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Pesquisas e Práticas Psicossociais

versão On-line ISSN 1809-8908

Pesqui. prát. psicossociais vol.10 no.1 São João del-Rei jun. 2015

 

ARTIGOS

 

Programas de iniciação científica para o ensino médio no Brasil: educação científica e inclusão social1

 

Programs of scientific initiation for high schools in Brazil: scientific education and social inclusion

 

Programas de iniciación científica en la enseñanza secundaria en Brasil: educación científica y inclusión social

 

 

Shirley de Lima Ferreira ArantesI; Simone Ouvinha PeresII

IDoutoranda. Professora efetiva de Psicologia da Educação na Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG). Coordenadora de extensão da UEMG/Unidade Ibirité. Endereço: shirleylimaf@gmail.com
IIOrientadora. Professora adjunta do departamento de Psicologia Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro (IP-UFRJ) e do curso de pós-graduação EICOS-UFRJ. Endereço: simoneoperes@gmail.com

 

 


RESUMO

O artigo apresenta panorama do levantamento do conjunto de programas de iniciação científica focados no ensino médio no Brasil, em perspectiva qualitativa e contrastiva, sem pretender análise crítica. São discutidos os objetivos, modalidades de ingresso e caracterização dos estudantes inseridos, evidenciando que nos ambientes formais de pesquisa estão sendo construídas estratégias didáticas para a educação científica e inclusão social de jovens. A participação na IC/EM repercute sobre a trajetória escolar, profissional e pessoal dos jovens e está associada de modo importante aos seus projetos futuros e expectativas de inserção no mercado de trabalho. É necessário qualificar essas iniciativas quanto aos aspectos sociais das escolas conveniadas, posição social, gênero e etnia dos estudantes participantes como meio de dar maior visibilidade da realidade desse assunto, compondo quadro histórico-político conceitual da participação dos jovens, mais orientado pela proposta de inclusão social na nossa breve história já acumulada dos programas de IC/EM.

Palavras-chave: Iniciação Científica; Ensino Médio; Educação Científica; Iniquidade Social.


ABSTRACT

This paper presents an overview of the survey of the scientific initiation programs focused in high schools within the Brazil, in qualitative and contrastive perspective, without intending to a critical analysis. It discusses the objectives, inflow strategies and characterization of students inserted, also highlighting, in formal research environments the didactic strategies that are being built for science education and social inclusion of young adults. The SI/IN echoes on the school trajectory, professional and personal, that is importantly associated in students' future projects related to the expectations of entry in the job market. It is necessary to qualify these initiatives, regarding social aspects such as affiliated schools, social position, gender and ethnicity of the students, as a means of providing a greater visibility to the reality of this subject, composing a historical political framework for the participation of young adults, and guided by the proposal of a social inclusion in our brief history in SI/IN programs.

Keywords: Scientific Initiation; Education, Secondary; Science Education; Social Inequity.


RESUMEN

Este artículo presenta panorama de los programas de iniciación científica en la enseñanza secundaria en Brasil, en la perspectiva cualitativa y contrastiva, sin pretender análisis crítica. Se discutió sus objetivos, criterios de admisión y caracterización de estudiantes insertados y apunta que en contextos formales de investigación se están construyendo estrategias educativas para la educación científica y la inclusión social de jóvenes, con importantes repercusiones en sus aspiraciones de futuro en los planos personal, social y su vida profesional. Es necesario calificar los programas en lo que respecta a los aspectos sociales de las escuelas acreditadas, el estatus social, el género y la etnia de los estudiantes como un medio de proporcionar una mayor visibilidad a la realidad del tema, componiendo el marco histórico y conceptual de la participación de jóvenes, que tenga como eje principal la propuesta de inclusión social, en nuestra breve historia de los programas de iniciación científica en la Secundaria.

Palabras clave: Iniciación Científica; Educación Secundaria; Educación Científica; Inequidad Social.


 

 

Introdução

A universalização do acesso ao ensino fundamental no País, quando 98,2% das crianças em idade de seis a catorze anos frequentam a escola, e a taxa de escolarização de jovens de quinze a dezessete anos é de 84,2%, ainda não se traduziu em democratização do ensino médio. Apesar do avanço no número de matrículas, somente 59% dos jovens de dezenove anos de idade, principalmente do sexo feminino, atingem a etapa final da educação básica. A maior desvantagem nas taxas de escolarização está associada ao nível de renda das famílias e à transferência de renda condicionada à frequência escolar, como ocorre no programa Bolsa Família, impacta positivamente sobre a permanência dos mais pobres na escola. Ainda assim, os jovens negros, do sexo masculino, estão em desvantagem no acesso a praticamente todos os anos escolares (Brasil/MDS, 2014).

Esta convergência de ações das políticas públicas voltadas à educação e ao combate à pobreza visa promover maior consistência no aumento da escolaridade da população brasileira, sobretudo dos jovens. Porém, os processos de modernização do País e o combate à pobreza também demandam uma distribuição menos desigual dos conhecimentos científicos e tecnológicos aos diferentes segmentos sociais, sobretudo aqueles tradicionalmente excluídos de sua produção e circulação (Meis, 2006; Moreira, 2006; Zancam, 2000). Portanto, a universalização do acesso ao ensino fundamental demanda a ampliação da oferta de oportunidades educacionais que tenham por objetivo a educação científica dos jovens.

