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Pesquisas e Práticas Psicossociais

versão On-line ISSN 1809-8908

Pesqui. prát. psicossociais vol.11 no.2 São João del-Rei maio/ago. 2016

 

Educadores de museu: a produção de sentidos acerca de uma experiência extramuros

 

Museum educators: the production of senses about an experience outside the walls

 

Educadores de museo: la producción de significados sobre una experienciaextramuros

 

 

Orlando Coelho BarbosaI; Marisa Irene Siqueira CastanhoII

IMestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia Educacional - Unifieo - Centro Universitário Fieo. E-mail: ohaicai@gmail.com
IIDocente e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Educacional - Unifieo - Centro Universitário Fieo. E-mail: marisa.irene@unifieo.br

 

 


RESUMO

Este artigo tem como objetivo apresentar a produção de sentidos de educadores sobre um programa de educação em museu oferecido à população em situação de rua. Participaram três educadores, com diferentes níveis de envolvimento na ação educativa investigada. Utilizaram-se, como instrumentos, um questionário com informações socioeconômicas e um roteiro semiestruturado para entrevista individual. O processo de análise seguiu a proposta de organização de pré-indicadores, indicadores e núcleos de significação, a partir das falas e expressões dos entrevistados. Apreenderam-se aproximações de sentidos subjetivos favorecedores da emancipação dos sujeitos, educadores e educandos, por meio de ações permeadas pela técnica, mas também pela afetividade, e criação de mecanismos de participação dos atendidos. A ação educativa pode ser considerada uma alternativa de superação da condição de pessoa em situação de rua, de desmitificação de preconceitos e de abertura de perspectivas de discussão sobre políticas públicas atentas a esse público.

Palavras-chave: População em situação de rua; Exclusão social; Educação não formal; Museu; Subjetividade.


ABSTRACT

This article aims to present the production of senses of educators about a museum education program offered to street dwellers. Three educators with different levels of involvement with the investigated educational actions participated. It was used as instruments a socioeconomic information questionnaire and a semi-structured individual interview script. The analysis process followed the proposal of organization of pre-indicators, and indicators and significance nucleus, from the comments and expressions of the interviewed individuals. Approximations to subjective senses were apprehended, such as promoting emancipation of subjects, educators and students through actions permeated by technique, but also for the affection, and the creation of mechanisms for participation of the attended ones. The educational action can be considered an alternative to overcome the condition of homelessness, demystification of prejudices and prospects of opening discussion on public policies attentive to this people.

Keywords: Street dwellers; Social exclusion; Non-formal education; Museum; Subjectivity.


RESUMEN

Este artículo pretende presentar la producción de sentidos de educadores sobre un programa de educación en museo ofrecida a la población en situación de calle. Participaron tres educadores, con diferentes niveles de implicación en la acción educativa investigada. Se utilizó como instrumentos un cuestionario con información socioeconómica y un guión semi-estructurado para entrevista individual. El proceso de análisis siguió la propuesta de organización de pre-indicadores, indicadores y núcleos de significación, a partir de los testimonios y expresiones de los encuestados. Se aprehendieron aproximaciones de los sentidos subjetivos que propician la emancipación de los sujetos, educadores y educandos, a través de acciones permeadas por la técnica, más también por el afecto y de la creación de mecanismos para la participación de los atendidos. La acción educativa puede ser considerada una alternativa para superar la condición de persona en situación de calle, la desmitificación de los prejuicios y para abrir perspectivas de discusión sobre las políticas públicas designadas a este público.

Palabras clave: Población en situación de calle; Exclusión social; Educación no formal; Museo; Subjetividad.


 

 

Introdução

Este artigo tem por objetivo apresentar a produção de sentidos por parte de um grupo de educadores acerca de sua experiência em uma atividade educativa de arte em museu com população de rua. Trata-se da Ação Educativa Extramuros, realizada pelo Núcleo de Ação Educativa da Pinacoteca de São Paulo, uma abordagem educativa museológica que elege o museu e o patrimônio como eixos condutores e acontece também em espaços do entorno da Pinacoteca, em conexão com o cotidiano dos grupos atendidos.

Mudanças nas formas de atuação dos museus são ressaltadas na Carta de Santiago (International Council of Museums [ICOM], 1972), na qual são recomendadas novas diretrizes para a atuação educativa dos museus na América Latina por meio de propostas de atuação democrática e em direção ao museu integral voltado para as comunidades. Segundo Grinspum (2000), desdobramentos dessa proposição são encontrados na Declaração de Quebec, de 1984, que sistematizou princípios básicos de uma nova museologia, incluindo a função social dos museus, e na Declaração de Caracas, de 1992, que reafirmou o museu como canal de comunicação com um público mais extenso. A autora cita, ainda, o relatório sobre o papel educacional dos museus, publicado pela Associação Americana de Museus, que "aponta para uma nova definição de museus como instituições de serviço público e educação, um termo que inclui exploração, estudo, observação, pensamento crítico, contemplação e diálogo" (Grinspum, 2000, p. 10).

A Ação Educativa Extramuros tem sua prática referenciada nessas proposições, que encontram ressonância na literatura nacional e internacional sobre museu e inclusão social e em autores como Wilder (2009), Hooper-Greenhill (1999) e Dodd & Sandell (2001). Em relação à Ação Educativa Extramuros, duas questões fundamentais se integram: a inclusão sociocultural e a educação não formal.

A primeira questão implica considerar que o programa pesquisado adota o conceito de exclusão social como sendo a exclusão simultânea de direitos: a exclusão de sistemas políticos, a perda de recursos decorrentes da exclusão do mercado de trabalho e uma exclusão caracterizada pela deterioração das relações pessoais presente na relação desse sujeito nos espaços familiares e comunitários (Aidar, 2002).

