo a ligação primeira e indestrutível da consciência com o vivido. Não se pode mesmo falar de "retorno ao vivido" pela redução, porque de fato, jamais houve um descolamento dele. Mas agora se o viu e se o vê de outro modo, aprendendo a vê-lo em seu sentido, em sua apoditicidade, em sua racionalidade terrena.

Nesse nível de racionalidade, empirismo e racionalismo não se excluem mais. A apoteose do Lebenswelt ao qual resultou a fenomenologia transcendental, essa grandiosa consagração do vivido como fundamento radical da filosofia é bem fiel à intenção primeira da fenomenologia animada como o bergsonismo de um profundo respeito ao real. Essa consagração do vivido não é o fato de um vitalismo mais ou menos irracionalista; ela é advinda da exigência racional do lógico, de uma filosofia austeramente intelectualista que implacavelmente reduz o psicológico, o vital, o empírico, o relativo. Mas essa primazia do vivido permite compreender a continuidade com a fenomenologia pós-Husserliana e com certas formas de existencialismo.

Não se pode cessar de viver o mundo - mesmo se, sobretudo refletimos sobre ele, porque a reflexão é ainda uma forma de intencionar o mundo. A filosofia está imbricada na vida, e quando se imagina que ela se evadiu, é que ela vive o mundo de outro modo, mais intensamente. O mundo vivido não é, pois, jamais estranho à razão para Husserl: simplesmente esta razão permanece muito frequentemente latente e serão necessárias muita ascese e rupturas para fazê-la aparecer. É porque a tomada de consciência do sentido do mundo e do sentido da razão (eles são um só) permanecem uma tarefa infinita para o filósofo. Mas, mesmo se Husserl, ao fim de sua carreira, mais que nunca se sente como um debutante, e aspira a tudo retomar ab ovo, a filosofia enfim consciente dela mesma e radicalmente fundada graças à fenomenologia, é a seus olhos, a única razão de ser da humanidade, e sua chance de salvação.

 

Nota Biográfica

Pierre Thévenaz (1913, Nêuchatel/1955), Licenciado em Filosofia, edita parte da obra de Henri Bergson. Em 1943, funda a coleção Être et Penser. A partir de 1948, passa a lecionar Filosofia na Faculdade de Letras da Universidade de Lausanne, Suiça; e, em 1951, ocupa a direção da Revue de Théologie et de Philosophie de Lausanne, até sua morte prematura.

Revisão Técnica: Adriano Holanda (Universidade Federal do Paraná)

Recebido em 10.02.2017
Aceito em 12.03.2017

 

 

