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Revista da Abordagem Gestáltica

versão impressa ISSN 1809-6867

Rev. abordagem gestalt. vol.25 no.2 Goiânia maio/ago. 2019

http://dx.doi.org/10.18065/RAG.2019v25n2.1 

RELATOS DE PESQUISA

 

O pertencimento: em direção a uma fenomenologia da carne

 

Belonging: toward a phenomenology of the flesh

 

La pertenencia: en dirección a una fenomenología de la carne

 

 

Renaud Barbaras

Professor na Université Paris I/ Panthéon-Sorbonne, sendo, atualmente, um dos mais expressivos fenomenólogos em atividade cuja obra reúne os principais trabalhos: Le tournant de l'expérience:recherches sur la philosophie de Merleau-Ponty (Paris: Vrin, 1998); De l'être du phénomène: sur l'ontologie de Merleau-Ponty (Grenoble: Jérôme Millon, 2001); Vie et intentionnalité: recherches phénoménologiques (Paris: Vrin, 2003); Introduction à une phénoménlogie de la vie (Paris: Vrin: 2008); La vie lacunaire (Paris: Vrin, 2011); Investigações fenomenológicas: em direção a uma fenomenologia da vida (Curitiba: Editora UFPR, 2011); Dynamique de la manifestation (Paris: Vrin, 2013); Le désir et le monde (Paris: Hermann, 2016) e Métaphysique du sentiment (Paris: Cerf, 2016). Ele recebeu o Grand Prix de Philosophie da Académie Française pelo conjunto de sua obra, sendo também agraciado com o Prix de Aumale de l'Académie des Sciences Morales et Politiques em 1992 e pelo Prix Polydore de Paepe de l'Académie Royale da Bélgica, em 2012. Além de ser membro sênior do l'Institut de France, ele é fundador da Revue Chiasmi International: trilingual studies concerning the thought of Merleau-Ponty. Na França, traduziu as obras de Bento Prado Jr, entre outros trabalhos, mantendo, ainda, particularmente, com o Brasil, um vivo diálogo intelectual e cultural

 

 


RESUMO

O texto busca interrogar o verdadeiro sentido e alcance ontológico da experiência do corpo ou da carne, num movimento, inclusive, para além de Merleau-Ponty. Para tanto, trata-se de perguntar se esse sentido do ser do corpo, ao invés de uma solução, não indicaria um problema mal colocado haja vista que tal noção parece se limitar quanto à descrição do seu modo mesmo de existir. Ora, o que aqui advogamos é que essa experiência fundamental é a do pertencimento. É, pois, na medida em que pertencemos ao mundo que temos um corpo: ter um corpo não significa outra coisa mais do que pertencer. Nessa direção, propomos uma fenomenologia do pertencimento da qual só há aparição do mundo a partir de dentro dele, isto é, via uma inscrição nele próprio. Assim, a comunidade ontológica e a diferença fenomenológica constituem duas faces de uma mesma moeda, já que é por sermos do mundo num sentido mais profundo do que os demais entes que somos capazes de fazê-lo aparecer como nenhum ente o faz. Tal é o verdadeiro sentido de ser da carne: ela não é corpo nem consciência, mas uma posse (perceptiva) do mundo que é a contrapartida de uma desaposse (carnal) por esse mundo.

Palavras-chave: Renaud Barbaras; Pertencimento; Fenomenologia; Corpo; Carne.


ABSTRACT

The text seeks to interrogate the true meaning and ontological scope of the experience of the body or the flesh, in a movement, even beyond Merleau-Ponty. For this, it is a matter of asking whether this sense of the being of the body, instead of a solution, would not indicate an ill-placed problem, since such a notion seems to be limited as to the description of its own mode of existence. Now, what we advocate here is that this fundamental experience is that of belonging. It is, therefore, insofar as we belong to the world that we have a body: to have a body means nothing else than to belong. In this direction, we propose a phenomenology of belonging, of which there is only the appearance of the world from within it, that is, via an inscription on it. Thus the ontological community and the phenomenological difference are two sides of the same coin, since it is because we are of the world in a deeper sense than the other entities that we are able to make it appear as no one does. Such is the true sense of being of the flesh: it is not body nor consciousness, but a possession (perceptive) of the world which is the counterpart of a (carnal) disappearance.

Keywords: Renaud Barbaras; Belonging; Phenomenology; Body; Flesh.