Quanto à segunda questão, identifica-se uma aproximação da ação educativa com o conceito de educação não formal defendido por Gohn (2010, p. 33) como sendo "um processo sociopolítico, cultural e pedagógico de formação para a cidadania, entendendo o político como a formação do indivíduo para interagir com o outro em sociedade".

Estudos de caráter antropológico sobre o perfil da população em situação de rua trabalham com o conceito de exclusão social e descrevem o fenômeno da moradia nas ruas como sendo um processo histórico e social, numa perspectiva que ressalta a multiplicidade de fatores responsáveis pela ruptura de vínculos afetivos, sociais e profissionais dessa população (Giorgetti, 2006; Silva, 2006; Costa, 2007; Mendes, 2007; Frangella, 2009; Alves & Escorel, 2012; Graeff, 2012). A rua é elevada à categoria de análise, com regras e sociabilidades próprias, na qual quanto maior o tempo de permanência do sujeito em situação de rua, maior a dificuldade de restabelecimento de sua condição anterior. Aprende-se a estar na rua, a viver na rua e nela estabelecer uma subjetividade sobre essa condição.

O Censo e Caracterização da População em Situação de Rua na Municipalidade de São Paulo, realizado no ano de 2011 (São Paulo, 2012), contabilizou o montante de 14.478 pessoas em situação de rua, das quais 6.765 (47%) eram descritas como "vivendo na rua"; 7.713 (53%) eram denominados como "acolhidos", ou seja, estavam nos serviços disponibilizados pela prefeitura para pernoite e acolhida. Mais de 70% dessa população concentrava-se em quatro regiões de São Paulo: Sé, Mooca, Lapa e Pinheiros.

Dantas (2007) ressalta a necessidade de políticas intersetoriais para o atendimento a esse segmento social e o fracasso na insistência de políticas de acolhida em albergues; Galvani (2008) desvela as redes de serviços, apoios e interdependências utilizadas pelas pessoas em situação de rua, de caráter governamental e não governamental, além das redes criadas informalmente na rua; Varanda (2003), Villamarim (2009) e Serrano (2013) discutem os mecanismos de controle e os processos de subjetivações decorrentes das práticas exercidas sobre essa população em centros de acolhida, albergues e serviços da política de assistência social.

Considerou-se que a ação educativa alvo de interesse neste estudo trazia uma proposta de atendimento na contramão de ações citadas em alguns dos estudos anteriores e dialogava com outros estudos, como o de Galvani (2008), que ampliou a discussão sobre os processos de subjetivação e a importância das redes sociais estabelecidas por e para indivíduos em situação de rua, por meio da religiosidade, da participação política, da arte, da educação e do trabalho. Entendeu-se que a experiência a ser analisada se apresentaria como uma alternativa de superação da condição de pessoa em situação de rua, de desmitificação de preconceitos e de abertura de perspectivas de discussão sobre a necessidade de políticas públicas atentas a esse público.

Elegeram-se as categorias subjetividade, sentido e sentido subjetivo, conforme definidas por González Rey (2005a; 2005b; 2012). Os sentidos são produzidos pelos sujeitos como desdobramentos dos significados sociais e culturais e se desenvolvem a partir das vivências e das atribuições afetivas e simbólicas dessas vivências, que se configuram em sua subjetividade. Para o autor, "a subjetividade permite uma reconstrução não só da psique individual, como também das várias formas de produção psíquica, próprias dos cenários sociais em que vive o homem, assim também como da própria cultura" (González Rey, 2012, p. 125). Ao afirmar que a subjetividade é uma reconstrução, pode-se inferir seu caráter dinâmico e processual, que se organiza na interface entre a subjetividade individual e a subjetividade social.

O conceito de subjetividade social favorece considerar os vários fatores implicados no processo de produção de sentidos, bem como o caráter holístico do sentido subjetivo. São as experiências vividas que levam o sujeito a construir, sobre as subjetividades sociais, os sentidos subjetivos que, por sua vez, estão relacionados a outros sentidos subjetivos e a emoções vivenciados por ele na sua história de vida, que se dá não em um espaço social único, mas em vários, nas diversas fases de sua vida.

A escolha por dialogar com pesquisas de caráter etnográfico referenciadas pela antropologia urbana e a apropriação de conceitos como lugar, espaço, exclusão social permitiram dialogar com a psicologia histórico-cultural de forma multidisciplinar para apreender a produção de sentidos por aqueles que participam e ou promovem a experiência.

 

Método

Para alcançar o objetivo proposto, optou-se pela epistemologia qualitativa na visão de González Rey (2005b), que defende o caráter construtivo interpretativo do conhecimento e o pesquisador na relação com os pesquisados como figuras centrais na construção do conhecimento. Para o autor, por meio da pesquisa produzem-se "espaços de inteligibilidade que não esgotam a questão que significam, senão pelo contrário abrem a possibilidade de seguir aprofundando um campo de construção teórica" (González Rey, 2005a, p. 6). A esses espaços González Rey denomina de "zonas de sentido". Entende-se que essas zonas de sentido são produzidas numa estreita relação de confiança entre pesquisador e participantes, a partir da emergência de conteúdos explícitos e implícitos, com um grau de aproximação dos sentidos produzidos pelos participantes nesse processo.

Ao considerar os sujeitos como peças fundamentais na pesquisa, o autor considera que o conhecimento produzido sobre uma realidade singular tem sua legitimidade, na medida em que reporta uma significação do social na vida humana. "O sujeito representa um momento de subjetivação dentro dos espaços sociais em que atua e, simultaneamente, é constituído dentro desses espaços na própria processualidade que caracteriza sua ação dentro deles" (González Rey, 2005b, p. 235).

