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Pesquisas e Práticas Psicossociais

versão On-line ISSN 1809-8908

Pesqui. prát. psicossociais vol.11 no.1 São João del-Rei jan./abr. 2016

 

Pensar relações não-inocentes: Farmácia e Odontologia em São Paulo por um viés de gênero (1985 - 1906)

 

Thinking non-innocent relations: Pharmacy and Dentistry in São Paulo studied through a gender bias (1985-1906)

 

Pensar relaciones no inocentes: Farmacia y Odontología en Sao Paulo a través de un bies de género (1985-1906 )

 

 

Isabella Bonaventura de Oliveira

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - USP. Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade de São Paulo (USP). isa.bonaventura@gmail.com

 

 


RESUMO

Através de uma perspectiva situada, este relato de pesquisa discutirá as controvérsias e alianças que permearam o processo de institucionalização da farmácia e odontologia em São Paulo na Primeira República. Tais grupos pretendiam se estabelecer como áreas separadas da medicina e, para tanto, buscaram firmar alianças: fundando suas sociedades científicas, como a Sociedade Farmacêutica Paulista (1895) e a Sociedade Odontológica Paulista (1903), bem como, veiculando seus periódicos específicos. Destaca-se que tais profissões se mostraram permeáveis à presença de mulheres, sobretudo após a criação da Escola de Farmácia no ano de 1898. Dessa forma, pretende-se compreender as questões de gênero que atravessaram esse processo de institucionalização. Procura-se discutir de que maneira a presença dessas agentes promove novos direcionamentos e problemas em relação às concepções ascéticas e 'objetivas' de ciência que farmacêuticos e dentistas pretendiam mobilizar.

Palavras-chave: Gênero, Escola de Farmácia e Odontologia, História das ciências.


ABSTRACT

Through a situated perspective, this research discusses the controversies and alliances that permeated the process of institutionalization of pharmacy and dentistry in São Paulo at the First Republic. These groups wanted to establish themselves as separated disciplines of medicine; therefore, they made alliances, such as the foundation of their scientific societies: the Paulista Pharmaceutical Society (1895) and the Paulista Dental Society (1903) as well, they published specific journals. These professions showed to be more permeable to the presence of women, especially after the creation of the School of Pharmacy in 1898 in Sao Paulo. In this way, it is also intended to understand how gender issues have made part in this process of institutionalization. It discusses how the presence of these agents promoted new directions and problems in the purified field of the ascetic's conceptions and 'objective' science that pharmacists and dentists sought to raise.

Keywords: Gender, School of Pharmacy and Dentistry, History of sciences.


RESUMEN

A través de una perspectiva situada, esta investigación analiza las controversias y alianzas que permearon el proceso de institucionalización de la farmacia y odontología en São Paulo durante la Primera República. Estos grupos querían establecerse como áreas separadas de la medicina, por lo tanto, trataron de hacer sus alianzas: fundando sociedades científicas, tales como la Sociedad Paulista Farmacéutica (1895) y la Sociedad Dental Paulista (1903), así, publicando sus revistas específicas. Tales profesiones se mostraron más permeables a la presencia de las mujeres, especialmente después de la creación de la Facultad de Farmacia en 1898 en Sao Paulo. De esta manera, también se pretende comprender las cuestiones de género que atravesaron este proceso de institucionalización. Se busca analizar cómo la presencia de estos agentes promovió nuevas direcciones y discusiones respecto a las concepciones ascéticas y de ciencia "objetiva" que los farmacéuticos y dentistas buscaban movilizar.

Palabras-clave: Género, Facultad de Farmacia y Odontología, Historia de las ciencias.


 

 

Introdução

Este relato de pesquisa discutirá as estratégias empreendidas por grupos de farmacêuticos e dentistas a fim de estabelecerem-se como campo profissional separado da medicina1 na Primeira República. Em meio a esse processo, é possível perceber que tais profissões se mostraram permeáveis à presença de mulheres, sobretudo após a criação da Escola de Farmácia e Odontologia no ano de 1898 em São Paulo. Desta forma, objetiva-se compreender as questões de gênero que atravessaram tal processo de institucionalização.

Os projetos políticos nos anos iniciais da Primeira República constituíram-se, essencialmente, nos binômios ignorância/doença como problemas a serem solucionados pela saúde/educação (Silva, 2014):

Tais avaliações se basearam, por um lado, na visão da ignorância e das doenças como dados que dificultariam o soerguimento de um governo plenamente republicano; em direção contrária, a busca pela educação e saúde serviria para auxiliar na construção do que se imaginava ser o caminho da modernização do país e do estado (p. 33).

Em diálogo com as tais propostas, algumas profissões da área de saúde - como a medicina, a farmácia e a odontologia - atribuíram-se da tarefa de 'civilizar' a população por meio de ações de saúde pública e higiene (Silva, 2014).