RESUMEN

El texto busca interrogar el verdadero sentido y alcance ontológico de la experiencia del cuerpo o de la carne, en un movimiento, incluso, más allá de Merleau-Ponty. Para ello, se trata de preguntar si ese sentido del ser del cuerpo, en vez de una solución, no indicaría un problema mal planteado puesto que tal noción parece limitarse a la descripción de su modo de existir. Ahora bien, lo que aquí abogamos es que esa experiencia fundamental es la de la pertenencia. Es, pues, en la medida en que pertenecemos al mundo que tenemos un cuerpo: tener un cuerpo no significa otra cosa más que pertenecer. En esa dirección, proponemos una fenomenología de la pertenencia de la cual sólo hay aparición del mundo desde dentro de él, es decir, vía una inscripción en él mismo. Así, la comunidad ontológica y la diferencia fenomenológica constituyen dos caras de una misma moneda, ya que es por ser del mundo en un sentido más profundo que los demás entes que somos capaces de hacerlo aparecer como ningún ente lo hace. Tal es el verdadero sentido de ser de la carne: no es cuerpo ni conciencia, sino una posesión (perceptiva) del mundo que es la contrapartida de una decepción (carnal) por ese mundo.

Palabras clave: Renaud Barbaras; Pertenencia; Fenomenología; Cuerpo; Carne.


 

 

Minha interrogação diz respeito àquilo que chamamos de corpo, na falta de uma palavra melhor, ou seja, o corpo próprio ou a carne. Esse termo traduz a palavra alemã Leib, que designa o corpo correlativo do Leben, do viver, a saber, o corpo enquanto é indistintamente vivo e vivido. De saída, poder-se-ia dizer que pensar o corpo na sua singularidade significa descobrir um modo de ser que seja neutro em relação à divisão entre o viver intransitivo e o viver transitivo, o leben e o erleben, a vida orgânica e a experiência. O problema que queríamos levantar, na esteira de muitos fenomenólogos, é o do sentido de ser daquilo que chamamos de corpo, do modo de ser que o caracteriza. Ora, há uma dificuldade fundamental, já envolvida na própria palavra - meu corpo é um corpo como todos os outros, mas, por outro lado, não é um corpo como os outros já que ele é meu - que se resume no fato de que sempre ficamos aquém ou além do ponto onde ele se encontra. Assim, o perdemos ao mesmo tempo por defeito, ao reduzi-lo a um mero fragmento de matéria, e, por excesso, ao pretender fundar sua diferença sobre a presença nele de um princípio alheio ao corpo, à alma, consciência ou espírito. Esta dificuldade fundamental remete àquilo que Hans Jonas chamava de ontologia da morte, que predomina desde a época clássica. Para tal ontologia, a morte, isto é, a existência inerte que caracteriza o ser não-vivo, é a norma de todos os entes, ou antes, ou sentido de ser fundamental em relação ao qual a vida aparece como sendo uma exceção. Tal ontologia converge com a corrente de origem gnóstica, que tende a confundir a vida com a vida da alma e, portanto, concorda com o objetivismo naturalista sobre o fato de que a vida desertou o mundo. Para tal ontologia, o corpo vivido não tem nenhum lugar no quadro da realidade; ele é, de direito, redutível a uma máquina coroada por uma alma. Essa perspectiva sucede e põe fim a uma ontologia universal da vida para a qual o corpo próprio, quer dizer, a unidade, ou melhor, a identidade psicofísica constitui a norma de qualquer ente. Vê-se, logo, de cara, - como o mostra o próprio termo corpo que recolhe uma continuidade ontológica com os outros entes - que o problema do corpo tem necessariamente um alcance ontológico, que, portanto, não pode ser resolvido localmente, uma vez que ele põe, em jogo, o sentido de ser de tudo que existe.

No entanto, não tenho certeza de que a questão esteja bem colocada. Tudo se passa como se, ao falar de corpo, já tivesse se dito demais, como se se tivesse proposto uma solução até antes de ter levantado o verdadeiro problema. É claro, a experiência de que se trata é óbvia e, por assim dizer, originária, mesmo que seja obscura; mas a questão é a de saber se essa experiência pode ser caracterizada através do conceito de corpo e se este conceito nos permite nos apropriar dele. Na verdade, o corpo aparece como uma resposta a uma pergunta que ainda não foi colocada, como a determinação de um problema que lhe oculta a problematicidade. Portanto, é necessário lançar luz sobre aquilo que está em questão, abaixo do conceito de corpo, quer dizer, o problema de que ele é o nome. Mais precisamente, o corpo é um ente e trata-se então de saber a que modo de existir ou a que experiência fundamental esse ente remete. Essa experiência fundamental é a do pertencimento: ter um corpo significa exatamente pertencer ao mundo. É de se notar que o recurso à encarnação para pensar o corpo tem esse sentido: encarnar-se é vir ao mundo - só que, no mundo, já estamos. Se se desiste de empregar categorias ontológicas não interrogadas, cabe reconhecer que o corpo não é senão aquilo "em" e "porquê" pertenço ao mundo, de tal modo que a experiência do corpo nos leva à do pertencimento.