Participaram da pesquisa três educadores, selecionados segundo os critérios de disponibilidade e aceitação dos termos de consentimento livre e esclarecido. As entrevistas tiveram como instrumento um roteiro semiestruturado com perguntas abertas sobre sua participação na ação educativa. Na ocasião das entrevistas, os participantes responderam a um questionário com questões sobre dados pessoais e socioeconômicos.

As informações obtidas nas entrevistas e conversas individuais foram gravadas e transcritas de modo a fornecerem o material necessário para o processo construtivo-interpretativo da análise. Recorreu-se também a Aguiar e Ozella (2006) para o processo de destaque e de identificação de pré-indicadores, "[...] a partir das palavras inseridas no contexto que lhes atribui significado, entendendo aqui como contexto desde a narrativa do sujeito até as condições histórico-sociais que o constituem" (p. 229).

A partir dos pré-indicadores, caminhou-se metodologicamente para a organização de indicadores e dos núcleos de significação, por sucessivos processos de aglutinação por similaridade, complementaridade ou contraposição. Identificados os núcleos de significação, eles foram analisados observando-se as suas inter-relações e situando-os nos contextos dos discursos e da realidade histórico cultural que permitiu a emergência dos sentidos produzidos.

 

Análises e discussões

Os educadores entrevistados têm ou tiveram diferentes níveis de atuação e de envolvimento com as oficinas e com o processo como um todo: a educadora G. é uma das idealizadoras do projeto; o educador A. tem sido responsável pelo acompanhamento e execução do projeto desde seu início e, mais especificamente, pelas oficinas de xilogravura; a educadora F. ministrou as oficinas de poesia com a técnica Haicai, como artista convidada, e no momento da entrevista já não se encontrava atuando no projeto.

Organização de pré-indicadores

As inúmeras leituras das entrevistas transcritas dos educadores permitiram destacar palavras e expressões que, pelo processo de aglutinação, levaram à organização de 25 pré-indicadores, conforme Quadro 1.

 

 

Dos pré-indicadores aos indicadores: o processo de análise das expressões dos educadores

No Quadro 2, apresenta-se a organização dos indicadores, num processo de aglutinação dos pré-indicadores.

 

 

1. Integração do formal e não formal na formação do educador. Esse indicador trata da integração de saberes adquiridos em vivências dos educadores na educação formal e não formal entrelaçadas com sua formação acadêmica e elementos da história de vida referenciados na educação. Tal integração de vivências na formação do educador não parece ter ocorrido de forma retilínea, direta e sem conflitos. O educador A. nos conduz numa espiral, sua fala não é contínua, porém é firme e expressa significados atribuídos à educação e a seus próprios processos de aprendizagem: "Há 22 anos que trabalho com educação", mas ressalta com a mesma ênfase o fato de não ter "formação em educação", uma vez que sua formação é em Arquitetura; discorre sobre sua relação com a educação na infância: "Comecei dando aula, simplesmente desde criança. Desde os 12 anos, eu já dava aulas para os meus amigos do colégio". Nesse momento é possível apreender significados em relação a sua formação como sendo processual afetiva e que não se reduz à educação formal: "E me tornei educador por conta da educação não formal", e se apresenta também quando fala de sua atuação na escola onde "orientava uma situação de ateliê livre". Outro aspecto significativo é a presença de educadores em sua família: "minha família tem muitos professores". Nesses trechos e expressões, o educador A. consegue problematizar aspectos que permeiam a subjetividade social relacionada à educação quanto aos papeis assumidos historicamente pelos professores como responsáveis por conduzir os processos de educação formal inicial. Esse recorte entre a educação formal como única responsável por conduzir processos educacionais e a educação como processo que transita por diversos espaços sociais, para além dos muros da escola, e da qual outros atores sociais participam de forma efetiva e afetiva, é reforçado quando A. afirma que "ensinava meus amigos, minha mãe é professora".

Nas conversas relacionadas à educação e sua atuação profissional, a educadora G. relaciona seu interesse na democratização do acesso à educação em museus e pontua que a educação não estava presente como um desejo ou um fim em sua vida, num primeiro momento.

Quando eu estava na História não tinha a vontade de ser professora, então a educação não esteve sempre presente, ela veio um pouco... ela está muito ligada à minha relação com os museus. E nesse percurso já da museologia comecei a me interessar por questões que estavam ligadas à democratização do conhecimento produzido pelos museus, o acesso a essas instituições e que foi o que acabou me levando à educação.

Porém é na educação não formal que G. consegue desenvolver projetos que contemplam sua relação com a educação: "Em 2005 a gente começou um curso de educadores sociais... o curso que é uma ideia de capacitar os educadores sociais que trabalham com esses grupos para um uso mais qualificado do equipamento cultural".

A significação da educação como integrante de um processo democrático que perpassa outros espaços que não a universidade ou a escola, mais precisamente o caráter amplo do processo educacional que envolve a museologia e a educação em museus permeiam a sua atuação na educação. O próprio nome da Ação Educativa Extramuros fica mais evidente quando G. fala que, quando veio para o setor educativo da Pinacoteca, pensava em como "tornar a Pinacoteca menos ilhada de seu entorno". O reconhecimento do distanciamento simbólico do museu e seus conteúdos em relação aos atores sociais presentes no entorno dele são, assim, destacados por uma metáfora relacionada a ilha.

