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Pesquisas e Práticas Psicossociais

versão On-line ISSN 1809-8908

Pesqui. prát. psicossociais vol.11 no.2 São João del-Rei maio/ago. 2016

 

Aspectos do conceito de juventude nas Ciências Humanas e Sociais: análises de teses, dissertações e artigos produzidos de 2007 a 20111

 

Aspects of youth concept in humanities and social sciences: analyses of theses, dissertations and articles from 2007 to 2011

 

Aspectos de concepto de la juventud en las ciencias humanas y sociales: análisis de tesis, disertaciones y artículos de 2007 a 2011

 

 

Alcimar Enéas Rocha TrancosoI; Adélia Augusta Souto OliveiraII

IGraduado em Ciências Sociais e especialista em gestão de ONG e cooperativismo de produção. Mestre em Psicologia e doutorando em Educação pelo PPGE Ufal
IIDoutora em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2005). Realizou estágio de pós-doutorado em Psicologia Social pela Universidad de Barcelona (2011). Professora Associada do Curso de Graduação em Psicologia e do Programa de Pós-Graduação strictu senso em Psicologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Líder do grupo de pesquisa/CNPq: Epistemologia e ciência psicológica

 

 


RESUMO

Nos últimos anos, o tema juventude tem adquirido destaque crescente no campo político, no cultural e no acadêmico. Utilizando método de pesquisa de tipo metassíntese, realizou-se uma reflexão teórica sobre o conceito de juventude a partir de pesquisa em teses, dissertações e artigos das Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, publicados entre 2007 e 2011. Analisou-se o processo de produção desse conceito, suas rupturas, permanências e desafios. Descreve-se aqui a relação entre os termos e os conceitos de juventude/jovem e adolescência/adolescente. Discute-se também a condição juvenil como constituidora de grupo que apresenta ou não posturas intrínsecas, juventude como homogeneidade sócio-histórica e relação entre as categorias juventude e tempo. Os resultados indicam que o conceito de juventude é polissêmico, interdisciplinar e constrito à realidade sócio-histórica-cultural da experiência humana. Ressalta-se ainda a importância do processo identitário e da sobreposição geracional estabelecida nas sociedades.

Palavras-chave: Juventude; Metassíntese; Conceito; Realidade sócio-histórica.


ABSTRACT

In recent years, the theme of youth has become increasingly relevant within the political, cultural and academic fields. Using the metasynthesis method, a theoretical reflection regarding the concept of youth was performed by researching Brazilian dissertations, theses and scientific articles in humanities and applied social sciences, published between 2007 and 2011. The producing process of this concept, its disruptions, stabilities and challenges were analyzed. The relationship between the terms and concepts of youth/young and adolescence/adolescent are described here. The young condition as a group that may or may not have intrinsic attitudes, the youth as a socio-historical homogeneity, and the relationship between both categories youth and time are also discussed. The results show that the concept of youth is polysemic, interdisciplinary, and restricted to the social-historical-cultural reality of human experience. It is also emphasized the prominence of the identity process, and of the generational overlap established within the societies.

Keywords: Youth; Metasynthesis; Concept; Socio-Historical reality.


RESUMEN

En los últimos años, el tema de la juventud se ha convertido cada vez más relevante en el ámbito político, cultural y académico. Utilizando el método metasíntesis, una reflexión teórica sobre el concepto de juventud se llevó a cabo mediante la investigación de disertaciones, tesis y artículos científicos en las humanidades y ciencias sociales aplicadas, publicados entre 2007 y 2011. Se analiza acá el proceso de producción de este concepto, sus interrupciones, su estabilidad y desafíos. Se describe la relación entre los términos y conceptos de juventud/jóvenes y de adolescencia/adolescente. También se discuten la condición de los jóvenes como un grupo que puede o no puede tener actitudes intrínsecas, la juventud como una homogeneidad socio-histórica, y la relación entre las categorías jóvenes y tiempo. Los resultados muestran que el concepto de juventud es polisémico, interdisciplinario, y restringido a la realidad socio-histórica cultural de la experiencia humana. También se hizo hincapié en la importancia del proceso de la identidad y de la superposición generacional establecida dentro de las sociedades.

Palabras clave: Jóvenes; Metasíntesis; Concepto; Realidad socio-histórica.


 

 

Introdução

O tema juventude/juventudes tem adquirido crescente destaque nos últimos anos em distintos campos: acadêmico, político, cultural. No campo acadêmico, ele vem sendo pesquisado a partir de diferentes perspectivas teóricas e metodológicas. Corrobora para isso, por exemplo, o fortalecimento na sociedade da expectativa de que a juventude é a etapa do ciclo da vida na qual culmina o processo de socialização, pois prepara o indivíduo para a produção e reprodução da vida e da sociedade (Abramo, 2005). Tal ponto de vista tem um forte apelo em uma sociedade como a ocidental, erigida sobre pilares capitalistas em que a entrada no mundo do trabalho/emprego é questão fulcral dos projetos de vida. Esse aspecto apresenta uma relação circular de fortalecimento mútuo com as políticas públicas, especialmente as de educação, trabalho e renda.

Essa crescente evidência implica debater o conceito de juventude. Em meio à consciência da complexidade que representa definir juventude, buscamos aqui refletir fundamentalmente sobre a produção de conceitos, com foco no de juventude/juventudes, procurando, a partir de metassíntese realizada em teses, dissertações e artigos produzidos no Brasil nos anos de 2007 a 2011, nas ciências humanas e sociais, responder a algumas perguntas-chave: como tem se dado o processo de produção do conceito de juventude no meio científico e acadêmico brasileiro? Que destaques podem ser feitos relativos ao conteúdo das teses, dissertações e artigos produzidos entre 2007 e 2011 que geram conhecimento sobre juventude? Que rupturas, permanências e desafios podem ser identificados? Quais caminhos podem ser sugeridos para aprofundamento dos estudos sobre juventudes?