Assim, não é porque tenho um corpo que pertenço ao mundo. Apesar de aparecer como sendo evidente, essa proposição é cheia de pressupostos: ela envolve um certo sentido do corpo como extensão, do pertencimento como inclusão objetiva (ocupação de um lugar) e do mundo como espaço objetivo. Portanto, ao contrário, é preciso afirmar que é na medida em que pertencemos ao mundo que temos um corpo: ter um corpo não significa outra coisa mais do que pertencer. Desse modo, a questão do corpo encontra-se totalmente deslocada para a do pertencimento, de que Louis Lavelle afirma, com razão, que ele é o fato primitivo:

Mas o fato primitivo é que não posso nem pôr o ser independentemente do eu que o apreende, nem pôr o eu independentemente do ser no qual ele se inscreve. O único termo em presença do qual sempre me encontro, o único fato que é primeiro e indubitável, é minha própria inserção no mundo (Lavelle, 1946, p. 15).

Já se percebe que, se é que o pertencimento é o fato primitivo, o sentido do eu, assim como o do mundo, então esses deverão ser abordados a partir da própria inserção, inserção tal que o pertencimento determinará a natureza dos termos em presença.

É preciso sublinhar, desde já, que o pertencimento do qual estamos falando não se reduz à dependência lógica da espécie ao gênero ou ao fato de ser uma unidade num grupo aditivo. Cabe, antes, compreendê-lo a partir do pertencimento a uma corrente ou a um movimento (por exemplo, político), enquanto este envolve uma forma de reciprocidade: o movimento é constituído por aqueles mesmos que lhe pertencem de tal modo que também lhes pertence. Portanto, o pertencimento tem o sentido ontológico de uma participação: dizer que pertenço ao mundo equivale a dizer que nele estou ou até o sou, sem, por isso, nele me dissolver, de modo que é ao ser ele que sou eu, ao pertencer a ele que me pertenço. Aqui, não há alternativa entre o mesmo e o outro, entre ser eu mesmo e ser outra coisa do que eu mesmo, já que é ao ser do mundo que sou aquilo que eu sou. Pensar o pertencimento é precisamente pensar esta situação, é compreender como posso, do mesmo ponto de vista, ao mesmo tempo ser eu mesmo e outro do que eu mesmo, eu mesmo ao ser outro. Tal é, em todo caso, a experiência do corpo: um ser junto de si mesmo na desaposse. Como escreve Alphonse De Waelhens (1961, p. 76): "o corpo é aquilo que nos faz ser como sendo fora de nós mesmos". Isto requer duas observações. Primeiro, segue-se, desta primeira análise, que o pertencimento não deve ser entendido como algo que acontece com um eu já constituído (aliás, é de se perguntar o que poderia significar, para um eu, pertencer ao mundo): pelo contrário, é o eu que procede do pertencimento como fato originário, o que equivale a dizer que o eu é uma dimensão do corpo e não o corpo aquilo que um eu possuiria. Dizer que tenho um corpo é dizer que pertenço, mas dizer que pertenço é levar à luz uma inscrição que é a própria condição da ipseidade. Em segundo lugar, se é verdade que o sentido do pertencimento é o de uma participação na qual o ser-eu e o ser-outro não constituem uma alternativa, já se suspeita que o grau de subjetividade vai de par com a profundidade da sua inscrição no mundo, que a posse (de si por si) é medida pela desaposse.

Segue-se daí, a título de posição ontológica fundamental correlativa de uma fenomenologia do pertencimento, que tudo quanto existe ou é suscetível de existir pertence ao mundo, inclusive aquilo mesmo que a tradição podia considerar como lhe sendo o mais alheio, a saber precisamente, o sujeito transcendental. Assim, nada pode ser estrangeiro ao mundo, pois o mundo é o omni-englobante universal: ser é sempre ser do mundo ou estar no mundo. Em outras palavras, essa reflexão sobre o corpo desemboca numa ontologia do pertencimento, sendo que aquilo que vale no caso do corpo, de que se podia julgar que possuía uma dimensão estrangeira ao mundo, vale com mais razão para qualquer ente. Dizer que o mundo é o omni-englobante é reconhecer que todo e qualquer ente lhe pertence e que a diferença entre os próprios entes só pode consistir na sua modalidade de pertencimento. É preciso substituir a ontologia clássica - para a qual a diferença de ser fundamental passava entre o pertencimento a um mundo, necessariamente confundido com a extensão objetiva, e um não-pertencimento, o do sujeito ou da consciência - por uma ontologia para a qual a diferença se faz apenas entre várias maneiras de pertencer ao mundo, já que tudo que existe, existe nele. Assim, não é o ser, como em Aristóteles, mas sim o pertencimento que se diz em vários sentidos. A dificuldade é a de pôr em evidência, um princípio de distinção entre estes modos de pertencimento. O corolário dessa ontologia do pertencimento é uma ontologia universal dos corpos. Com efeito, se ter ou ser um corpo significa pertencer; se, portanto, corporeidade e pertencimento são recíprocos e se qualquer ente é do mundo, cabe concluir que só há corpos. Mas isto também quer dizer que há várias maneiras de ser corpo. Aqui estamos introduzindo um princípio de diferenciação que é transversal em relação ao que prevalece na filosofia clássica: a diferença suposta entre aquilo que chamamos de consciência e corpo, diferença entre um fora-do-mundo e um dentro-do-mundo, remete, na verdade, à diferença entre corpos no seio do mundo (afirmação que é, na verdade, tautológica), ou seja, entre modos de pertencimento. Ser uma consciência é pertencer de uma maneira singular, que se apreende através daquilo que se chama corpo próprio: nesse sentido, ser consciente significa ter um corpo. Ser uma coisa também é pertencer ao mundo, mas de uma outra maneira e, na verdade, de várias outras maneiras, já que há vários tipos de coisas.