A educadora F., ao discorrer sobre sua formação acadêmica, sinaliza uma integração com experiências de educação não formal: "Comunicação Social, habilitação em Publicidade e Propaganda em Pelotas, RS... No trabalho de conclusão de curso, eu desenvolvi um trabalho sobre hip-hop e comunicação de massa". A entrevistada relata preocupação com a escuta dos educandos e em integrar outros atores sociais ao processo educativo: "Chamava escritores... para dar uma oficina lá para eles. Então tinha essa de como usar a tecnologia a partir da sua própria produção e eu tentava não ser muito técnica".

As palavras e expressões aglutinadas neste indicador revelam aspectos de como os educadores significam a educação, sua formação acadêmica e um interesse declarado na educação não formal anterior à sua participação na Ação Educativa Extramuros.

2. Visão crítica da educação e da escola. Os pré-indicadores aglutinados por complementaridade e oposição neste indicador sinalizam a percepção dos educadores sobre questões relativas à educação, assim como críticas às formas tradicionais presentes no processo de ensino e aprendizagem, mais especificamente no que se refere à não incorporação de saberes dos educandos nos processos de aprendizagem, conforme se apreende de forma direta e incisiva quando F. diz: "Aí é interessante que a gente se desloca desse lugar do saber: só eu vou saber fazer um texto?"; ou no questionamento da educadora G.: "Como que se dá esse encontro e esse processo de negociação de uma maneira mais horizontal possível, sem hierarquização de conhecimento?". O educador A. aponta a necessidade de acolhida dos diversos extratos sociais nos processos educativos formais: "As escolas hoje, as escolas formais, as crianças estudam com crianças que pertencem ao mesmo extrato social, frequentam os mesmos lugares, veem as mesmas coisas, viajam para os mesmos lugares, e assim por diante. Tudo muito homogêneo". F. significa sua experiência como professora no ensino superior de forma muito dura: "uma experiência horrível, deprimente".

As palavras e expressões organizadas de forma complementar sinalizam a importância para os educadores da participação do educando no processo educativo como um todo e uma pré-disposição dos educadores para realizar movimentos e desenvolver ações que facilitem essa participação.

3. Construção de uma ação educativa democrática. Neste indicador, evidencia-se a construção de uma ação educativa democrática, assim como uma clara mudança das percepções dos educadores sobre a população em situação de rua. O educador A. descreve sua percepção de forma sucinta: "Porque até sete anos atrás, para mim, a população de rua era uma frase que você lê no jornal". A educadora G. descreve suas impressões quando do contato com a população em situação de rua ao chegar a São Paulo: "Na época que eu vim tinha pouquíssimas pessoas em situação de rua, então foi uma coisa que me chocou... chocou muito como pessoa e como cidadã". A educadora F. fala sobre seus trabalhos anteriores com a população em situação de rua como artista em projeto desenvolvido na região central da cidade de São Paulo: "Aí eu fazia muita coisa com megafone, intervenções e sempre vinha um morador falar umas coisas... é, aí foi o único momento na minha vida que eu interagi com morador de rua, a não ser nesse momento em que tu simplesmente esbarras na pessoa na rua e ela te pede algum dinheiro para alguma coisa". Assomam, assim, a indignação, o espanto e os desconfortos que permeiam o encontro ou desencontro desses educadores com a população em situação de rua. Porém, diante da exclusão social presenciada, G. reforça: "Então, a partir desse incômodo, pode-se levar algumas atividades e acho que esses caminhos levaram a isso".

A convivência com os educandos em situação de rua estabelece uma nova significação sobre eles e a percepções posteriores ao contato mediado pela ação educativa. A., por exemplo, afirma: "O que acontece, acho admirável, e isso sempre me surpreendeu... pessoas que estejam dormindo na calçada irem para uma oficina para desenhar e se envolverem com isso, e atribuírem valor para isso". Essa mudança de percepção é assinalada de forma categórica pela educadora G.: "Aquelas pessoas passam a serem sujeitos, com histórico, sonhos, com autonomia, com uma série de questões, dramas, como todos nós... vítimas também, mas são autores das suas histórias". As mudanças de percepção sobre os sujeitos em situação de rua passam pelo reconhecimento deles como "sujeitos históricos", entremeadas com a experiência dos educadores e a visão de educação que se estabelecem dialeticamente nessa relação, como pilares que parecem sustentar a ação educativa.

4. Finalidade de um projeto de inclusão sociocultural. A organização deste indicador evidencia como os educadores significam a ação educativa mediada pela arte, seus conteúdos, temporalidade e demais aspectos relativos à sua finalidade. Assim, G. descreve que, em seu início, o projeto

[...] foi criado como um projeto piloto para durar um ano. Foi criado em 2008 para durar um ano... Esse projeto visava aproximar a população que vive nas ruas com o museu. Então a gente optou por trabalhar com adultos em situação de rua, a gente tinha um interesse naquele momento, que se mantém até hoje... Foi uma escolha muito consciente... São grupos que têm poucas oportunidades qualificadas de projetos socioeducativos de arte para eles.

Nesses trechos, é possível apreender os significados da ação educativa e a intencionalidade de atuar em parceria em uma ação democrática.

A opção de não se trabalhar a geração de renda como finalidade principal de um projeto de arte e inclusão sociocultural é incisiva nas falas, enquanto se ressaltam outros aspectos da ação educativa como as parcerias, o ineditismo e a oferta de outras oportunidades para os educandos. O educador A. afirma: "Eu me coloco como educador, e acho que as questões que vinculam a geração de renda não estão no horizonte de uma oficina de artes. Eles podem fazer isso, em outro regime, com outras parcerias, com outras iniciativas". A educadora G., sobre a mesma questão, afirma:

Nunca foi trabalhado como geração de renda. Por alguns motivos: primeiro, porque não era o objetivo mesmo trabalhar a geração de renda... Depois a gente até chegou a cogitar, mas é muito curioso, porque isso era uma coisa muito mais pensada por nós... pouquíssimas, sei lá, quase cem pessoas que já passaram por essas oficinas ao longo desses anos, arredondando, uns dois ou três pensaram. Não era uma coisa colocada pelos participantes.

