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Pesquisas e Práticas Psicossociais

On-line version ISSN 1809-8908

Pesqui. prát. psicossociais vol.11 no.1 São João del-Rei Jan./Apr. 2016

 

Cuidado com dissenso: pensando mobilizações político-artísticas no Rio de Janeiro a partir de uma ética-prática do cuidado

 

Care with dissent: thinking political-artistically mobilizations in Rio de Janeiro, from the point-of-view of an ethical and practical care

 

Cuidado con disenso: pensando movilizaciones político-artísticas en Río de Janeiro, desde el punto de vista de una ética y práctica del cuidado

 

 

Talita Tibola

Psicóloga pela Universidade Federal de Santa Maria (2007), mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2009) e doutora em Psicologia pela Universidade Federal Fluminense (2014); esteve em doutorado sanduíche na Universitá degli Studi di Bologna - talita.tt@gmail.com

 

 


RESUMO

Partindo de reflexões provocadas pela pesquisa em praças e em movimentos político-artísticos ocorridos na cidade do Rio de Janeiro, entre os anos de 2012 e 2014, que tinham no dissenso um impasse e, ao mesmo tempo, uma prática constitutiva, propõe-se a noção de cuidado com dissenso como uma possível chave de leitura e proposta ético-prática das (e para) essas mobilizações. Ao longo do texto será abordada a dimensão do dissenso nessas ações e a constituição da noção de cuidado com dissenso - referenciada nos estudos de Maria Puig de la Bellacasa e de Donna Haraway - para assim refletir sobre a constituição de espaços comuns baseados numa ética prática do cuidado, sem que esse cuidado se torne uma moralidade e o dissenso seja visto apenas como negativo. Propõe-se pensar cuidado e dissenso como parte do processo de estar juntos.

Palavras-chave: cuidado, dissenso, mobilizações urbanas.


ABSTRACT

Starting from reflections resulting from research in squares and political and artistic movements in the city of Rio de Janeiro between the years 2012 and 2014 in which the dissent was an impasse and, at the same time, a constitutive practice, it is proposed the concept of care with dissent as a possible key for reading these mobilizations and as an ethical and practical proposal of (and for) them. Throughout the text we will look at the scope of dissent in such actions and at the establishment of then notion of care with dissent-referenced in studies of Maria Puig de la Bellacasa and Donna Haraway-to just reflect on the creation of common spaces based on ethical practice of care, avoiding that this care becomes a morality and the dissent only a negative issue. It is proposed to think care and dissent as part of the process of being together.

Key words: care, dissension,urban mobilizations.


RESUMEN

A partir de reflexiones resultantes de la investigación en plazas y movimientos políticos y artísticos en la ciudad de Río de Janeiro, entre los años 2012 y 2014, en los que el disenso era un impase y, al mismo tiempo, una práctica constitutiva, se propone el concepto de cuidado con disenso como una clave posible para la lectura de estas movilizaciones y como una propuesta ética y práctica de (y para) ellas. A lo largo del texto vamos a ver el tamaño del dissenso en tales acciones y el establecimiento de la noción de cuidado con disenso-con referencia en los estudios de María Puig de la Bellacasa y DonnaHaraway-para reflexionar sobre la creación de espacios comunes basados en los principios éticos de la práctica do cuidado, evitando que este cuidado se convierte en una moral y el disenso en sólo una cuestión negativa. Se propone pensar el cuidado y lo disenso como parte del proceso de estar juntos.

Palabras clave: Cuidado, disenso, movilizaciones urbanas.


 

 

Introdução

De que maneira diferentes visões e modos de vida podem conviver para constituir algo comum? Ao longo de minha pesquisa de doutorado, focada no impacto das transformações urbanas na cidade do Rio de Janeiro e na criação de formas de convivialidade e espacialidade que respeitassem atores humanos e não humanos, essa questão esteve presente desde o princípio de meus estudos.

A inquietação surgiu do encontro com o campo pesquisado: intervenções e ocupações urbanas temporárias e de caráter político-artístico na cidade do Rio de Janeiro. Intervenções que, na construção de um viver juntos, questionavam, intervinham ou conversavam com as transformações urbanas dos últimos anos da cidade. Tomando o comum não como uma igualdade, um direcionamento único das ações, mas como o compartilhamento de experiências nas quais se é transformado mutuamente, a questão seria "como" pensar o político a partir do que Latour (2004) chamou de "fazer o círculo rodar" - na constituição, recomposição do social - e não simplesmente a partir de comunhões por interesses e afinidades.

Foi com essas interrogações em mente que me deparei com a expressão dissentingwhitin (dissentir-por-dentro) apresentada por Maria Puig de laBellacasa (2012a)1 em seu texto Nothing comes without its world: thinking with care2, onde ela está interessada nas relações entre o "cuidado" e o "pensar", focada especificamente nas políticas de saberes no feminino. A expressão - que toma cuidado e dissenso a partir de um mesmo campo problemático - me impulsionou a pensar esse tema de outras maneiras, quais sejam: a constituição de espaços comuns baseados numa ética prática do cuidado, sem que esse cuidado se torne uma moralidade e o dissenso seja visto apenas como negativo. Pensar o dissenso e o cuidado como parte do processo de estar juntos.

Partindo dessas questões, o intuito do artigo é aquele de apresentar o conceito de cuidado com dissenso, influenciado pelas leituras de Maria Puig de la Bellacasa e de Donna Haraway, a fim de discutir a importância que esses conceitos, influenciados pelas militâncias feministas, podem ter para uma ética/prática para os movimentos sociais.