Cabe concluir disso que a espacialidade é constitutiva do ser de qualquer ente. Com efeito, afirmar que o pertencimento é o modo de ser originário do ente equivale a reconhecer que, para qualquer ente, ser significa necessariamente estar aí. Pertencer ao mundo é estar situado nele, ocupar um lugar. Em outras palavras, a questão "onde?" sempre põe em jogo a realidade daquilo que está sendo questionado; ela tem necessariamente um alcance ontológico e, a esse título, é a questão mais profunda. É claro, o sentido desse "onde" é determinado pelo contexto ontológico no qual se inscreve. Ele não diz respeito a um lugar no seio do espaço objetivo, mas a um modo de pertencimento: a questão concerne a um modo de ocupação ou de habitação, um "como" (pertence). É por isso que nossa abordagem fica nas antípodas da perspectiva clássica, que é também a da fenomenologia. Para ela, a diferença do sujeito com o mundo é diferença com entes que são o que são (as substâncias) e ela implica, portanto, que o sujeito não seja o que ele é: para um sujeito, diferir do mundo significa diferir dele mesmo, isto é, existir temporalmente. Por conseguinte, a situação no mundo se torna necessariamente extrínseca, alheia à essência do sujeito de tal modo que a questão da espacialidade torna-se secundária. Ao contrário, ao considerar a inscrição no mundo como a essência de qualquer ente e, portanto, do sujeito, se põe a espacialidade no coração deste, sendo que esta espacialidade é sinônima de pertencimento ficando modalizada a partir deste. Em outras palavras, a espacialidade tal como a compreendemos de saída, espacialidade objetiva no seio da qual o ente ocupa um lugar circunscrito, não é senão uma modalidade entre outras da espacialidade, a saber, a que corresponde à mera coisa, ou antes, da qual ela define o modo de ser.

Em consequência, a questão importante é a do modo de espacialidade dos outros entes, enquanto ela não se reduz ao lugar objetivo. Mais precisamente, é a de saber qual é o equivalente para os outros entes, e, particularmente de nosso corpo, do lugar objetivo para a simples coisa. Entende-se, desde já, que o espaço de que se trata é um espaço espacializante, na medida em que cada ente ocupa o espaço de uma maneira específica e, portanto, desdobra o tipo de espaço que lhe corresponde. Pertencer não significa ocupar um lugar, mas espacializar, ou seja, abrir um lugar no seio daquele lugar de todos os lugares, daquele onde originário que o mundo é. Mas entende-se também que, dentro desse "onde", as diferenças entre os modos de espacialização serão diferenças de amplitude ou de profundidade. Dizer que os entes pertencem ao mundo equivale a dizer que eles não ficam apenas onde eles estão no seio do espaço objetivo, em suma, que eles excedem seu lugar, que cada um ocupa o mundo enquanto tal da sua maneira, que eles o permeiam ou o reúnem. É nesse sentido que Bergson distingue um corpo interior ou "central" e um corpo "imenso" que "vai até às estrelas". Portanto, não se deve dizer que estou aqui por meu corpo e nas estrelas pela minha visão, o que levanta problemas em vez de resolvê-los, mas, pelo contrário, que a visão das estrelas supõe que eu ocupe o espaço até elas (tal é o verdadeiro sentido da percepção) e que, a esse título, possuo um corpo imenso que se estende até elas. Este mundo que vai até às estrelas é exatamente lá onde fico. Da mesma maneira, retomando um exemplo de Augustin Berque, o lugar deste utensílio que é um lápis não é o local objetivo que ele ocupa enquanto fragmento de matéria, uma vez que, justamente, o lápis enquanto tal não é esse fragmento de matéria, mas aquilo que está envolvido pela escrita que ele torna possível e que é como o meio ambiente do lápis. Este modo de ser, que não é propriamente subjetivo, nem propriamente objetivo é aquilo que Augustin Berque chama de trajetividade; é o tecido relacional dentro do qual o lápis existe e sem o qual não existiria, tecido que é seu lugar próprio e que transcende seu local material. Assim, enquanto modos de pertencimento, os entes abrem um tipo de espaço que lhes é próprio; eles desdobram ou constituem seu lugar ou solo de pertencimento; eles possuem uma forma de ubiquidade em relação ao espaço objetivo.