Para o ensino médio, que historicamente procedeu à orientação dos diferentes segmentos sociais ao ensino propedêutico ou profissionalizante (embora essas modalidades estejam mais integradas no momento atual), o desenvolvimento de abordagens pedagógicas inovadoras que reconheçam a relação necessária entre trabalho(s), juventude(s), cultura(s) e ciência institui um verdadeiro desafio. O redesenho curricular é a proposta do Programa Ensino Médio Inovador (ProEMI/MEC) instituído pela portaria nº 971 de 09 de outubro de 2009, que integra as ações do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). As novas diretrizes curriculares nacionais estabelecem a Iniciação Científica e Pesquisa como um dos macrocampos estruturantes do ensino médio. A etapa final da educação básica deve possibilitar, aos jovens, experiências de produção e socialização da ciência, observados os aspectos metodológicos e a interdisciplinaridade. Porém, de um modo geral, "o que se tem observado é que as políticas curriculares têm sido pouco assimiladas nos sistemas de ensino estaduais e municipais e nas escolas brasileiras" (Moehlecke, 2012, p. 51). Nesse sentido, outro desafio é que os professores da educação básica compreendam de forma consistente os "fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática" (Resolução CNE/CEB nº 2/2012, p. 2) por meio de seus percursos formativos para que possam outorgar esses conhecimentos aos estudantes. Porém, a iniciação científica e a pesquisa têm sido negligenciadas nos cursos de licenciatura e de formação de professores (Moreira, 2006; Oliveira, Oliveira, Barros &Schall, 2009; Souza, 2005).

Nesse cenário, oportunidades de educação científica focadas na educação básica e tecnológica, que contribuem para minorar os efeitos das lacunas existentes no ensino regular quanto à difusão dos conhecimentos científicos e tecnológicos, são configuradas no Brasil pela criação de centros e museus, feiras e olímpiadas do conhecimento, revistas e websites voltadas ao ensino de ciências, dentre outras, que visam tornar a ciência interessante e atrativa para os jovens. Essas iniciativas difundem saberes fundamentais para a compreensão do entorno, do contexto mais amplo, a tomada de decisão nas diferentes esferas da vida e para a participação política. Valores bastante diversos daqueles inculcados pelos modelos tradicionais de ensino baseados na aprendizagem de conteúdos da cultura universal, distantes da experiência social dos jovens (Ferreira, 2003; 2010; Lima, 2011; Maranhão, 2011; Meis, 2006; Moreira, 2006; Oliveira et al., 2009; Paulino & Ribeiro, 2009; Souza, 2005; Peres, Ferreira, Braga & 2009).

Dentre essas iniciativas, o presente trabalho se volta para os Programas de Iniciação Científica (IC) focados no Ensino Médio (EM). Desenvolvidos desde meados da década de 1980 no País, os Programas de IC/EM são configurados como política pública educacional, institucionalizada e financiada principalmente pelo Estado, integrando as políticas públicas de educação científica e inclusão social das juventudes. Subvertendo o modelo pedagógico tradicional, a metodologia dos Programas de IC/EM consiste na participação ativa de jovens oriundos das redes pública e privada, da educação básica e tecnológica, com disponibilidade integral para os estudos, no cotidiano dos contextos formais de pesquisa, em universidades, institutos de pesquisa e tecnológicos, sob a orientação de pesquisadores qualificados.

Ressalta-se que uma ação fundamental dos Programas de IC/EM é a democratização dos conhecimentos do campo da C&T aos jovens dos segmentos sociais desfavorecidos, historicamente excluídos dos ambientes formais de pesquisa, para que possam discernir valores como a inovação, a experimentação e a criticidade em relação à produção desses conhecimentos e às suas aplicações, bem como o aumento de suas perspectivas de conclusão do ensino médio, contribuindo para o propósito de universalização da educação básica no País.

O presente artigo, descritivo e exploratório, busca caracterizar os Programas de Iniciação Científica (IC) focados no Ensino Médio (EM) no País. Trata-se de uma iniciativa de sistematização dos dados e informações sobre esses programas disponíveis na literatura especializada. O objetivo é identificar similaridades e divergências dos programas de IC/EM com o propósito de ressaltar, em uma perspectiva qualitativa e contrastiva, as principais contribuições das diferentes iniciativas para a educação científica e a inclusão social de jovens.

 

Metodologia

Com o propósito de caracterizar os programas de IC/EM no País, foi realizada pesquisa bibliográfica no SciELO, Google, Google Scholar, LILACS, MEDLINE e banco de teses da Capes, entre 2011-2014, por meio da combinação das palavras-chave: iniciação científica; ensino médio; iniciação cientifica júnior; PIBIC EM; ICJ. Foram identificados artigos, capítulos de livro, livro, dissertações, teses e, principalmente, resumos expandidos em eventos científicos.

Os procedimentos de análise, em uma perspectiva qualitativa e comparativa, foram inspirados na técnica da Análise de Conteúdo (Bardin, 1977). Após uma leitura exploratória dos materiais, foram definidas as Unidades de Registro (URs) de aspectos político-ideológicos dos programas e as categorias, emergentes ou consolidadas nos trabalhos dos autores consultados foram codificadas. Os trabalhos discutem as políticas públicas voltadas para o ensino médio e a transição da juventude para a vida adulta (Carrano, 2010; Simões, 2010); as concepções educacionais, os objetivos, as práticas pedagógicas e as perspectivas dos pesquisadores orientadores (Amâncio, 2004; Conceição, 2012; Ferreira, 2003; 2010; Filipecki, Barros & Elia, 2006; Filipecki, Braga & Frutuoso, 2010; Hecket al., 2012; Neves, 2001); as perspectivas e as trajetórias dos egressos (Braga & Rodrigues, 2005; Oliveira, Oliveira, Barros & Schall, 2009; Paulino & Ribeiro, 2009; Peres, Ferreira & Braga, 2009; Santos & Abreu, 2011; Silvestre, Braga & Souza, 2009); as repercussões sobre as escolhas profissionais e de carreira e os estereótipos de gênero (Bonelli, 2010; Conceição, 2012; Souza et al., 2007; Tabak, 2010); as contribuições da educação científica para os percursos formativos e para a inclusão social de jovens (Ferreira, 2003; 2010; Conceição, 2012; Meis, 2006; Meis& Fonseca, 1992; Moreira, 2006; Pavão, 2005; Peres et al., 2009; Souza, 2005), dentre outros, temas e autores.