Para tanto, primeiramente apresentarei alguns impasses ocorridos nas praças que pesquisei para situar de onde parto para falar do dissenso e o motivo dele ser importante em minha pesquisa. Em seguida, o conceito de dissentingwithin de Maria Puig de la Bellacasa (2012a) é apresentado junto à apresentação da importância do cuidado e do dissenso nos processos constitutivos de movimentos sociais e formas de sociabilidade. Num terceiro momento, me focarei em pensar o cuidado como ontológico a partir do encontro de Maria Puig de la Bellacasa e Donna Haraway - autoras que pensam a produção do saber aliadas ao feminismo. E, por fim, apresentando a noção de cuidado com dissenso, discutirei algumas implicações dessas práticas.

 

Situando a questão: o dissenso como problema

Como referido acima, meu interesse pela questão do dissenso surge a partir do encontro com o campo na pesquisa que realizei no doutorado. A pesquisa referida foi realizada sob orientação de Márcia Moraes, na Universidade Federal Fluminense (UFF) entre os anos de 2010 a 2014, com período de campo de 2012 a 2014, a partir do mapeamento de intervenções político-artísticas em praças e ruas da cidade do Rio de Janeiro. Esse período compreendeu a irrupção das jornadas de junho, em 2013, e uma etapa de acompanhamento de coletivos e intervenções em praças na cidade de Bolonha (2013).

No ano de 2012, realizei o acompanhamento de ações que eram propositivas de modos de "estar-juntos". As principais delas foram em praças do Rio e Janeiro: por exemplo, 12Méier3, Ocupa dos Povos4. Essas ações questionavam, cada uma a seu modo, as políticas implantadas pelo governo que estava, naquele momento, preparando a cidade (e o país) para o recebimento dos grandes eventos: Conferência das Nações Unidas pelo Desenvolvimento Sustentável Rio+20, Jornada Mundial da Juventude, Copa do Mundo, Olimpíadas.

Todas essas três praças, em maior ou menor medida e de diferentes maneiras, tinham alguma relação ou foram influenciadas pela acampada5 da OcupaRio. Isso se dava tanto pelo fato das pessoas que as organizavam terem participado diretamente desse movimento, quanto pelas técnicas e maneiras de sistematização: ações em praças, reivindicações, cozinhas coletivas, compartilhamento do espaço e de saberes, atividades coletivas e o principal: requisitar a cidade como espaço comum e político.

A OcupaRio foi um movimento que ocorreu no Rio de Janeiro na Praça da Cinelândia, no contexto dos movimentos globais ligados ao chamado "ciclo Occupy" ou também "Primavera Árabe", uma das formas de se chamar o ciclo iniciado na Praça Tahir, no Cairo, e que se espalhou por praças de todo o mundo, passando pela Porta do Sol, em Madri. A participação nessa mobilização ocorreu por diversos motivos e, pode-se dizer, principalmente pela insatisfação com as políticas públicas, aliada à vontade de participar ativamente de espaços decisórios. Com isso, nem todas as pessoas que estavam lá se sentiam conectadas a esse ciclo de ações, mesmo que o impulso para a constituição tenha sido desencadeado por uma chamada a uma mobilização global, realizada pelas acampadas da Espanha.

Assim, da mesma forma que os movimentos de cada cidade/país ligados a esse contexto, a OcupaRio tinha suas particularidades e pautas específicas - a questão da própria situação da cidade. No Rio de Janeiro, um exemplo disso era o descaso e violência direcionados às pessoas em situação de rua. Mas, para além de pautas como essa, mais locais, havia problemáticas e formas de organização herdadas desse ciclo chamado global. Uma das formas de organização herdadas desse ciclo era o modo que a OcupaRio se propunha a realizar a comunicação nas praças. Um gesto que marcou a contaminação entre as praças foi a utilização, em lugar de palmas para mostrar concordância com o que alguém estava falando, o agitar de mãos para o alto. Esse gesto, naquele contexto, facilitava a visualização da aprovação ou não de alguma pauta que estava sendo discutida coletivamente sem, no entanto, atrapalhar a continuidade da atividade e da fala.

O gesto era uma das formas de organização dos espaços e fazia parte do processo de decisão pelo consenso. Essa forma de decisão também foi um marcador dos modos de organização e compartilhamento de métodos nas praças de diferentes lugares. O consenso, como proposto naquelas praças, implicava a discussão exaustiva de ideias em assembleia, até se chegar a um ponto comum contra o qual não havia mais objeções. O princípio defendido era o de que é necessário ouvir todas as vozes e pontos discordantes ao longo da deliberação e antes de tomar as decisões. Esse princípio é adotado em contraposição ao voto que generaliza as opiniões em agrupamentos representativos. O princípio de se chegar a uma decisão por consenso, sem anular o dissenso, é uma tentativa de escutar os dissensos localizadamente.

Alguns participantes da OcupaRio destacaram, no entanto, dificuldades para que esse processo acontecesse e evidenciaram que existiria a tendência a uma "mudez de quem não concordava com propostas ou encaminhamentos porque justamente NÃO ENCONTRAVA UMA VIA DE EXPRESSÃO" (Cunha, 2011, grifo do autor). Ou, ainda que, em lugar de se concentrarem em decisões táticas, acabava-se por constituir um processo de consensos totalitários, na busca por respostas a questões de pertença e identidade: "quem somos, pra onde vamos e como nos definimos?" (Cava, 2011).