Não é objeto deste artigo, portanto, refletir ou catalogar a totalidade do que se produziu sobre juventude/juventudes no período delimitado, mas agregar elementos, dando sequência, ainda que parcialmente, às pesquisas de Cardoso e Sampaio (1995) e de Sposito (2009).

A metassíntese em questão discute a produção do conceito de juventudes estritamente nas áreas das Ciências Humanas, incluindo Linguística, Letras e Artes, e das Ciências Sociais Aplicadas, analisando-se teses, dissertações e artigos científicos vinculados a essas áreas do conhecimento e divulgados no site da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e no Google Acadêmico, publicados entre os anos de 2007 e 2011, abordando o conceito de juventude como assunto principal ou elemento relevante para a discussão proposta.

Tais documentos foram selecionados em três etapas consecutivas e complementares: exploratória, de garimpagem e de análise. A fase exploratória caracterizou-se por estabelecer o banco de dados inicial. Utilizou-se como filtro restritivo, nos três blocos de documentos buscados, a presença obrigatória da palavra juventude(s) no título; para as teses e dissertações, verificou-se também a presença da expressão conceito de juventude, no resumo. Selecionaram-se assim 534 documentos, sendo eles 163 artigos científicos, 68 teses e 303 dissertações.

Na fase de garimpagem, realizou-se a leitura dos resumos das teses e dissertações e a leitura dos artigos científicos. Utilizando critérios propostos por Zanella e Titon (2005), os 534 documentos foram examinados, buscando-se identificar, em cada publicação, tema, fundamentos teóricos e método utilizado. Adicionou-se o critério de presença do conceito de juventude em alguma parte da obra analisada. Com a aplicação desse critério, foram selecionados 213 documentos entre os 534 iniciais, sendo 37 artigos, 35 teses e 141 dissertações. Os 37 artigos foram acessados integralmente. Três teses e 21 dissertações não disponibilizavam o texto integral nos bancos de dados virtuais, incluindo os repositórios virtuais das bibliotecas depositárias. Como não se obteve sucesso no contato com os autores, esses documentos não foram incluídos na amostra final.

Na fase de análise, procedeu-se à leitura de 189 documentos acessados integralmente: 37 artigos científicos, 32 teses e 120 dissertações que traziam algum conceito de juventude.

A vinculação teórica adotada nos trabalhos analisados foi identificada na apresentação pelos autores do conceito de juventude. Portanto, não se refere necessariamente à perspectiva teórica da obra como um todo, ainda que haja coincidências. Quando não explícita, a vinculação teórica pôde ser identificada por dedução, a partir dos enunciados produzidos, bem como dos autores utilizados para a discussão do conceito. Esse exercício de análise pode resultar em reduções e dificultar o trabalho de evidenciar a produção de determinadas concepções teóricas e suas respectivas áreas de conhecimento. No entanto, partimos da descrição dos trabalhos consultados e analisados e, assim, estamos nos referindo a eles. Destarte, a análise resultou em categorizações a partir das características conceituais apresentadas pelos autores sobre juventude.

Destaques sobre o conceito de juventude(s) na amostra analisada

A metassíntese do conceito de juventudes é apresentada a seguir por meio da descrição de questões que denominamos operacionais, identificadas na amostra analisada, e que ajudam tanto a entender de forma mais pragmática a posição dos autores acerca da conceituação de juventude como a elaborar uma síntese analítica. Integram-se, de forma interpretativa, os achados qualitativos de cada escrito analisado, buscando-se ir além da soma das partes. Resulta uma nova interpretação dos resultados, interpretação não encontrada em nenhum dos textos primários analisados, "pois são inferências derivadas do fato de todos os artigos terem se tornado uma amostra, como um todo" (Matheus, 2009, p. 544), sendo essa a essência da metassíntese.

Destacamos neste artigo três aspectos presentes no conjunto de textos analisados quando discutem o conceito de juventude. O primeiro relaciona-se com a discussão implícita ou explícita sobre a relação entre os termos e os conceitos de juventude/jovem e adolescência/adolescente. O segundo destaque refere-se à caracterização da condição juvenil, ou seja, juventude como grupo que possui ou não posturas intrínsecas, juventude definida no seu todo, a partir da compreensão a respeito de uma de suas partes, e juventude como um grupo que pode ser caracterizado a partir de qualidades que se manifestam quase universalmente, o que dá certa homogeneidade sócio-histórica ao fenômeno. O terceiro destaque apresenta as formas como os autores relacionam entre si as categorias juventude e tempo, recorrendo a temas como faixa etária moratória e devir.

Juventude e adolescência: apontamentos implícitos e explícitos sobre essa relação

Todos os 189 autores analisados foram categorizados em relação ao uso dos termos juventude e adolescência e podem ser considerados a partir de três classificações gerais e excludentes: aqueles que afirmam terem refletido a respeito de ambos os conceitos e, a partir disso, fizeram uma opção de como considerá-los; aqueles que não apresentam reflexão sobre a relação entre esses conceitos e utilizam, no texto produzido, algumas vezes, a expressão juventude e, outras vezes, a expressão adolescente, deixando ou não transparecer o posicionamento escolhido a respeito dessa relação. Esses últimos adotam um posicionamento tácito diante do significado desses conceitos, assumindo, de certa forma, que essa não é uma discussão pertinente ou necessária; e aqueles que não fazem uso das expressões adolescente/adolescência, mas apenas jovem/juventude.