O conjunto desses materiais, voltados para iniciativas específicas e locais, evidenciou limitações para a construção de um panorama mais geral da IC/EM no Brasil, haja vista a difusão dos programas por meio do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica para o Ensino Médio (PIBIC-EM) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) a partir do ano de 2003. Nesse sentido, o presente trabalho atualiza o primeiro mapeamento dos programas de IC/EM no País realizado pelo Observatório Juventude, Ciência e Tecnologia (www.juventudect.fiocruz.br/), por meio da consulta aos links disponibilizados ou busca direta nos sites das proponentes. Também foram identificadas, por meio da consulta ao Cadastro de IES do MEC (emec.mec.gov.br/) em todos os Estados brasileiros, instituições das redes federal, estadual e privadas sem fins lucrativos, cujas páginas virtuais foram consultadas, principalmente, nos campos "Editais", "Programas de Pesquisa" e "Notícias", combinando-se os seguintes indexadores: "Iniciação Científica"; "Iniciação Científica Júnior"; "Ensino Médio"; "PIBIC EM". Os principais resultados dessas atividades são apresentados a seguir.

 

A expansão da iniciação científica no ensino médio

A criação do Programa de Vocação Científica (Provoc) da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz-RJ) em 1986 configura o marco da iniciação científica de estudantes matriculados na educação básica por meio de metodologia participativa de educação científica em ambientes formais de pesquisa no Brasil. No ano de 1996, o Provoc (RJ) foi descentralizado para unidades da Fiocruz sediadas em outros estados brasileiros, instituições de ensino superior e pesquisa. Serviu de modelo para a criação de projetos por fundações estaduais de amparo à pesquisa e para a configuração da Iniciação Científica Júnior (ICJ) pelo CNPq/MCTI, que instituiu, em 2003, em parceria com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), o programa Bolsa de Iniciação Científica Júnior (BIC-Jr), sendo beneficiadas com 280 bolsas 14 IES e IPqs (Ferreira, 2010; Oliveira et al., 2009; Paulino & Ribeiro, 2009; Souza, 2005). A ICJ foi consolidada no Anexo V da RN-017/2006 (alterado pela RN-027/2008), que destina à Rede Pública de ensino três linhas de fomento. Os investimentos crescentes (Figura 1) na modalidade estão concentrados na concessão de quotas bolsas, conforme tabela vigente no País, no valor de R$100,00 (cem reais) mensais, pois é utilizada a infraestrutura já existente nas IES e IPqs.

A pesquisa de levantamento possibilitou a identificação de 126 programas de IC/EM alocados em 33 universidades federais, quinze estaduais, 26 institutos federais de ensino superior e tecnológico, doze instituições privadas sem fins lucrativos e sete institutos de ensino e pesquisa. Esses dados evidenciam que os programas de IC/EM estão estabelecidos nas IES públicas brasileiras, das redes federal e estadual, e estão sendo desenvolvidos por IPqs e IES sem fins lucrativos. Os resultados são apresentados na Tabela 1.

 

Os dados da Tabela 1

São evidenciadas três linhas de fomento PIBIC/EM, ICJr-FAPs e recursos das próprias IES para programas específicos, com predomínio do modelo PIBIC EM/CNPq (e ICJr-FAPs). Portanto, o principal público beneficiado são alunos da rede pública de ensino em iniciativas institucionais (como o Provoc Fiocruz); vinculadas a laboratórios das IES (como o Projeto Revelando Novos Talentos, do Centro de Educação e Investigação em Ciências e Matemática da Universidade do Estado do Mato Grosso (CEICIM/UNEMAT); e programas integrados, como o desenvolvido pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), voltado para o EM e superior.

Evidencia-se, em primeiro lugar, a distribuição dos programas de IC/EM nos Estados. Na Região Sudeste do País os programas são majoritariamente desenvolvidos em Minas Gerais (27), onde há mais que o dobro do número identificado nos estados do Rio de Janeiro (12) e São Paulo (10), os quais, por sua vez, desenvolvem, respectivamente, três e quatro vezes o número de programas identificados no estado do Espírito Santo (03). Em seguida, a Região Nordeste concentra maior número nos estados da Bahia (07), Piauí (06), Ceará (05), Paraíba (04) e Pernambuco (04). Na Região Norte, o estado do Amazonas (08) concentra cerca de três vezes o número de programas alocados nos demais estados, 02 em média. Na Região Centro-Oeste, o Mato Grosso do Sul (04) está pouco acima da média dos demais Estados (03) e, na Região Sul, que registra menor concentração de programas de IC/EM no País, a média é de 03 programas por Estado (Figura 2). Portanto, os programas estão concentrados na Região Sudeste do País, inferindo-se a distribuição percentual: 40,5% Sudeste; 26,5% Nordeste; 15,5% Norte; 11% Centro-Oeste; 6,5% Sul (Figura 3).