Pude acompanhar, ao participar da Ocupa dos Povos - acampada organizada por pessoas que haviam participado da OcupaRio - o funcionamento dos métodos de decisões e suas dificuldades. Um fator que diferenciava esses processos decisórios no momento da OcupaRio e naquele da Ocupa dos Povos era o fato de que, no segundo momento, lidava-se com um modo-de-fazer já conhecido pela maioria das pessoas e ao qual aqueles que chegavam se adaptavam, enquanto que, na primeira, foi o momento que se instituiu um modo de ação compartilhado. Disso resultava que os questionamentos em relação à metodologia fossem recebidos de maneira menos aberta, dado que as práticas já estavam mais consolidadas. Isso não impedia, no entanto, que essas metodologias de ação se misturassem e se transformassem através de outros modos de agir. Formava-se um modo de agir híbrido entre aqueles simpáticos à ideia do consenso e aqueles mais descrentes e interessados em apostar em outras formas de relacionamento na acampada.

Essa aposta em outras formas de funcionamento nem sempre era algo expressamente contra a forma de decisão por consenso, mas poderia ser fruto de desconhecimento das regras "internas" à acampada, ou da dificuldade para participar dos espaços assembleias que, através desse método, dispendiam bastante tempo. Uma das situações de desconhecimento ou má compreensão das regras aconteceu quando foi decidida, por consenso, a divisão em equipes com tarefas diferentes para agilizar a organização da acampada que estava por chegar.

Uma das preocupações nesse momento era como dar visibilidade à ação de ocupação da praça, sem que as forças policiais reprimissem a acampada antes mesmo que ela acontecesse. Com essa preocupação foi decidido, por consenso, que a chegada na acampada seria realizada a partir de uma intervenção artística. A ideia era chamar as pessoas para outro lugar que não aquele onde aconteceria a acampada para, dali, seguirem em conjunto até a praça onde por fim restariam. Foi escolhida assim uma equipe para pensar essa ação de maneira tática e estética. Além, disso, para que não houvesse risco de que a notícia sobre onde acampariam se espalhasse, foi criada também uma equipe que escolheria a praça avaliando as condições, impacto, proximidade com o evento com o qual se queria conversar. Dessa maneira, apenas em torno de oito pessoas, de cerca de 30, sabiam qual seriao local preciso da acampada antes que ela se realizasse efetivamente.

No momento da decisão, não foi levantada a questão, ou ninguém a percebeu, que um grupo restrito (aquele designado pelos outros) ficaria responsável pela escolha do lugar sem que toda a acampada pudesse emitir sua opinião sobre o que achava do lugar. Isso gerou bastante atrito em reuniões posteriores e mesmo durante a acampada, pois se atribuía a razão de haver poucas pessoas na acampada ao fato de que o local fora mal escolhido e de que ele não tenha sido escolhido por consenso. Ao invés disso, haviam sido escolhidas pessoas (representantes) para escolher o lugar.

Esse é apenas um exemplo dos contratempos que aconteciam devido à busca pelo consenso. Os questionamentos aconteciam tanto por pessoas que acreditavam que essa tática do consenso tornava difícil a aceitação das diferenças, quanto era questionado na prática, por pessoas que não estavam interessadas nos métodos da OcupaRio e faziam "a roda girar" de maneira diferente: artistas de rua que haviam se juntado à Ocupação por simpatia àquela ação; pessoas em situação de rua, muito ativas na acampada, constituíam modos de viver a praça e os círculos assembleias de maneiras diferentes do que aquelas propostas ou imaginadas pelas pessoas que estavam mais antenadas nas praças mundiais.

A questão do dissenso, no momento em que me juntei a essas ações era, portanto, "uma questão". Tomando a expressão utilizada por Stengers e Despret (2012), ela "criava problema". Não só pela utilização de um modo de organização baseado no consenso, mas também pelo fato de que, à medida que os mesmo atores passam a promover ações conjuntamente, aquele que era um grupo produzido por diversos interesses e posições divergentes, passa a ser cada vez menos heterogêneo. A produção de uma prática comum muitas vezes, não necessariamente de maneira explícita, parece requisitar uma aderência a um "movimento" que produz o movimento em si, formulações e ideais a serem seguidos.

É para pensar esse campo problemático que nos colocamos a questão apresentada na abertura do texto sobre a possibilidade da produção de algo comum a partir de posições divergentes. Quais práticas podem contribuir para manter a possibilidade de dissentir mesmo aderindo-se a práticas de decisão por consenso. Como, através dessas ações, estimular um espaço que se mantenha aberto?

 

O cuidado e o dissenso

Foi a essas experiências e questionamentos que a expressão dissentir-por-dentro de Maria Puig de la Bellacasa veio ao encontro. Antes mesmo de poder compreendê-la de todo, o simples fato de que, na proposição de uma prática para pensar o cuidado estivesse expressa a necessidade, ou a possibilidade, do dissenso, deixava-me curiosa.