Essas observações corroboram as análises de Abramo (2005) a esse respeito, quando pontua que esses termos continuam sendo usados, às vezes concomitantemente, como se fossem sinônimos, outras vezes como conceitos diferentes e, ainda, como retratos da disputa entre os que defendem cada um deles, como explicitam Canetti e Maheirie (2010).

Entre as 59 teses, dissertações ou artigos - em torno de 31% do total - que mencionam reflexão sobre os conceitos de juventude e adolescência, Batista (2008), por exemplo, afirma que a adolescência é uma fase no desenvolvimento da vida do indivíduo que ocorre dentro da juventude; ao mesmo tempo, utiliza os termos adolescentes e jovens como sinônimos. Os termos são usados tanto para se referirem aos sujeitos da pesquisa que conduziu como para identificar as pessoas participantes do que denomina novas gerações. A diferença feita pela autora refere-se ao lugar onde ocorrem as mudanças, onde esse jogo de tornar-se um adulto é jogado: o jovem é o indivíduo vivendo o processo de socialização, momento em que a família, a escola e outras instituições têm um papel fundamental e o adolescente é esse mesmo indivíduo tentando afirmar uma identidade que contrapõe à infância e à maturidade.

Já Silveira (2009), mesmo utilizando as expressões de forma sinônima em alguns momentos, trabalha com a ideia de fases subsequentes, tendo cada uma seu objetivo. A juventude é quando ocorre a preparação, garantindo o "pleno desenvolvimento do indivíduo na vida adulta" (Silveira, 2009, p. 21). Canetti e Maheirie (2010) declaram ser uma opção política o fato de utilizarem o termo jovem para se referirem aos sujeitos tratados no artigo "Juventudes e violências: implicações éticas e políticas", mesmo se esses sujeitos têm idade entre 12 e 18 anos e exista a nomenclatura oficial de adolescente estabelecida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Houve teses, dissertações e artigos que não discutiram explicitamente a relação entre os conceitos de adolescência e juventude. Os autores utilizaram, no texto produzido, algumas vezes a expressão juventude e, outras vezes, a expressão adolescente, deixando ou não transparecer o posicionamento escolhido a respeito dessa relação. Para Mattos (2008), Castro e Mattos (2009) e Debert (2010), por exemplo, a adolescência é um fenômeno que ocorre nos tempos de juventude, um "processo de ressignificação dos vínculos primários [...] posicionando o jovem frente às múltiplas demandas de pertença no mundo de hoje" (Castro e Mattos, 2009, p. 795). Portanto, há uma imbricação dos fenômenos, não vistos como fases.

Dentro desse grupo, Spaziro e Resende (2010) propõem características diferenciadoras. Uma delas é o não uso do termo adolescente no conteúdo do artigo e o pouco uso do termo adolescência, que aparece duas vezes somente. Outra característica é que, apesar de esses autores não discutirem a relação entre os dois termos, estabelecem de forma definitiva que adolescência é a forma de, na modernidade, se denominar o período entre a infância e a vida adulta.

Características da condição juvenil

Identificou-se que a maioria dos autores analisados, em torno de 85%, utiliza o termo juventudes, no plural, como forma de determinar a heterogeneidade da situação de juventude vivenciada. Outros não utilizam a expressão, mas adotam a ideia de diversidade na forma de os jovens estarem no mundo, rejeitando explicitamente a concepção de uma única juventude, seja pela forma de se vivenciar esse momento do ciclo de vida, seja pelas atribuições sociais e culturais com que se lida. Pires (2008, p. 26) reconhece o uso do termo no plural como identificador da "consideração dos múltiplos aspectos que marcam a diversidade entre os jovens"; evita-se, com isso, "camuflá-la como categoria social".

Esse movimento entre a consideração de juventude como categoria social e a diversidade da manifestação concreta dessa categoria na vida dos jovens foi discutido, para a amostra de teses, dissertações e artigos analisados, utilizando-se os conceitos de condição e situação juvenil (Abramo, 2005). A condição juvenil expressa o significado histórico, geracional, atribuído por uma sociedade específica à juventude. A situação ou situações juvenis refere-se ao modo como essa condição é vivida pelos jovens concretos a partir dos recortes de gênero, classe, etnia, por exemplo. De acordo com Pires (2008), "a utilização da condição juvenil como categoria de análise possibilita contemplar as múltiplas dimensões da constituição do ser jovem, em seus aspectos simbólicos, materiais, históricos e políticos" (p. 26).

O conceito de condição juvenil, portanto, conterá sempre um caráter mais homogeneizador no sentido de estabelecer um conceito geral sobre juventude, nos moldes do que preconiza Vigotski (1999): o entendimento a respeito do que será conceituado deve estar sujeito aos processos criativos próprios de cada ambiente cultural. Por outro lado, o conceito de situação juvenil se refere à diversidade manifesta na pessoa e seus processos de significação, bem como nos grupos juvenis. Nesse item em que se discute, portanto, como as características da condição juvenil são analisadas nos textos consultados, estabelecem-se três classificações gerais não excludentes que localizam somente as produções que, de alguma forma, comungam o critério estabelecido: as que abordam a juventude como um grupo que possui posturas intrínsecas à condição juvenil; aquelas produções que apresentam a juventude como uma categoria social em que o todo pode ser subsumido a partir de características de um dos grupos que o compõe; e as que trazem a juventude como possuidora de características supraculturais que se convertem em elementos universalizantes da condição juvenil.

