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Pesquisas e Práticas Psicossociais

On-line version ISSN 1809-8908

Pesqui. prát. psicossociais vol.11 no.1 São João del-Rei Jan./Apr. 2016

 

Da base da pirâmide social à "elite" do sistema: um estudo de caso sobre as diversas incursões de uma mulher negra, nordestina e militante

 

Of the base of social pyramid to the "elite" of the system: a case study about the various incursions of a black woman, northeastern and militant

 

De la base de la pirâmide social hasta la "elite" del sistema: un estudio de caso sobre las diversas incursiones de una mujer de negra, del noreste y militante

 

 

Sheila Ferreira Miranda

Psicóloga, mestre em Psicologia, Doutora em Psicologia Social pela PUC/SP e membro do NEPIM - Núcleo de Estudos e Pesquisas Identidade-Metamorfose. Atualmente, Professora Adjunta pela UFSJ e Editora da Revista Pesquisas e Práticas Psicossociais. E-mail para correspondência: sheilaze@gmail.com

 

 


RESUMO

Este trabalho buscou compreender a incidência do viés racial e suas interseccionalidades a partir da construção metodológica de uma história oral de vida, visando descrever e analisar a conformação e os sentidos tomados pelo processo identitário de uma mulher negra, professora universitária e de origem pobre. Dandara, nosso sujeito emblemático, encontra muitos empecilhos para realizar seu projeto, ao longo de sua história. Neste ínterim, a interseccionalidade gênero-raça-pobreza pode ser considerada fator determinante às diversas barreiras enfrentadas por nossa colaboradora ao seu processo de emancipação. Porém, cabe demarcarmos que a incidência da questão racial não pode ser eclipsada ou diluída pelos demais fatores, pois ela representa, de forma ativa, uma variável relevante que, ao longo dos séculos, instituiu o aprisionamento do contingente aos estratos sociais inferiores do sistema brasileiro.

Palavras chave: autonomia; interseccionalidades; negros; professores universitários.


ABSTRACT

This study aimed to understand the impact of racial bias and its intersectionalities from the methodological construction of an oral history of life, aiming to describe and analyze the conformation and senses of identity process taken by a black woman, university professor and poor backgrounds. Dandara, our emblematic subject, finds many obstacles to realize his project, throughout its history. In the interim, intersectionality gender-race-poverty can be considered a determinant factor in the various barriers faced by our collaborator their process of emancipation. However, it should stake out that the incidence of racial issue can not be eclipsed or diluted by other factors because it represents the active form, a relevant variable that over the centuries, instituted the imprisonment of the contingent to the lower strata of the Brazilian system.

Keywords: autonomy; intersectionalities; blacks; university professors.


RESUMEN

Este studio tuvo como objetivo comprender el impacto de la cuestión racial y sus interseccionalidades desde la construcción metodológica de una historia oral de la vida, con el objetivo de describir y analizar la conformación y sentidos del proceso de identidad adoptada por una mujer negra, profesora universitaria de origen humilde. Dandara, nuestro individuo emblemático, encuentra muchos obstáculos para hacer realidad su proyecto, a lo largo de su historia. En este contexto, la interseccionalidad de género-raza-la pobreza se puede considerar un factor determinante en las diversas barreras que enfrentan nuestro colaborador su proceso de emancipación. Sin embargo, se debe replantear que la incidencia de la cuestión racial no puede ser eclipsado o diluido por otros factores, ya que representa la forma activa, una variable relevante que durante los siglos, instituyó el encarcelamiento del contingente a los estratos más inferiores del sistema brasileño.

Palabras clave: autonomía; interseccionalidades; negros; docentes universitarios.


 

 

Introduzindo....da literatura aos aportes teóricos e metodológicos

Para compreendermos a atual conjuntura da comunidade intelectual negra feminina brasileira, precisamos nos amparar na discussão das chagas do racismo no sistema educacional do país e a localização destas mulheres na comunidade acadêmica contemporânea.

Nesse contexto, os sujeitos negros brasileiros, independentemente do viés de gênero, carregam historicamente ressonâncias de um passado de opressão e inacessibilidade aos campos de saber e poder legitimados pelo âmbito social. De forma que a definição inferiorizante acerca da sua intelectualidade ainda perdura e a ideia de raça conserva-se no imaginário como conceito que ratifica e naturaliza a condição histórica de privilégios que estratificam a população brasileira (Lima, 2001).

Ao buscarmos pesquisas específicas sobre a representatividade da mulher negra no contexto acadêmico brasileiro, até o ano de 2009 não encontramos nenhum estudo quantitativo sequer, assim como Pinto (2007), Crisóstomo e Reigota (2010). Apenas ao final do ano de 2010 surgem dados esparsos na literatura, alguns deles apoiados nos indicadores do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes) e Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Estes trabalhos sugerem que, de um total de 63.234 docentes universitários brasileiros, apenas 251 são mulheres negras, conforme Silva (2010). Portanto, a partir desses dados (ou de sua subnotificação) compreendemos que a interseccionalidade mostra sua face mais cruel, trazendo impactos negativos às vidas dessas mulheres. A questão de gênero é sim um grande complicador, mas somada à raça se complexifica num tal nível que a própria sociedade de pesquisadores brasileiros ainda invisibiliza esta população, inclusive na produção de dados estatísticos.

No contexto de nosso trabalho, a interseccionalidade diz respeito à forma pela qual as relações de raça são atravessadas por outras situações que trazem à tona intolerâncias correlatas, ou seja, a intersecção do racismo a diferentes características minoritárias tais como a pobreza e gênero, produzindo intensificações às contingências de vulnerabilidade dos indivíduos atingidos (Blackwell & Naber, 2002).

Já em relação ao aporte teórico utilizado, a abordagem está baseada nos estudos de Ciampa (1987; 1999; 2002; 2003). A tese da identidade-metamorfose (Ciampa, 1987), se atualiza nos textos posteriores a 1999, nos quais o autor sinaliza que a simples descrição da configuração da identidade social como processo de metamorfose humana já não é mais suficiente para realizarmos análises dos acontecimentos contemporâneos. Neste ínterim, além da configuração da identidade como metamorfose e seus processos de re-posição e mudança, conformados através da construção de papéis e diferentes personagens edificados pelos sujeitos, Ciampa (1999) integra à discussão teórica o sintagma identidade-metamorfose-emancipação, apontando a necessidade de superação das existências heterônomas ao mesmo tempo em que institui uma leitura sobre o fenômeno que perpassa tanto seu sentido ético quanto sua natureza política.