A finalidade do projeto de artes com população em situação de rua se firma para esses educadores como processo de inclusão sociocultural e de acesso a bens simbólicos, e não de atendimento a necessidades econômicas que, na fala dos participantes, não apareceram.

5. Processo de construção do educador. Os conteúdos organizados neste indicador expressam significados complementares, como compromisso profissional, entrega afetiva, cuidado, admiração e surpresa em relação à produção estética dos participantes e os impactos na sua vida. A educadora G. descreve assim sua participação e os impactos pessoais: "Foi muito rico, muito rico. Muito intenso, e eu acho que foi muito importante que eu estivesse junto nesse primeiro ano, que eu acho que foi um primeiro ano piloto para todos nós: para o A., para mim". F. valoriza o aprendizado e as produções dos educandos nas oficinas de poesia: "Foi surpreendente na verdade, porque eles fazem coisas maravilhosas, porque o haicai tem isso: é uma coisa super-simples, uma palavra dá para gerar uma coisa... têm alguns que são geniais, alguns alunos".

A entrada no projeto e seus desdobramentos perceptíveis na produção estética dos educandos despertam significações positivas, no caso de G.:

Porque inverteu a minha lógica de trabalho... O eixo do meu trabalho estava sempre nesse processo de ação com o objeto museológico que, no meu caso, é a obra de arte, ou a reprodução ou a original. Quando eu participo das oficinas do Extramuros isso se inverte porque é um trabalho que se baseia mais no que fazer do que na apreciação artística.

As falas organizadas neste indicador sinalizam como as zonas de sentido vão se configurando na própria dinâmica da ação educativa. A admiração com as produções estéticas dos educandos, entrelaçada com o deslocamento do saber, é percebida e valorizada. A possibilidade de aprender, desencadeada pelo encontro com o educando e mediado pela sua produção estética, reafirma significados sobre as opções educativas do projeto.

6. Fundamentos da ação educativa como prática inclusiva. A organização deste indicador permite inferir alguns dos fundamentos da ação educativa proposta: continuidade, participação, diálogo com os participantes, característicos das ações desenvolvidas. O educador A. afirma:

Continuidade sem nenhuma pré-programação. Quem permaneceu lá dois anos, permaneceu porque quis. Quem permaneceu por cinco anos, quem permaneceu por duas semanas... é que a gente conseguiu algo que é muito difícil de conseguir no processo educativo que é uma continuidade tão grande, principalmente com população em situação de rua.

Sobre a participação e o diálogo com os educandos, destacam-se como exemplos a fala de F.: "A gente chegou a uma conclusão de que seria interessante fazer, trazer o haicai pra eles. Então eu fiz uma proposta e a gente foi articulando, porque era um tempo muito curto de aula". E, ainda, a da educadora G.: "Estar no cotidiano dos grupos, e nesses grupos em situação de rua, em particular, é muito importante você se aproximar dessa realidade deles e pensar processos educativos junto, que sejam menos de cima para baixo e mais construídos juntos".

Apreendem-se dessas frases e expressões as significações de uma ação educativa como contínua, porém respeitando a dinâmica dos próprios educandos e a aposta em processos menos hierarquizados ou que possibilitem a participação efetiva dos participantes do processo educativo.

7. Cotidiano das ações educativas com a população em situação de rua. Por meio deste indicador, sinaliza-se a dinâmica da ação educativa, a forma democrática de realização das atividades educativas que passa pela escolha do material ligado ao cotidiano dos participantes, favorecendo sua dedicação e atenção nas atividades. Tudo isso é reforçado pela educadora F.: "Então a minha ideia era que eles pegassem um trecho do jornal e olhassem uma imagem e escrevessem poemas a partir daquilo. Também tinha uns exercícios que eram super-rápidos, do tipo: eu falava uma palavra que era meio que aquecer o corpo para fazer ginástica". Ou quando G. afirma sobre os "materiais que a xilogravura utiliza, que são materiais muito do cotidiano: madeira, as próprias ferramentas. Não tem nada muito sofisticado como, por exemplo, a gravura em metal, que você tem que utilizar materiais mais nobres, mais complicados".

É importante atentar para as falas sobre como os educadores entendem a dinâmica dos educandos. O educador A. afirma que "os participantes, como uma parte é flutuante... às vezes alguns participam de algumas oficinas com certos orientadores e outros com outros orientadores". G. ressalta a satisfação com a relação estabelecida pelos educandos com o tempo e a atividade: "Tem uma coisa, a hora que acaba a oficina as pessoas ficam. 'Já?' É muita essa sensação de que as pessoas não vêm o tempo passar, é um envolvimento muito forte com o que você está fazendo".

As expressões configuram um olhar atento à dinâmica e ao perfil dos participantes, ao reconhecimento do contexto social onde a ação educativa é desenvolvida e na acolhida dos saberes e interesses dos participantes da ação.

8. Emergência do sujeito pela ação educativa. Neste indicador, apreende-se um movimento a partir do qual o educador, como sujeito da ação educativa, emerge da própria ação educativa de forma dialética e dialógica, pois se reconhece como agente de mudanças e se mostra satisfeito com a sua ação. G. faz considerações sobre o processo criativo:

Existe uma espontaneidade que é muito rica muito produtiva nesse fazer. Não existe uma preocupação em acertar, porque não tem cânone nenhum na cabeça... O mais interessante para a gente é muito o processo que levou até isso. E eu acho que os processos de transformação de algumas atividades e posições de pessoas que eram muito retraídas e que, a partir disso, começam a se colocar, se posicionar... mudam um pouco a maneira de ser, sua relação com as outras pessoas, sua relação conosco, consigo próprio, acho que isso é... impressionante mesmo, de poder acompanhar esse processo educativo continuado, que acho isso um diferencial importante.