Quase 17% dos autores abordam a juventude como um grupo que possui posturas intrínsecas à condição juvenil. Com maior ou menor intensidade, esse grupo social tem sido referido como sendo de pessoas que, por estarem nessa fase ou condição, apresentam posturas esperadas, que lhes são próprias, intrínsecas à condição de juventude. Há assim uma pré-disposição para reproduzir comportamentos social e historicamente autorizados. A juventude, portanto, detém certas categorias e atributos que lhe são essenciais e pertencem à condição juvenil. Esse comportamento próprio é posto por Batista (2008), por exemplo, como algo que precisa ser estabelecido em um nível psíquico que é necessário à época vivida, no caso, pelo jovem. Ou seja, há um limite cultural e histórico que enquadra as pessoas, entre elas os jovens, em um conjunto restrito de possibilidades em relação à postura. Por outro lado, na perspectiva de Enne (2010), os jovens são herdeiros da dinâmica que vê a "construção de estilos de vida como forma de marcação identitária", o que permite maior flexibilidade e autonomia na "composição dos papéis sociais desempenhados no cotidiano" (p. 25). A autora afirma ainda que os jovens talvez sejam os que mais exploram a "capacidade dos bens produzirem sentido" (p. 26); mas isso não é característica somente deles. O consumo é uma construção histórica e cultural e é a marca desse tempo, não de um grupo.

A segunda classificação foi designada com base naquelas produções que apresentam a juventude como uma categoria social em que o todo pode ser subsumido a partir de características de um dos grupos que o compõe; em outras palavras, indicam uma compreensão do todo pela parte. Isso equivaleu a aproximadamente 12% da amostra. Essa caminhada do simples ao complexo é um procedimento que pode induzir a erros de avaliação dos objetos estudados (Vigotski, 1999). Nesse grupo das teses, dissertações e artigos analisados, a definição manifesta de juventude ficou vinculada, por exemplo, a um período de tempo, a uma região. Assim tem-se a juventude dos anos 1960, a juventude ocidental, a juventude do capitalismo, e tantas outras juventudes quantas forem as situações, tempos e momentos utilizados para classificar a história. Em certa medida, elementos da situação juvenil de um determinado grupo foram transpostos como referencial explicativo e identificador da condição juvenil. A ideia de geração é muito utilizada pelos autores aqui classificados, como Andrade (2007).

A terceira classificação localiza as produções que trazem a juventude como possuidora de características supraculturais que se convertem em elementos universalizantes da condição juvenil. Em torno de 74% da nossa amostra foi localizada aí. Trata-se de uma abordagem que fortalece a ideia da existência de elementos social e culturalmente produzidos, e mesmo biológicos, que universalizam a condição juvenil. Ainda que não seja possível falar de unidade social a partir de características biológicas, estas também cooperam na perspectiva de parte desses autores para conferir uma mínima unicidade a essa categoria social.

Na leitura analítica do tempo presente no qual a juventude e o jovem se inserem, especialmente considerando os conceitos de geração, grupo de idade e cultura, os autores estudados percebem alguns fios condutores que, por razões diversas, dão uma determinada forma à juventude. Para esses autores, os diversos fatores históricos, sociais e culturais relacionados de forma complexa, em maior ou menor intensidade, formam uma espécie de espaço delimitado, por onde os jovens transitam, conferindo certa unidade à categoria. Nesse sentido, consideram as características gerais como eixo norteador da condição de juventude, bem como o fato de que há constrangimentos materiais e objetivos que delineiam os contornos dessa e das demais categorias sociais.

Esses elementos universalizantes se vinculam ao fato de a juventude representar uma época de transição, ser parte de uma mesma geração (Perondi, 2008) ou, ainda, receber uma pressão coercitiva exercida pelo contexto sociocultural (Assunção, 2010), entendendo alguns, numa opinião mais radical a respeito de uma visão passiva, que os jovens têm sido vítimas "das determinações sociais ocasionadas pelo sistema capitalista, marcado pelo caráter neoliberal" (Assunção, 2010, p. 15).

Para outro grupo de autores, o fio homogeneizador do que vem a ser juventude passa pelo "caráter universal dado pelas transformações do indivíduo numa determinada faixa etária, na qual completa o seu desenvolvimento físico e enfrenta mudanças psicológicas" (Oliveira, 2008, p. 20) e pelas "características que são padronizadas, independente de tempo e lugar" (Bandeira, 2010, p. 142). Essa unicidade é proporcionada não apenas pela idade - que representa os aspectos biológicos, ainda que seus limites estejam condicionados ao contexto histórico e cultural -, mas também por outras duas características mais fixas na tarefa de caracterizar a juventude, ainda que atravessadas por condições objetivas de gênero, etnia e classe: a percepção subjetiva de tempo, focada mais na grande quantidade de tempo que se tem pela frente, e a moratória social.

Essa ideia de homogeneidade convive nas teses, dissertações e artigos analisados com a "possibilidade de múltiplas vivências juvenis no mundo contemporâneo e sua correlação com experiências localizadas em sistemas de valores específicos", como ainda anuncia Andrade (2007, p. 15), para quem uma coisa - o conceito homogeneizador a partir da ideia de geração - não significa necessariamente abrir mão da outra - a diversidade interna manifesta na juventude especialmente dos grandes centros urbanos. Convive também com a possibilidade de os sujeitos jovens construírem uma biografia marcada pela autenticidade, maior possibilidade de movimento e transgressão dos limites sociais, históricos e culturalmente estabelecidos (Dal Molin, 2007), ou se aceitarem construídos de fora para dentro, no sentido de serem mais passivos diante do espectro para a ação pessoal e coletiva, estabelecido social, cultural e historicamente.