Desse universo de programas identificados na pesquisa, são analisados dados de caracterização contrastivos e informações daqueles escolhidos a partir de dois critérios complementares; mapear a instituição da modalidade no País em uma perspectiva histórica, por meio da literatura específica disponível. Para essa apresentação, foram escolhidos os seguintes programas, segundo a data de fundação: 1986. Provoc EPSJV (Fiocruz/RJ). Caracterizado como estágio de longa duração, é conveniado a escolas das redes pública, particular e Organizações não governamentais (ONGs). O estágio é realizado em duas etapas: a Inicial, quando o estudante é inserido no laboratório e socializado nas práticas de pesquisa ao longo de doze meses em que prepara um projeto de pesquisa, avalizado pelo orientador. Na segunda etapa, denominada Avançado, o projeto é desenvolvido por um período de 21 meses, oportunizando a aprendizagem de todas as fases de execução da pesquisa e da divulgação científica. Atualmente, mantém parceria com o CNPq e oferece bolsas PIBIC EM. 1987/8. Rede Nacional de Educação e Ciência: Novos Talentos da Rede Pública, do Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo de Meis UFRJ. Inicialmente esse programa, curso de férias voltado a professores e estudantes da educação básica, então intitulado Geração de Novos Espaços de Interação entre Ciência e Educação (UFRJ/Departamento de Bioquímica Médica), foi expandido para diversas universidades federais e estaduais no País, como, por exemplo, "O que o Ricardo disse para sua cozinheira" (UFPE), que explora a química na cozinha (Pavão, 2005). 1998. Programa de Iniciação Científica Júnior - PIC-JR (UFMG). Inicialmente, tratou-se da implantação do modelo Provoc por ocasião de sua descentralização, no caso, para a unidade da Fiocruz em Minas Gerais, o Centro de Pesquisas René Rachou (CPqRR), sendo escolhido o Colégio Técnico (COLTEC) da UFMG como escola piloto e estabelecidas parcerias com escolas públicas da rede estadual, configurando o "Provoc na UFMG" (Oliveira et al., 2009). Entre os anos 2010-2014, essa parceria foi desfeita, a UFMG desenvolveu programa próprio, com o COLTEC, o Colégio Militar de Belo Horizonte (CMBH) e o Instituto Federal do Norte de Minas (IFNMG), enquanto o CPqRR continuou a ofertar o Provoc. 1999. Programa de Iniciação Científica no Ensino Médio - PROICEM (UFRGS/FisCel). Conveniado a escolas da rede privada, fundamenta-se em concepção de ensino na qual o estabelecimento de uma circuitaria cerebral autoestimulatória associa a aprendizagem da ciência a experiências prazerosas (Hecket al., 2012). Iniciou-se, no ano de 2012, a discussão de sua extensão às escolas estaduais. 2003/2006. PIBIC - EM (CNPq) IC-Jr/FAPs. Programa nacional focado na Rede Pública. 2004. Programa de Bolsa de Iniciação Científica Júnior - BIC-Júnior (UFLA). Apresenta a configuração típica do PIBIC-EM nas IFEs. No primeiro ano foram designadas 22 bolsas e, em 2009, foi a segunda IES a acolher o maior número de bolsistas júnior no País com uma quota de 150 bolsas (Paulino & Ribeiro, 2009). 2005. Programa de Iniciação Científica da OBMEP - PIC-OBMEP (SBM/IMPA). Modalidade de premiação extensiva a todos os medalhistas em cada edição da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas, segundo maior programa no País, quanto ao número de bolsa (no corrente ano serão concedidas seis mil e quinhentas bolsas) e escolas participantes. Produz material didático, utiliza uma plataforma virtual e polos presenciais espalhados pelo País. Voltado especificamente para a Matemática. 2006. Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica Júnior - PIBIC-Jr (PUCPR). Apresenta a configuração típica da ICJ no âmbito das Pontifícias Universidades Católicas, instituições sem fins lucrativos que recebem o maior percentual de bolsas de IC na graduação no País (Massi & Queiroz, 2010). A PUC é a "única IES que como contrapartida às bolsas recebidas dos órgãos de fomento, desenvolve o mesmo programa com colégios da rede privada" (PUCPR, 2014). Também foi incluído o Programa da Escola Estadual Prof. Sílvio Xavier Antunes (São Paulo, SP) relatado por Júnior et al. (2013)para registrar que iniciativas de IC/EM estão sendo desenvolvidas de forma endógena à educação básica e divulgadas, principalmente, em anais de eventos científicos voltados ao ensino de ciências.

 

Caracterização dos principais objetivos dos Programas de IC/EM

A Educação Científica, a Escolha das Carreiras e a Inclusão Social configuram os principais objetivos declarados pelos programas que, por meio da participação de jovens em ambientes formais de pesquisa, visam possibilitar a aprendizagem do método científico como processo criativo e de experimentação, configurando o propósito da Educação Científica de acordo com os objetivos do PIBIC EM/CNPq, desenvolver "atitudes, habilidades e valores", por meio da generalização do senso crítico e do pensamento analítico para os demais âmbitos da existência, evidente nessa formulação do PROICEM (UFRGS/Fiscel): "capacitar o aluno para a resolução de problemas de maneira independente" (Hecket al., 2012).