Em 2013, depois das acampadas de 2011 e 2012, a partir de um movimento que não vinha somente desse ciclo global, mas estava também a ele atrelado, aconteceram as jornadas de junho. A relação das manifestações no Brasil com uma espécie de ciclo global pode ser percebida pela comunicação entre manifestantes no Brasil e manifestantes na Turquia, o envio de mensagens de solidariedade através dos cartazes nas manifestações e a utilização de métodos semelhantes como, por exemplo, a utilização deleite de magnésia para amenizar os efeitos das bombas de gás lançadas pela polícia para reprimir as manifestações. Nessa ocasião, muitos brasileiros foram às ruas num movimento que teve como gatilho a luta contra o aumento das passagens de ônibus, mas expandiu seus objetivos criando um espaço aberto tanto para discussão de pautas quanto para a criação de pressão sobre os governantes na reivindicação de transformações sociais. São exemplos disso não somente as mobilizações maiores, como marchas e protestos, mas os diversos debates e assembleias regulares que se constituíram em diversas praças: Ocupa Câmara (Cinelândia), Assembleia do Largo (Largo do Machado), Ocupa Lapa (Arcos da Lapa).

As jornadas de junho talvez tenham sido a realização da expansão de um movimento de um modo que as ocupas não conseguiram: o intuito de constituir um movimento apartidário, outra das marcas dos movimentos do Ciclo Occupy, se deu não por uma vontade, lema ou prescrição, mas através da ação. Era assim que ele acontecia pela mobilização de pautas e produzindo encontros inusitados.

Mas, a um primeiro momento de expansão e constituição de novos laços, foram constituindo-se novas subjetividades, ou poderíamos dizer mesmo, novas identidades, ligadas a essas ações na rua, identidades daqueles que se reconheciam nesse movimento. E, como era um movimento muito expandido, que tomou ruas de todo o Brasil, ao mesmo tempo em que havia a constituição dessas identidades, tanto por quem vivia esses espaços, quanto pela mídia que procurava encaixar o que estava acontecendo em algum discurso, essas identidades não davam conta.

Desse modo, de uma ação larga e generosa, no sentido que acolhe as diferenças, foram constituindo-se muitos grupos que, por discordarem entre si, disputavam espaços, pautas ou mesmo a identidade do movimento como um todo. Ora, seria uma ilusão ter algum dia acreditado que todas aquelas pessoas que se mobilizaram em 2013 estivessem mobilizadas pelas mesmas motivações? Era novamente pela tentativa de responder a "quem somos?", na busca da definição de um "ser coletivo", mais do que num estar em movimento, que se operava um impasse das ações coletivas.

Ao pensar nesses processos, o "dissenso" e o "cuidado" faziam sentido juntos. Na afirmação de que, se a identidade pode servir como tática de ação para constituir força e colaboração em torno de determinados temas - racismo, machismo - ela não pode servir de barreira para a coalizão com o outro, limitando a possibilidade de ação somente com aqueles que se reconhecem como iguais. É nesse contexto que ganha importância pensar conjuntamente em cuidado e dissenso de maneira a conservar, ao longo do tempo e não somente em processos mais passageiros como o são as manifestações de rua, a possibilidade de reconhecimento das diferenças, sem deixar de respeitar as singularidades daqueles que nos acompanham.

Maria Puig de la Bellacasa(2003, 2012a; 2012b) irá pensar a expressão dissentingwithin a partir das questões colocadas por Donna Haraway(2008) no âmbito da produção de saberes, âmbito pelo qual ela também se interessa e localiza suas pesquisas. Contudo, tanto Bellacasa quanto Haraway não fazem uma distinção clara entre a produção de saber e a prática de militâncias. Ambas afirmam a inseparabilidade dos modos com que se faz ciência e dos efeitos que esses modos produzem no mundo, ao invés de referirem-se à militância como o pertencimento a algum grupo específico que constituiria um espaço destacado das ações cotidianas.

 

O cuidado como ontológico

Partindo de uma concepção relacional de ontologia, ou seja, onde o ser não precede às relações que o constituem, Bellacasa (2012a) destaca a importância do cuidado, fazendo ressalvas para que não o pensemos de maneira moral, mas, ao contrário, a partir de movimentos concretos. Ela vai destacar três desses movimentos: pensar-com (thinking-with), pensar-a-partir-de (thinkingfrom) e dissentir-por-dentro (dissentingwithin). Ela convoca, para explicitá-los, constituí-los e explicá-los, o trabalho e as práticas de Donna Haraway (2008).

O pensar-com para essas autoras - Bellacasa e Haraway - é o reconhecimento de que pensar é sempre pensar-com e que "nestes incessantes movimentos de feitura de rede, a ontologia está continuamente no fazer, no processo de tornar-se-com" (Bellacasa, 2012a, p. 200); essa ontologia é proposta tanto para sujeitos coletivos quanto para indivíduos. No caso das manifestações e ações em praças, podemos pensar seu surgimento sem uma definição específica, sem um "nós" preciso, e a constituição desse "nós" ocorrendo, nas práticas localizadas, através da constituição de "fronteiras e estabilidades" (p.200).

Sobre o pensar-a-partir-de, Bellacasa (2012a) apresenta algumas controvérsias: se ao mesmo tempo ela considera que o conhecimento comprometido a "pensar a partir de experiências marginalizadas" (p. 209) colabora para "cultivar epistemologias alternativas que borram dualismos dominantes" (Harstock, 1983, citada por Bellacasa 2012a), de modo que pessoas que ocupam espaços estratégicos possam agir produzindo transformações; ela alerta para o risco de que o "pensar-a-partir-de", torne-se um "pensar por", pensar pelo outro. Nisso a importância do pensar-com para constituir uma ciência em que "nossos objetos importam" (p.210).

Já no dissentir-por-dentro, ela ressalta o fato de que, nesse tornar-se-juntos, não nos tornamos iguais ou desfazemos nossas diferenças; pelo contrário, aprendemos a respeitá-las. "Uma ontologia baseada na relacionalidade e na interdependência precisa reconhecer não somente, como dito anteriormente, uma heterogeneidade essencial, mas também que a heterogeneidade pode florescer. [] onde existe relação deve haver cuidado, mas nossos cuidados também performam desconexão." (Bellacasa, 2012a, p. 205).