Sobre isso, Carrano (2007) alerta que o fato de os jovens possuírem biografias originais, como qualquer outro grupo social, não retira a necessidade de estarem inseridos em processos de socialização que possibilitem se tornarem sujeitos, o que implica a capacidade de articularem um projeto de vida. A transmissão geracional torna-se peça chave nessa dinâmica, já que "Os grupos juvenis, por si só, são espaços insuficientes para a vivência da vida pública" (p. 8).

Juventude, tempo e devir

Nos documentos analisados, o conceito de juventude está vinculado também a uma ideia de tempo e de devir, relacionada a uma idade cronológica ou a um momento específico da vida, não rigorosamente mensurado, mas historicamente localizado dentro do ciclo de vida da pessoa, obedecendo a algumas prerrogativas culturais ou, ainda, ao tempo que ainda não existe, o futuro, fruto das possibilidades que se apresentam delineadas ou não nas ações do presente. Nesse escopo, discute-se sobre idade, moratória2 e o próprio conceito de devir.

A respeito da relação juventude e idade, a localização dentro de uma faixa etária identifica o ser jovem, mesmo que na academia e nos definidores de políticas públicas estejam claros os limites inferior e superior de idade. Andrade (2007) aborda a juventude como uma experiência etária específica, no sentido de que há uma idade ou uma temporalidade juvenil e "ser jovem é uma condição particular, mas não homogênea [...]: existem várias juventudes vivendo esta experiência etária que se relaciona com diferentes formas de sociabilidade" (p. 9). Isso não significa, para esses autores, que a vivência da condição juvenil seja uma experiência linear ou que a questão biológica seja preponderante na definição de juventude, embora participe de modo crucial nesse esforço.

Para estabelecer o que é próprio de cada fase etária, é necessário considerar as questões sociais e não somente biológicas. Para Gonzales e Guareschi (2008), na perspectiva histórica, cultural e discursiva que empreendem, a noção de idade pode ser considerada um marco que posiciona as pessoas no mundo, "um marcador identitário que se inscreve como símbolo cultural que diferencia, agrupa, classifica e ordena as pessoas conforme marcas inscritas na cultura" (p. 470). Nessa mesma perspectiva, encontra-se Debert (2010) ao afirmar que a concepção etária está, para o bem ou para o mal, sempre a serviço da cultura.

A relação entre juventude e faixa etária também foi posta, nos documentos analisados, como forma de definir o grupo de pessoas a ser entrevistado, ou seja, apesar de não se afirmar a idade para definir o que é ser jovem, indiretamente admite-se esse vínculo como intrínseco à condição juvenil. Cordeiro (2008, p. 42), por exemplo, considerou a autodesignação, ou seja, a própria pessoa declarava ser jovem ou não; essa prática a levou a "trabalhar com uma faixa alargada de juventude do ponto de vista etário, indo até os 29 anos a idade de alguns dos contatos produzidos no bairro popular". Carvalho (2010, p. 72) se viu obrigada a definir limites de idade, pois, "a delimitação da faixa etária faz-se necessária para identificação da população pesquisada". Carrano (2007) considerou a definição etária como uma representação dominante do que é ser jovem nos dias atuais. Mas, assim como Castro (2009), não considerou esse aspecto no conceito de juventude preconizado, mesmo reconhecendo haver uma demanda objetiva para o uso dessa variável que vincula o jovem a um "período de transição entre a adolescência e o mundo adulto" (Carrano, 2007, p. 18).

Kafrouni (2009, p. 43) se vale também de uma delimitação etária para definir a sua amostra, mas, além disso, observa o fortalecimento do fenômeno denominado juvenilização, quando a juventude passa a ser "juventude-signo, independente da idade"; "o juvenil se pode adquirir, por meio da reciclagem do corpo e da imitação cultural". Com isso, segundo a autora, surgem os jovens não juvenis e a confusão entre a condição de juventude e a juventude como signo.

Esse sentido marca outra relação entre juventude e faixa etária presente no material analisado: juventude como valor, em que a idade não importa, já que ser jovem é o mesmo que sentir-se jovem, na medida em que a pessoa pratica e, especialmente, consome na forma de bens materiais e simbólicos aquilo que cabe a um/uma jovem, considerando um determinado padrão cultural. De uma forma geral, entende-se que, "no contexto pós-moderno, ocorre o desmoronamento dessas barreiras tradicionais, tanto sociológicas quanto biológicas" (Rossi, 2007, p. 126).

Para Carrano (2007) e Pires (2008), uma das características dessa abordagem é a vinculação a uma dimensão simbólica que, por sua vez, pode desconsiderar a condição sócio-histórica. Para eles, a construção de identidades se dá em um ambiente menos determinado, mas é questionável a tese do nomadismo que coloca a identidade como um campo de livre escolha, pois "quando as oportunidades objetivas de inserção e integração social são extremamente desiguais, compromete-se o campo simbólico de autonomia de determinados sujeitos desigual e inferiormente posicionados na sociedade" e as muitas opções que se apresentam ante cada um são previamente construídas, "resultado de complexo jogo de interações entre nossas escolhas individuais, as relações intersubjetivas e as coerções que nos impõem as estruturas sociais" (Carrano, 2007, p. 7).