A Educação Científica tem sido compreendida como estratégia de Inclusão Social por meio da difusão e popularização dos conhecimentos relacionados à C&T, fundamentais para o combate à pobreza e participação cidadã (Meis, 2006; Moreira, 2006; Zancam, 2000). Nesse sentido, no Provoc (Fiocruz/RJ) o objetivo de Inclusão Social tem um significado particular. Desde 2005 participam desse programa jovens em situação de vulnerabilidade social oriundos das ONGs conveniadas que estão localizadas nos complexos da Maré e Manguinhos (Rio de Janeiro/RJ), para os quais a IC/EM "abre, assim, um novo horizonte de possibilidades de trabalho e desenvolvimento profissional" (Ferreira, 2010, p. 41). A Rede Nacional de Educação e Ciência (UFRJ/Departamento de Bioquímica Médica) busca facilitar o ingresso de jovens pobres considerados talentosos na universidade pública, e, na UFRJ, de acordo com Schwartzman e Christophe (2009), esses jovens recebiam auxílios para transporte e alimentação, dentre outros.

Aos jovens em situação de vulnerabilidade social, que não detêm recursos materiais e imateriais de poder que Pierre Bourdieu (2011) descreveu como propriedades específicas que circulam sob a forma de capital no espaço social (capital econômico, capital cultural, capital social, capital simbólico), no qual posições são definidas por meio da posse desses capitais, desigualmente distribuídos entre as classes sociais, a outorga de conhecimentos úteis às escolhas profissionais e de carreira por meio da educação científica constitui um requisito fundamental para a inclusão social, compreendida como a incorporação, institucionalização, objetivação e acúmulo de formas socialmente valorizadas de capital cultural (e escolar), e social que, posteriormente, poderão ser convertidos (e reconvertidos) em outras formas de capital (econômico e simbólico), favoráveis aos processos de mobilidade no espaço social.

Para os jovens dos diferentes segmentos sociais, a Escolha das Carreiras configura um desdobramento da participação em programas de IC/EM: a vivência pode corroborar escolhas profissionais prévias ou instituir novas possibilidades (Braga & Rodrigues, 2005; Maranhão, 2011; Oliveira et al., 2009; Paulino & Ribeiro, 2009; Peres et al., 2009; Souza, 2005). Orientação geral do PIBIC EM/CNPq: "Despertar vocação científica e incentivar talentos potenciais", é objetivo específico do PIC-OBMEP identificar os jovens talentosos para as ciências exatas e favorecer o percurso ao ensino superior. A maioria dos programas não explicita área específica, mas considera a vivência da metodologia científica favorável à continuidade dos estudos no ensino superior. Voltado à rede privada, o PROICEM (UFRGS/Fiscel), contribui para que, uma vez na universidade, os alunos possam "aproveitá-la de maneira mais completa" (Hecket al., 2012).

O programa desenvolvido na rede estadual de São Paulo visa competências e habilidades eventualmente consideradas nos processos seletivos dos demais programas: leitura; escrita; comunicação. A Educação Científica, como capacidade de organização da informação de modo sistematizado e lógico, e a inclusão social, como "despertar o interesse dos alunos pela investigação científica" (Júnior et al., 2013, n.p.), estão presentes.

A formação precoce de cientistas, discutida por Neves (2001), Souza (2005) e Filipeckiet al. (2010), não é objetivo afirmado explicitamente por nenhum dos programas estudados. Nesse sentido, Pavão (2005) reitera a centralidade da educação científica: "Formar cientistas sim, mas o propósito educacional, antes de tudo, deve contemplar a formação de cidadãos, indivíduos aptos a tomar decisões e a estabelecer os julgamentos sociais necessários ao século 21" (p. 5).

 

Os processos seletivos dos programas de IC/EM

Voltados, principalmente, para os alunos dos dois primeiros anos do EM, devido à maior evasão daqueles matriculados no último ano, dada a proximidade com os exames para ingresso no ensino superior (Ferreira, 2010; Hecket al., 2012), os processos seletivos dos programas de IC/EM utilizam estratégias (Análise de Documentos; Entrevista; Análise de Redação) para a classificação dos candidatos, a fim de evidenciar prerrequisitos, habilidades, objetivos e interesses dos alunos, assim como dos pesquisadores, laboratórios e grupos de pesquisa que sejam compatíveis com a alocação dos estudantes nos diversos projetos. Na modalidade predominante, a escola pré-seleciona candidatos à Entrevista com os coordenadores da IC/EM e/ou pesquisadores. A segunda modalidade é a composição de comitê gestor, com representantes da IES e da escola para a realização das entrevistas na escola, como nos programas da PUCPR e UFLA. A terceira é realizada pelo pesquisador, como etapa final, prática do PIC Jr (UFMG). Assim, a participação das escolas é diversificada. No Provoc (Fiocruz/RJ), que em 2010 realizou processos seletivos em dezesseis estabelecimentos escolares, em cada um há uma "coordenação específica, responsável pela pré-seleção dos alunos e interação com a coordenação do programa" (Ferreira, 2010, p. 40).

A Análise de Redação é utilizada no processo seletivo do Provoc (Fiocruz-RJ) e, indiretamente, do PIC JR (UFMG), pois solicita carta de apresentação das intenções e objetivos do estudante. Esse Programa é conveniado a três escolas públicas, o COLTEC/UFMG, CMBH e cursos técnicos do IFNMG, cujo ingresso já ocorre por meio de processo seletivo, e para a IC/EM o processo seletivo, ainda que bastante objetivo, favorece jovens que detêm condições para a consolidação da inscrição, como acesso constante à internet, familiaridade com documentos e formulários, habilidades para a redação da carta de apresentação, ou seja, aqueles que detêm maior capital cultural e/ou social (a assistência de familiares e professores, por exemplo), pois os erros nessa etapa determinam a eliminação.