A farmácia e a odontologia não serão consideradas como áreas de conhecimento já existentes que até meados do século XIX seriam 'pré-científicas', ou seja, menos objetivas2. Através de uma abordagem histórica, desconfia-se da estabilidade que tais profissões dispõem atualmente, apresentando-se como resultado das políticas modernizadoras da Primeira República (ações sociais), ou como áreas de conhecimento advindas de uma observação ascética e neutra de uma 'natureza' já existente - atividade científica. Em diálogo com Bruno Latour (2009):

Se ao invés de ligarmos os pobres fenômenos às amarras sólidas da natureza e da sociedade, deixarmos que os mediadores produzam as naturezas e as sociedades, teremos invertido o sentido das transcendências modernizadoras. Naturezas e sociedades transformam-se nos produtos relativos da história (p. 126).

Nesse sentido, o presente relato de pesquisa se distanciará de uma abordagem que pretenderia fixar um sentido -seja ele 'social' ou 'natural' - ao processo de institucionalização da farmácia e odontologia em São Paulo. Almeja-se seguir homens, mulheres, compostos químicos, boca, espaços de ensino, revistas e sociedades científicas, a fim de rastrear seus deslocamentos e agenciamentos (Deleuze & Guattari, 2014), ou seja, de que maneira se estabeleceram movimentos coextensivos de desmontagem, transformação e produção de novas possibilidades entre agentes necessariamente heterogêneos.

É possível dizer que a análise do processo de institucionalização da farmácia e da odontologia em São Paulo fica empobrecida caso se ignore a discussão (possível) acerca das problemáticas de gênero. Para tanto, é desejável observar como os argumentos que almejavam estabelecer uma identidade (Foucault, 1985) - para farmacêuticos e dentistas - dialogavam com os debates médicos do período sobre a existência de aptidões restritas e naturalizadas para mulheres e homens (Laqueur, 2001). Tal concepção estabelecia uma dualidade intransponível e a-histórica entre os sexos, segundo a qual os homens seriam dotados de virilidade, ousadia e liderança, enquanto as mulheres se definiriam por traços maternais, altruístas e voltados à subordinação (Rohden, 2009).

A presença de alunas na Escola de Farmácia e Odontologia, portanto, não será considerada como a resultante de um "progresso histórico", argumento segundo o qual as mulheres teriam acesso a profissões já cristalizadas. Tal abordagem 'progressista' é criticada por VincieneDespret e Isabelle Stengers (2011): "Comme si lesdroitsdesfemmes ou deshomosexuels/lesétaienttombés de l'arbre de notrecivilisation à lamanière d'une pommelorsqu'elle est mure. " (p.21). Nesse sentido, analisa-se de que maneira a presença de alunas na Escola de Farmácia e Odontologia atuou ativamente na composição dos saberes, práticas e objetos que povoariam a identidade profissional do farmacêutico/a e dentista na Primeira República.

Desta forma, a partir dos discursos veiculados pelos periódicos da Sociedade Farmacêutica Paulista e da Sociedade Odontológica Paulista, deseja-se perseguir as "conversas e conexões não inocentes" (Haraway, 1995, p. 11) estabelecidas entre grupos de farmacêuticos/as, medicamentos, os/as dentistas, boca e médicos. Através de uma análise situada (Stengers, 2013), busca-se pensar com os agentes envolvidos: não os considerando como grupos homogêneos, coerentes e dóceis, mas como singularidades complexas que ora reuniram-se, ora distanciaram-se a fim de criarem espaços de atuação e discurso, como veremos a seguir.

 

Farmácia e Odontologia em São Paulo: um 'novelo de redes'

Farmacêuticos e dentistas paulistas buscaram o estabelecimento de grupos específicos - e atuantes - frente às políticas de saúde empreendidas nos anos iniciais da Primeira República. Para tanto, esses setores recorreram à organização de alianças, fundando suas sociedades científicas entre a última década do século XIX e a primeira do século XX. Além da busca por aliados (Latour, 2009), destaca-se a delimitação de uma identidade profissional, ou seja, a afirmação de quais seriam os saberes, objetos e práticas adequados ao 'bom' farmacêutico e dentista.

Os periódicos paulistas especializados em farmácia e odontologia eram vinculados às recém-fundadas sociedades científicas, atuando como espaços de fala e agremiação. A Revista Farmacêutica, por exemplo, foi fundada em 1895 pela Sociedade Farmacêutica Paulista; essa publicação circulou até 1914, sendo interrompida entre 1903 e 1905. Durante esses dois anos, farmacêuticos associaram-se aos dentistas, e lançaram a Revista Farmacêutica e Odontológica (1903 a 1905). Finalmente, após a criação da Sociedade Odontológica Paulista (1905), dentistas e farmacêuticos voltaram a manter periódicos distintos: foi criada a Revista Odontológica Paulista que circulou entre 1905 e 1911 e a Revista Farmacêutica foi retomada, perdurando até 1914.

Nesse primeiro momento, as sociedades científicas utilizaram-se dos periódicos para fomentarem o estabelecimento de relações entre farmacêuticos, médicos e profissionais da saúde pública de diferentes localidades (inclusive de fora do país). Assim, o editorial da Revista Farmacêutica de Maio de 1895 destacou (São Paulo, 1895):

Como foi que os nossos colegas d'além mar [europeus] conseguiram elevar a nossa classe? Instruindo-se, formando associações e criando revistas profissionais. Trataremos, pois, de imitá-los e conseguiremos certamente o nosso desideratum[desejo] [...] Como associados, já temos sido atendidos com imediatas e necessárias soluções pelos altos poderes do Estado, e aquilo que assim conseguimos talvez não nos fosse possível alcançar por meio de um simples pedido individual (p.1-2).