Pensando no tempo menos como unidades a serem medidas em anos, por exemplo, mas mais como um bloco, um quantum, um momento, o conceito de moratória foi evocado na amostra analisada de teses, dissertações e artigos. O conceito de moratória é trazido para a discussão sobre juventude em pelo menos três sentidos: a moratória social (adiamento em assumir responsabilidades cultural e socialmente esperadas), a biológica ou vital (a certeza de estar mais distante da morte do que um adulto) e a psicossocial (um tempo para integração dos elementos de identidade no comportamento adolescente). Parece ser consenso para os autores que utilizam o conceito de moratória social que ela é privilégio dos jovens de classe média e alta. Contudo, para Simões (2007, p. 11), é uma "peculiaridade da condição da juventude", pois viver "uma espécie de 'moratória social' permite que o sujeito possa vivenciar experiências diferenciadas e produzir novas alternativas de vida social". Por outro lado, quando vivem essa moratória, os jovens pobres o fazem com muito esforço, condizendo com o que Abramo (2005) escreve sobre a inversão para alguns jovens, nos dias atuais, do sentido da entrada no mercado de trabalho: permanecer jovem e gozar a moratória. A moratória vital de forma isolada não é mencionada por nenhuma das teses, dissertações e artigos analisados. O que ocorre por parte de um grupo de autores é a vinculação do conceito de juventude às moratórias social e vital.

A concepção de moratória psicossocial é a menos mencionada e se apresenta como uma mescla do conceito de moratória social com a ideia da formação da identidade. Do conjunto de autores analisados, Meneses (2007) e Batista (2008) fazem uso desse conceito como parte da definição de juventude. Com base em estudos da Psicologia, afirmam que a moratória é, para o jovem, "um tempo de crise, necessário para que ele adquira confiança em si" (Meneses, 2007, p. 18) e que "funciona como um tempo de acolhimento das dificuldades do adolescente [...] como uma espécie de período de tolerância para seu ajustamento aos novos papéis sociais" (Batista, 2008, p. 60).

Ainda dentro da relação juventude, tempo e devir, surgiu a vinculação do conceito de juventude à ideia de devir, ou mesmo uma crítica a ela. Devir representa o movimento pelo qual as coisas se transformam, carregando também o sentido de dar-se, suceder, acontecer ou acabar por vir. Ao se vincular essa definição ao conceito de juventude, identificaram-se nos documentos analisados pelo menos três perspectivas de entender esse movimento de transformação das coisas. A primeira foi a ideia de devir como algo a se realizar; nesse sentido, localizar-se na juventude é ainda não ser, é estar em um período de luto pela morte da infância e de espera pelo ser o adulto que ainda não se fez completamente. O tempo aqui é Chronos.3. O trabalho de Meneses (2007) utiliza as expressões devir/vir a ser e as vincula mais a esse conceito, sendo que essa postura, pela via teórica estabelecida pela autora, está em consonância com os vínculos, ideias de moratória psicossocial e posturas intrínsecas à condição de juventude.

A segunda perspectiva de devir observada é a de vê-lo como um conjunto infinito de possibilidades de construção do presente ou do futuro recente, do próximo minuto, um conjunto de mudanças no jeito de ser, em oposição direta à imutabilidade do ser, ou um ponto de referência que permanece, não obstante os movimentos de mudança. Já aqui, o tempo é aión. Os trabalhos de Dal Molin (2007), Gorczevski (2007), Rossi (2007), Cordeiro (2008) e Furiati (2010) vinculam-se a esse conceito de devir. As suas considerações apontam para um jovem que ocupa uma posição de passagem, uma estação jovem, podendo ir para ou vir de várias direções. A transição juventude/fase adulta é vista como um percurso biográfico.

A terceira e última perspectiva identificada foi a de devir como uma condição do ser, um ser que será algo que não é, mas confirma e se relaciona diretamente com o que é no tempo presente, no agora. Um movimento de transformação que é também dialético. Um tempo Kairós. Souza (2008) vincula-se a esse conceito de devir.

Juventudes: rupturas, permanências e desafios

A análise das obras selecionadas quanto ao conceito de juventude permitiu identificar que esse conceito vem sendo discutido predominantemente a partir da análise de fatos concretos, tendo como base uma produção anterior já estabelecida, especialmente de cunho sociológico e educacional. Sposito (2009) observa o percurso paralelo da produção acadêmica em geral, no qual se incluem os trabalhos sobre juventude, justamente pelo pouco investimento em estudos do tipo estado da arte, o que contribui para os trabalhos não dialogarem entre si.

A partir então desse processo, os conceitos de juventude, produzidos ao longo dos anos 2007 a 2011, no material estudado, revelam conteúdos que denotam um corte epistemológico que anuncia uma superação da ideia de preponderância biológica sobre a forma de ser e de se viver a juventude, visto que a naturalização em fases sequenciais é pouco considerada. Juventude se apresenta como um conceito estruturado em uma perspectiva sócio-histórica e cultural.

As características operacionais aparecem nos conceitos de juventude apresentados pelos autores estudados com um peso definidor, em direção a uma categoria e grupo social historicamente localizado, em que o corpo, a forma de estar no mundo e a relação com o tempo delineiam concretamente os sujeitos jovens. Não obstante a presença de um viés de se entender a juventude como valor, a partir do qual condições objetivas como as faixas etárias, o trabalho, o corpo natural, a demografia são desconsideradas em favor da multiplicação de identidades móveis e nômades, é essa localização histórica que prevalece no material analisado a respeito do conceito de juventude.

Observam-se algumas permanências no conteúdo analisado. A perspectiva da juventude como transição é uma ideia importante. Perondi (2008) fala, sobre isso, de concepções ultrapassadas, colocando a ideia de transição para uma fase de normalidade, a adulta, como ultrapassada. Mas a amostra de artigos científicos, teses e dissertações analisada neste artigo apresenta uma realidade diferente. Estão presentes nos escritos analisados tanto a perspectiva mais conservadora de transição, retirando da juventude um sentido específico, como uma mais aberta, que vê a transição como parte da existência humana, como pontos culminantes culturalmente localizados.