Contrasta bastante o apoio concedido à inscrição do candidato em outros programas (Provoc - Fiocruz/RJ; PIC-OBMEP; BIC Jr - UFLA), que oferecem suporte para o preenchimento correto de formulários e juntada de documentos por meio das escolas conveniadas, coordenações e orientações escritas em linguagem acessível, por exemplo: "Caso você não saiba digitalizar a foto, não se preocupe! Por favor, entregue em papel ao seu coordenador de iniciação científica que ele tomará as devidas providências" (OBMEP, 2014), necessárias muitas vezes em razão do desconhecimento dos alunos sobre as exigências do processo seletivo. Dessa forma, os aspectos da seleção dos estudantes e das escolas conveniadas são fundamentais.

 

Alunos participantes dos programas de IC/EM

Em relação ao conhecimento sobre quem são os jovens que aderem aos programas de IC/EM, não foram encontradas informações sistematizadas sobre a caracterização socioeconômica e demográfica dos alunos. Informações sobre capital cultural, renda familiar, profissão/ocupação dos pais, local de moradia, etnia, não se encontram em conjunto disponíveis no acervo pesquisado. Souza (2005) analisou a escolaridade dos pais como indicador socioeconômico, observando que, em 1997 e 2005, ocorreu no Provoc (Fiocruz/RJ) predominância de estudantes cujos pais têm nível superior completo. O percentual de pais com esse nível de ensino se manteve constante (59% e 59,3%) e o de mães aumentou (50% e 66,1%). A autora também observou predominância branca em reunião de candidatos ao Provoc (Fiocruz/RJ) e entre os selecionados no ano de 2005.

Nesse sentido, na avaliação do impacto da OBMEP no desempenho dos estudantes na Prova Brasil, os autores constataram que aqueles "que se autodeclaram pretos ou pardos têm desempenho inferior aos brancos, mas os pardos têm uma diferença menor" (Soares &Candian, 2010, p. 89). Concluíram que a cor/raça não é um fator que isoladamente influencie o desempenho dos estudantes, mas sim as suas outras características sociodemográficas e das escolas. Isso demonstra a necessidade do esforço conjunto para produzir estratégias de visibilidade dos jovens inseridos nos programas de IC/EM como meio de apresentar uma visão abrangente da realidade do nosso assunto, compondo um quadro histórico-político conceitual da participação dos jovens nesses programas mais orientado pela proposta de inclusão social.

Sobre o gênero, parece ocorrer ingresso majoritário de estudantes do sexo feminino, perfil semelhante ao da IC na graduação, 51% dos bolsistas do PIBIC CNPq, de acordo com Massi e Queiroz (2010). No Provoc, houve predominância feminina em todos os anos entre 1986 e 1996 e do total de participantes até o ano de 2010, 68,5% eram meninas (Ferreira, 2010; Souza, 2005). O perfil da amostra do estudo de Neves (2001) reproduzia o padrão, 70% feminino. Essa tendência de feminilização é rompida somente no PIC-OBMEP, voltado às ciências exatas, no qual os meninos são maioria entre os medalhistas e os recorrentemente premiados. Maranhão (2011) e Souza (2005) recomendam estudos para a compreensão dos determinantes e possíveis intervenções.

Por fim, conforme a NR-017/2006, as bolsas concedidas pelo CNPq no País para a ICJ são destinadas à Rede Pública, porém, as desigualdades relativas à infraestrutura e qualidade do ensino entre os estabelecimentos que a compõem, escolas estaduais típicas, colégios militares e de aplicação, devem ser observadas, pois o acesso de estudantes com determinadas características socioeconômicas e de raça na IC/EM é fortemente determinado pelos convênios das IES e IPqs com determinadas escolas da educação básica.

 

A inclusão dos alunos dos segmentos sociais desfavorecidos nos programas de IC/EM

Foram identificadas estratégias para assegurar o acesso e a permanência dos jovens dos segmentos sociais desfavorecidos: convênio com ONGs que atuam em territórios vulneráveis (Provoc - Fiocruz/RJ); acúmulo da bolsa de IC/EM com bolsas de natureza exclusivamente assistencial (PIC Jr - UFMG); implicação de pesquisadores e laboratórios quanto às especificidades dos jovens em situação de vulnerabilidade social (Provoc - Fiocruz/RJ); oferta de auxílios e oferta de estágio após a conclusão do programa (Rede Nacional de Educação e Ciência - UFRJ).

Essas estratégias evidenciam a importância do pesquisador-orientador para a permanência e o desempenho desses jovens. Embora este estudo não tenha sido orientado para reunir informações sobre o papel dos orientadores, dos preceptores e das instituições que recepcionam os alunos, isso pode ser atestado de forma preliminar e assistemática nos trabalhos consultados, que evidenciam o comprometimento pessoal de determinados professores que mobilizam e tutelam os estudantes, e suas expectativas de retorno positivo para a equipe, a instituição e a própria disciplina (Ferreira, 2003; 2010; Oliveira et al., 2009; Peres et al., 2009; Santos & Abreu, 2011).

Porém, há desafios muito específicos na atividade de orientação na IC/EM, pois a ação voluntária de pesquisadores e laboratórios prescinde dos prerrequisitos tradicionais: "como se faz isso quando se está falando de jovens que, muitas vezes, ingressam num laboratório de química sem nunca terem estudado química na escola?" (Ferreira, 2010, p. 37). Nesse sentido, Neves (2001) discutiu a "pedagogia do laboratório" evidenciando a dimensão social das práticas educativas e a centralidade dos "aprendizes em ação" que seguem pesquisadores e membros dos laboratórios.