Apesar de performar também desconexão, o dissentir-por-dentro é ressaltar as conexões operadas nesses processos, o que, nessas desconexões, recria laços, produz conexões parciais. O que é sublinhado é a importância de dissentir sem estar destacado do processo do qual se dissente. Colocando a relevância do dissenso e, ao mesmo tempo, um modo de operá-lo (por dentro; junto) expressa também a importância de dissentir junto.

Todos esses movimentos são modos de ação que Bellacasa propõe como maneiras localizadas de pensar o cuidado, o que, segundo ela, seria necessário para não incorrermos no risco de moralizações prescritivas. Não se trata de criar uma ética generalizada e hegemônica, mas de pensar o cuidado como relacional e ontológico.

É possível compreender que Bellacasa recorra a Haraway, numa revisão de sua política dos saberes localizados, para falar desses movimentos, pois a compreensão do cuidado como ontológico é compartilhada pelas duas autoras.

Tendo isso em mente - o ser que não precede às suas relações e o cuidado como relação - Maria Puig de la Bellacasa (2012a) afirma que o "cuidado não é apenas um estado ético-afetivo, mas um engajamento material que requer esforço na constituição de mundos interdependentes." (p. 198/199). Ela continua afirmando que "interdependência não é um contrato, mas uma condição, até mesmo uma pré-condição. Por tudo isso não nos devemos tornar nostálgicos de um mundo idealizado do cuidar: cuidar ou ser cuidada não é necessariamente recompensador ou reconfortante" (p. 199)

O cuidado é visto como um engajamento material para a constituição de mundos interdependentes e a interdependência é também constitutiva dos atores. Bellacasa (2012a) chega a afirmar que "cuidado" e "relação" compartilham uma ressonância conceitual ontológica.

Donna Haraway (2008), em seu livro When Species Meet, propõe a expressão espécies companheiras para pensarmos uma política e ética da convivência e interdependência com o outro e que coloca em questão nossas próprias certezas de como somos constituídas. É de maneira ampla, abrangendo humanos e não humanos que ela propõe pensar essa coexistência de respeito. Para isso retoma a etimologia complexa das duas palavras que compõem a expressão: "espécie" e "companheira".

Companheira viria de cumpanis - messmates, com origem em "tomess" (verbo), comer em grupo, comensais, aqueles com quem se senta à mesa. A palavra remete tanto a camaradas de política quanto a "companhias" no ramo empresarial, sendo usada tanto para falar entre amigos quanto para referir-se a uma empresa. Contudo, a palavra "mess", pensada como adjetivo quando tem o significado de "bagunça", acrescenta mais sentidos à palavra "messmates": além de "comensais", somos tentados a ler "companheiros de bagunça".

Espécie também é uma palavra que "como toda velha e importante palavra, é igualmente promíscua" (Haraway, 2008, p.19); vem de specere, do latim: ver, olhar. No texto, Haraway (2008) explica usando "to look" (olhar) e "tobehold" (olhar para/por). O que está sublinhado no "tobehold" é o ato de, ao olhar, também existir o "prestar atenção". É a partir da palavra "guardar" que podemos compreender a junção de sentidos destacada por Haraway em "tobehold". "Guardar", do italiano: guardare, do francês: garder, do germânico: towardon, tem como primeiro sentido "acondicionar". A partir de sua etimologia podemos ver que seu significado vem de "olhar", daí o sentido de "fazer a guarda". É no guardar daquele que "olha por", custodia, que está a junção desses verbos que mantêm ou ampliam o sentido para o "takecare" (cuidar), caminho que em nosso português corrente, devido às transformações da língua, não acontece de imediato. O que vai importar nesses significados, não será a vigilância do "fazer a guarda", mas a vigília daquele que vela o sono de outrem. Essa vigília não acontece por um olhar generalizante, mas por um re-gard localizado. Re-gard, por sua vez também multiplica os sentidos, significando ao mesmo tempo respeito (re-specere) e olhar de volta. Trata-se não só da vigília, mas de olhar e ser olhado. Cuidar-se, olhar e retribuir o olhar:"regard/respect/seeing each other/looking back at/meeting/optic-haptic encounter. Species and respect are in optic/ haptic/affective/cognitive touch: they are at table together; they are messmates, companions, in company, cum panis."(Haraway, 2008, p. 164)6.

O encontro tátil resume bem o que está em jogo no olhar e ser olhado, já que é impossível tocar sem ser tocado, num movimento que não tem início nem fim e que se transforma a cada toque. A capacidade desestabilizadora do toque nos coloca em contato com a "bagunça" de que nos fala Haraway (2008) à qual é preciso fazer jus resistindo à tentação de tornar essa mesa uma simples partilha de pão entre iguais e o "olhar e olhar de volta" uma reiteração daquilo que sempre olhamos.

Bellacasa (2012a) também fala desse risco e ressalta que "O fato de Haraway pensar com mundos densos e povoados é um reconhecimento da multiplicidade, mas também um esforço para de fato nutrir uma multiplicação -criando uma difração ao invés de uma reflexão do mesmo" (Haraway & Goodeve, 2000, citados por Bellacasa, 2012a, p.200). O que importa aqui são as ligações inusitadas.