1 Original francês, publicado na Révue de Théologie et de Philosophie, 2, p. 9-30.         [ Links ] As notas do texto original estão na sequência numérica (Nota do Editor).
2 Entretanto, se as Deux Sources (1932) são em princípio a explicitação, sobre o terreno da moral e da religião, das descobertas do Essais (1889), e não trazem modificações essenciais ao bergsonismo, não se pode dizer do mesmo de Husserl: A Krisis (1936) não é simplesmente a explicitação das Logische Untersuchungen de 1900
.
3 Ao tal ponto que G. Lehmann (Die deutsche Philosophie der Gegenwart, Stuttgart, 1943) não consagra nenhum capítulo a Husserl (mas um capítulo inteiro a Rosenberg!), e tenta explicar a filosofia dos fenomenólogos arianos, como Scheler ou Heidegger, por uma espécie de geração espontânea ou os vinculando diretamente ao século XIX. O nome de Husserl é apenas citado; ele é "liquidado" cavalheiresca e escandalosamente como um obscuro judeu místico (!), ao qual, como em Spinoza, se quis atribuir uma importância filosófica que ele não tem.
4 Admiramo-nos das reticências de um espírito tão advertido de fenomenologia como a de Hans Kunz que em sua recensão dos Studia philosophica, X, 1950, p. 171, exprime um certo ceticismo em relação a essa questão e considera os "resultados" das análises de Husserl como "de uma pobreza desconcertante".
5 Encontramos mais detalhes em H.-L. Van Breda: "Les Archives Husserl à Louvain", Revue néoscolastique de philosophie,         [ Links ] Louvain, 1945; "Das Husserl-Archiv in Löwen", Zeitschrift für philosophische Fors chung, 1947, p. 172-176.         [ Links ]
6 Husserliana, Bd. I, Cartesianische Meditationen und Pariser Vorträge, hg. U. eingel. Von Prof Dr. S. Strasser. La Haye, M. Nijhoff, 1950, 244 p.         [ Links ]
7 Méditations cartésiennes, trad. G. Pfeiffer et E. Lévinas. Paris, colin, 1931; 2e éd. Vrin, 1947.         [ Links ]
8 Husserliana, Bd. II, Die Idee der Phänomenologie, hg. U. eingel. Von Walter Biemel. La Haye, M. Nijhoff, 1950, 94 p.         [ Links ]
9 Citado por W. Biemel, em sua introdução, p. VII-VIII.
10 Husserliana, Bd. III, Ideen zu einer reinen Phänomenologie und phänomenologischen Philosophie. Erstes Buch: Allgemeine Einführung in die reine Phänomenologie, hg. Von Walter Biemel. La Haye, M. Nijhoff, 1950, 483 p.         [ Links ]
11 Editado por E. Husserl em parceria com M. Geiger, A. Pfänder, A. Reinach e M. Scheler. Halle, Niemeyer, 1913 e seg.
12 2e éd. 1913.
13 Soubemos que esses dois volumes acabam de ser lançados (1952), como Tomos IV e V das Husserliana. Faremos sua consideração também em breve.
14 Publicado em Les Etudes philosophiques de Marseille, 1949, p. 1-7; (intr. De W. Biemel).         [ Links ]
15 Ibid., p. 5-6.
16 O único texto conhecido até agora foi "Die Krisis der europäischen Wissenschaften und die transzendentale Phänomenologie", cuja primeira parte foi lançada na revista Philosophia de Belgrado, I, 1936, p. 77-176.         [ Links ]
17 Publicado na Revue de Métaphysique et de Moral, 1950, p. 225-258 (texto organizado por S.         [ Links ] Strasser; trad. de Paul Ricoeur).
18 Publicado em Deucalion 3, Etre et penser, no 30, Neuchâtel, La BA connière, 1950, p. 109-127 (texto organizado por W. Biemel; tradução e notas de Paul Ricouer).
19 Manuscrito inédito citado por W. Biemel em sua introdução, p. 112.
20 Bibliothèque de Philosophie, Paris, Gallimard, 1950.         [ Links ]
21 Publicado em Les Etudes philosophiques, 1949, p. 127-159 e 229-301 (trad. de E. Gerrer).         [ Links ]
22 Lançado na revista Philosophia, de Belgrade, 1936; citado mais acima.
23 A Revue philosophique de Louvain, 1951, p. 486-487, resume igualmente uma comunicação de R. P. Van Breda sobre "La phenomenologie comme philosophie de l'intentionalité         [ Links ]".
24 As teses fundamentais desse livro já são conhecidas em seu artigo sobre "Existentialisme et matérialisme dialectique" (Revue de méta physique et de morale, 1949, p. 317-329).         [ Links ]
25 Art. Citado: R. M. M., 1949, p. 321.
26 Publicado em Praga em 1938 (Academia-Verlag), depois colocado no ostracismo pelos alemães após a anexação da Tchecoslováquia. Reimpresso em 1948, Hamburg, Claassen et Goverts.
27 É assim que a crítica do psicologismo e do relativismo das Logische Untersuchungen (Tome 1º) só é compreendida verdadeiramente à luz das análises da intencionalidade do segundo tomo; depois o conjunto das L. U. à luz do ponto de vista transcendental das Ideen; enfim, a consciência - "resíduo" da redução (das Ideen) à luz da fenomenologia da atividade (Leistung) constituinte das obras ulteriores, etc.
28 É assim que Husserl qualifica por si mesmo sua caminhada nos L.U., II, I, p. 17 e na Krisis, p. 133.
29 Die Ideen der Phänomenologie, Husserliana, Bd. II, p. 19.         [ Links ]
30 Ibid., p. IX: Wesenslehre der Erkenntnis.
31 Die Idee der Phänomenologie, p. 6.         [ Links ]
32** No original, o autor não utiliza o pronome "je", mas "moi". A melhor tradução aqui, portanto, seria o "eu mesmo", ao invés de "eu", termo que não encontra equivalente no português (Nota do Tradutor).
33 Méditations cartésiennes, p. 28.         [ Links ]
34 Ibid., p. 27.
35 Pois, se Husserl nas L. U., descarta as realidades ideiais, significações suscetíveis de uma descrição fenomenológica, não cometamos o erro, tão frequentemente cometido, de ali encontrar uma espécie de realismo platônico.
36 Poderíamos ilustrar esse ponto relembrando a nova relação Husserl concebe entre a ciência e a filosofia, questão decisiva para seu problema do fundamento radical. Desde a descoberta da redução fenomenológica (1905-07) sua posição restará imutável: de uma parte, como Descartes, ele está convencido da unidade da razão (assim como da ciência e da filosofia em uma mathesis universalis); ele está convencido igualmente que a filosofia só pode ser "ciência rigorosa"; mas de outra parte ele se dá conta que o problema de um fundamento radical da razão (que não é simplesmente o problema dos fundamentos da ciência ou das ciências) chama como condição essencial de sua solução uma distinção radical entre a ciência e a filosofia. A redução traçará o corte não mais entre as disciplinas racionais (filosofia e ciências) e o conhecimento natural, mas entre a filosofia (transcendental não-mundana) e a ciência rejeitada por parte do mundo natural. E mesmo os filósofos como Descartes ou Kant estão ainda prisioneiros dessa attitude natural. A originalidade do transcendentalismo husserliano reside numa nova espécie de distância tomada em relação à ciência enquanto conteúdos de consciência, de uma ruptura decidida com a atitude natural da ciência, a fim de reencontrar melhor, numa proximidade essencial com ela, que nenhuma epistemologia, mesmo positivista ou cientificista, nunca conheceu.
37 Die Idee der Phänomenologie, p. 25-26.         [ Links ]
38 Ibid., p. 90.
39 Journal, 25 sept. 1906, citado por W. Biemel em sua introdução à Die Idee der Phänomenologie.
40 Como no caso da intuição bersoniana, é um ver imediato reflexivo e não o simples ver da percepção imediata; e é também uma intuição criativa, um ver que é ao mesmo tempo um querer e um agir.
41 Essa expressão se encontra em uma nota de rodapé das Ideen I, Hus serliana, Bd. III, p. 463.
42 Segundo a expressão de Eugen Fink.

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