A. demonstra satisfação, quando recorda:

Um dos participantes recentemente me procurou falando assim: 'olha, meu filho fez aniversário sábado e eu queria que você me ajudasse porque eu queria fazer um presente para ele'. Então eu perguntei: o que você quer? E ele respondeu: 'eu quero dois tickets pra visitar a Pinacoteca'.

F. revela uma admiração pela produção poética de uma educanda:

Um travesti então escreve: "o reflexo bate, no olho arde/ tudo escuro, bato no muro/ tudo escuro, estrela-vagalume brilha no escuro"; que são umas coisas super pequenas... a gente estava falando do escuro porque tinha um poema do Paulo Leminski que falava de claro [...] aí eu propus para eles fazerem sobre o escuro.

A despeito disso, F. demonstra certa apreensão em relação à efetiva inclusão da ação educativa: "E faz um livro e lança lá dentro, mas então... até que ponto é inclusivo? É claro que é um momento de experiências, de troca... Para mim, foi. Imagino que para eles também tenha sido, mas que tem os seus limites". Se F. questiona os limites da ação educativa e o conceito de inclusão social, não deixa de situar a experiência e as produções estéticas como surpreendentes.

9. Visibilidade social e política da ação educativa. Este indicador organiza-se de forma a apreender como os educadores significam a visibilidade da Ação Educativa Extramuros. Assim, a importância social e política da exposição dos trabalhos são significados pela educadora G. como um marco:

No final do primeiro ano, nós fizemos três exposições... Pra gente foi um marco, um divisor de águas, por diversas questões. Primeiro porque a Pinacoteca é uma instituição centenária, até onde a gente sabe, foi a primeira vez que se teve oportunidade de mostrar o processo educativo nesse formato de exposição, como outras do museu. Não foi uma exposição improvisada, ela teve o status de exposição do museu: com convite, abertura, expografia e tudo mais.

Em relação à visibilidade, A. destaca:

A gente fez no primeiro ano uma exposição, no segundo ano um livro reflexivo com textos da coordenadora, do diretor do museu, da coordenadora educativa, um texto meu e depoimentos dos participantes... Havia uma potência muito grande, por ocasião do lançamento de uma das publicações num evento onde esses textos foram lidos lá na Pinacoteca e despertou um interesse muito grande; então este ano 2013, a gente fez a publicação de um livro que enfatizou a presença dos textos elaborados nas oficinas.

A participação dos educandos e parceiros na avaliação das ações realizadas é ressaltada por G.: "A cada ano, a gente faz no final do ano, um questionário avaliativo, onde a gente conversa com todos os participantes daquele momento, com os educadores e com os coordenadores de cada casa".

As referências às exposições dos trabalhos dos participantes das oficinas de arte atestam um reconhecimento por parte da instituição e uma afirmação da qualidade da produção estética dos trabalhos produzidos, o que não parece pouco, se levarmos em conta o caráter simbólico e a subjetividade social sobre o que é arte, quem está autorizado a produzir arte, o que é ser artista. A exposição apresenta-se como afirmação da cidadania dos participantes educadores e/ou educandos ao dar a visibilidade necessária que permite estabelecer discussões sobre a importância de políticas públicas para esse segmento social.

 

O processo de organização dos núcleos de significação

Na continuidade do processo de análise, caminhou-se para além do aparente e do material empírico e avançou-se para o nível interpretativo da análise, reafirmando a construção dialética proposta na metodologia. Por aglutinação de indicadores complementares, semelhantes ou que se opunham, chegou-se à organização de quatro núcleos de significação, conforme o Quadro 3.

 

 

O núcleo de significação 1 - Configurações ético-políticas do perfil do educador - contempla os aspectos que participam da subjetividade social e da configuração de sentidos subjetivos construídos nos processos afetivos, éticos e políticos que permeiam a formação dos educadores participantes do estudo e sua relação com a educação. Duas questões emergem da aglutinação dos indicadores que compõem este núcleo: de que maneira uma formação acadêmica estabelecida na educação formal possibilita uma atuação educativa com um público vulnerável como adultos em situação de rua? Quais sentidos subjetivos são produzidos a partir da relação estabelecida por esses educadores quando da sua atuação em projetos sociais e de inclusão sociocultural?

No caso estudado, constata-se formação acadêmica sólida nas respectivas áreas, porém a escolha pela atuação na educação não formal passa por identificações com essa modalidade, por uma visão crítica da educação formal no que se refere ao lugar do saber, à democratização do conhecimento, além de uma convicção da necessidade de se trabalhar com o "repertório cultural das pessoas" e de favorecer a acolhida dos diversos segmentos sociais.

Essas críticas se configuram como sentidos subjetivos construídos em suas histórias pessoais e que permitem inferir uma visão de educação e da aprendizagem como um processo, um encontro, do qual se destaca a importância dos repertórios culturais por meio de ações favorecedoras da capacidade de participação dos educandos no processo educativo como um todo. As relações estabelecidas pelos educadores durante as vivências em espaços de educação formal, informal e não formal são afetivas e dialeticamente constituídas. Para González Rey (2012), desconsiderar afetos e emoções envolvidos no processo educativo é negar os sujeitos que interagem nesse processo ou observar esse processo de forma descolada da realidade. Quando os educadores sinalizam afeição declarada pelas atividades desenvolvidas em ações de educação não formal, percebem-se as emoções e a afetividade presentes no processo que configuram os sentidos subjetivos sobre o que é educação e o ato de educar. Esses sentidos disparadores das ações constituem e são constituídos nas próprias ações educativas de forma dialética, reflexiva e processual.