Reconhecer que o lugar fica envolvido no ser de todo ente, já que todo ente significa um modo de pertencimento, é realizar uma forma de junção entre a ontologia e a geografia, o que significa abrir o caminho daquilo que poderia ser chamado de ontologia geográfica: a questão do ser remete à do onde. Augustin Berque realça esse ponto com profundidade:

"Há isto antes que aquilo e aqui antes que lá": não é apenas a geografia mas também a ontologia que esse enunciado fundamenta - na verdade o primeiro enunciado que um ser humano pode fazer desde que se desperta à existência. Dizer que a questão do ser é ontológica ao passo que a do lugar seria geográfica, é cindir a realidade por um abismo que impossibilita definitivamente de apreendê-la (Berque, 2000, p. 12).

É por isso que ele inicia o livro pela seguinte afirmação: "Falta à ontologia uma geografia e à geografia uma ontologia" (p. 10). Mais precisamente, o que Augustin Berque reivindica aqui é aquilo que poderíamos chamar uma geografia ontológica, geografia para a qual o ser fica envolvido no lugar, para a qual o onde não é extrínseco, mas comanda a natureza do que fica lá. Ora, esta geografia ontológica, que dá ao lugar seu peso máximo, mas permanece uma geografia, supõe, sim, uma ontologia geográfica para a qual o lugar fica envolvido no ser, para a qual o ser de qualquer ente significa um modo de pertencimento ou de ocupação do mundo lançando luz sobre a maneira pela qual o lugar fica envolvidono ser. É tal ontologia que pretendemos desenvolver.

A fim de fundamentar a possibilidade desta ontologia, ou seja, de modalizar o pertencimento, é necessário lhe aprofundar o sentido. Com efeito, as diferenças no seio do pertencimento só podem ser diferenças de profundidade ou de grau. Ora, um pertencimento mais profundo ou mais radical não pode significar outra coisa do que o fato, para o sujeito, de ficar em relação com "mais" mundo, de se relacionar com uma maior extensão de mundo e de ficar assim mais próximo ao mundo. Pertencer ao mundo é pertencer ao mundo, de tal modo que o nível do pertencimento se mede pelo nível de presença do mundo: tal ente pertence tanto mais ao mundo quanto ele tem, por assim dizer, mais mundo. Assim, sua presença no mundo é proporcional à presença do mundo nele. Abaixo da relação de ser (dizer que o sujeito pertence ao mundo quer dizer que ele é do mundo) vem à tona uma relação da ordem do ter: estar ao mundo, no mundo, ou ser do mundo é sempre ter o mundo. Mas, obviamente, o pertencimento do mundo ao ente não pode ser da mesma natureza do que o pertencimento do ente ao mundo. Com efeito, como pode o ente possuir mais mundo a não ser ao abrir para ele, ao fazê-lo aparecer? A presença do ente no mundo é presença do mundo no ente, mas poder-se-ia dizer que a verdade, que é ontológica, da primeira presença, repousa sobre a verdade, que é, por sua vez, fenomenológica, da segunda. Se se quer se livrar do espaço objetivo e, portanto, da redução do pertencimento à inclusão espacial, cabe reconhecer que um ente pertence ao mundo na medida exata em que ele se dilata até às dimensões dele, isto é, abre para ele, o faz aparecer. A intramundaneidade como inscrição ontológica sempre é cosmofania.

Nós situamos, aqui, a um nível que não é senão o da essência da intencionalidade - num sentido muito amplo, que convém, de direito, a todos os seres vivos e até todos os entes no âmbito daquilo que foi chamado de animismo metodológico (Baptiste Morizot). A ideia, aqui, é a de que toda visada, toda relação de conhecimento supõe uma relação de ser, que, por baixo do ato pelo qual me relaciono com alguma coisa, há, a título de sua própria condição de possibilidade, uma proximidade espacial que remete para uma comunidade ontológica. Só posso visar alguma coisa na medida em que estou lá onde fica essa coisa e em que, em consequência, a sou de certa forma. Assim, não é porque vejo as estrelas que posso eventualmente as atingir com meu corpo; é, ao contrário, porque meu corpo vai até às estrelas, isto é, é ontologicamente juntado com elas, que posso vê-las. Ou antes, mais rigorosamente, a possibilidade de ver as estrelas, assim como a de atingi-las e de me juntar com elas são as duas faces de uma mesma situação ontológica, que chamo precisamente de pertencimento. Este pertencimento desvenda claramente o sentido de ser do corpo, sendo que, graças a ele, estou lá (por exemplo, as estrelas) indissoluvelmente perceptiva e espacialmente. É nesse sentido preciso que, como Merleau-Ponty tinha visto, o corpo contém o segredo da intencionalidade. Seja como for, visada intencional e proximidade ontológica são as duas vertentes, já abstratas, do pertencimento, que é assim seu próprio ponto de indistinção. Como se vê, esse pertencimento também pode ser definido pela reciprocidade não contraditória do ter: dizer que pertenço ao mundo é dizer exatamente que ele me pertence; ele me tem apenas se eu o tenho. Dito duma outra maneira, o envolvimento ontológico do ente pelo mundo é necessariamente o avesso de um envolvimento fenomenal do mundo pelo ente: o mundo só me puxa para ele se o puxo para mim, e inversamente. Mas, é preciso entender aqui que esta relação que define o pertencimento vale para qualquer ente e permite, assim, discriminá-los. É por isso que tem que sair da perspectiva, que ainda é a de Merleau-Ponty por exemplo, que atribuiria essa relação e, portanto, a intencionalidade só ao sujeito, ou antes que reduziria o sujeito exclusivamente à existência humana. Afirmamos que toda relação de conhecimento reenvia para uma relação de ser, que toda posse intencional é o avesso de uma desaposse ontológica. Trata-se então de pôr a proposta contrária e concluir que tudo quanto pertence ao mundo, ou seja, qualquer ente, é um modo de fenomenalização: todo ente possuído pelo mundo possui o mundo. Se toda cosmofania é inscrição, toda inscrição é cosmofania.