Temos então que o sentido da metamorfose, captado de maneira compreensiva, nos permite analisar o processo identitário como uma luta pela dignidade da vida humana, uma incansável busca pela emancipação que nos humanize. A emancipação apresenta-se então como possibilidade desejável, dando o sentido ético das identidades, de forma que este projeto só poderá ser concretizado através de ações políticas (Ciampa, 2003). Ainda, quando os indivíduos e coletividades são impelidos por forças coercitivas (de ordem subjetiva e/ou objetiva) que impedem a realização de seus projetos e ações, a metamorfose pode se inverter em desumanização. Assim, os sentidos possíveis do processo identitário, se correlacionam a um conflito entre autonomia e heteronomia, entre a pretensão de uma vida que faça sentido, concretizada através da efetivação de uma ação política e a coisificação dos indivíduos.

Com base nestes pressupostos teóricos, o presente texto trata de um recorte analítico de uma pesquisa de Doutoramento mais ampla intitulada: "Negros, profissionais e acadêmicos, sentidos identitários e os efeitos do discurso ideológico do mérito" (Miranda, 2013), que buscou compreender a incidência do viés racial e suas vicissitudes nos sentidos identitários de professores universitários negros do país. Para tanto, a coleta de dados1 se baseou no trabalho da história oral de vida de colaboradores2.

Consideramos que o aporte da história oral é meio privilegiado para as análises que remetem a construções de significados, pelo fato de propiciar aos sujeitos uma experiência de revitalização: processo que toma o caráter de re-criação e re-leitura do próprio universo simbólico, na medida em que os entrevistados, ao narrarem sua versão dos fatos, expressam o próprio ponto de vista sobre o passado a partir do presente, como forma de buscar uma continuidade em relação aos acontecimentos pretéritos, através da ressignificação das próprias vivências subjetivas (Bosi, 1987). Cabe explicitarmos também a essencialidade da memória na construção de identidades, pois a constituição da autoimagem passa por transformações e conflitos com o contexto social, afinal de contas, "a construção da identidade é um fenômeno que se produz em referência aos outros, em referência aos critérios de aceitabilidade, de admissibilidade e que se faz por meio da negociação direta com os outros" (Pollak, 1992, p. 05).

O foco deste texto residiu, portanto, em compreender, a partir de uma Psicologia Social Crítica, tendo como suporte a Teoria da Identidade3 (Ciampa, 1987; 1999; 2002; 2003), a incidência do viés racial e suas interseccionalidades, a partir da construção metodológica da história oral de vida, visando descrever e analisar a conformação e os sentidos tomados pelo processo identitário de uma mulher negra e de origem pobre, perante os bloqueios sociais e os ditames normativos do sistema, em contraposição ao mundo da vida (Habermas, 2002).

Sendo o núcleo analítico das pesquisas habermasianas a orientação para a emancipação e nossa principal referência na construção da Teoria da Identidade, nos propomos a sintetizar dados empíricos que contemplem tanto as estruturas de dominação quanto os processos de superação desta mesma realidade (Saavedra, 2007), dando um enfoque mais preciso e pontual à condição de sujeito emblemático: um sujeito que carregue em suas experiências potencialidades emancipatórias, ou seja, um indivíduo potencialmente representativo de uma comunidade de destino que, a partir de um determinado referencial de papéis (assentado sob os pressupostos e objetivos da referida pesquisa), edifica personagens que constroem novos sentidos de existência.

Especificamente nesta produção, selecionamos a discussão da história de Dandara: mulher, de origem pobre, negra e professora universitária. Esta personagem múltipla nos conduz à leitura das interseccionalidades, como trabalho necessário à compreensão do nível de complexidade do objeto e do âmbito de pesquisa. Vejamos as reflexões e articulações teóricas conduzidas pelos trabalhos da memória.

 

Da infância à adolescência: a construção da identidade perante atribuições de exclusão

Dandara é uma mulher fenotipicamente mestiça, 53 anos, que leciona em duas universidades mercantis de massa do país. Mulher de presença marcante, sua aparência física, de imediato, nos suscita os "signos da militância". Notemos como ela se apresenta:

Eu sou a mais velha de onze filhos da minha mãe [de origem nordestina], mulher aparentemente branca, de cabelo preto liso, liso, liso, muito liso e meu pai é negro e preto de cor de pele, marrom de cor de pele (...) Eu tinha três anos quando nós viemos com dois filhos, ficamos uns quatro, cinco anos, depois voltamos; aí viemos no pau-de-arara, depois a gente voltou para o nordeste, ficamos mais uns três anos. Ela [refere-se à mãe] teve mais um tanto de filhos e depois voltou para cá e teve mais um tanto de filhos, então ela fez como várias famílias de nordestinos fazem e com isso, imagina a nossa vida de desenraizamento (...) documentos que se perderam, documentos e anos de instrução (...).

Já no sudeste, as vivências difíceis fazem com que Dandara, muito cedo, tenha que aprender a lidar com o estigma da pobreza e conviver cotidianamente com situações explícitas de desigualdade social:

Quando eu tinha mais ou menos, acho que 13 anos... a gente morava num morro e ia ter uma chuva, a pedra ia cair, ameaçou cair, era a nossa casa, tinha outra casa que era alugada também e o dono das duas casas morava lá também. As duas famílias de inquilinos foram morar seis meses no colégio... e aí eu me lembro da época de estudante, saindo da sala de aula e os colegas indo embora, os colegas indo embora e eu indo para outra sala onde eu morava. Eu me lembro desses problemas que aconteceram e que me forjaram, forjaram o que eu sou hoje, os problemas que eu tenho hoje ainda, por conta dessa condição, por que o que é para uma jovem, para uma pré-adolescente, morar no mesmo lugar em que estuda, tendo as amiguinhas? E eu tinha uma amiguinha que morava em uma casa, que tinha metade do tamanho da escola.

Nossa colaboradora "sente na pele" a incidência da desigualdade. E esta experiência negativa é tão marcante que terá fortes ressonâncias em sua vida: "Isso me marcou bastante, essa minha relação com as amigas, essa minha relação de perder a casa, de me sentir... eu sentia vergonha, provavelmente eu sentia vergonha da minha situação."

Dandara sente vergonha da própria situação diante das amiguinhas, porque, naquele momento, o contexto de desigualdade é tão violento que a depoente não consegue compreender sua dimensão. A abjeção perante a qual sua família foi exposta restringe suas possibilidades de existência, espolia o seu direito à dignidade e questiona sua condição humana:

Bom, aí nós mudamos de (cidade) e moramos em muitas casas, com ajuda de pessoas e uma coisa muito ruim dessa época da escola, era que todo começo de ano a gente ganhava uniforme, ganhava material escolar; É HORRÍVEL ISSO, É PÉSSIMO, por que... Você sente que é aquele que recebe a assistência e assistência é diferente de solidariedade, é diferente de você se sentir de direito... Hoje eu elaboro isso e esse é um grande problema para mim ...o quanto o assistencialismo fez e faz mal à formação das pessoas, o quanto a assistência faz mal.