A expressão espécies companheiras não diz respeito a um instinto gregário de manutenção de uma só espécie, mas ao engajamento em relações que a todo tempo se fazem entre-espécies, redesenhando fronteiras na constituição de multiespécies. A imagem utilizada por Haraway - da mesa e do compartilhar o pão - pode confundir. Essa imagem religiosa é transformada pela autora. Talvez essas confusões (bagunças) não sejam por acaso: é que, quando pensamos companheiros sentados à mesa, talvez venha à imagem o compartilhar o pão que corrobora o gregarismo e a sobrevivência de uma única espécie entre outras.

Mas a bagunça que Haraway (2008) faz é que sua definição de espécie não permite isso: do mesmo modo que o pensar é já pensar-com, espécies são já sempre interespécies. A própria definição contém essa relacionalidade: re-gard, olhar de volta, re - novamente, repetidamente - nos cuidamos e nos tornamos juntos. Interespécies surgem desses processos, misturadas e interdependentes, não existem sem seu processo de constituição.

Desenhar e redesenhar de que maneira nosso corpo se constitui com os outros é uma questão política: "os objetos enquanto tais, em si mesmos, não existem, eles são antes desenhados através de práticas de mapeamento. É isso que fazemos em nossas pesquisas. O que conta e o que não conta no mundo que fazemos existir em nossas pesquisas?" (Moraes, 2014, p. 132). Conta para Haraway(2008) que a própria espécie se constitui nesse redesenhar fronteiras e num constituir-se como interespécies. No "sentar-se à mesa com" que é, ao mesmo tempo, um sentar-se à mesa com quem está junto e um sentar-se à mesa com quem se transforma junto no próprio movimento.

 

O cuidado com dissenso

Interessada nas relações entre o "cuidado" e o "pensar" e focada especificamente nas políticas de conhecimento feministas, Bellacasa (2012a) objetiva incidir no campo dos saberes. Porém, segundo ela, como já afirmamos anteriormente, não há uma divisão estrita entre o âmbito formal dos saberes (a academia) e o que a ele não pertence. Segundo ela

l’intérêt de ces conceptualisations féministes n’est pas exclusivement né de leur caractere académique. Au contraire, leur intelligence collective est liée aux questions posées du point de vue des collectifs em lutte, position qui donne accès à d’autres visions du monde que celles disponibles du seul point de vue académique (Hartsock, 1987). Les etudes feminists ainsi entendues proposent un continuum entre un engagement dans le travail des savoirs et des sciences, et un engagement dans les lutes politiques. Elles affirment une vision sociale et politique de la construction des savoirs et des sciences et suggèrent une conception de la scientificité qui ne voit pas de manière contradictoire les caracteres intéressés et scientifiques du savoir, qui n’ignore pas le problem posé par une identité à la fois politique et sociale, mais en fait un ingrédient du travail. (Bellacasa, 2003, p.7)7

Em seu livro Politiques Féministes et construction de savoirs, Bellacasa (2012b) faz um estudo do político na ciência a partir dos movimentos feministas, mostrando como esses estudos só existem devido a uma intensa troca entre a produção de saberes e os espaços de vivência. Aliás, a constituição desses saberes se dá num "entre", entre lutas por direitos, coletivos organizados e academia.

É também em relação a esses movimentos e espaços de militância que ela irá afirmar que é necessário dissentir por dentro, dissentir junto com aqueles com quem estamos, que nos importam, pesquisamos e por quem somos reconhecidos.

Parece claro para Bellacasa que dissenso e cuidado são práticas que andam juntas e não se auto-excluem. O que ela parece sublinhar é, no entanto, o modo que esse dissenso precisaria operar para ser considerado uma prática de cuidado. É diferente no caso dos movimentos que acompanhei, nos quais a simples coexistência das duas práticas parecia impensável ou era impensável porque jamais era apresentada como uma possibilidade. Parecia existir, nesse caso, o sentimento da incoerência de lidar com o dissenso, impossibilitando um enriquecimento das relações e do modo como se constituíam, o que ocasionava, por vezes, o desvio de assuntos problemáticos para que o dissenso não fosse colocado.

Por isso, o termo dissentir por dentro foi traduzido como "cuidado com dissenso", que delineia uma determinada acentuação do conceito: o que o "cuidado com dissenso" sublinha é a própria possibilidade de que essas práticas acompanhem uma à outra, o que, como explicitado acima, não parecia estar presente nas ações das praças, ao mesmo tempo em que a questão do dissenso causava muitos atritos nas conversas e processos decisórios da acampada.

A intenção de pensar a partir da expressão "cuidado com dissenso" ao invés de "dissentir por dentro", desse modo, sublinha a simples possibilidade de que dissenso e cuidado coexistam. Coloca essas práticas em relação a partir da colocação de um "problema", enquanto Bellacasa (2012b) nos parece colocar uma possível solução: para pensarmos cuidado e dissenso é importante que esse dissenso aconteça de maneira orgânica aos processos coletivos, decisórios e de troca.

O cuidado com dissenso está embutido numa problemática, ele não é o cuidado no sentido meramente de um respeito a priori pela diferença (como afirmamos com Bellacasa), que é muitas vezes defendido em movimentos militantes e de ação cidadã. Tomá-lo dessa maneira seria pensar a heterogeneidade como uma coleção de diferenças que devem ser respeitadas sem que cada um se desloque do "seu lugar", deslocamento que possibilitaria uma ação comum. Por outro lado, o cuidado com dissenso, não é tampouco um puro antagonismo, oposição que rapidamente se torna vazia ou purista, o antagonismo pelo antagonismo. Essa posição é abstrata. O cuidado com dissenso também não é uma tentativa de dosar o dissenso com cuidado; ele é o cuidado com o outro como agenciamento, uma disjunção inclusiva, um funcionamento juntos. Há então um aspecto que não é só relacional, mas composicional.

