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Pesquisas e Práticas Psicossociais

versión On-line ISSN 1809-8908

Pesqui. prát. psicossociais vol.11 no.2 São João del-Rei mayo/agosto 2016

 

In(ter)dependência entre decisões judiciais e pareceres psicossociais nos juízos criminais: análise qualitativa

 

In(ter)dependence between judicial decisions and psychosocial reports in criminal courts: a qualitative analysis

 

La in(ter)dependencia entre las decisiones judiciales y los informes psicosociales en la corte penal: análisis cualitativo

 

 

Mariana Martins JurasI; Amanda Pinheiro SaidII; Michelle Moreira de Abreu TusiIII; Eneida Maria França e Silva HamuIV

IPsicóloga pela Universidade de Brasília (UnB). Mestre e doutoranda em Psicologia Clínica e Cultura pela UnB e especialista em Terapia Familiar e de Casais pelo Interpsi e pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO). Atuou como docente em cursos de graduação e pós-graduação em Psicologia e Direito. Atualmente é servidora do Serviço de Assessoramento aos Juízos Criminais -(Serav) da Secretaria Psicossocial Judiciária do TJDFT. Endereço: Setor de Múltiplas Atividades Sul, Trecho 3, Lote 4/4, Bloco 2, 2º Andar, Serav, Fórum José Julio Leal Fagundes, CEP 70610-906, Telefone: (61) 3103-1886, E-mail: mariana.juras@tjdft.jus.br / marijuras@gmail.com
IIPsicóloga pela Universidade de Brasília (UnB), foi estagiária de Psicologia no Serviço de Assessoramento aos Juízos Criminais (Serav) da Secretaria Psicossocial Judiciária do TJDFT
IIIPsicóloga pela Universidade de Brasília (UnB). Especialista em Saúde da Família pela Universidade Cândido Mendes. Terapeuta comunitária pela Universidade do Ceará. Formação em Terapia Sistêmica em Constelação Familiar pelo Hellinger Institut Landshut e no Sistema Body Talk de equilíbrio energético. Supervisora substituta do Serviço de Assessoramento aos Juízos Criminais (Serav) da Secretaria Psicossocial Judiciária do TJDFT
IVAssistente Social pela Universidade de Brasília (UnB). Bacharel em Direito. Terapeuta Comunitária pela UFCE, formação em Abordagem Familiar no Contexto Jurídico pela UnB. No Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), trabalhou no Serviço Psicossocial que assessora as Varas de Família e Civis e na Seção Psicossocial da Central de Coordenação da Execução de Penas e Medidas Alternativas. Desde 2005, trabalha no Serviço de Assessoramento aos Juízos Criminais (Serav) da Secretaria Psicossocial Judiciária do TJDFT

 

 


RESUMO

O parecer psicossocial consiste no principal meio de assessoramento aos operadores do Direito em processos judiciais que necessitam de uma análise psicossocial, sendo documento fundamental essa interdisciplinaridade. A partir da análise de aspectos qualitativos de 178 decisões judiciais proferidas entre 2010 e 2012, esta pesquisa objetivou verificar se juízes têm acolhido ou desconsiderado sugestões ou alusões de risco em pareceres psicossociais que avaliaram situações de violência doméstica contra crianças, adolescentes e mulheres. A interpretação qualitativa dos dados resultou na construção de três zonas de sentido: 1. O interesse da vítima no prosseguimento do feito é central para a decisão judicial; 2. A atuação psicossocial tem como objetivo realizar o acompanhamento ou tratamento das partes; e 3. A atuação psicossocial tem como objetivo assessorar a tomada de decisão judicial. Sugere-se investimento na interdisciplinaridade entre as ciências psicossociais e jurídica, com base nos paradigmas dos Direitos Humanos, redes sociais e reparação das vítimas.

Palavras-chave: Psicologia Jurídica; Serviço Social na justiça; Parecer psicossocial; Violência doméstica e familiar.