De acordo com Rocha (1999), o princípio da dignidade da pessoa humana, matriz fundamental de qualquer proposta contemporânea de Estado Democrático, significa a garantia da integridade e inviolabilidade do homem que transcende a dimensão física, de forma que tais atributos são tomados também em todas as suas dimensões existenciais. Igualmente, os objetivos do Estado nacional devem ser

Voltados à dignificação do homem, com a definição de imperiosa observância de políticas públicas que erradiquem no Brasil condições indignas que se põem a nu pela desigualdade social, econômica, regional, pela pobreza e miséria que aviltam e envergonham os que nessa situação se encontram (Rocha, 1999, p. 32).

Entretanto, sabemos da ambiguidade e porosidade do sistema brasileiro, de maneira que as propostas constitucionais revelam-se muitas vezes, permeáveis, produzindo categorias de sujeitos excluídos:

O Brasil está distante da realidade de um limitado contingente de pobres, restrito a certos territórios ou a situações sociais específicas. Riqueza e pobreza convivem, interagem e, de certo modo, complementam-se ... Somos desiguais, convivemos com a desigualdade e o fazemos com um certo desleixo, em um processo de naturalização da pobreza, mesmo quando ela atinge proporções extremas e abjetas, como ocorre nesse país (Theodoro, 2008, p. 79-80).

O princípio da dignidade humana cohabita com práticas que despojam os sujeitos dos seus direitos, faz com que eles se sintam renegados pela sociedade, envergonhados de si mesmos e anulem-se como cidadãos (Rocha,1999), são práticas que autenticam o esmigalhamento das formas de solidariedade (Habermas, 2005).

E é justamente esta a reflexão de nossa colaboradora sobre a situação de miséria por ela vivenciada: "Você sente que é aquele que recebe a assistência e assistência é diferente de solidariedade, é diferente de você se sentir de direito." Para Dandara, a política assistencialista governamental (configurada, nesse contexto específico, pelas medidas de "acolhimento" da família na escola e do fornecimento dos uniformes e material escolar) configurou-se como mais uma forma de desumanização, pois, ao invés de atuar no sentido de equiparar e dignificar as condições de sua família, fornecendo-lhes meios para saírem da situação de miséria, proporcionou-lhes uma conjuntura de dependência, que desencadeou, perante o contexto social, sentimentos de vergonha e aviltamento.

Ainda em acordo com Rocha (1999, p. 30), "toda forma de aviltamento ou de degradação do ser humano é injusta. Toda injustiça é indigna e sendo assim, desumana". Dessa forma, as políticas públicas inclusivas são tamponadas ideologicamente por obras de cunho assistencialista, estabelecendo um sistema de desigualdades baseado nos princípios neoliberais (Rocha, 1999), de acordo com os quais o dinheiro e o poder, a monetarização e burocratização "criam direitos" que se reproduzem no interior da sociedade, invadindo, portanto, o mundo da vida e transformando os códigos emancipatórios de conduta em formas unilaterais de existência (Habermas, 2005; Repa, 2008). A pretensa inclusão é excludente e produzida à custa do seu avesso, porque todo aquele que não atende a fins utilitários é condenado a uma existência sub-humana.

Desse modo, no contexto da infância, Dandara aprende que sua condição minoritária determina o tratamento diferencial ao qual é submetida: ela constrói sua identidade perante a atribuição da exclusão, pois as políticas de identidade hegemônicas (Ciampa, 2003; Almeida, 2005), representadas pelas determinações do contexto societário nesse momento, acabam cerceando sua realidade simbólica (Habermas, 1983; 2002).

 

Vicissitudes da metamorfose: a empregada doméstica que se transforma em líder política

Dandara estudou num mesmo colégio durante todo o ensino fundamental. Aos 16 anos, ela vai trabalhar como empregada doméstica, profissão que era e continua sendo, uma das poucas opções para mulheres negras brasileiras com baixos níveis de educação formal: "Eu nem quero falar muito porque é muito complicada essa coisa de você estar trabalhando para uma jovem da mesma idade, eu trabalhava em uma casa que tinha quatro jovens e que todos faziam universidade".

As suposições sexistas de que as mulheres sejam encaradas como "cuidadoras" ainda sustentam as desigualdades no contexto laboral brasileiro, de forma que o trabalho doméstico é culturalmente definido como o "lugar da mulher", dona-de-casa, esposa e mãe (Pinto, 2006). Em relação às mulheres pobres e negras a dificuldade de inserção no mercado de trabalho é ainda estatisticamente maior (Abramo, 2006), pois sofrem a dupla incidência do preconceito, uma vez que sua imagem acaba sendo associada à ideia de "mãe preta" (Hooks, 1995).

Como resultado, a condição racial associa-se à intersecção do gênero e da realidade socioeconômica desfavorável na vida de Dandara. Essa interseccionalidade (Blackwell & Naber, 2002) tem efeitos tão violentos, que durante muitos anos irá restringi-la à base da pirâmide do sistema socioeconômico brasileiro (Abramo, 2006; Pinto, 2007), constituindo um conjunto de fatores estigmatizantes que acabam determinando os limites do seu pertencimento ao sistema societário: a única opção vislumbrada é então, tornar-se empregada doméstica.

A situação de conviver com meninas da mesma idade, que diferentemente dela, "tinham tempo para estudar, ler, ouvir música e já estavam matriculadas na universidade", causava-lhe revolta e tristeza. Aqui, a condição de exclusão apreendida na infância se re-edita na vida adulta, de forma que nossa colaboradora acaba sendo encarcerada por pressões externas, constrangida a assumir mais uma vez, um projeto coercitivo de existência (Ciampa, 2003) .

Contudo, não podemos nos esquecer de que esta condição de mesmice - e mais especificamente, no caso de Dandara, uma "mesmice imposta" (Ciampa, 1987) - apenas nos confirma a ilusão de substancialidade. Decerto, nossa colaboradora não paralisa seu processo identificatório, ela é coagida pelos ditames externos a se re-apresentar de acordo com o que lhe foi prescrito e nessa condição, a "representação do mesmo" advém em conflito com sua aspiração por alterizar-se, obstada pelo contexto das imposições externas.

No caso de Dandara, o contato direto com as desigualdades e seus efeitos tornam nossa depoente uma pessoa revoltada, que passa a buscar uma "fuga" para a condição de pobreza. É nesse momento que ela conhece o trabalho da Pastoral da Juventude:

Eu comecei a querer fugir da casa da minha mãe, daquela pobreza, porque por muito tempo a gente passou fome... E aí eu queria fugir disso, eu fugi na Pastoral da Juventude, eu me lembro de que eu dormia muito na casa das minhas amigas da pastoral.