Para Gohn (2010, p. 34), a mídia e o senso comum não consideram a educação não formal como educação, pois ela se estabelece sobre "processos não escolarizáveis". No entanto, as características da educação não formal ressaltadas pela autora fazem dela um importante processo complementar "de aprendizagem política dos direitos dos indivíduos como cidadãos" (p. 34), que, no caso deste estudo, são adultos em situação de rua, aqueles que, por sua condição, estão destituídos de direitos. Os sentidos subjetivos sobre a educação para essa população, produzidos pelos educadores entrevistados, incluem a necessidade de participação dos educandos no processo educativo de forma ativa, e não passiva, sentidos que estabelecem a necessidade de escuta do outro e da importância da continuidade do processo educativo.

Essa visão crítica da educação e da escola e os movimentos em relação à democratização de acesso ao conhecimento vão constituindo sentidos e significados que se tornam premissas necessárias para a atuação desses educadores na ação educativa.

O núcleo de significação 2 - Finalidade, fundamentos e ações de um projeto de inclusão sociocultural - possibilita apreender aproximações aos sentidos subjetivos sobre o que seria a finalidade de uma ação educativa por meio da arte. Este núcleo é a síntese dos movimentos próprios do processo educativo como prática ética e política dos educadores no cotidiano e no contato direto com os educandos, os alcances e os limites dessa ação educativa pela arte.

Considerou-se que o educador vai se constituindo a partir dos saberes e conflitos estabelecidos nas suas vivências nas experiências educacionais presentes em sua formação como sujeito e cidadão. Mas é na prática cotidiana das atividades educativas que essa formação se evidencia ou é negada, assim como, de que forma o educador lida com as emoções, afetos e eventuais conflitos que permeiam essa prática. Como sustentar os limites da ação educativa diante de um grupo social extremamente vulnerável? Os sentidos subjetivos produzidos sobre uma educação democrática dão sustentação a uma prática educativa na qual são perceptíveis relações de respeito aos educandos? Quais os limites da ação educativa pela arte em relação às múltiplas exclusões a que estão submetidos os participantes da ação educativa?

Para uma análise dos aspectos presentes neste núcleo, uma pequena discussão do conceito de necessidades é importante, pois, questionados sobre a possibilidade de geração de renda vinculada à produção estética dos educandos, dois dos educadores afirmam ser contra essa possibilidade e o terceiro questiona os limites e alcances da ação educativa em outros aspectos da vida dos sujeitos. A questão da necessidade de geração de renda surge, num primeiro momento, de uma percepção dos educadores sobre o potencial de venda, e não a partir de necessidades expressas pelos educandos. Para Aguiar e Ozella (2006), as necessidades "são entendidas como um estado de carência do indivíduo que leva a sua ativação com vistas a sua satisfação, dependendo das suas condições de existência" (p. 228). Pode-se inferir que necessidades e motivos de educandos e educadores dependem de suas diferentes origens sociais e histórico-familiares. Porém, ampliando as discussões sobre os processos cognitivos e afetivos que estabelecem e se estabelecem sobre as necessidades, esses autores sinalizam que "é fundamental ressaltar que, pelas características do processo de configuração, o sujeito não necessariamente tem o controle e, muitas vezes, a consciência do movimento de constituição das suas necessidades" (Aguiar & Ozella, 2006, p. 228) e, mais ainda, que os aspectos emocionais e afetivos atuam de forma decisiva em relação às necessidades, pois "a constituição das necessidades se dá de forma não intencional, tendo nas emoções um componente fundamental" (p. 228).

Assim, podem se traçar algumas aproximações entre a finalidade da ação educativa por meio da arte, o alcance e os impactos dessa ação. O educador, no cotidiano das atividades, partindo de pressupostos e objetivos claros, vai fundamentando a sua ação educativa e refletindo sobre ela; a integração dos conhecimentos e vivências nos espaços sociais onde as ações e as oficinas de arte acontecem são evidenciadas na metodologia de ação, nos materiais utilizados e na acolhida das necessidades do público alvo destinatário da ação educativa. Identificam-se nessa prática algumas considerações de Gohn (2014) sobre a educação não formal como "um espaço concreto de formação com a aprendizagem de saberes para a vida em coletivos, para a cidadania" (p. 40), ou ainda sobre o método como "sistematização dos modos de agir e de pensar o mundo que circunda as pessoas" (p. 47), de tal forma a se penetrar "no campo do simbólico, das orientações e representações que conferem sentido e significado às ações humanas" (p. 47).

O educador, convivendo cotidianamente com pessoas submetidas a múltiplas exclusões, tem que lidar com suas emoções, nas configurações desses espaços sociais e diretamente relacionadas à subjetividade social estabelecida sobre e nesses espaços; também se configuram nesses espaços e nas ações os objetivos da ação educativa pela arte, o que é "inclusão" ou "exclusão", as próprias definições e conceitos de arte e o acesso à arte. As necessidades do educador são incorporadas às necessidades dos educandos numa configuração de zonas de sentido. Se as emoções vão se constituindo de forma dialógica, com o simbólico são também disparadoras das ações que permeiam a práxis da atividade educativa.

O núcleo de significação 3 - Impactos e desdobramentos da ação educativa pela arte no educador - possibilita apreender as configurações de sentidos subjetivos sobre o processo educativo pela arte, a emergência do educando e do educador como sujeitos nesse processo. As considerações do educador sobre o processo educativo não são estanques, suas percepções sobre a população em situação de rua dão lugar à emergência do sujeito autor da produção estética que, apesar das dificuldades inerentes à sua condição social, produz e se interessa por produzir arte. Nesse deslocamento de posições estabelecidas sobre papeis a serem desempenhados por educadores e educandos, o próprio educador pode refletir sobre os limites e alcances de sua prática educativa.