A partir dessas publicações, farmacêuticos e dentistas veicularam os saberes considerados adequados à profissão e afirmaram sua relevância política. Tais grupos também estabeleceram alianças com os 'não humanos' (Latour, 2009) - compostos químicos, receitas de remédios, boca, gengivas, dentes. Tais misturas eram divulgadas na imprensa científica pelo viés da purificação, colocando esses profissionais como leitores objetivos dos sinais emitidos pela Natureza.

Ao longo das publicações analisadas até o momento, nota-se que uma determinada concepção de progresso científico é evocada como elemento constituinte da prática farmacêutica. Em artigo publicado em 15 de maio de 1895 e intitulado Prática Farmacêutica, Ignacio Puiggari (1895) argumentou: "Não podem todos fazer grandes descobertas, mas mesmo como simples operários, não devemos deixar de colocar nossa pequena pedra para o grandioso edifício da ciência." (p.11).

Em diálogo com Isabelle Stengers (2013) e Donna Haraway (1995), considera-se que as concepções modernas de avanço científico - evocadas por Puiggari no âmbito da farmácia - inserem-se em uma dinâmica binária, hierárquica e genderizada. Segundo essa noção progressista de ciência, em uma extremidade estaria o cientista - ser "não marcado"3, possuidor de um ponto de vista privilegiado, objetivo, sem hesitações, vinculado ao masculino - e, na outra, encontrar-se-iam os seres "marcados" - impossibilitados de empreender uma análise objetiva, femininos e hesitantes.

Essa noção de objetividade evocada pela ciência moderna é denominada por Haraway (1995) como 'olho de deus', permitindo ao pesquisador - vinculado ao masculino - ver tudo como se não possuísse um corpo, ou seja, sem comprometer-se. A autora pontua que, embora o cientista discurse como um ser "não-marcado" e neutro, ele perpetua um posicionamento político e é obrigado, em sua atividade prática, a negociar e envolver-se com a vontade dos "objetos" (Haraway, 1995):

Explicações de um mundo real, assim, não dependem da lógica da 'descoberta', mas de uma relação social de 'conversa' carregada de poder. O mundo nem fala por si mesmo, nem desaparece em favor de um senhor decodificador. Os códigos do mundo não jazem inertes, apenas à espera de serem lidos. O mundo não é matéria-prima para humanização [...] O mundo encontrado nos projetos de conhecimento é uma entidade ativa. (p.37).

Nesse sentido, percebe-se que Ignácio Puiggari (1895), ao relatar a preparação de uma "limonada gazoza de citrato de magnésia" (p.12), acaba por explicitar aspectos interessantes da relação não linear - permeada por controvérsias e acidentes - estabelecida entre o farmacêutico e os compostos químicos manejados:

Coloca-se na garrafa a solução ácida de citrato de magnésia devidamente adoçada, juntam-se quatro gramas de bi-carbonato de soda, arrolha-se e amarra-se a tampa com rapidez. São evidentes as dificuldades que apresenta este sistema, pois, logo que o bi-carbonato se põe em contanto com o líquido ácido, desenvolve-se rapidamente o gaz ácido carbônico, e é durante essa efervescência que o operador deve comprimir o gaz, tapando a garrafa com uma rolha de cortiça e amarrando-a imediatamente. Esta operação apresenta sempre dificuldades, por serem poucos os que tem a destreza suficiente; o menor descuido, a mais insignificante imperfeição da rolha, dão como resultado escapar-se o líquido impetuosamente da garrafa molhando a mesa de trabalho e o operador, que fica em posição tristemente ridícula. É preciso, portanto, recomeçar o trabalho, dando-se consequentemente a perda de tempo e o desperdício de materiais. As manipulações do farmacêutico devem ser feitas sempre com firmeza sem receio de eventualidades, dominando a substância em vez de ser por elas dominado (p.12).

Nesse momento, apesar de narrar as negociações e controvérsias que permeavam a relação do farmacêutico com os compostos químicos, Puiggari evoca, notadamente, a concepção moderna de prática científica, segundo a qual o cientista deve dominar seu objeto, a fim de obter um resultado definitivo. De acordo com o farmacêutico, uma boa manipulação deveria controlar - "com firmeza e sem receio" (p.12) - os compostos químicos que lhe respondessem de maneira indócil.

Sendo assim, destaca-se, novamente o aspecto genderizado e disciplinar que envolve tal concepção de prática científica (Stengers, 2013), pois tudo o que possa levar o "verdadeiro" pesquisador (masculinizado) à hesitação (feminina) deve ser evitado: "Soyez des hommes, pas de femmelettes scrupuleuses et bavardes. Que votre oui soi toui! Ne vous complaisez pas dans les doutes et les incertitudes. " (p.35).