Com o passar do tempo, seu engajamento aos trabalhos da pastoral convertem a revolta em questionamentos profícuos. Dandara, além de criar uma rede social, passa a buscar oportunidades para compreender as desigualdades:

Eu comecei a participar da Pastoral de Juventude da Igreja Católica, isso foi muito bom, por que aí eu comecei a construir uma rede de pessoas, de amigos, de coisas mais continuadas que eu ainda tenho referências até hoje ...e a gente construiu um grupo relacionando a questão da religião com a questão da pobreza, era um grupo no qual eu virei coordenadora, virei liderança.

E Dandara, ao mesmo tempo em que trabalha como empregada doméstica para ajudar a sustentar a família, exerce o papel de liderança na igreja católica. São dois personagens vivenciados ao mesmo tempo, que indicam sentidos diferentes, de forma que o conflito se externaliza no âmbito representacional e acaba constituindo um dilema: a empregada doméstica, "domesticada" pelos limites impostos versus a liderança que reivindica transformações para a própria vida e para o entorno. Com o passar dos anos, ela encontra apoio em uma das casas na qual presta serviços:

E foi nessa casa que também houve um salto na minha vida. Eu fui a última empregada da P. e ela foi a minha última patroa, na verdade, de qualquer pessoa, por que depois de mim ela não quis ter mais empregada doméstica, a gente discutia muito estas questões ... nós nos tornamos amigas.

Esse apoio torna-se crucial na vida de Dandara. A patroa-amiga incentiva nossa colaboradora a realizar seus sonhos e lidar com seu dilema de forma positiva. Ela passa a buscar novas possibilidades de trabalho na igreja católica, criar novas alternativas para desenvolver trabalhos sociais:

Bom, comecei então a trabalhar com grupos de periferia e nesses grupos de periferia a gente fez muitas atividades de mulheres ... Então, tínhamos grupos sobre sexualidade, mas muito ingênuos, muito ingênuos; a gente não discutia aborto, CLARO, ERA DENTRO DA IGREJA! Mas minha formação na igreja se deu no movimento de mulheres no Brasil, por isso a dificuldade de trabalhar certas questões... do próprio movimento de mulheres. A gente juntava as mulheres e não queríamos que elas ficassem ali nos bordadinhos não, queríamos que elas aprendessem mais do que aquelas tarefas que elas entendiam como o destino das mulheres.

Juntamente com sua patroa-amiga, Dandara desenvolve vários trabalhos comunitários e sociais. Mas num determinado momento, os rumos tomados pelas discussões no grupo católico transpõem os limites do contexto religioso, entrando em choque com o universo de convicções disseminado pela igreja. Os debates tornam-se politicamente consistentes, de forma que o grupo de Dandara começa a questionar "por dentro" as próprias regras de atuação da igreja católica:

Olha, eu já estava tão empoderada, que a gente começou a questionar o bispo, porque queria que a igreja se envolvesse mais com a questão dos pobres... E a gente acabou rachando com a igreja e saindo na década de 80, saímos todos da igreja eu acabei fundando o (partido de esquerda) na (cidade em que residia).

O grupo de "companheiros e companheiras", agora cindido com a igreja católica, passa a ser responsável pela organização de uma entidade de mulheres, movimentos contra a carestia e movimentos de solidariedade aos trabalhadores.

Dandara, líder dos trabalhos sociais na igreja, transforma-se em líder política, pois suas aspirações não mais cabiam dentro do universo dos trabalhos comunitários religiosos: ela queria mais, ela queria mudar a própria realidade e também "mudar o mundo". E ela também contribui para a mudança de sua patroa-amiga, que passa a ser mais amiga do que patroa: "Ela me ajudou a colocar a primeira prótese, ela me ajudou no dentista, ela me ajudou a pagar a datilografia, me ajudou no primeiro emprego numa igreja como secretária".

Ocorre que os trabalhos sociais na vida de ambas as mulheres ampliaram tanto seu universo crítico que o "dilema de personagens" na vida de Dandara também se tornou um dilema na vida da patroa-amiga: como é possível assumirmos uma conivência com a opressão sexista e socioeconômica da sociedade atual, sustentando a existência do personagem empregada doméstica, se agora nossos trabalhos giram em torno da discussão do movimento socialista e feminista?

Dandara então começa a discutir pautas que perpassam a agenda dos movimentos sociais com a sua patroa-amiga e com o apoio dela, nossa colaboradora deixa de ser empregada doméstica. Seu projeto emancipatório torna-se realidade porque ela é re-conhecida em suas pretensões pela patroa-amiga, de forma que a força da fala argumentativa cria condições práticas ao entendimento e à criação de uma solução consensual para ambas (Habermas, 2002): a personagem "patroa" deixa de existir simultaneamente à personagem "empregada doméstica". E as amigas, continuam amigas.

A personagem líder política finalmente vence o dilema na existência de Dandara. Agora sim! Nossa depoente pode dedicar-se "de corpo e alma" ao seu projeto emancipatório:

Eu era entrevistada pela imprensa, eu fiz discurso em praça pública, eu levei (uma figura política importante) para fazer discurso, eu fui à primeira filiada do (partido), jornalistas iam me entrevistar .. foi um momento bom para mim, porque eu atuei e me obrigou a estudar, me obrigou a dar um salto, uma certa autonomia de pensar as coisas por mim mesma.

É o primeiro de muitos "saltos" qualitativos na experiência de vida de nossa depoente. Dandara "aprende a estudar", os estudos viabilizam reflexões, atuam como dispositivos que geram possibilidades de "pensar as coisas" e pensar com autonomia. Ela não aprende a estudar no âmbito formal da escola, ela aprende a estudar para dar consistência às suas ações políticas. Na verdade, nossa colaboradora conscientiza-se (Lane, 1984) ao mesmo tempo em que se torna uma ativista política e militante orgânica dos movimentos sociais. E esse processo de metamorfose (Ciampa, 1987) suscita uma transformação de sentido em sua construção identitária (Ciampa, 2003), de forma que a revolta perante as desigualdades sociais transmuta-se em projeto emancipatório de vida.

 

Os dilemas de uma estudante de assistência social que queria "mudar o mundo"

A metamorfose na vida de Dandara proporciona reflexões que fazem com que ela se localize no cenário político brasileiro. Ela se torna militante socialista e feminista, processo que possibilita a incorporação de uma ética ancorada à agenda destes movimentos sociais. E seu envolvimento político é tão intenso que ela decide candidatar-se à prefeita no início da década de 80:

Eu saí candidata, saí candidata à prefeita em (início da década de 80), mas aí ... O PESSOAL DE LÁ NÃO ADMITIA: COMO UMA JOVEM VAI SER PREFEITA E O VICE VAI SER UM HOMEM, UM SINDICALISTA? Então, cancelaram a assembleia que fizemos e mudaram a data, me colocaram como candidata à vereadora e mesmo assim, sem fazer campanha, fiquei como primeira suplente.