ABSTRACT

The psychosocial report, an essential document to the establishment of an interdisciplinary approach among psychological, social and legal areas, is the main way to advisor judges on legal procedures that require a social and psychological analysis. Throughout a qualitative analysis of 178 courts' decisions from the year 2010 to 2012, this research aimed to verify the acceptance or not of suggestions or reference of risk in psychosocial reports that evaluated domestic violent situations against children, adolescents and women. The qualitative analysis of the court's decisions resulted in three different meaning areas: 1. Victim's intention to carry on the legal procedure is central to the court's decision, 2. The psychosocial work aims to make psychological monitoring or treatment of the victims and their families, 3. The psychosocial work aims to advise the process of making a legal decision. Continued investment in the interdisciplinary between psychosocial and legal areas, based on the paradigms of the Human Rights, social networks and redress of the victims, is strongly suggested.

Keywords: Forensic psychology, Social Service in the justice system, Psychosocial report, Domestic violence.


RESUMEN

El informe psicosocial es la principal forma de asesoramiento a los profesionales del derecho en procedimientos judiciales que requieren un análisis psicológico y social, y es un documento fundamental para el establecimiento de esta interdisciplinariedad. Con base en el análisis de los aspectos cualitativos de 178 decisiones judiciales entre 2010 y 2012, esta investigación tuvo como objetivo determinar si los jueces han considerado las sugerencias o las alusiones de riesgo en informes psicosociales que evaluaran la violencia doméstica contra niños, adolescentes y mujeres. La interpretación cualitativa de los datos resultó en la construcción de tres áreas de significado: 1. El interés de la víctima en la continuidad del proceso penal es fundamental para la decisión judicial; 2. El trabajo psicosocial tiene como objetivo hacer acompañamiento o tratamiento de las partes, y 3. El trabajo psicosocial tiene como objetivo asesorar la toma de decisión judicial. Se sugiere la continuidad de inversión en la interdisciplinariedad entre las ciencias psicosociales y jurídicas, basado en los paradigmas de los derechos humanos, las redes sociales y la reparación de las víctimas.

Palabras clave: Psicología Forense; Servicio Social en el tribunal; Informe psicosocial; Violencia doméstica y familiar.


 

 

A interação entre as disciplinas psicológica, social e jurídica consiste em um campo de atuação emergente, especialmente no contexto judiciário (França, 2004; Lago, Amato, Teixeira, Rovinski & Bandeira, 2009; Soares & Daufemback, 2013). O início da participação da Psicologia e do Serviço Social no sistema judiciário não é recente, tendo ocorrido por volta da década de 1960 no Brasil. Entretanto, a prática psicossocial nesse contexto tem sofrido transformações significativas ao longo das décadas, passando de uma visão positivista com diagnósticos que objetivavam a manutenção do controle social do Direito sobre os sujeitos para uma compreensão complexa e sistêmica das relações entre os jurisdicionados, suas famílias, as instituições e a sociedade, com ênfase na cidadania e na garantia dos Direitos Humanos. As principais áreas de análise psicossocial no contexto jurídico são criminal, civil e do trabalho.

O trabalho interdisciplinar da Psicologia e do Serviço Social no sistema judiciário necessita atentar e questionar seu posicionamento teórico e ético em meio a um contexto que constantemente exige conclusões positivistas e deterministas de uma realidade que é complexa e fluida. Compete a esses profissionais seguirem as normativas éticas de seus Conselhos, que estabelecem limites de atuação (França, 2004).

A atuação de assistentes sociais e psicólogos no contexto judiciário tem o intuito de assessorar o juiz de Direito por meio de subsídios técnico-teórico das suas respectivas áreas. Profissionais da área psicossocial devem direcionar suas práticas considerando o dinamismo da realidade humana e social e, portanto, realizar avaliação, intervenção e emissão de parecer técnico que colaborem para o entendimento das condições sociais, individuais e familiares (Lago et al., 2009; Mioto, 2001).