Trata-se, então, de levar à luz as condições às quais tais afirmações são sustentáveis. Ora, se é verdade que o pertencimento não se confunde com a inscrição num lugar objetivo, mas significa uma ocupação do mundo que lhe é ao mesmo tempo uma fenomenalização, é forçoso reconhecer que o pertencimento tem necessariamente um sentido dinâmico e não apenas estático. Com efeito, se for abordado estaticamente, o pertencimento não pode significar outra coisa do que uma certa situação num lugar determinado. Inversamente, entende-se que o pertencimento, tal como foi caracterizado, só pode corresponder a uma forma de mobilidade fundamental: pertencer não significa fazer parte do mundo (ser uma parte dele), mas entrar nele, desenhar um certo espaço nele ou habitá-lo. É em virtude deste envolvimento dinâmico, ou antes, deste modo, que o mundo pode ser figurado no seio do ente que faz parte dele. É pelo movimento que o envolvimento mutual do ente e do mundo pode efetuar-se: por exemplo, entende-se que os sujeitos que somos podem pertencer ao mundo pelo movimento deles de tal modo que o mundo lhes pertence, na medida em que esse movimento é fenomenalizante e é, portanto, mais do que um mero deslocamento. Em outras palavras, o "ter" o mundo subjacente ao estar no mundo só pode possuir o sentido de uma apropriação dinâmica: ver é sempre fazer. Assim, o pertencimento pode ser desvinculado do espaço objetivo e, portanto, modalizado só se for entendido como avanço ou envolvimento. Ele é, ao mesmo tempo, um passo para o mundo e um passo no mundo; ele é caracterizado por uma forma de iteração fundamental. Tudo se passa como se, ao se desdobrar para o mundo, este avanço ficasse no seu limiar: o pertencimento significa a identidade absoluta entre um ir para e um estar em. Tal é o sentido verdadeiro do pertencimento: uma forma de deiscência pela qual o ente, seja qual for, mantém uma distância em relação àquilo a que ele pertence profundamente, permanece diferente na sua própria identidade ontológica e, assim, o faz aparecer. A identidade entre inscrição e fenomenalização realiza-se como diferença ou recuo do ente no seio do mundo, o antes em frente ao mundo, diferença ou recuo que constituem sua própria identidade.

Mas é preciso esclarecer o estatuto desse movimento inerente ao pertencimento. A tentação é a de reduzi-lo a um deslocamento ou, pelo menos, de lhe reconhecer essa dimensão, pois, quando se trata de um movimento vivo e, portanto, fenomenalizante, ele prova ser irredutível a um movimento local. Se ela parece fenomenologicamente justificada, tal tentativa tem o defeito de manter a ruptura entre ser vivo e ser não vivo, ruptura que pode aparecer como um último avatar do dualismo e impede de dar um lugar aos demais entes nessa ontologia do pertencimento. Na verdade, quer queira quer não queira, manter uma dimensão de deslocamento no movimento fenomenalizante é ficar dependente do espaço objetivo e, por conseguinte, de um sentido limitado do pertencimento. Portanto, é preciso abordar o movimento a partir do pertencimento em vez de compreender este, a sua dimensão dinâmica, a partir do movimento concebido como deslocamento. O sentido originário do movimento deve ser procurado naquilo que é efetuado pelo pertencimento, na sua dimensão propriamente dinâmica, que consiste precisamente na abertura de um mundo ou numa cosmofania, mais precisamente na identidade entre uma habitação e uma cosmofania. É apenas esse sentido do movimento, como abertura que está abrindo, que convém tanto aos deslocamentos dos seres vivos quanto ao desvelamento de um mundo por uma coisa, uma obra ou uma paisagem. Em suma, não é mais a abertura que supõe nosso movimento, mas, ao contrário, nosso movimento que é uma modalidade entre outras da abertura. Todos os entes são da alçada do movimento na medida em que, pertencendo ao mundo, eles abrem para ele ou iniciam nele, mas só os seres vivos se deslocam.