A exposição sistemática dos jovens a esses modelos para a aprendizagem de conhecimentos e treinamento de competências e habilidades úteis ao método científico, em outros termos, para a incorporação de determinadas práticas sociais, abarca estudantes muito distintos quanto aos seus modos (de comer, andar, falar, vestir, consumir, entreter...), projetos de futuro e dificuldades associadas às escolhas profissionais. Com base na observação de Souza (2005), o capital cultural objetivado na fluência em línguas estrangeiras e domínio da informática são aspectos facilitadores do processo de orientação, porém, o tempo despendido pelos jovens dos segmentos desfavorecidos, sua postura nas relações sociais e maior disponibilidade para as atividades também constituem fatores favoráveis, pois são percebidos por alguns orientadores do Provoc (Fiocruz/RJ) como não "mimados". Possivelmente, a participação desses jovens nas dificuldades emocionais e financeiras relacionadas à sobrevivência material familiar contribui para essa postura nas relações sociais.

Nesse sentido, a IC/EM antecipa uma problemática historicamente associada ao ingresso no ensino superior, principalmente nos cursos mais prestigiosos: o adiamento da entrada no mercado de trabalho; a construção de uma racionalidade própria do campo científico; sua transmissão aos pares e à família de origem para que possam atribuir sentidos aos percursos formativos e engendrar estratégias de solidariedade. Bernard Lahire (2004) demonstrou que não existe modelo homogêneo para o sucesso escolar das camadas populares. Embora a omissão parental seja um mito, são reais os constrangimentos e as dificuldades das famílias em predizer as exigências dos projetos de escolarização de longo prazo: os onerosos materiais didáticos; imprevistos como doenças e deslocamentos; a frequência a ambientes culturais; etc. Porém, a precariedade do capital cultural favorável ao acúmulo de capital escolar pode ser compensada pela intensa mobilização do capital social familiar.

As três funções básicas do capital social foram descritas por Portes (2000): fonte de apoio familiar; fonte de benefícios por meio de redes extrafamiliares; fonte de controle social. A confiança e a reciprocidade das relações entre os agentes que integram a rede de sociabilidade são fundamentais para a consecução de benefícios, cujos modos de retribuição variam em função de expectativas altruístas e/ou instrumentais dos dadores. Porém, os efeitos negativos devem ser considerados: "exclusão dos não membros, exigências excessivas [...], restrições à liberdade individual e normas de nivelação descendente" (idem, p. 146). Nas trajetórias de escolarização, por meio do controle social exercido, em uma acepção negativa, o capital social familiar pode significar concomitância trabalho-estudo ou evasão escolar. Numa acepção positiva, configura um suporte para o adiamento do ingresso no mercado de trabalho e assunção de compromisso com o percurso formativo. Dessa forma, o apoio familiar constitui um fator favorável para o desempenho escolar desses jovens.

Os programas de IC/EM também outorgam capital social, engendrando rede extrafamiliar fonte de benefícios, principalmente a outorga de capital cultural, favorecendo a ruptura da circularidade dos capitais detidos pelos segmentos desfavorecidos, constituindo-se em espaços de inclusão social. A participação desses jovens maximiza os benefícios da IC/EM, pois minora as desigualdades de formação dos concluintes do ensino médio, favorece o acesso e a permanência no ensino superior, aumenta as chances de recebimento de bolsa de IC na graduação, que tem impacto sobre os estudos pós-graduados (Souza, 2005). É fundamental assegurar o acesso desses jovens às oportunidades de educação científica que ampliam suas condições de possibilidade de escolhas profissionais e podem despertar o seu interesse pelo campo da C&T.

 

Os desdobramentos nas trajetórias biográficas

Os desdobramentos dos programas de IC/EM têm sido analisados empiricamente por meio das perspectivas de estudantes e egressos, construídas em estudos (Braga & Rodrigues, 2005; Moraes et al., 2013; Maranhão, 2011; Oliveira et al., 2009; Paulino & Ribeiro, 2009; Santos & Abreu, 2011; Soares &Candian, 2011; Souza, 2005) acerca das contribuições da IC/EM para a trajetória profissional e pessoal. Na esfera profissional, são questionadas expectativas e/ou atitudes em relação à escolha das carreiras e ensino superior, discutindo-se a (des)continuidade em relação ao desenvolvimento de atividades de pesquisa e à área de inserção na IC/EM por meio do interesse e/ou consecução de bolsas de IC na graduação e estudos pós-graduados. Na esfera pessoal, os ganhos relativos à maturidade por meio de atitudes e valores de regulação do próprio comportamento e das relações interpessoais.

Esses estudos evidenciam que os programas de IC/EM, repercutem sobre a maturidade e escolhas profissionais e de carreira dos jovens. A maturidade é definida, predominantemente como autocentrada, percebida por mudanças subjetivas relacionadas à dimensão emocional: autoconfiança; autonomia; responsabilidade; disciplina; organização; senso-crítico; controle das emoções; melhoria nas relações interpessoais. Assim como por mudanças na dimensão cognitiva, por meio da apreensão do método científico (desenvolver disciplina; formular hipóteses; estabelecer objetivos; definir procedimentos; coletar dados; realizar tratamento dos dados; análise e avaliação de resultados) e da divulgação científica (redigir relatórios; sistematizar informações; comunicar processos e resultados), que contribuem para a resolução de problemas nas diferentes esferas da vida. Percepção menos frequente nas perspectivas de estudantes e egressos são os ganhos relacionados às ações coletivas (informação; participação; tomada de decisão), considerados agentes próximos como familiares e professores. Com relação às escolhas profissionais e de carreira, predomina a percepção de que a IC/EM contribui para a definição do curso superior, corroborando escolhas prévias ou instituindo novas possibilidades. A maioria dos estudantes que opta pela continuidade dos estudos na mesma área da atividade de IC/EM se insere em ambientes formais de pesquisa (Braga & Rodrigues, 2005; Maranhão, 2011; Moraes et al., 2013; Oliveira et al., 2009; Paulino & Ribeiro, 2009; Santos & Abreu, 2011; Souza, 2005).