Os documentos escritos elaborados pelos psicólogos e assistentes sociais peritos devem obedecer às normas estabelecidas por seus respectivos Conselhos de Classe. De acordo com a Resolução nº 07/03 do Conselho Federal de Psicologia, que versa sobre a elaboração de documentos, o psicólogo deve considerar seu objeto de estudo com sua natureza dinâmica, não definitiva e não cristalizada, e utilizar-se de instrumentais técnicos, que podem incluir entrevista, observações, intervenções verbais, dentre outras. Especificamente em relação ao parecer, este deve ter um resultado conclusivo ou indicativo (CFP, 2003). Em relação ao Serviço Social, a Resolução nº 557/09, do Conselho Federal de Serviço Social (CFESS, 2009), afirma que deve ser destacada a área de conhecimento específica do assistente social, bem como a delimitação do campo de atuação, seu objeto, instrumentos utilizados e análises sociais realizadas. Dessa forma, assistentes sociais e psicólogos devem emitir suas opiniões técnicas baseadas em fundamentos e instrumentos científicos.

A proposta de realizar a avaliação da situação de risco e apreender a dinâmica familiar, comunitária e social no momento/período do atendimento deve considerar que a análise pericial é um recorte da realidade. O parecer psicossocial servirá como documento capaz de embasar uma decisão judicial, a partir do clareamento de quesitos obscuros e/ou duvidosos (Coimbra, 2004; Dal Pizzol, 2009; Souza, 2006).

O Serviço Psicossocial de Assessoramento aos Juízos Criminais de um Tribunal de Justiça brasileiro, que realizou a presente pesquisa, conta com profissionais do Serviço Social e da Psicologia, que têm desenvolvido atividades de assessoria por meio da perícia psicossocial. O magistrado convoca a equipe profissional a esclarecer questões específicas sobre as quais não dispõe de conhecimento técnico para elucidar (Dal Pizzol, 2009). Ademais, são realizadas intervenções aos jurisdicionados com intuito de minimizar os sofrimentos presentes nos complexos fenômenos das violências, bem como efetuar avaliações sobre o risco da ocorrência de novos episódios de violências nas famílias atendidas (Maciel, 2012).

Saffioti (2004) conceitua violência doméstica, familiar e de gênero como sendo a expressão do patriarcado, no qual o homem ocupa a posição dominante e se julga no direito de submeter sua companheira e filhos a violências. Em contrapartida, a mulher é vista como sujeito autônomo dentro de uma relação desigual que foi socializada para se submeter ao poder masculino e naturalizar a violência à qual é submetida. Compreende-se que a dinâmica que permeia contextos de violência conjugal acaba por afetar toda a família, incluindo as crianças e adolescentes, que podem, em certas ocasiões, também ser vítimas diretas das agressões. Ao se pensar nos maus-tratos contra crianças e adolescentes e nas violências contra mulheres (física, psicológica, sexual, patrimonial e moral) como fenômenos complexos e dinâmicos, devem ser considerados aspectos históricos, culturais, situacionais, familiares e individuais.

A Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) e a Lei nº 11.340/06 (Lei Maria da Penha) foram criadas a partir do imperativo de promover mudanças sociais, além de visar garantir direitos às pessoas que, histórica e socialmente, estavam em situação de maior vulnerabilidade. Dessa forma, o contexto judicial passa a ser um dos caminhos possíveis de resolução de conflitos familiares. Com objetivo de assegurar a efetividade do sistema de justiça, faz-se fundamental a avaliação da incidência e reincidência da violência, atentando para as situações de vulnerabilidade, risco e proteção.

A presente pesquisa teve como objetivo verificar, a partir da análise de aspectos qualitativos de decisões judiciais, de que forma juízes têm acolhido ou desconsiderado sugestões ou alusões de risco em pareceres de um serviço psicossocial de assessoramento aos juízos criminais que avaliavam situações de violência doméstica contra crianças, adolescentes e mulheres. O interesse da pesquisa surgiu de servidores do referido serviço psicossocial no sentido de conhecer quais medidas são tomadas pelos magistrados após o recebimento dos pareceres técnicos. Almeja-se que, a partir desta pesquisa, possam ser promovidas mudanças na elaboração dos pareceres, bem como fundamentar melhorias na comunicação entre o serviço psicossocial e os magistrados.