A faixa etária é outro aspecto que permanece fortemente ligado ao entendimento do conceito de juventude. Almeida (2009, p. 50) escreve que há pouco uso da referência etária nas definições de juventude nos estudos mais recentes, o que leva a supor que essa tem se tornado uma questão menos relevante no escopo dos critérios ou aspectos de definição de juventude. Ainda que o referido autor não defina claramente o que seja "recente", na amostra analisada essa afirmação não se confirma. Além da grande quantidade que estabelece a idade como um elemento constituidor do conceito que advoga, ela, a idade, é fundamental para a definição da amostra, visto que poucas pessoas apresentaram alternativas para não utilizá-la, especialmente quando se trata da política pública de Estado e da política de atendimento de organismos não governamentais.

A relação entre adolescência e juventude, também, esteve fortemente presente na discussão, tanto de maneira tácita - em sua maioria - como direta. Aproximadamente 69% dos documentos não trazem uma discussão aberta sobre essa relação. Contudo, isso não significa que entendam que adolescência e juventude seja a mesma coisa. O posicionamento preponderante é que devem ser entendidas separadamente, tanto em termos de processos, sendo um dando conta das mudanças biológicas e outro das socioculturais, como sob os aspectos legais, considerando as políticas públicas capitaneadas, de um lado, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e, de outro, pela Secretaria Nacional de Juventude (SNJ). Esse modo de abordar a questão evidencia a dicotomia entre biológico e cultural. Entretanto, essa relação e separações etárias também são entendidas como parte da própria realidade social e cultural e assim devem ser tratadas.

Três questões demonstram os desafios epistemológicos envolvidos nessas conceituações: as posturas intrínsecas atribuídas à juventude, incluindo aí o considerar a juventude como uma transição e a vida adulta como alvo a ser buscado; o ato de subsumir a categoria juventude nas atitudes ou características de um grupo; e o fato de atribuir características impostas nas sociedades e grupo às características hegemônicas da contemporaneidade capitalista.

O ato de esperar de alguém determinada postura é aceitável dentro de determinados parâmetros. Por exemplo, Vigotski (2006), refletindo sobre paidologia, o problema da periodização das idades no desenvolvimento infantil, aborda como as estruturas da personalidade vão se formando na criança, como a imaginação da criança é menos vinculada à racionalidade que vai sendo adquirida ao longo do amadurecimento etário e, a partir disso, a possibilidade de determinar sinais esperados na pessoa em desenvolvimento inicial. Sinais que indicarão que o processo está dentro do genericamente esperado.

Contudo, esse autor afirma que "cada edad posee su propia estructura específica, única y irrepetible" (Vigotski, 2006, p. 262) e que é a situação social do desenvolvimento que "determina plenamente y por entero las formas y la trayectoria que permiten al niño adquirir nuevas propiedades de la personalidad, ya que la realidad social es la verdadera fuente del desarrollo, la posibilidad de que lo social se transforme en individual", ou seja, as novas formações estruturais da personalidade consciente da criança "no son una premisa, si no el resultado o el producto del desarrollo de la edad" (p. 264). A idade não determina os momentos de mudança na estrutura de personalidade da pessoa, mas tal mudança é localizada etariamente.

Essa postura ajuda a evitar que se restrinja o conceito de juventude colocando-o como um momento condicionado pela idade. Mudanças como uma divisão maior, mas bem definida entre o "eu" e o mundo, fazem parte desse arcabouço de posturas que vão sendo atribuídas tacitamente à juventude, como se brotassem mais da idade do que da situação social do desenvolvimento, como denomina Vigotski. Numa perspectiva sócio-histórica, as questões estão abertas para um processo de significação que pode redundar em rupturas e permanências, sempre numa relação dialética.

Não há um desenvolvimento esperado que vá percorrer um caminho natural e espontâneo, com posturas mais ou menos previsíveis, em fases que se sucedem na direção da maturação de potências internas, previamente dadas. Portanto, buscando os nexos dinâmico-causais, o que se oculta por trás dos sintomas e os condiciona são processos internos culturais, que se estruturam sobre o que foi estabelecido anteriormente.

Considerações finais: para se estudar juventudes

Em meio a esses desafios, levando em conta as considerações feitas no início deste artigo, juventude é um conceito que se amplia: mais estudos são empreendidos, disputas teórico-epistemológicas são estabelecidas e se expande a demanda pragmática de localização da população juvenil que ocupa e produz espaços na sociedade contemporânea.

A análise de teses, dissertações e artigos vinculados às ciências humanas e sociais, produzidos de 2007 a 2011, demonstrou amplamente ser juventude um conceito polissêmico, transitando entre os campos da Biologia, da Psicologia e da Sociologia. Esse trânsito ocorre por meio de aproximações conceituais, em um processo criativo, a serviço da comunicação, do entendimento e da solução de questões teóricas, metodológicas e operacionais. Não é intenção, com isso, afirmar que a produção científica nas ciências humanas e sociais tem as respostas para todas as questões complexas sobre esse fenômeno. Por outro lado, é importante considerar que se caminha, e deve-se caminhar, nessa direção, sob pena de se criar produção inócua e insignificante.