O nível de conscientização de Dandara faz com que ela assuma, a partir do lugar em que está inserida, uma leitura crítica sobre a própria realidade, ancorada no reconhecimento da falácia da visão universalizante de mulher e dos privilégios concedidos pelas desigualdades de classe. Vejamos que estamos no início da década de 80 do século passado e sua crítica já remete a uma sociedade patriarcal que naturaliza ideias sobre os papéis impostos a homens e mulheres, tornando evidentes as desigualdades significativas entre ambos no acesso ao poder (Carneiro, 2003).

Em acordo com Ferreira (2004) somente a partir do final da década de 1980 o quadro de exclusão das mulheres na democracia representativa brasileira se modifica, tanto em virtude do crescimento industrial e de sua inserção nos cursos superiores, quanto do processo de redemocratização do país. Ainda para a mesma autora, "Esses fatos contribuem, para ampliar a participação da mulher nas esferas de poder, encorajando-as, também, a organizarem-se politicamente, o que revela a importância dos movimentos de mulheres nesse processo (Ferreira, 2004, s/p)".

A leitura crítica de Dandara acerca das relações de gênero no contexto político da época demonstra o espectro de uma mulher à frente do seu tempo por influência de seu engajamento ao movimento feminista: basta lembrarmos que apenas em 1995 foi instituída a primeira Lei de Cotas (9.100/95) para ocupação feminina de cargos legislativos e executivos, proposta pela então deputada federal Marta Suplicy (Ferreira, 2004).

E mesmo com o veto sexista de sua candidatura à prefeita, Dandara se candidata à vereadora. Ela fica como primeira suplente sem fazer campanha e decide dedicar-se à organização dos trabalhos sociais voltados à população carente. A identificação com o "povo pobre" conduz a depoente a uma busca pela compreensão formal sobre esta temática. E com a ajuda e o incentivo da (ex)patroa-amiga ela decide fazer o curso de serviço social:

Decidimos fazer faculdade juntas... Aí nós fomos fazer serviço social para mudar o mundo ...e eu vivi intensamente, participei de todos os processos acadêmicos porque eu sou militante política, não é? ... carregava panfletos, levava de ônibus... Então eu vivi a história de alteração (refere-se ao partido político), no final do século, de 78, 79, 80, eu vivi tudo isso no Brasil.

Dandara quer "mudar o mundo". Ela tem sede de saber. Ela quer transformar seu conhecimento de militante em conhecimento acadêmico-militante. Entretanto, a condição minoritária torna-se, mais uma vez, um impedimento à consecução de suas aspirações:

A gente fez serviço social e no primeiro ano o curso foi pago por um conjunto de pessoas da igreja católica, amigos da P... Pagaram um ano e no outro ano eu entrei no FIES e no terceiro ano, eu, até o meio do ano fiz sem pagar e no meio do ano, faltava meio semestre, eu tinha que pagar e não tinha dinheiro, abandonei o curso... E por muito tempo eu me enganei, eu disse que eu abandonei o curso porque eu não queria mais ser assistente social, aí depois eu fui assumindo: - Não, eu larguei porque eu não tinha dinheiro, porque se eu tivesse dinheiro, eu faltava, militava no momento estudantil, mas terminava o curso.

A (ex) patroa-amiga se forma e Dandara, não. Ela se decepciona tanto, que por muitos anos não consegue admitir que foram as condições materiais que a impediram de terminar o curso de assistência social. E tempos depois de largar o curso, nossa colaboradora conhece M.:

Eu abandonei o curso e conheci o M., conheci o M. em 84. Outra mudança na minha vida porque ele é de origem pobre também, a mãe é costureira e o pai caminhoneiro, só que é de uma família de descendente de imigrantes. E aí a gente se conheceu no (partido) fomos ficando juntos e fizemos um filho, fomos ficando juntos, fizemos outro filho... com cinco anos nós assumimos que estávamos juntos.

A partir daí, seu casamento inter-racial torna-se motivo de questionamentos constantes:

Bom e aí eu fui militante, já tinha ido para (cidade do interior do sudeste) e lá eu descobri uma coisa que eu não tinha descoberto, que eu não tinha entendido, que eu nunca tinha pensado. As pessoas batiam na porta e perguntavam para mim se a patroa estava... E os meus filhos nasceram muito claros, de cabelos encaracolados, então me perguntaram, eu lembro ainda no (supermercado) indo com os meninos e as pessoas perguntavam se eu era babá. E eu não via os negros nessa cidade... e eu morava num lugar próximo ao centro, local de classe média baixa, mas classe média.

É a primeira vez que Dandara se atenta para a questão racial, embora na condição de militante, ela sempre tenha se identificado com categorias minoritárias. Antes, pelo fato de não frequentar espaços sociais de classe média, sua identificação racial era "diluída" e "escamoteada" pela forte condição de pobreza. No esforço de se afastar de toda uma circunstância de exclusão, Dandara se aliena na qualidade de mulata: a mestiça de negro com branco, que dependendo de sua aparência física e situação social, ora pode ser considerada branca, ora pode ser considerada negra (Reis, 2002).

Entretanto, ao mudar-se para um bairro no qual as pessoas são predominantemente não negras, Dandara é inevitavelmente convidada a se posicionar sobre sua condição racial. Essa questão manifesta-se pelo fato de seu marido e seus filhos serem fenotipicamente brancos, pois "o contraste" dos traços físicos no contexto familiar acaba sendo utilizado como objeto de questionamentos de teor discriminatório e de atribuições inferiorizantes - que expressam conflitos sociais entre os grupos de negros e não negros. O choque ante a violência do racismo edifica questionamentos tanto sobre as desigualdades raciais no seu entorno, quanto acerca de sua localização no contexto racial brasileiro, ao mesmo tempo em que demarca o momento no qual Dandara compreende a ambiguidade de sua condição fenotípica, ou seja, do "Doloroso processo de construção da identidade individual do sujeito mestiço" (Munanga, In: Reis, 2002, p. 21).