O artigo de Puiggari nos permite pensar acerca do modo pelo qual os medicamentos eram consumidos e manipulados nas farmácias do período. Após abordar como se prepararia uma boa soda limonada, destaca:

Resulta uma preparação límpida de gosto agradável, fortemente gasosa e que poderá servir de veículo à muitas poções, como, por exemplo, a seguinte em que se pode administrar o sulfato de magnésio: Mistura salina gasosa - 200 gramas; Sulfato de magnésio - 30 gramas e Espírito de Hortelã Pimenta - 1 a 5 gotas. O gosto do sulfato de magnésio fica bem dissimulado nesta poção de aspecto agradável e altamente econômico (p.13).

Então, ao longo do artigo Prática Pharmacêutica (1895), percebe-se de que maneira buscou-se construir uma relação entre a atividade do farmacêutico e uma determinada noção de ciência e objetividade, segundo a qual as alianças com os não-humanos teriam como objetivo controlá-los. Tal concepção foi mobilizada, não poucas vezes, com o objetivo de legitimar a atuação do farmacêutico em projetos de saúde/educação republicanos. Nesse sentido, destacava-se a importância da boa manipulação dos medicamentos para que as práticas terapêuticas desempenhadas com o paciente obtivessem êxito (D'Azir, 1895):

Uma boa farmácia, isto é, a preparação conscienciosa dos medicamentos, sua qualidade irreprochável e uma dosagem de perfeita exatidão constituem condições indispensáveis para a eficácia de qualquer medicina; e se esta condição de boa farmácia não for preenchida, os esforços do médico serão nulos - seja qual for o seu saber, seja qual for a sua experiência (p.60).

A odontologia, por sua vez, a fim de frisar sua contribuição à saúde pública, aproximou-se estrategicamente da Sociedade Farmacêutica e dessa parceria resultou a publicação da Revista Farmacêutica e Odontológica entre 1903 e 1905. Sara Nettleton (1988) argumenta que o surgimento da odontologia se relacionou com o estabelecimento da boca como parte separada do restante do corpo e à expansão de saberes higienistas, os quais consideravam a cavidade bucal um lugar propício à entrada de doenças. A autora destaca, então, que a odontologia só pôde organizar-se como disciplina especializada no momento em que a boca - e sua internalidade - foram apreendidas como objetos pela saúde pública na segunda metade do século XIX.

Nesse sentido, destaca-se o discurso proferido pela dentista Clymente de Andrade (1906) à Sociedade Odontológica Paulista em dezembro de 1905 e publicado na Revista Odontológica em fevereiro de 1906. Dentre os assuntos enfatizados por C. Andrade (1906), está a importância do cuidado com a saúde bucal: "Para a conservação da saúde a odontologia é uma necessidade. Para a estética e boa formação ela é imprescindível." (p.4). Nesse momento, justamente, a autora argumenta que personagens como Olavo Bilac e Julia Lopes não teriam a mesma retórica em seus discursos se não possuíssem dentes saudáveis (C. Andrade, 1906, p.04).

Além de frisarem a importância do cuidado bucal para a manutenção da saúde na república, os grupos de dentistas paulistas também estabeleceram alianças com objetos específicos. Conforme artigo publicado na Revista Farmacêutica e Odontológica em fevereiro de 1903 (Hygiene, 1903): "Os resfriamentos trazem nevralgias dentárias, fluxões, abscessos, e são um bom fator na origem das gengivites, estomatites e pulpites. Os agentes atmosféricos têm influência indubitável na produção da angina, e são um bom fator na origem das gengivites, estomatites e pulpites" (p.22).

Percebe-se que a odontologia se alia com não-humanos, tais quais as gengivas, os dentes, o sangue e a temperatura em busca de afirmar-se como saber válido como prática de cura. Além disso, essa publicação aborda a boca simultaneamente como porção específica e independente ao restante do corpo e como espaço sensível à comunicação com o ambiente externo.

Ao longo das publicações veiculadas nos anos iniciais da Revista Odontológica Paulista, observa-se que os grupos de dentistas paulistas também buscaram delimitar o que constituiria a "boa" odontologia. Nesse momento, foram evocadas, novamente, as noções de acumulação linear e progressiva de conhecimento. Tal aspecto pode ser evidenciado em artigo publicado em abril de 1905: "Acreditava-se, geralmente, que a arte dentária, assim denominada, só dá [resulta em] artistas aptos ao trabalho mecânico da profissão, quando, é certo esta feição vem acompanhada de um cabedal científico que concorre para o bom êxito daquele." (Revista, 1905, p.3-4).

Sendo assim, a partir dos artigos veiculados pelas revistas da Sociedade Farmacêutica e da Sociedade Odontológica Paulista, é possível perceber que os laços estabelecidos com os 'não humanos' são evocados pelo viés da purificação (Latour, 2009), ou seja, como vimos, farmacêuticos e dentistas eram descritos como aqueles que leriam de forma 'objetiva' e linear - sem hesitar - os sinais emitidos pela natureza exterior.

Tais argumentos eram mobilizados com o objetivo de enaltecer o papel dessas áreas frente à saúde pública republicana, assim como, de diferenciar as concepções de farmácia e odontologia - em construção nesse momento - das práticas empreendidas por curandeiros e ervanários.