 

Método

A presente pesquisa possui natureza qualitativa, uma vez que se priorizou a caracterização e a compreensão científica dos dados analisados e não a sua quantificação e instrumentalização (Moura & Ferreira, 2005). Foi utilizada como método a pesquisa documental, que consiste em explorar documentos originais e registros escritos como fonte de dados (Sá-Silva, Almeida & Guindani, 2009). Considera-se o registro da decisão judicial uma fonte primária e significativa para os objetivos desta pesquisa, uma vez que é um dado original da atividade do magistrado e que não obteve nenhum tratamento científico anterior.

 

Amostra

A amostra da pesquisa consiste nos registros das decisões judiciais, proferidas pelos magistrados no período de 2010 a 2012, referentes a 178 casos selecionados aleatoriamente do Serviço Psicossocial de Assessoramento aos Juízos Criminais, cujos pareceres psicossociais mencionavam alusão de gravidade e/ou sugestão técnica para o magistrado em relação à situação de violência doméstica e familiar contra criança, adolescente ou mulher.

 

Procedimentos

Inicialmente, foram selecionados todos os pareceres técnicos psicossociais referentes à Lei nº 11.340/06 - Lei Maria da Penha (violência contra mulheres) - e maus-tratos contra crianças e adolescentes do ano de 2010 em que havia sugestões técnicas ao magistrado e/ou alusão de gravidade da situação de violência, chegando-se a uma total de 337 pareceres. A partir do processo de amostragem probabilístico, utilizando-se de Amostragem Aleatória Simples (AAS), chegou-se à amostra de 178 casos, com confiabilidade de 95% e erro amostral de 0,05.

Após a definição da amostra, as decisões judiciais foram acessadas a partir de um sistema que registra os andamentos e decisões de processos de primeira instância, que foram transcritas literalmente para uma tabela. Foi realizada leitura sistemática das decisões judiciais referentes à amostra da presente pesquisa e foram selecionados trechos literais dessas decisões, que faziam referência ao Serviço Psicossocial e/ou elucidavam consequências dos processos judiciais de violência doméstica e familiar contra mulheres, crianças e adolescentes.

 

Análise dos resultados qualitativos

Os dados qualitativos foram analisados conforme a Análise de Conteúdo proposta por González Rey (2005). A partir da leitura exaustiva dos dados, foram construídos indicadores de conteúdo que, ao serem analisados e interpretados, foram agrupados em zonas de sentido. Estas consistem em campos de intelegibilidade que visam à produção e à ampliação de novos conhecimentos a partir da pesquisa científica.

 

Análise e discussão dos resultados qualitativos

Os trechos das decisões judiciais analisados pelas pesquisadoras resultaram em três zonas de sentido: 1. Interesse da vítima no prosseguimento do feito como central para a decisão judicial; 2. Encaminhamento ao Serviço de Assessoramento Psicossocial com objetivo de acompanhamento; e 3. Encaminhamento ao Serviço de Assessoramento Psicossocial com objetivo de assessoramento.

A primeira zona de sentido foi construída a partir de três indicadores de conteúdo: a necessidade de representação criminal, a importância do alcance da pacificação social e a violência doméstica como sendo uma seara privada. A segunda zona de sentido foi construída a partir dos indicadores: encaminhamento ao Serviço Psicossocial como forma de tratamento ou atendimento terapêutico e dispensa ou não consideração do parecer psicossocial e, finalmente, a terceira zona de sentido a partir do indicador: consideração das informações técnicas contidas no parecer psicossocial para a tomada de decisão.

 

Zona de sentido 1: interesse da vítima no prosseguimento do feito como central para a decisão judicial

Diante dos processos que envolvem situações de violência doméstica e familiar contra crianças, adolescentes e mulheres, a manifestação da vítima é central no prosseguimento ou arquivamento do feito. Isso se dá principalmente em razão dos crimes contra crianças, adolescentes e mulheres na esfera doméstica serem geralmente de menor potencial ofensivo e, portanto, necessitarem de representação criminal por parte da vítima ou de seu representante legal. Abaixo são exemplificados trechos de decisões proferidas nos autos que retratam essa questão:

Determino o arquivamento dos autos, por falta de condição de procedibilidade, eis que a vítima manifestou desinteresse no prosseguimento do feito.