 

Nos meandros da construção emancipatória de uma identidade: a professora-universitária-militante-mestiça-negra

Com o incentivo do seu companheiro, nossa colaboradora completa um curso superior, quase dez anos depois do início do curso de assistência social. E ela "aprende" a ser professora ao mesmo tempo em que "se torna" negra:

Quando eu comecei dar aula, na primeira escola, era uma localidade muito periférica, muito afastada. Eu já tinha alguma consciência da questão racial, mas não tanto e quando eu vi aquele povo eu falei: - Nossa, aqui é meu lugar, esse que é o povo, tem a ver comigo! - E aí eu descobri, descobri e eu fui começar a reconstruir a minha história, eu me descobri negra. ... Aí eu fui refletir, porque até então eu só queria o cabelo afro por conta de ser bonito, mas eu fui lembrar: - Nossa, por que eu não fazia isso com o meu cabelo antes, por que eu usava aquele lenço para esconder o meu cabelo? Eu não usava o lenço decorando o cabelo, eu usava para esconder o meu cabelo.

A vivência anterior como militante e de sua identificação com os alunos (negros de periferia) facilitam a assunção de uma identidade racial. O até então hiato entre a atribuição objetiva e a apropriação subjetiva (CIAMPA, In: REIS, 2002) da condição de negra é transformado numa relação dialética a partir do momento em que Dandara reflete sobre as diferentes funções das próprias intervenções sobre o corpo.

Antes, nossa colaboradora utilizava lenços para "esconder" o cabelo. Alienada pela ideologia do embranquecimento, Dandara intervia sobre o próprio corpo tentando escamotear as marcas da negritude. Num segundo momento, ela assume os cabelos crespos por uma questão puramente "instrumental" (Habermas, 2002). A ação sobre o corpo é despida de significados existenciais e conforma-se como atividade voltada a fins puramente estéticos: "porque até então eu só queria o cabelo afro por conta de ser bonito". Mas quando Dandara finalmente identifica-se com o "povo negro", por via do contato com os seus alunos, ela reflete acerca das vivências anteriores, de sua condição minoritária, das discriminações vivenciadas, compreendendo-se finalmente como "mestiça negra" (Reis, 2002): "E aí eu descobri, descobri e eu fui começar a reconstruir a minha história, eu me descobri negra".

Corroborando a discussão implementada por Ciampa (In: Reis, 2002), compreendemos que a questão identitária do mestiço-negro brasileiro "não decorre de uma simples questão de cor da pele" (p. 14).Ela perpassa inevitavelmente um processo muito mais difuso do que aquele vivenciado por sujeitos fenotipicamente negros, ou seja, indivíduos facilmente reconhecidos em nosso país como tal. Em grande parte porque o complexo do mito da democracia racial aliado à ideologia do branqueamento dificulta a identificação desta categoria a quaisquer dos segmentos dos quais derivam seu patrimônio genético (branco ou negro).

E, dependendo do contexto, "do olhar do Outro" e do direcionamento político da ação, mestiços podem ser considerados "provisoriamente" negros ou brancos, mas nunca, em uníssono, completamente negros ou brancos: fato que denuncia a difícil vivência de sua condição ambígua constante no contexto societário brasileiro.

Compreendemos que a metamorfose de Dandara ao reconhecer-se como "mestiça-negra" foi um processo relativamente demorado e mais complexo se comparado à sua identificação com a militância feminista e socialista, pois antes de tornar-se negra (Souza, 1983), ela vivenciou, diferentemente dos demais depoentes, a "ambiguidade de ser um e outro, pertencer e não pertencer, e também de não ser nem um nem outro, uma 'branca-não-branca' e uma 'negra-não-negra'" (Reis, 2002, p. 99, grifos do autor).

Assim, quando ela finalmente consegue assumir-se como mestiça-negra, as intervenções sobre o corpo e cabelo tomam novo sentido, adquirem a função de uma política identitária (CIAMPA, 2002) articulando o pertencimento da depoente em relação a toda uma comunidade de negros militantes.

Construir uma identidade 'mestiça' ou 'mulata' que incluiria um e outro, ou excluiria um e outro, é considerado por mestiços conscientes e politicamente mobilizados como uma aberração política e ideológica, pois supõe uma atitude de indiferença e de neutralidade perante o processo de construção de uma sociedade democrática... já que eles também são discriminados e excluídos, eles preferem adotar a identidade do 'negro', não por desconsiderar sua ambivalência no plano biológico ou por ignorar as representações que os dois grupos, branco e negro, têm deles, mas por uma questão de solidariedade política com a maior vítima da sociedade com a qual se identificam e são identificados (Munanga, In: Reis, 2002, p. 20, grifos do autor).

A solidariedade política faz com que Dandara passe a compreender-se também como militante do Movimento Negro, processo que edifica no nível individual, a assunção de um posicionamento valorativo sobre os próprios atributos físicos além de uma conscientização (Lane, 1984) acerca das implicações sócio raciais de seu pertencimento: (Pesquisadora): -Você se considera militante? (Dandara): - Ah, eu sou militante... Eu sou militante feminista, socialista inclusive e junto tudo isto. Não tem como, para mim, lutar por um socialismo sem incluir o racismo e o feminismo.

Esse nível de compreensão da interseccionalidade da própria construção identitária, faz com que sua luta militante se estenda também ao âmbito da prática profissional: "Meu cabelo era que nem o cabelo da Taís Araújo, cheio de cachos. Eu passava, as meninas pegavam no meu cabelo, gostavam e eu usava o meu cabelo para a questão da afirmação do povo negro".

Dandara torna-se uma professora-militante. Mas ela quer mais, ela deseja também estender sua contribuição ao âmbito acadêmico. Em poucos anos ela ingressa no mestrado e decide escrever sobre a questão racial.

Entrei no mestrado para discutir a questão das mulheres, trabalhar gênero e eu li o livro da Nilma Gomes, aí pronto, decidi: - Não vou falar sobre as mulheres, vou falar sobre os negros! Quer dizer, eu vou até falar sobre as mulheres, sim, mas eu vou falar sobre os negros também!

E logo após a entrada no mestrado, ela tem sua primeira oportunidade de trabalho como professora do ensino superior:

Em 2001 me chamaram para dar aula na universidade. Já virei professora universitária e me chamaram na sexta à noite para, na segunda-feira de manhã começar a dar aulas ...e eu assim, me sentindo como me sinto ainda, tenho ainda vergonha e me deparo com pessoas que eu acho que são melhores do que eu intelectualmente ou financeiramente ...Mas consegui enfrentar a sala de 120 alunos e dar aula foi muito sofrimento, o tempo inteiro.

As marcas de introjeção da inferioridade ainda pairam sobre as ações de Dandara. Mesmo frequentando o mestrado, por vezes ela se sente "diferente" dos colegas de trabalho. Entretanto, isto não impede nossa colaboradora de enfrentar desafio que se apresenta: uma sala de 120 alunos em uma universidade mercantil de massa.

Com o passar dos anos, Dandara constrói um trabalho sólido, coerente com suas aspirações políticas e desejos profissionais: ela se torna uma professora-universitária-militante.