Através do cuidado e da relação, em que não só vejo o outro como sujeito, mas como um mundo que me recoloca os problemas, encontro no outro meu dissenso. O dissenso não é um compromisso ideológico, mas a capacidade de recolocar-se um problema a partir do outro. E esse dissenso só pode existir e se perpetuar se esse movimento de diferenciação for acolhido, olhado com respeito (re-specere), com cuidado.

Se retomarmos o contexto das ações político-artísticas nas praças, podemos afirmar, com Rancière (2005),que a acampada da Ocupa dos Povos criava um dissenso em relação à situação da cidade e das políticas de meio ambiente. Para ele o dissenso é político, pois constitui uma quebra nas formas já dadas de organização da sociedade e distribuição dos lugares, tornando visível essa distribuição desigual da ocupação dos espaços físicos e políticos, instituindo assim a possibilidade de constituição de outras formas de organização.

Ocorrendo paralelamente à Rio+20 e à Cúpula dos Povos, onde se debatia a questão do clima, da água e do meio ambiente, e composta por uma grande maioria de pessoas em situação de rua, a Ocupa dos Povos dava a ver outro modo de conceber o meio ambiente. Dava a ver que, para sustentar um debate sobre desenvolvimento sustentável, a cidade fora preparada com políticas de higienização organizadas para que a cidade estivesse "bem-apresentável" diante das caravanas de diversos países presentes no evento. Dava a ver as ações que levavam de maneira forçada moradores de rua para abrigos.

No entanto, o próprio fato de que a acampada tornasse visíveis essas questões não era consenso se elas deveriam ser pautas da acampada. A despeito de a grande maioria achar que a situação dos moradores de rua fosse algo importante a ser discutido, não era consenso o fato de que o objetivo do grupo devesse estar ligado a ela. Alguns preferiam manter o foco nas questões ambientais que estavam sendo discutidas pela Rio+20, questionando-as. Assim, além de lidar com esse dissenso da própria ação da acampada em relação a um contexto "externo" - que constituía novas visibilidades quanto à organização da cidade - era preciso lidar com os dissensos quanto à própria constituição e ação da acampada em si.

Nesse contexto, o político se dava, justamente pela composição heterogênea da acampada, em cada pequeno gesto que afetava e alterava a disposição dos corpos e os tornava mais disponíveis uns aos outros. Dava-se no processo dos encontros de pessoas tão diferentes num contexto inusitado, compartilhando o comer - escasso - e o dormir - aberto aos riscos e às possibilidades da cidade, produzindo assim novos cheiros e sentidos para uma praça até então com poucos usos. Junto ao político do dissenso, acompanhava-se o cuidado do "tornar-se juntos" (Haraway (2000), citada por Bellacasa), o sentar-se-à-mesa-com, que também implica um transformar-se juntos.

 

Considerações finais

É nesse encontro do político e do cuidado como relacionais que está o cuidado com dissenso. É o ponto onde político como dissenso e produção de novas visibilidades não estão tão distantes do político pela produção de corpos que, afetando e sendo afetados, reconstroem suas fronteiras. Essa reconstituição de fronteiras é o que permite a mudança e constitui diferentes modos de compartilhar, experimentados de maneira tímida nas praças pesquisadas em 2012 e que reverberaram em jornadas de manifestações em 2013. Essas jornadas de manifestações não se organizaram apenas pela reivindicação de pautas que agregavam sujeitos. Apesar de começarem dessa maneira, foi o encontro de diferentes atores que constituiu e transformou pautas no próprio encontro, para falar comoLatour (2004), no movimento do próprio girar do círculo.

Com o desmanche desse tipo de manifestações, pela repressão e pelo desgaste, fronteiras são refeitas não como modo de relação, mas apenas de separação, restando apenas o dissenso, não como um processo constitutivo de diferenciação do outro, com quem nos constituímos pela distância que nos separa, mas como reiteração apenas da distância.

Não se trata aqui de, com saudosismo, pretender recuperar ações que já não acontecem mais. Mas de, refletindo a partir do cuidado com dissenso, ressaltar a importância de esses processos serem tomados como contíguos. Quando se trata de estar-com, seja em processos de pesquisa ou em movimentos reivindicatórios, é o reconhecimento de que aquele com quem compomos e pesquisamos é agente tanto quanto (ou mais) do que nós, o que permite que seja possível a diferença (dissenso) e o cultivo (cuidado) dela.

As questões colocadas por Bellacasa e Haraway, ao falarem das práticas dos saberes no feminismo, ressaltam como essas práticas não são pensadas somente para serem vividas internamente a um grupo específico (o das feministas). Uma de suas potências é justamente tomar o feminismo não como um lugar dado, mas como a constituição de modos de pensar, agir e se relacionar que viabilizam transformações no mundo.