Ilustre Representante do Ministério Público assim se manifestou: "MM. Juiz, as decisões mais recentes do TJDF reconhecem a manifestação de vontade da mulher, em casos como esse, como fator impeditivo para ação penal. De fato, a autonomia da mulher deve ser prestigiada pelo judiciário e não havendo indícios de que está sendo coagida, sua palavra deve prevalecer. Sendo assim, pelo arquivamento do feito nos termos do Art. 395, Inc. II, do CPP".

Acolho o parecer ministerial e considerando a vontade da vítima, determino o arquivamento do feito e da medida protetiva a ele inerente.

Outra questão que se relaciona com a não representação das vítimas e o arquivamento das ações penais dizem respeito ao argumento dos operadores do Direito de que foi alcançada a pacificação social, quando não há notícias de novos episódios de violência ou quando há a reconciliação entre as partes, conforme demonstrado nos exemplos a seguir:

Ressalte-se que o caso envolve o suposto conflito entre mãe e filho e a pacificação familiar deve ser prestigiada quando a vítima se manifesta neste sentido.

Verifica-se que a pacificação social foi alcançada, especialmente porque não se tem notícias de novos episódios de violência doméstica entre os envolvidos.

A reconciliação das partes ou não haver notícias de reincidência por si só não são sinônimos de alcance da pacificação social, uma vez que a situação de violência doméstica e familiar geralmente é cíclica e envolve relacionamento familiar e de afeto entre as partes. Ademais, observa-se incoerência entre a análise jurídica e a análise psicossocial, vez que esta percebeu um contexto familiar de gravidade de risco e/ou de necessidade de intervenções visando modificar o padrão relacional violento.

O discurso da pacificação social pode ser comparado, em alguns casos, com o discurso da "harmonia familiar", que implica na manutenção do relacionamento afetivo, ainda que permeado por violências (Corrêa, 2009). O pensamento da harmonia familiar e não intervenção estatal na vida doméstica e familiar ainda permeia a prática dos juristas que lidam com essa temática. A aplicação da Lei Maria da Penha ainda sofre resistências por parte dos operadores do Direito, especialmente nas situações que envolvem a reconciliação entre as partes. A violência doméstica e familiar deve ser considerada como crime passível de penalização. O pensamento de não intervenção nessas situações mantém as violências silenciadas no âmbito privado, avigorando crenças e valores patriarcais (Guimarães, 2011; Rocha, 2001).

Essa questão foi observada nesta pesquisa realizada. Além de frequente o fato de as vítimas não prosseguirem com o feito, e os processos serem arquivados conforme os dados quantitativos demonstraram, magistrados e promotores discursam sobre a temática da violência doméstica e familiar como uma seara privada, devendo o Estado negar-se a intervir nessas situações, ainda que alguns casos demonstrem gravidade e risco de reincidência e indicações de intervenções por meio da justiça, conforme parecer técnico psicossocial.

O caso envolve suposto conflito entre companheiros, de forma que, considerando a natureza das questões envolvendo situações de violência doméstica/familiar, bem como o vínculo havido entre as partes, a vontade da vítima deve ser prestigiada em detrimento do interesse do Estado na aplicação da lei penal.

Não é vontade de nenhuma das partes continuar o procedimento ora instaurado, não podendo o Estado se sobrepor ao direito subjetivo de manutenção da convivência harmônica da Sociedade, restringindo o direito à retratação.

Não há como prosseguir no feito, uma vez que se verifica a desnecessidade de persecução penal, considerando o acordo entabulado em audiência e cumprido pelo autor do fato, considerando que o caso dos autos denota um problema mais social e familiar do que penal, não justificando uma sanção penal.

A literatura aponta que a violência doméstica e familiar possui características sociais, culturais, familiares e pessoais. Ademais, a violência relaciona-se com o sistema penal e jurídico, por possuírem transgressões à lei que tipifica os crimes. A complexidade que envolve essas situações implica na necessidade de intervenção em todos esses níveis. O fenômeno da violência familiar tende a ser um padrão relacional violento cíclico, ou seja, as pessoas envolvidas em um contexto de violência tendem a manter a mesma dinâmica. Neste sentido, a intervenção da Justiça, seja por meio dos atores do Direito, seja por parte do Serviço Psicossocial, deve contemplar todas essas características do fenômeno da violência doméstica.