Então eu consegui ficar quatro anos numa instituição e construí um trabalho ... e consegui fazer uma atividade que gerou um trabalho interdisciplinar (acerca da questão racial) envolvendo vários cursos. ... uma pena que eu fui mandada embora depois, provavelmente porque não iam admitir uma pessoa tão empoderada, que consegue mobilizar! Eu fui mandada embora com um conjunto de professores, mas eu fui a primeira.

Com a realização do evento, Dandara desafia o silenciamento sobre o racismo, criando um espaço de debates que convoca a comunidade universitária a pensar e mobilizar-se acerca da questão racial. Além disto, ela chama atenção para o seu talento e capacidade de liderança, legitimando sua existência naquele espaço. Ambas as atitudes desafiam a lógica hegemônica no sistema universitário e por isso seu trabalho politicamente direcionado incomoda.

Por representar uma ameaça, "provavelmente porque não iam admitir uma pessoa tão empoderada",Dandara acaba encontrando barreiras à realização de seu projeto, de forma que o racismo acadêmico (Carvalho, 2006) incide como empecilho à consecução de seus objetivos profissionais, camuflado pelo ato de demissão coletiva. Com este ato a universidade para a qual nossa colaboradora trabalha se exime de um posicionamento direto sobre sua atuação, deixando nas entrelinhas os reais motivos de sua demissão.

Constrói-se um mecanismo de bloqueio eficiente e silencioso, pois nossa colaboradora é impedida sequer de argumentar sobre os termos de sua dispensa, sendo constrangida por uma atitude discriminatória. Mas este tipo de situação não impede Dandara de continuar sua luta emancipatória, ela consegue emprego em outras universidades e segue seu caminho. Continua realizando suas incursões4 nos espaços que se revelam possíveis: em sala de aula, nos congressos, nas universidades nas quais leciona.

E todas as vezes que eu vou discutir a questão racial eu vou, eu ainda continuo indo super produzida... eu faço umas atividades de psicodrama e chamo as pessoas para verem ... você vai fazer papel de um gay e aí nós vamos discriminar essas pessoas, eu faço muito esse trabalho, e discuto em alguns momentos, nas minhas aulas.

E na condição de mulher negra, Dandara se apropria destes espaços para a realização de seus projetos a partir da implicação das próprias vivências na discussão teórica do racismo, localizando-se no campo científico não como mero objeto de estudo, mas como sujeito que possui e produz conhecimento (Gomes, 2011). Esta atitude se reafirma através o uso das intervenções sobre o corpo como políticas de identidade (Ciampa, 2002) que inferem a inversão da desvalorização social pressuposta ao negro, realçando atributos de afirmação estética (Miranda, 2011). Entretanto, a solidão na academia é algo que ainda persiste:

Hoje mesmo, falei: - CONTINUO ME SENTINDO SÓ PARA DEBATER AS COISAS!... Lembra quando eu vi que você estava na linha de debates do feminismo? É porque eu continuo me sentindo só para discutir as coisas... Eu fui numa mesa agora do feminismo negro; agora. É assim: as pessoas continuam sendo as autoridades, então você continua só ainda, são poucos grupos, não sei se eu estou no lugar errado, mas em tudo que é lugar você não acha seus pares, não acha gente para juntar e debater, pesquisar as mesmas coisas.

Dandara ainda não se considera uma profissional da academia5. Ela sente que o vínculo instrumental, criado no trabalho das universidades mercantis de massa, dificulta um maior envolvimento com os seus objetivos emancipatórios: "NOSSA, EU PRECISO SER PESQUISADORA, EU NÃO ME CONSIDERO PESQUISADORA, EU NÃO ME CONSIDERO!... Eu sou uma 'dadora de aula', mas o meu sonho de consumo é ser uma professora, uma pesquisadora".

Quando realizamos esta entrevista, em 2010, Dandara estava participando do COPENE - Congresso Nacional de Pesquisadores Negros. Ela almejava entrar em contato com um possível orientador de doutorado. Um ano depois, nossa colaboradora conseguiu seu objetivo. Tornou-se aluna de doutorado em uma renomada universidade particular do país, embora seu sonho, na época da realização da entrevista, fosse ingressar no doutoramento de uma universidade pública: "O ESTADO ME DEVE, EU TENHO QUE FAZER PELO MENOS O DOUTORADO EM UMA UNIVERSIDADE PÚBLICA!"

Atualmente, Dandara ainda não se considera uma profissional da academia e continua lutando contra a instabilidade dos empregos em universidades mercantis de massa; mas depois de tantos saltos qualitativos, consegue enxergar possibilidades diferentes para o seu futuro profissional. Essas possibilidades indicam o sentido emancipatório (Ciampa, 2003) tomado pelo processo identitário de nossa colaboradora, que agora, doutoranda, pode realizar seu sonho de tornar-se uma intelectual negra (Gomes, 2010; Santos, 2011).

 

Intersecções e reflexões

A partir dos trabalhos da memória, percebemos que são muitos os empecilhos encontrados por Dandara ao longo de sua vida. A interseccionalidade gênero-raça-pobreza pode ser considerada fator determinante às diversas barreiras enfrentadas por nossa colaboradora ao seu processo de alterização. Porém, cabe demarcarmos que a incidência da questão racial não pode ser eclipsada ou diluída pelos demais fatores, pois ela representa, de forma ativa, uma variável relevante que ao longo dos séculos, instituiu o aprisionamento do contingente aos estratos sociais inferiores do sistema brasileiro.

Na infância, Dandara constrói sua identidade com base em diversas atribuições de exclusão. Na condição de mulher, nordestina, pobre e negra ela é impelida a conviver com os diversos estigmas e a lidar cotidianamente com situações de discriminação e desigualdade, situações que a desumanizam. Tanto que esta condição de "mesmice imposta" se re-edita na vida adulta, de forma que as contínuas pressões externas constrangem-na a um projeto coercitivo de existência. Assim, Dandara se torna uma empregada doméstica, "domesticada" pelas imposições racistas, sexistas e pelas opressões socioeconômicas do sistema. Da miséria da infância à adultez guiada pela revolta e tristeza, diante das condições externas que a impedem de edificar um projeto emancipatório de vida.

A tentativa de fuga da pobreza cria possibilidades. A empregada doméstica descobre na pastoral da juventude o potencial para tornar-se uma líder política. Ela constrói uma rede de solidariedade e cria oportunidades para a ação comunicativa no ambiente de trabalho, de forma que obtém o apoio da patroa-amiga para deixar de ser uma doméstica oprimida: Dandara dedica-se à política e transforma-se numa militante orgânica.

Essa primeira metamorfose com sentido emancipatório irá guiar a edificação de um projeto de vida que se resume numa luta por alterização, uma luta complexa, difícil, mas que vem acompanhada por diversos processos de conscientização e, dentre eles, o processo de tornar-se negra.