Nesse sentido, um artigo publicado na Revista Odontológica Paulista em janeiro de 1908 argumentava (Salgado, 1908):

Se tantos cabedais científicos são exigidos pelas leis, como tolerar o exercício da odontologia por aqueles que são inteiramente leigos na matéria e alguns até analfabetos. Do mesmo modo que o médico é ginecologista, parteiro, cirurgião, especialista de sífilis, da garganta, de olhos, ouvidos. Porque não considerar a odontologia uma especialidade, um ramo dessa grande ciência (p.18).

No âmbito da farmácia, a Revista Farmacêutica em artigo de julho de 1897 destacou (O Pharmacêutico, 1897):

Muitas vezes temos que vencer a resistência da matéria empregada, por agentes físicos ou químicos ou ambos ao mesmo tempo, cientificamente empregados. Não é raro manusearmos uma considerável porção de substâncias, de propriedades diferentes, para realizar várias operações, transformando as drogas em medicamentos. Após essas considerações, manifestadamente, não somos negociantes. Demais, estes ignoram o modus fazendi e a utilidade dos aspectos que vendem; deles não se exige diploma, nem conhecimentos científicos. (p.39)

Através das publicações analisadas até o momento, percebe-se que curandeiros e ervanários são citados como incapazes de "lerem" os sinais emitidos pela natureza. Tais publicações alegavam que esses últimos "misturariam" os objetos com seus anseios religiosos e comerciais; sendo assim, não possuiriam o posicionamento objetivo - "não-marcado" - que se esperaria de um 'verdadeiro cientista' (Stengers, 2013).

***

Os periódicos da Sociedade Farmacêutica Paulista e da Sociedade Odontológica Paulista não veicularam seus discursos4 em num espaço vazio: outras redes, agentes e significados estavam organizados e, não poucas vezes, competiam por espaço e preponderância. Nesse sentido, farmacêuticos e dentistas, embora buscassem criar espaços de atuação desvinculados da medicina, utilizavam-se do lugar de fala prestigiado que essa última dispunha no período, bem como, da importância que a saúde pública havia adquirido junto à educação nos projetos modernizadores da Primeira República.

Aproximar-se dos médicos, mesmo que temporariamente, significava aliar-se às políticas sanitárias da república, distanciando-se, assim, de práticas de cura consideradas 'atrasadas', como as de ervanários, curandeiros, farmacêuticos e cirurgiões dentistas 'práticos', como já esboçamos. Por exemplo, a profissão de dentista mantinha, ao longo do século XIX, uma fama de atividade puramente mecânica e desenvolvida por escravos (Pimenta, 2004). Enquanto o farmacêutico era considerado um comerciante, pois (Marques, 2009): "Nas boticas oitocentistas vendia-se mais do que remédios e franguinhos para os caldos e as canjas medicinais, realizando-se ali também grandes transações, que iam desde negócios com casas e capturas de escravos até assinaturas para impressão de gramática (p.177)".

Porém, tal vínculo com a medicina não seria suficiente para que farmacêuticos e dentistas atingissem seu objetivo de criar um espaço de ensino e um campo profissional autônomos. Em artigo publicado em setembro de 1898 na Revista Farmacêutica lê-se: "O médico está para o farmacêutico como a grande árvore está para o pequeno arbusto, a grande árvore desenvolve-se e cresce, estendendo seus frondosos galhos sobre o arbusto que definha e morre."(Escola Livre, 1898, p.78).

Sendo assim, surgiu a necessidade de criar um espaço específico à farmácia e à odontologia, no qual as necessidades de seus objetos e profissionais pudessem ser atendidas. Poucos anos depois, a partir de 1903, com a fundação da Revista Farmacêutica e Odontológica, percebe-se que os dentistas também iniciam um movimento de individuação5, com o objetivo de criar um espaço mais adequado às suas necessidades. Tais setores, conforme discutido acima, buscaram delinear uma identidade profissional, definindo quais seriam os saberes, objetos e práticas desejáveis, assim como quais sujeitos não estariam autorizados a desempenhar práticas de cura.

Nesse momento, as revistas especializadas publicaram numerosos artigos que diziam respeito às especificidades da farmácia e da odontologia em relação à Medicina, bem como, a necessidade de se criar um espaço de ensino autônomo (Costa, 1895):

Conquanto a criação da Sociedade Farmacêutica de São Paulo seja elemento poderoso para chegar-se a esse desideratum, não é todavia bastante, e acho de indeclinável necessidade a fundação de uma Escola de Farmácia com programa vasto e de acordo com o progresso hodierno. Desde que esteja instalado um centro científico de tal ordem, muitos moços de talento, de boa vontade e desejosos de aprender, virão inscrever-se e teremos um exército de trabalhadores, onde o estímulo e o patriotismo predominarão, porque o discípulo de hoje poderá vir a ser o mestre de amanhã. (p.5)

A criação de uma faculdade própria seria um passo estratégico nesse processo de formação de uma identidade profissional, pois ampliaria a quantidade de profissionais atuantes, resultando em mais alianças - fator que proporcionaria maior força política e científica. A intenção era normatizar tanto as práticas de cura desempenhadas por ervanários e curandeiros, quanto a formação das futuras gerações de farmacêuticos e dentistas, que seriam treinados para dominarem seus objetos, sempre realizando as "verdadeiras perguntas", sem hesitação (Stengers, 2013).