Compreende-se que o contexto físico, relacional e simbólico da audiência judicial influencia na manifestação das vítimas. A presença marcante da hierarquia e do poder na estrutura jurídica pode favorecer a opressão de vítimas e autores de violência doméstica no momento da audiência. Portanto, além dos fatores de interdependência emocional, familiar e econômica entre as partes e as retaliações que pode sofrer caso decida prosseguir com o processo, o ordenamento característico da justiça também contribui para a solicitação das vítimas em arquivar os processos (Guimarães, 2011).

A finalização ou arquivamento do processo judicial nem sempre condiz com a resolução da violência familiar. A justiça impõe diversos limites para a violência doméstica e familiar contra mulheres, crianças e adolescentes a partir da utilização de mecanismos legais trazidos pela Lei Maria da Penha e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, como as medidas protetivas e intervenções biopsicossociais, para além da intervenção tradicional jurídica de condenar ou absolver. Entretanto, esses mecanismos precisam ser utilizados com mais frequência pelo judiciário, especialmente as indicações de intervenções biopsicossociais (Faleiros, 2012).

Não cabe unicamente à justiça modificar a ordem social dominante, sendo fundamental a articulação entre os três poderes para lidar com essas situações complexas. Porém, é fundamental que o Poder Judiciário contribua para a garantia dos Direitos Humanos, e esse papel só será possível em conjunto com os demais poderes por meio de ações em rede. O paradigma positivista do Direito precisa ser questionado e modificado no sentido de um paradigma de Justiça restaurativa e reparadora (Faleiros, 2012) e de redes sociais (Lobão, Roque & Andrade, 2012), considerando as configurações sociais, suas complexidades e os direitos humanos.

Dessa forma, a interferência do Estado em situações de violência doméstica e familiar, mesmo quando as vítimas manifestam pelo arquivamento do processo, é ação paradoxal. Por um lado, retira das vítimas a responsabilidade e o peso das sanções penais ao agressor, especialmente em casos em que mulheres se encontram gravemente fragilizadas emocional, física e economicamente em razão do contexto de violência e da cultura patriarcal. Por outro, pode vir a ocasionar nova violência do Estado em não valorizar a autonomia das mulheres vítimas que decidem não prosseguir com o processo penal (Ávila, 2010). Ademais, essas mulheres podem vir a sofrer retaliações sociais, culturais e por parte dos ofensores, caso optem por processá-los.

Nessas situações, Ávila (2010) defende a atuação psicossocial como intervenção menos violenta e mais efetiva que a tradicional resposta penal. As sugestões realizadas nos pareceres psicossociais poderiam repercutir na tomada de decisão judicial de intervir na dinâmica familiar violenta e, ao mesmo tempo, respeitar o desejo das vítimas de não prosseguir com a tradicional intervenção penal, por meio dos encaminhamentos ou de intervenções durante as audiências. A tradicional intervenção penal de julgamento parece não ser necessariamente o principal interesse das vítimas ao judicializar uma situação de violência.

Mesmo quando a vítima de violência doméstica se manifesta por representar criminalmente contra o agressor, é necessária avaliação jurídica de vários elementos e critérios para subsidiar a denúncia do Ministério Público para iniciar a ação penal, como tipo de crime cometido, antecedentes criminais do autor e provas de materialidade e autoria do fato. Após o recebimento da denúncia pelo magistrado, o processo chega à fase de instrução e julgamento, quando nesses tipos de situações de violência doméstica, frequentemente, as provas factíveis mostram-se insuficientes, como demonstra a decisão judicial a seguir:

As provas produzidas durante a instrução processual, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, não foram suficientes para demonstrar a materialidade e a autoria do crime. [...] Como se vê, as provas são frágeis e insuficientes para sustentar o pedido constante na denúncia. Há dúvida mais do que razoável e fundada sobre a ocorrência e a autoria da ameaça e da contravenção penal, fato que justifica a absolvição por insuficiência de provas, conforme requerido pelo Ministério Público e defesa em suas alegações finais.