Se anteriormente à ação educativa as percepções, afetos e emoções que constituem os sentidos subjetivos e a subjetividade social sobre a população de rua se estabeleciam no limite dos aspectos visíveis, permeados pela condição socioeconômica, o contato direto com o educando, tendo a arte como mediadora dessa relação, possibilita a configuração de outra subjetividade social sobre a população de rua, que, sustentada nas relações estabelecidas nos espaços das oficinas, na produção estética dos educandos e nas novas relações afetivas e emocionais, vão se constituindo ao mesmo tempo em que constituem o próprio espaço onde se realizam as atividades socioculturais.

Cada educador sai impactado de forma distinta dessa vivência, produzindo sentidos subjetivos distintos. Alguns assumidamente modificam a sua prática educativa, outros questionam os limites da ação educativa no que se refere à inclusão social para além da ação educativa, porém todos, sem exceção, reconhecem os impactos das ações no que se refere ao que Gohn (2010, p. 35) considera como "práticas cidadãs e emancipatórias", que, nesse caso, são referenciadas na arte e na cultura. Ao reconhecerem esses impactos, os educadores reafirmam suas práticas educativas na educação não formal.

O núcleo de significação 4 - Emergência do sujeito e visibilidade social e política da ação educativa do projeto -, de forma complementar ao anterior, desvela a importância social e afetiva das ações educativas para os educadores nelas envolvidos e que se desenvolve pelo contato com a produção estética dos educandos e exposição dos trabalhos para a sociedade como um todo. Nesse momento, de forma efetiva, existe uma dupla visibilidade ocorrendo. Uma relacionada à possibilidade de efetivação de um processo educativo democrático, marcado pela alteridade definida como a possibilidade de receber e reconhecer a produção estética dos educandos e ter admiração por ela; a outra, a de tornar visíveis produções artísticas antes não consideradas, possibilitando a afirmação desses sujeitos para além da questão social a que estão submetidos.

Assim, se os educadores percebem a ação educativa como um trabalho contínuo, árduo, tecnicamente embasado, o fato de trabalhar com um grupo social submetido a múltiplas exclusões estabelece sobre a ação educativa um paradoxo. Como dar visibilidade a processos que podem ser considerados intangíveis, difíceis de contabilizar em números, dados perceptíveis no cotidiano da própria ação educativa pela arte? A ideia de ilha estabelecida sobre o que é a arte, quem deve ter acesso a ela e, principalmente, quais critérios permitem a uma obra de arte ocupar o espaço "sacralizador" do museu é rompida e as exposições das obras e as publicações delas garantem a visibilidade social a um projeto de ação educativa que tem justamente no seu processo um dos impactos maiores da ação-apropriação do espaço público por coletivos de arte. Nesse espaço público, o morador de rua ganha o status de artista.

 

Considerações finais

Neste estudo, a proposta foi a de tecer aproximações sobre a produção de sentidos por educadores de uma experiência de inclusão sociocultural desenvolvida por meio da arte com população adulta em situação de rua.

Tentamos nos ater aos aspectos que permitem partir das falas e do perfil dos educadores e delinear alguns caminhos possíveis para a apreensão desses sentidos subjetivos. Alguns aspectos se destacam nas entrevistas: a heterogeneidade do grupo de educadores e sua relação com a educação não formal, com a arte e a cidadania; a afetividade que perpassa os processos educacionais nas relações entre os educadores e os educandos; a percepção da qualidade estética da produção dos educandos, as exposições dos trabalhos que cumprem o papel de permitir o duplo reconhecimento da cidadania de educadores e educandos.

Tendo como referência os conceitos de subjetividade social, exclusão social, espaços e lugar da ação educativa, ousa-se fazer as seguintes considerações a guisa de reflexão.

Os espaços de arte e cultura que se moldam a novas concepções de museu aberto podem ser considerados como zonas de sentido favorecedoras de novos significados e sentidos subjetivos, em especial no atendimento a populações adultas em situação de rua, como no caso analisado.

A experiência educativa pautada por pressupostos de uma ação democrática pode ser considerada como uma alternativa de ações direcionadas a populações em vulnerabilidade social, especificamente a população adulta em situação de rua, como uma possibilidade de emergência e visibilidade necessárias à afirmação de educadores e educandos como sujeitos sociais.

Sobre a Ação Educativa Extramuros e sua metodologia, os sujeitos significam e produzem sentidos subjetivos que podem ser favorecedores da emancipação dos educandos por ela atendidos, possibilitando a superação das dimensões da exclusão social de forma diferenciada.

Considerar a subjetividade presente nos processos educativos e na implantação de programas dessa natureza e criar mecanismos de participação e escuta dos atendidos parecem ser medidas favorecedoras da emergência dos sujeitos participantes dessas ações.

O conceito de exclusão social como multidimensional permite um diálogo com o conceito de subjetividade social postulada por Gonzalez Rey, como produção histórica e contextualmente situada. Os processos vividos pelas pessoas e a forma como são significados têm, nas emoções, componentes fundamentais da experiência vivida na configuração de novas zonas de sentido, neste caso sobre a exclusão e as possibilidades de inclusão social.

A experiência analisada pode-se apresentar como uma alternativa de superação da condição de pessoa em situação de rua, de desmitificação de preconceitos e de abertura de perspectivas de discussão sobre a necessidade de políticas públicas atentas a esse público.

 

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Recebido em 18/02/2016
Aprovado em 1º/07/2016

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