Essas conclusões levam a duas observações. Primeiro, poderíamos ser acusados de cair numa forma de circularidade ou de tautologia já que relacionamos a abertura ao movimento para, em seguida, definir o sentido originário do movimento pela abertura. Mas essa circularidade só é problemática de um ponto de vista lógico, que decompõe o fenômeno, pois, na verdade, ela enraíza-se na unidade do fenômeno. Falar em movimento, não é fundar a abertura em outra coisa, mas apenas pôr, em evidência, uma dimensão dela. Assim, dizer que o pertencimento possui um sentido dinâmico é só reconhecer que a abertura que fica no âmago desse pertencimento inaugura um mundo ao fenomenalizá-lo, e que é nesta dimensão que reside o sentido mais profundo do movimento - o que equivale também a sublinhar que é sua potência de abertura que confere aos nossos deslocamentos o estatuto de movimentos, no caso dos gestos. A segunda observação procede da primeira. Se é verdade que o pertencimento é a realização de uma cosmofania, ou seja, o advento de um mundo, seja qual for sua profundidade ou amplitude, o conceito de evento seria mais relevante. Com o pertencimento, algo acontece (em francês arrive: ou seja, acontece e chega, se aproxima): o acontecimento é o núcleo do pertencimento. Assim, aquilo que chamamos de movimento e que remete ao modo de fenomenalização próprio a certos seres vivos é apenas uma modalidade de acontecimento entre outras. Um acontecimento não é o que vem infletir um movimento, mas aquilo que se realiza, ou não, como movimento.

Esses resultados nos ensejam abordar o estatuto do mundo e esclarecer, assim, o sentido do pertencimento. O mundo é o solo originário de todos os entes, o onde último que os une todos, ou seja, aquilo em que eles se encontram e que se fenomenaliza através deles. Mas, como já vimos, estar no mundo sempre significa ser do mundo, participar dele: pertencer é sempre se distinguir daquilo de que se é originariamente feito; o pertencimento implica uma diferença no seio de uma unidade ontológica primeira. Este ponto é primordial, pois ele significa que, em virtude da comunidade ontológica originária da qual a diferença destaca-se, o modo de ser do sujeito pode testemunhar o modo de ser do mundo, desempenhar o papel de amostra ontológica. Assim, se o sujeito pertence ativamente ao mundo e, portanto, existe sob um modo dinâmico, não será possível se contentar com uma definição sumária e estática do mundo como omni-englobante. Se o sujeito pode fazer alguma coisa no mundo é na medida em que algo se faz no mundo e com o mundo, isto é, na medida em que ele envolve uma processabilidade fundamental. É provavelmente a essa única condição que se tornará possível ultrapassar definitivamente o sentido simplesmente inclusivo do pertencimento, que implica inevitavelmente, quer queira quer não, em projetar o mundo no plano da extensão. O conceito de participação, ao qual achamos pertinente assemelhar o pertencimento, adquire aqui todo seu alcance. Participar não é ocupar um lugar numa totalidade, mas ser parte de algo que está se fazendo. Como escreve Louis Lavelle (1946, p. 174):

A participação não faz de nós, como se poderia acreditar, uma simples parte do Todo. Ela não é uma participação a um ser já realizado do qual ela nos permitiria nos apropriar uma parte. Não se participa de uma coisa. Só se participa de um ato que está se realizando, mas que também se realiza em e por nós graças a uma operação original e que nos obriga, ao assumir nossa própria existência, a assumir também a existência do Todo.

Assim, entendido dinamicamente, o pertencimento ao mundo só pode significar uma participação no mundo como processo; aquilo que está se fazendo no mundo, ou antes aquilo que o mundo está fazendo. Mas o mundo não pode fazer outra coisa do que aquilo que está se fazendo em cada ente, a saber, aparecer como mundo, de tal modo que o mundo não é senão o movimento de todos os movimentos, aquilo que se faz em cada um deles, ou, antes, o evento de todos os eventos, o aparecer que fica no âmago de todas as aparições. O mundo não é, obviamente, a mera soma dos entes já que cada um deles faz aparecer o mundo de sua maneira e, assim, remete a ele; mas, nem por isso, é outra coisa do que eles: ele é o que confere unidade a todos esses movimentos ou esses processos, aquilo que neles se fenomenaliza, mas também que resiste à fenomenalização na medida em que nenhum deles consegue fazer o mundo aparecer enquanto tal.