Ao passar a frequentar espaços de classe média e ser constantemente questionada sobre o "contraste" dos traços físicos no contexto familiar, Dandara percebe que, diante de tantas situações de exclusão, sua condição racial acabou sendo alienada, escamoteada pela forte incidência da pobreza. Além disso, a condição de mestiça tinha ficado diluída pelos ditames da ideologia do embranquecimento, aliados ao mito da democracia racial.

Nossa depoente passa a lutar para tornar-se professora e ao conseguir finalmente este espaço, ela encontra o "povo negro e pobre" com o qual se identifica. Ao mesmo tempo em que se torna professora ela assume sua negritude e reflete sobre a ambiguidade de sua condição fenotípica. Estas mudanças vêm acompanhadas de uma transformação política do próprio espaço de convivência social de Dandara, pois a partir do momento em que se conscientiza, ela luta para transformar o seu entorno.

Assim, sua vivência como ativista proporciona o desenvolvimento de uma ética da convicção antirracismo, que aliada às intersecções feministas e socialistas, passam a contribuir de forma ativa para a transformação dos espaços nos quais frequenta. Esse ethos orienta suas ações, estudos, assim como sua atividade de professora universitária (Santos, 2011).

Como o conhecimento orgânico da militância não foi suficiente para a transformação que almejava, ela buscou através da formação acadêmica, o complemento do conhecimento científico (Santos, 2011). Além disto, sua trajetória pessoal de contato com as desigualdades levaram-na a pesquisar as relações raciais, tornando-se uma das (ainda poucas) figuras modelares no contexto universitário brasileiro: ela é uma professora-universitária-mestiça-negra-militante que está a caminho de se tornar uma profissional-da-academia-mestiça-negra-militante.

A metamorfose de Dandara vem acompanhada de diversas barreiras, é uma metamorfose carregada de incursões, porque a nossa sociedade não cria de fato, possibilidades de empoderamento para que os indivíduos possam transformar o contexto apenas através de seu talento e esforço, ou seja, apenas através do mérito. Dessa forma, insurgem fortes mecanismos que servem à manutenção de um sistema desigual, toda vez que nossa colaboradora luta para ser reconhecida a partir de critérios de igualdade: barreiras por ser mulher, barreiras por ser pobre, barreiras por ser negra. E se não fosse negra, muitas dessas barreiras não apareceriam.

De empregada doméstica a professora universitária. Para chegar da base da pirâmide social à "elite pensante do sistema", custou-lhe mais de meio século de vida. E definitivamente, este tempo gasto não pode ser justificado pelo critério de avaliação do merecimento, pois neste íntervalo, quantas oportunidades lhe foram denegadas pelo simples fato de nossa depoente pertencer a segmentos vitimados pela discriminação e intolerância?

Ao contrário de muitos brasileiros que fazem parte do contingente hegemônico, nossa colaboradora não teve acessos facilitados e, aos 54 anos, quando finalmente ingressa no doutorado, consegue visualizar possibilidades emancipatórias.

A metamorfose de Dandara é tornar-se uma intelectual negra, um tipo de pesquisadora acadêmica que, ao adquirir uma ética da convicção antirracismo através dos movimentos sociais e das próprias vivências de discriminação, passa a contribuir cotidianamente com a produção de conhecimento direcionado à visibilidade das subjetividades, silenciamentos e omissões em relação este contingente minoritário no espaço brasileiro (Gomes, 2010).

E quantas outras "Dandaras" existem e ainda existirão por esse país? Será que todas elas conseguirão, diante de tantos obstáculos, superar as opressões raciais e construir projetos emancipatórios de existência em contrapartida às forças instituídas pelas políticas de identidade (Ciampa, 2002) hegemônicas?

Acreditamos que este debate demarca a importância da produção de reflexões mais profundas acerca do racismo no contexto brasileiro e suas intersecções às categorias gênero e pobreza, de maneira que possamos compreender o nível de complexidade das incursões deste segmento em relação às diversas barreiras criadas pelos ditames hegemônicos, ainda insistentemente violentas e estigmatizantes. Por fim, compreendemos que a história de Dandara nos aponta como esta condição minoritária, quando interseccionada pelo gênero e situação de pobreza, pode ter efeitos ainda mais estratificadores a estas mulheres, que de maneira geral, têm menos chances de conseguir ascender no mercado de trabalho, sofrendo a dupla (ou tripla) incidência do preconceito.

 

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Recebido em 26/08/2014
Aprovado em 29/03/2016

 

 

1 Quanto aos aspectos éticos, foi apresentado um termo de consentimento livre esclarecido aos depoentes e a pesquisa submetida à plataforma Brasil com aprovação. Além disso, durante a construção do Doutoramento, todos os entrevistados receberam, analisaram e aprovaram as transcrições integrais de suas entrevistas e o texto final da Tese.
2 Em acordo com Meihy (1996), utilizamos o termo colaborador para nos referirmos aos sujeitos da pesquisa, tendo em vista as implicações éticas da natureza de uma entrevista em história oral. O termo estabelece uma relação de afinidade entre pesquisadores e sujeitos, demarcando um tratamento diferenciado, no qual "o entrevistador, por um lado, deixa de ser aquele que olha para o entrevistado contemplando-o como um mero objeto de pesquisa; por outro ângulo, ele próprio deixa de ser um observador da experiência alheia e se compromete com o trabalho de maneira mais sensível e compartilhada" (Meihy, 1996, p. 28, grifos do autor).
3 Além de demarcarmos a centralidade da discussão identitária nesta pesquisa, assim como Lima (2009, p. 112) "acreditamos que Ciampa conseguiu propor uma teoria de identidade", por isto mesmo buscamos pensar com o autor e não analisar o seu trabalho à luz de paradigmas prontos.
4 Diante da conjuntura vigente e dos resquícios históricos de racismo, nos inspiramos nas ideias de Araújo (2008), para defendemos o posicionamento de que a efetivação plena da cidadania dos sujeitos negros no país não pode ser caracterizada como um processo de inclusão, mas como um sistema de "incursões": lutas que doravante servem como instrumentos políticos, estratégias de mobilização e resistências contra as várias interdições que obstaram e continuam obstando a emancipação destes indivíduos como sujeitos de fato e de direito.
5 Denomino estes sujeitos de "profissionais acadêmicos", inspirada no texto de Bastos (2007). O autor diferencia as atividades realizadas pelos professores na maioria das instituições de ensino superior (voltadas especificamente para o ensino) do complexo de encargos exigido por algumas poucas instituições particulares brasileiras e a maioria das universidades públicas federais (ensino, pesquisa, extensão e gestão).

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