O conceito de juventude, como produção social, apresenta o inacabado como característica presente nos fenômenos humanos e sociais. O ser humano se constitui à medida que caminha em sua trajetória existencial, refletindo em si mesmo a ideia de conceito-processo, com permanências e rupturas. Aí reside a sua parte fluida. Há também campos de disputa teórico-política para que se alcance uma maior prevalência na nomeação de coisas, fatos, ações e fenômenos sociais. A tentativa de avançar em relação aos desafios epistemológicos para se estudar as juventudes, mencionados neste artigo, passa pela reflexão sobre aspectos importantes a serem considerados, quais sejam: a) a polissemia das distintas ciências que cumpre uma função dual: garantir os diferentes cenários a respeito do fenômeno, como um caleidoscópio, um olhar multifocal, ao mesmo tempo em que evidencia disputa em torno de uma posição de primazia que redunde tanto na produção de subjetividades como em maior arrecadação de recursos financeiros para pesquisas; b) a realidade sócio-histórica-cultural da constituição e da experiência humana, cuja negação ou mesmo a exacerbação dos processos culturais joga a juventude quase em um limbo; c) o processo identitário ganha elementos de autonomia no momento juvenil, com um salto qualitativo no desenvolvimento humano, quando o aparelho fisiológico adquire poder nunca antes tido, como o de reproduzir, por exemplo, e o cérebro amplia exponencialmente sua capacidade sináptica; e, ainda, a presença no mundo do ser jovem é cercada cada vez mais de exigências por uma opinião própria, não mais tutelada; d) a sobreposição geracional que se estabelece, por um lado, na autonomia que chega, que é conquistada, mas é interdependente e, do outro, nos apelos exógenos a favor de uma atitude independente, excludente, que encapsula o jovem em sua própria geração, camuflando a necessidade psicológica, em uma perspectiva sócio-histórica e dialética, da transmissão geracional a favor do fortalecimento da acumulação de experiência; e e) o risco de atribuir um lugar privilegiado à condição de juventude, em detrimento do lugar de outros grupos sociais, contribuindo indiretamente para as naturalizações dos processos sociais. Os aspectos singulares não podem ser confundidos com características ordinárias, genéricas, triviais, mas também não podem ser transformados em algo incomparável, sem referente em outros grupos. Uma discussão mais ampla desses pontos pode ser vista em Trancoso e Oliveira (2014).

Além das considerações apresentadas acima, as reflexões sobre comportamento também têm se mostrado fundamentais para os estudos de juventude. Por esse caminho, Goldenberg (2006) busca entender juventude a partir da forma como esse grupo vivencia a sexualidade. Mecanismos importantes também incidem diretamente sobre a produção de conceitos tácitos de juventude, por exemplo, o grupo de conceitos que não possui pensador que reclame sua autoria, ou se possui, acaba sendo subsumido pela capilaridade com a qual a sua apresentação se estabelece no senso comum, influenciando consideravelmente as expectativas e imagens a respeito da juventude e dos jovens. Sobre esse último ponto, independentemente de se concordar ou não com a teoria da conspiração, que pode ser compreendida como um modo quase mítico de explicar os acontecimentos históricos em função da existência de um grupo de pessoas que detém um considerável controle sobre as decisões que são tomadas globalmente por agentes de governos, mercado, etc., autores apontam para dois grandes fazedores de juventudes: as políticas públicas de um lado e o mercado de outro.

Furiati (2010), por exemplo, considera que a juventude se constrói não pela passagem por etapas e eventos, mas pelas vivências nos meios sociais, com especial atenção para as relações ali estabelecidas. Ao analisar as políticas públicas de juventude no Brasil de 1930 a 2009, com especial atenção aos últimos 15 anos desse período, conclui que essas políticas se fundamentam mais fortemente nas imagens de uma juventude adultocêntrica, estigmatizada e/ou transgressora. Ao serem concebidas a partir desse prisma, as políticas passam a produzir ações concretas que reproduzem no meio social, entre jovens, nas instituições socializadoras como a escola e na sociedade em geral, a mesma ideia a partir da qual elas foram estabelecidas, o que desencadeia um processo de criação de juventudes (Rodrigues, 2009). Esses marcadores identitários não devem ser analisados como excludentes, mas como linhas transversais pelas quais, às vezes em todas ao mesmo tempo, caminham os jovens. É possível sim, e necessário, que se pense a respeito de hegemonia de um marcador, ou grupo de marcadores, em relação a outro.

Vivendo uma realidade entre a resistência e a existência, as culturas juvenis aparecem e são cultivadas nesse bojo, na mistura com os fazedores de juventudes (Dayrell, 2007) ou sendo um deles. Considerando as culturas juvenis como performativas, pode-se pensar em um deslocamento delas em relação ao que prescreve a sociedade.

 

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Recebido em 09/11/2014
Aprovado em 31/08/2016

 

 

1 O presente artigo é parte da dissertação de mestrado Juventudes: o conceito na produção científica brasileira, defendida em 2012 pelo autor, sob orientação da coautora, no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal).
2 O termo moratória, dentro dos estudos do desenvolvimento humano, foi originalmente cunhado por Erick H. Erikson e entendido como adiamento de direitos e de deveres das pessoas que deixam de ser crianças, mas ainda não são adultos: inserção no trabalho, reprodução e participação política. É um tempo a ser dedicado à formação para assumir essas responsabilidades de forma social e culturalmente apropriada. Abramo (2005) acrescenta, além do adiamento, que moratória é também a entrada seletiva nos processos sociais, culturais e políticos que marcam a vida adulta, com possibilidade de saída a qualquer momento.
3 Três palavras transliteradas do idioma grego - Chronos, Aión e Kairós - possuem significado no português vinculado à palavra tempo. Chronos faz menção ao tempo cronológico que para de ser contado quando se morre. Aión é o tempo da eternidade como tal, sem começo nem fim, sem materialidade. Não possui forma e não pode ser nominado. Kairós é o tempo próprio para a ação, da oportunidade; também se relaciona com a eternidade; é o aión que se materializa.

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