Nesse sentido, o mundo pode ser entendido como seu próprio processo de fenomenalização e, portanto, o cosmo como cosmofania originária, sendo que a infinidade desse processo implica um retraimento irredutível do fundo em relação aos seus modos de manifestação, uma inesgotabilidade de princípio. É por isso que também pode se dizer que o mundo é aquilo que resiste a todos os eventos individuais de fenomenalização, que se manifesta a eles e neles como lhe sendo irredutível. Entende-se melhor, à vista dessa determinação dinâmica do mundo como sua própria vinda à luz, a reciprocidade que caracteriza o pertencimento. O pertencimento ao mundo não apenas não exclui a fenomenalização, mas só pode se realizar por e como ela já que aquilo a que cada ente pertence é justamente um processo cosmofânico, uma incessante vinda à luz. Pertencer ao mundo, ou seja, participar de sua obra, só pode significar fazê-lo parecer já que tal é o modo de ser primeiro e último do mundo. Se o mundo é um processo fenomenalizante, imergir-se nele equivale a vir à luz, enraizar-se nele quer dizer mostrá-lo. Apreendida do lado do mundo, a situação é a de um processo de fenomenalização que culmina sob a forma de entes individuados, de tal modo que cada um o exprime da sua maneira mas nenhum o esgota. Aqui, ficamos perto de um prolongamento fenomenológico do leibnizianismo.

Segue-se daí uma última consequência, que vai de encontro àquilo que a tradição sempre pressupôs. Para ela, há uma relação de exclusão mútua entre pertencimento e fenomenalização, entre o corpo e a subjetividade, para dizê-lo no vocabulário dessa tradição. É essa incompatibilidade que o modo de ser do corpo próprio concentra: de um lado, ele pertence ao mundo e, nesse sentido, ele é corpo como todo os outros corpos, mas, por outro lado, ele faz aparecer o mundo, e, nesse sentido, ele é meu. Mas como aquilo que fica do lado do mundo, inscrito nele, pode ter ao mesmo tempo uma experiência dele? Isso fica incompreensível. Ora, o conceito de pertencimento nos permitiu reverter a situação na medida em que, enquanto participação, ele não exclui, mas até exige uma fenomenalização. Tal é a lição de uma fenomenologia do pertencimento: só há aparição do mundo de dentro dele; qualquer experiência do mundo implica uma inscrição nele; a comunidade ontológica e a diferença fenomenológica são as duas faces da mesma moeda. Mas, é preciso tirar as consequências disso com respeito aos diversos modos de pertencimento e, portanto, aos vários entes. Se a experiência do mundo é o avesso de um pertencimento, aquela é tanto mais aguda quanto este é profundo. Em outras palavras, a potência de fenomenalização do mundo, finalmente a experiência que nos define como sujeitos, é proporcional à profundidade ou à radicalidade da nossa inscrição nele. Assim, é por sermos do mundo num sentido mais profundo do que os demais entes que somos capazes de fazê-lo aparecer como nenhum ente o faz. Ao contrário, por assim dizer na outra ponta da cadeia dos pertencimentos, a coisa inerte pertence ao mundo superficialmente - o que significa que ela fica só onde ela está, situada no espaço, idêntica a ela mesma, ou seja, simplesmente substância - e, nessa medida, ela o faz aparecer de uma maneira mínima, a saber, sob a forma daquilo que ela é. Por exemplo, as pedras, como diz Roger Caillois (1970, p. 7), "atestam só delas". Mas, no que diz respeito ao sujeito, à distância com o mundo que lhe caracteriza, o próprio sentido de ser é o avesso de uma proximidade mais radical: é porque o mundo nos tem mais profundamente dos que os outros entesque nós o temos mais radicalmente do que eles. É nesta dupla posse que se concentra o mistério do corpo. Assim, de acordo com a essência do pertencimento, ficamos longe do mundo porque estamos muito perto dele, o possuímos, pois ele nos possui: o face a face entre nós e o mundo é a outra face de uma conivência ontológica radical. Em suma, a diferença fenomenológica inerente à correlação é o avesso de uma comunidade ontológica. Tal é o verdadeiro sentido de ser da carne: na verdade, ela não é corpo nem consciência, mas uma posse (perceptiva) do mundo que é a contrapartida de uma desaposse (carnal) por esse mundo, ou seja, uma experiência do mundo a partir de sua profundidade, uma auto-afecção que é ao mesmo tempo alteração ontológica, uma proximidade a si mesmo mediada por um mergulho dentro do mundo. Tal é o passo que Merleau-Ponty não dá: minha carne pertence à carne do mundo, mas é em e por este pertencimento que ele é minha carne, de modo que não há nenhuma alternativa entre sua ipseidade e sua inscrição na profundidade do mundo.

 

Referências

Berque, A. (2000). Écoumène: introduction à l'étude des milieux humains. Paris: Belin.         [ Links ]

Caillois, R. (1970). Pierres. Paris: Gallimard.         [ Links ]

De Waelhens, A. (1961). La philosophie et les expériences naturelles. La Haye: Martinus Nijhoff.         [ Links ]

Lavelle, L. (1946). De l'acte: la dialectique de l'éternel présent. Paris: Aubier/Montaigne.         [ Links ]

 

 

Recebido em 19.06.2018
Aceito em 03.10.2018

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