 

O caso da Escola de Farmácia e Odontologia de São Paulo por um viés de gênero.

Durante os anos finais do século XIX, a Sociedade Farmacêutica iniciou uma campanha pela criação de um espaço de ensino voltado exclusivamente à formação em farmácia; tais esforços culminaram na fundação da Escola de Farmácia em 1898. Tal instituição anexaria os cursos de Odontologia e Obstetrícia em 1903, transformando-se em Escola de Farmácia, Odontologia e Obstetrícia de São Paulo.

Através da análise dos artigos da Revista Farmacêutica e da Revista Farmacêutica e Odontológica, observa-se um estímulo para que as jovens em busca de instrução procurassem se integrar ao corpo de estudantes da Escola de Farmácia e Odontologia. Esse estímulo obteve resultados interessantes, principalmente se considerarmos as matrículas realizadas até março de 1903 (Escola, 1903): dos 166 alunos inscritos em farmácia, 25 eram mulheres (15%) e em odontologia dentre os 46 matriculados, havia 11 alunas (23%).

Em artigo publicado em outubro de 1898, observa-se o estimulo à formação de mulheres em farmácia, explicitando-as como colaboradoras ilustradas e relacionando o preparo de medicamentos à receita de um doce (Acta, 1898):

A Escola de Farmácia pode também proporcionar à mulher brasileira mais uma aptidão à sua inteligência, mais um ramo de vida às suas justas aspirações. A eterna e boa companheira dos nossos dias, que já nos correios e nos telefonos tem tido ocasião de provar as suas aptidões, pode também aproveitar a profissão de farmacêutico colaborando conosco nos progressos do espírito humano. Quem melhor, pergunta o orador, poderia adoçar uma pílula (p. 141).

Primeiramente, deseja-se refletir sobre a necessidade em se formular um discurso sobre a aptidão das mulheres à profissão de farmacêutica. Em diálogo com Despret e Stengers (2011), enfatiza-se que as mulheres pertenceriam à categoria dos seres "marcados" comprometendo, assim, em um primeiro momento, o ideal de ciência objetiva - "não-marcada" - almejado pelas sociedades científicas projetado na fundação da Escola de Farmácia. Sendo assim, percebe-se que os artigos publicados na Revista Farmacêutica se apressaram em explicar - e, sobretudo, justificar - por que seria desejável ter alunas nessa instituição de ensino.

O referido artigo de outubro de 1898 buscou formular um discurso que tornasse inteligível a existência de uma farmacêutica - que acima de tudo "seria mulher"6 - em um lugar permeado pela ética científica dominadora e impetuosa. Desta forma, quando se descreve o campo de atuação das futuras farmacêuticas, a manipulação de medicamentos é comparada a preparação de um doce e a profissional é citada como uma colaboradora "nos progressos do espírito humano" (Acta, 1898, p.141). Tal aspecto dialoga com a reflexão de Stengers (2013) a respeito da presença de mulheres em instituições vinculadas a uma ética masculina de "conquista do conhecimento":

Mais si elle resiste, c'est seulement parce que les filles peuvent désormais y obtenir les diplômes qui leur permettrons de gagner leur vie. Mais qu'elles évitent d'y faire carrière dans les professions qui promettent prestige et influence. Qu'elles profitent de l'université pour acquérir des savoirs qui les émancipent effectivement, mais qu'elles restent aux marges. Car elles ne pourront modifier l'ethos que demandent ces professions: la rivalité agressive, la prostitution intelectuelle, l'attachement à des idéaux abstracts. (p.33).

A relação de submissão presente no trecho da Revista Farmacêutica de 1898 (Acta, 1898) também se apresenta na maneira como o farmacêutico é concebido na hierarquia das profissões em saúde. Conforme se verifica em publicação da Revista Farmacêutica abordando o caso de casamento entre um médico e uma farmacêutica7 na França (Queiroz, 1898): "Em tais condições hão de forçosamente se dar inúmeras uniões entre membros das suas profissões que reúnem tantos interesses comuns: medicina ativa, ousada, mais particularmente destinada ao homem, e a farmácia, sedentária, meticulosa, é apropriada à mulher" (p.153).

Em meio a essa relação de subordinação das práticas farmacêuticas à atuação do médico, situa-se uma interessante questão de gênero: no trecho citado, o médico - masculino - é considerado o grande protagonista do avanço científico enquanto o (a) farmacêutico (a) - feminino - se restringiria ao papel de auxiliar ilustrado (a).

Embora não se observe a presença de mulheres na Sociedade Farmacêutica Paulista, as interfaces entre a questão de gênero e a farmácia se mostram presentes nos discursos que abordam a criação e manutenção da Escola de Farmácia. A farmacêutica é citada como plenamente capaz de administrar uma farmácia e preparar medicamentos. Apesar dos artigos citarem uma questão 'progressista' que envolveria a profissionalização de mulheres, mantém-se a concepção de um "ser" feminino cujas habilidades ligar-se-iam, necessariamente, ao lar (Escola Livre, 1899):

É tempo de dilatarmos os horizontes para a atividade da mulher, dar-lhes profissões mais liberais, mais intelectuais, mais e melhores elementos para a luta da vida. Dirigir seu lar; dirigir sua farmácia e acalentar seus filhos, poderá a mulher fazer com aquilo doce energia, com aquela rigorosa brandura (p. 176).