 

Referências

Bellacasa, M. P. (2003). Scientificitéet politique aujourd'hui: um regard féministe. Nouvelles Questions Féministes, 22(1), 48-60. Recuperado em 15 de novembro, 2015, de www.cairn.info/revue-nouvelles-questions-feministes-2003-1-page-48.htm        [ Links ]

Bellacasa, M. P. (2012a). Nothing comes without its world: thinking with care. The sociological review, 60(2), 197-216.         [ Links ]

Bellacasa, M. P. (2012b). Politiques feminists et construction des savoirs: "Penser nous devons"! Paris: L'Harmattann.         [ Links ]

Cava, B. (2011). Produzir o dissenso na acampada. Recuperado em 20 de novembro, 2015, de http://www.quadradodosloucos.com.br/2026/produzir-o-dissenso-na-acampada/

Cunha, R. (2011). A falácia do consenso na OcupaRio. Recuperado em 20 de novembro, 2015, de http://diarioolharetnografico.blogspot.com.br/2011/12/falacia-do-consenso-no-ocupa-rio-11211.html

Haraway, D. J. (2008). When species meet. Minneapolis: University of Minnesota Press.         [ Links ]

Latour, B. (2004). Se falássemos um pouco de política. Política & Sociedade, 3(4), 11-40.         [ Links ]

Moraes, M. (2014). Do pesquisarCOM ou do tecer e destecer fronteiras. In A. G. Bernardes, G. M. Tavares, & M. Moraes (orgs.). Cartas para pensar: Políticas de pesquisa em Psicologia. Vitória: EDUFES.         [ Links ]

Rancière, J. (2005). A partilha do sensível: estética e política (M. C. Netto, Trad.). São Paulo: Editora 34.         [ Links ]

Stengers, I. & Despret, V. (2012). Les faiseuses d'hitoires. Que fontles femmes à lapensée. Paris: Lesempêcheurs de penser em rond. La découverte.         [ Links ]

 

 

Recebido em 09/12/2015
Aprovado em 11/05/2016

 

 

1 Maria Puig de la Bellacasa é pesquisadora sênior na Universidade de Leicester (UK). Tem como um dos seus interesses a produção de formas alternativas de conhecimento e organização em movimentos sociais, - como as práticas cotidianas do cuidado em movimentos ecologistas. Ela publicou diversos artigos e capítulos de livros sobre temas como feminismo, ética, política e práticas científicas. Seu mais recente livro é Matters of Care: Speculative Ethics in More Than Human Worlds (2016) e seu livro de estreia Politiques féministes et construction des savoirs. "Penser nous devons (2013).Para mais informações:http://www2.le.ac.uk/departments/management/people/maria-puig-de-la-bellacasa
2 Nada vem sem o seu mundo: pensando com cuidado. Agradeço a Amanda Muniz pela presente tradução, utilizada para fins de pesquisa. As citações desse artigo ao longo do texto remetem a essa tradução, com páginas de citação do original.
3 12Méier foi uma ação realizada em 12 de maio de 2012 na praça Agripino Grieco, no Méier, a partir do chamado da Porta do Sol, na Espanha, para comemorar um ano de ocupação dessa praça em Madrid que havia constituído o movimento do 15M na Espanha. O chamado convocou as pessoas a tomarem as praças para discutir políticas, ações locais, formando uma ressonância entre essas praças. O evento foi organizado em sua maioria por pessoas que haviam participado da OcupaRio e marcava uma continuidade dessa ação. A OcupaRio foi a ocupação da praça da Cinelândia entre 22 de outubro e 4 de dezembro de 2011. O movimento também estava ligado, a partir de pautas locais, com as ações globais que tiveram como maiores expressões a Primavera Árabe (no Egito), a Porta do Sol (na Espanha) e o Occupy (nos Estados Unidos).
4 A Ocupa dos Povos foi a ocupação de uma pequena praça sem nome, ao lado da Praça Paris, onde se encontra o monumento a marechal Deodoro da Fonseca, mas que é nomeada pelas pessoas em situação de rua como "Praça do Cavalo" em referência ao cavalo de Fonseca. A ação ocorreu ao longo da Conferência das Nações Unidas pelo Desenvolvimento Sustentável Rio +20 (CNUDS) e do evento paralelo da Cúpula dos Povos entre os dias 15 a 23 de junho de 2012. Organizada inicialmente por remanescentes da OcupaRio, reuniu pessoas de várias ocupações do Brasil, assim como ativistas autônomos da América Latina, pessoas em situação de rua, militantes de movimentos sociais, coletivos culturais. Seu intuito era o de facilitar um encontro entre essas pessoas, possibilitando que todos fossem atores na composição do que é um desenvolvimento sustentável.
5 Nome pelo qual eram chamadas as ocupações das praças.
6 "olhar/respeitar/ver-se um ao outro/devolvendo o olhar em/encontros/ótico-hapticos. Espécies e respeito estão num contato ótico/haptico/afetivo/cognitivo; eles estão sentados juntos à mesa, eles são comensais, companheiros, em companhia, cum panis" (Tradução nossa).
7 A importância dessas conceituações feministas não nasceu exclusivamente do seu caráter acadêmico. Pelo contrário, a compreensão coletiva delas está ligada a questões colocadas do ponto de vista dos coletivos em luta, posição que dá acesso a outras visões do mundo além daquelas disponíveis somente do ponto de vista acadêmico (Harstock, 1987). Os estudos feministas assim compreendidos propõem um continuum entre o engajamento no trabalho dos saberes e das ciências e um engajamento nas lutas políticas. Eles afirmam uma visão social e política da construção de saberes e das ciências e sugerem uma concepção da cientificidade que não vê de maneira contraditória o caráter interessado e científico do saber, que não ignora o problema colocado por uma identidade por vezes política e social, mas, de fato, um ingrediente de trabalho. (Tradução nossa).

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