A Figura 4 descreve e relaciona esses desdobramentos por meio da representação esquemática dos processos como percebidos pelos jovens, para os quais a participação em programas de IC/EM está associada de modo positivo aos projetos futuros, balizados por expectativas em relação ao mercado de trabalho. A educação científica e a inclusão social promovem ganhos relativos à maturidade, nas três modalidades descritas, quer em uma perspectiva de continuidade ou descontinuidade das atividades de pesquisa nos percursos biográficos. Não foram encontradas informações sobre os estudantes cuja escolarização foi, ou será interrompida. Estes estão representados como inseridos no mercado de trabalho, estejam empregados ou não. A linha contínua representa trajetórias possíveis nas perspectivas dos estudantes e egressos associadas à participação em programas de IC/EM. O tracejado enfatiza a interdependência entre as contribuições da IC/EM para a trajetória profissional e pessoal dos jovens.

 

Considerações finais

Este artigo levou a cabo, de forma descritiva e exploratória, a caracterização dos programas de IC/EM como uma ação expressiva das políticas públicas de educação científica para a inclusão social das juventudes brasileiras, em expansão por meio da adesão criativa e voluntária de pesquisadores alocados em instituições de ensino superior e pesquisa em todos os estados. Esses programas antecipam as ações desenvolvidas no âmbito da educação básica, que começa a se organizar para a inclusão da iniciação científica como elemento estruturante do currículo, e podem constituir fonte de inspiração para o desenvolvimento desses processos nos estabelecimentos escolares. Além disso, têm aproximado instituições dos diferentes níveis de escolarização e seus agentes, criando, possivelmente, espaços para trocas e oportunidades de novos projetos.

O artigo evidenciou a necessidade de caracterização do universo beneficiado com relação à origem socioeconômica, à etnia e ao gênero dos estudantes, corroborando também a importância da construção de critérios objetivos contra a possível reprodução de desigualdades associadas aos estabelecimentos escolares da rede pública e padrões de gênero. Apesar dessas limitações, foram identificadas estratégias específicas, embora locais, para a educação científica para a inclusão social de jovens dos segmentos sociais desfavorecidos, focadas na garantia de seu acesso, por meio de convênios com instituições estabelecidas em territórios vulneráveis, assim como de sua permanência, por meio da oferta de auxílios para transporte, alimentação e outros, e perspectivas de continuidade após a conclusão para a garantia do acesso ao ensino superior e, portanto, para a qualidade dos concluintes do ensino médio.

O artigo evidenciou que os programas de IC/EM estão baseados em propostas pedagógicas diversas do ensino regular e tradicional por configurarem o laboratório, grupos e núcleos de pesquisa como espaços de formação de jovens ainda matriculados na educação básica, facultando o contato com teorias e práticas até então reservadas ao ensino superior. O jovem acessa primeiro a cozinha da pesquisa, como colocado por Howard S. Becker (2007), lugar no qual os conhecimentos científicos estão sendo produzidos, questionados, validados. Isso recobre de outros matizes sua percepção e compreensão do universo da ciência e dos cientistas, humanizados, politizados. Assim, "algumas generalizações próprias de uma imagem esotérica da ciência são enfraquecidas" (Neves, 2001, p. 92), pois "a prática ensina, informa e forma o aluno" (Ferreira, 2003, p.122).

Objetos desidealizados de identificação, esses agentes compartilham nesse espaço social um ethos. Suas relações são marcadas por acordos sociais incorporados cuja lógica não está escrita, mas se inscreve nos sujeitos e cabe ao jovem incorporá-las. Para os jovens dos segmentos sociais desfavorecidos, que não conhecem ou dominam o uso da tecnologia ou da informática, que não são proficientes, ou tampouco sabem alguma língua estrangeira, que não detêm, ou detêm conhecimentos precários, quanto ao universo dos cursos universitários e das carreiras profissionais, como observado por Peres, Araripe e Braga (2009), esses processos socializadores resguardam especificidades que devem ser compreendidas. Este é o principal resultado do presente trabalho: o estudo dos desdobramentos da participação nesses programas, nas trajetórias de jovens dos segmentos sociais desfavorecidos, que reportem a experiências, descrevam fatos e eventos relevantes, levantem desafios e possam fazer sugestões, em uma clara demonstração da importância da inclusão social de jovens em nossa breve história já acumulada dos programas de IC/EM.

 

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Recebido em: 09/08/2014
Reformulado em: 26/12/2014
Aprovado em: 06/04/2015

 

 

1 O artigo é parte da tese de doutorado da primeira autora, intitulada "Iniciação Científica no Ensino Médio: a educação científica e as disposições sociais de jovens dos segmentos desfavorecidos", desenvolvida no Programa de Pós-Graduação EICOS do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que contou com auxílio parcial da Capes.

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