Ao se analisar as atas da Sociedade Odontológica Paulista, publicadas pela Revista Odontológica a partir de 1903, destaca-se a presença de seis mulheres que mantinham consultórios na região central da cidade de São Paulo. A presença dessas associadas, a veiculação de seus discursos pelas atas publicadas, bem como sua atuação profissional evidenciam a agência dessas dentistas no processo coletivo de estabelecimento do que seria a odontologia e quem estaria autorizado a exercê-la.

Em discurso proferido em dezembro de 1905 e publicado pela Revista Odontológica Paulista em fevereiro de 1906, a dentista Clymente de Andrade destaca a trajetória da odontologia até aquele momento, frisando que essa profissão pouco a pouco se separou de habilidades mecânicas, tornando-se uma atividade racional e científica. C. Andrade (1906) inicia seu discurso destacando a importância da odontologia para a saúde do cidadão, especialmente, da criança, "[...] essas inquietas criaturinhas [...]" (p.7), e em seguida destacou as vantagens da presença de mulheres nesse ofício: "Quem melhor que a mulher, que está mais acostumada a aturar essas inquietas criaturinhas, acharão meios audaciosos e prontos, para a execução de trabalhos na boca desses adoráveis manhosos, de que a maioria dos dentistas tanto se queixa" (p.07-08).

Clymente de Andrade (1906) mobiliza tanto as noções de ciência objetiva e progressista, quanto apresenta uma concepção essencialista de "mulher" - enquanto ser dotado de habilidades específicas: "Ficai certos, também vos digo, de que, por se entregarem ao estudo das artes e das ciências, não perderão elas os caracteres próprios, e, portanto, não deixarão de ser boas esposas, mães, filhas ou irmãs extremosas. " (p.10). Destaca-se, assim, que a categoria "mulher" - enquanto essência ou "ser marcado" - foi mobilizada estrategicamente por Clymente que buscou explicitar o papel - científico e político - que as dentistas gozariam no atendimento às famílias e crianças, ou seja, na manutenção da saúde republicana.

No campo da odontologia, (considerando o fato da existência de mulheres atuantes em sua sociedade científica), há artigos interessantes que apontam para a agência das dentistas na conformação de objetos e saberes próprios à profissão. Nesse sentido, destaca-se o discurso de Vera Andrade à Sociedade Odontológica Paulista, publicado pela Revista Odontológica Paulista em julho de 1906 (V. Andrade, 1906): "A amável e cativante acolhida que dispensastes à minha irmã [Clymente de Andrade], a primeira e única representante do meu sexo que até hoje ocupou essa tribuna, deu-me ousadia bastante para submeter à vossa apreciação este trabalho que ora vou ler" (p.01).

Vera Andrade abordou em sua exposição a utilidade do dentista ao Direito, atuando como perito tanto em questões relativas ao foro civil quanto ao criminal. Em relação ao primeiro, a autora destacou importância do dentista em exames como os pré-nupciais: "A lei que rege esse ato faculta, entre nós, aos interessados, o exame prévio dos nubentes, a bem da procriação duma raça forte e sadia. O dentista mais do que ninguém ao lado do médico deveria ser o perito escolhido." (V. Andrade, 1906, p.03).

Os artigos analisados procuram delimitar como a odontologia - ao mobilizar o conhecimento científico - poderia auxiliar as propostas de modernização no campo político da Primeira República. Essas dentistas destacaram a ligação direta entre a saúde bucal e a formação de populações sadias, sendo que Clymente de Andrade expõe a necessidade de se atentar ao público infantil, destacando a vantagem em se obter mulheres nessa profissão. Vera Andrade, por sua vez, aposta no lugar de fala não-marcado do dentista perito, possível auxiliar do Estado, aconselhando matrimônios entre indivíduos sadios e demarcando a constituição dentária dos criminosos.

Assim, é possível perceber de que maneira a entrada de mulheres na Escola de Farmácia e Odontologia (e sua posterior atuação profissional) mobilizou e agenciou discursos e alianças que estavam se construindo em torno do que seria a "boa" farmácia e odontologia. Enquanto, em um primeiro momento, as estudantes da Escola de Farmácia e Odontologia apareceram como auxiliares ilustradas, em seguida, elas mesmas produzem discursos sobre o que seria a odontologia e acerca de seu papel para a saúde pública republicana.

Tais agentes não se relacionaram de forma linear com as noções de ciência e objetividade não-marcada: em certos momentos o "olhar de Deus" (Haraway, 1995) do cientista foi incorporado (por Vera Andrade, por exemplo) como discurso legitimador. Em outros, o lugar de fala "marcado" das mulheres é evocado (por Clymente de Andrade), visando estabelecer um espaço válido de atuação às dentistas, junto à família e às crianças.

Embora, a princípio, tais estudantes estivessem sendo convocadas para compor áreas 'secundárias' e 'subordinadas', elas souberam utilizar-se estrategicamente dessa posição marginal para infiltrar-se nesse processo de individuação e estabelecimento de redes. Destaca-se também que a formação - e posterior atuação - das farmacêuticas e dentistas engendrou questionamentos de gênero sobre práticas que usualmente eram/são abordadas pelo viés da objetividade - "não-marcada" - do pesquisador.

 

Conclusões Preliminares

Este trabalho buscou apresentar "as conversas e conexões não inocentes" (Haraway, 1995, p. 11) que permearam a institucionalização da farmácia e odontologia em São Paulo na Primeira República. Os discursos veiculados pelos periódicos oficiais da Sociedade Farmacêutica Paulista e da Sociedade Odontológica Paulista foram analisados de forma a pensar o estabelecimento de uma identidade profissional como processo genderizado, em rede e povoado de agentes não-homogêneos.

Nesse momento, farmacêuticos (as) e dentistas paulistas buscaram se estabelecer como grupo autorizado a falar em nome da natureza (de forma neutra), por meio de alianças com humanos e não-humanos (Latour, 2009), fundando sociedades científicas e divulgando suas propostas nos periódicos especializados.

Inicialmente, fora necessário conformar uma aliança junto aos setores médicos, a fim de se diferenciar das práticas desempenhadas por ervanários e curandeiros. Porém, o afastamento em relação à medicina foi necessário para que farmacêuticos e dentistas iniciassem a criação de uma identidade profissional específica e diretamente engajada com as proposições da saúde pública.

Este relato considera a presença de mulheres nessas profissões - por meio de seu acesso à Escola de Farmácia e Odontologia- enquanto aspecto constituinte na configuração dos aliados, saberes, práticas que tais setores visavam estabelecer. Por meio dos artigos analisados, visou-se discutir de que maneira questões de gênero relacionaram-se à composição de alianças, à posição hierárquica e ao papel político e científico que a farmácia e a odontologia ocuparam entre as práticas de cura, em meio ao processo de modernização instituído pela Primeira República.

 

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Recebido em 06/12/2015
Aprovado em 20/04/2016

 

 

1 A Reforma Leôncio de Carvalho, promulgada em 19 de abril de 1879, ou seja, em um período imediatamente anterior ao que estudamos, definia que: "[...] em cada uma das Faculdades de Medicina, estaria uma escola de farmácia, um curso de obstetrícia e ginecologia e de cirurgia dentária" (Melo & Machado, 2009, p.300).
2 Isabelle Stengers (2013) aborda a importância da objetividade na consolidação do 'ethos científico' moderno. Porém a autora destaca que o conceito de objetividade é vazio, pois o cientista só consegue explicá-lo a partir de seu oposto: a opinião - considerada irracional, subjetiva e inadequada à formação de conhecimento (p.35).
3 Segundo Despret e Stengers (2011) “Il y a um genre ‘non-marqué’, qui se présentecomme.‘normal’, et par contraste avec lequel se définit le ‘genremarqué’. La différence entre marqué et nonmarqué se trouve chaque fois qu’une catégorie est ‘invisible’, ce qu’elle designe devenant synonyme d’étalon permettant de caractériser ce qui ‘marque’ ceux et celles qui s’écartent de la norme. Ainsi la catégorie ‘homme’ est considérée comme ununiversel, le fait qu’elle ne designe en fait que 45% de l’humanité est invisibilisé” (p. 34).
4 Considera-se discurso segundo Michel Foucault: "Essas relações [discursivas] caracterizam não a língua que o discurso utiliza, não as circunstâncias em que ele se desenvolve, mas o próprio discurso enquanto prática." (Foucault, 2012, p.56).
5 Em relação a essa vontade de individuação e demarcação de uma subjetividade específica, Michel Foucault (1985) ressalta: "Esta forma de poder aplica-se à vida cotidiana e imediata que categoriza o indivíduo, marca-o com sua própria individualidade, liga-o à sua própria identidade, impõe-lhe uma lei de verdade, que devemos reconhecer e que os outros têm que reconhecer nele. É uma forma de poder que faz dos indivíduos sujeitos." (p.235).
6 Em diálogo com as propostas de Judith Butler (2015), este relato deseja afastar-se de uma noção de "ser" - ou substância - que seria capaz de atribuir às ações, desejos e corpos um sentido ou coerência: "No desafio de se repensar as categorias do gênero fora da metafísica das substâncias é mister considerar a relevância da afirmação de Nietzsche, em Genealogia da Moral, de que 'não há ser por trás do fazer, do realizar e do tornar-se'; o 'fazedor' é uma mera ficção acrescentada à obra - a obra é tudo. Numa aplicação que o próprio Nietzsche não teria antecipado ou aprovado, nós afirmaríamos como corolário: não há identidade de gênero por trás das expressões do gênero; essa identidade é performativamente construída, pelas próprias 'expressões' tidas como seus resultados." (p.56).
7 As associações de farmacêuticos do período condenavam veemente que o médico indicasse o profissional que prepararia o medicamento receitado; sendo assim, esse artigo discutia a legitimidade desse tipo de união, na qual o médico poderia indicar aos pacientes que comprassem medicamentos na farmácia de sua esposa.

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