Questiona-se de que maneira o parecer psicossocial pode auxiliar como prova pericial no momento da audiência de instrução e julgamento, vez que esse último analisa fatos que condenem ou absolvam o réu e a análise psicossocial analisa contextos relacionais, familiares e sociais, não adentrando na investigação da notícia de crime. Não cabe à Psicologia, ao Serviço Social e às Ciências Sociais adentrar em questões de investigação, conforme estabelecidas em normativas éticas de suas profissões.

O parecer psicossocial visa assessorar o magistrado em sua tomada de decisão por meio de percepções técnicas quanto ao contexto relacional, familiar, social e de risco e proteção de situações de violência doméstica e familiar. Nesse sentido, ainda que não existam elementos factuais que possam condenar um acusado, a fim de que o Serviço Psicossocial de Assessoramento alcance sua função no processo judicial, compreende-se que a intervenção jurídica deva ir além da consideração das provas do fato e da tomada de decisão em absolver ou condenar um acusado. O documento elaborado pela perícia psicossocial almeja por tomadas de decisão alternativas que também contemplem as pluralidades envolvidas nesse fenômeno e a garantia de direitos de crianças, adolescentes, mulheres e homens.

 

Zona de sentido 2: encaminhamento ao Serviço de Assessoramento Psicossocial com objetivo de acompanhamento

Esta zona de sentido refere-se à compreensão dos magistrados de que o Serviço Psicossocial do Poder Judiciário tem como objetivo intervir e modificar o contexto de violência, a fim de buscar a pacificação social das situações de violência doméstica e familiar contra crianças, adolescentes e mulheres.

A dispensa do parecer técnico psicossocial nas decisões judiciais e o arquivamento do processo antes do recebimento do parecer demonstram que alguns magistrados não consideram que esse documento tenha um caráter pericial e de assessoramento psicossocial para a tomada de uma decisão. Nessas situações, os operadores do Direito entendem que a atuação do Serviço Psicossocial deve ser realizada com as partes envolvidas na situação de violência e é de caráter opcional.

Encaminhem-se os envolvidos ao Serviço Psicossocial, mediante apresentação deste termo, para que seja atendido o requerimento ministerial, ficando dispensado relatório para o juízo.

O feito já foi sentenciado, portanto, nada a prover quanto ao relatório [psicossocial] de fls. 65/66.

Observou-se, ainda, que muitas decisões judiciais desconsideraram as indicações de risco e sugestões apresentadas nos pareceres técnicos. Os operadores do Direito também parecem compreender que a participação de uma ou ambas as partes nos atendimentos propostos pelo Serviço Psicossocial, por si só, já revelam melhora no relacionamento familiar e, consequentemente, na diminuição da violência e a pacificação social, conforme demonstram as decisões a seguir:

Verifica-se que a pacificação social foi alcançada, posto que a autora do fato submeteu ao acompanhamento psicossocial determinado em audiência, não havendo notícias de novas ocorrências envolvendo as partes.

MP: MM. Juiz, não obstante o réu não tenha dado cumprimento integral ao item "d" da proposta de SURSIS, à fl. 70, verifica-se que o aconselhamento psicossocial, ainda que parcial feito junto ao Serviço Psicossocial, surtiu o efeito esperado, tendo em conta a informação ora prestada pela vítima de inocorrência de novos fatos.

O Serviço Psicossocial de Assessoramento aos Juízos Criminais sofreu diversas transformações em sua função ao longo dos anos, de uma atuação interventiva e de acompanhamento para uma atuação avaliativa e de assessoramento. Essas modificações demonstram que o papel do psicossocial no processo judicial está em constante revisão e transformação. A interdisciplinaridade dos profissionais psicossociais atuando com magistrados tem auxiliado em uma definição mais clara da equipe psicossocial que atua no Poder Judiciário. As avaliações realizadas no contexto judiciário estão necessariamente atreladas ao processo judicial. Por sua vez, psicólogos e assistentes sociais de outros órgãos, principalmente do Poder Executivo, devem realizar o acompanhamento das situações de violência para além do processo judicial (Ghesti-Galvão & Roque, 2010).

Essa confusão do papel do psicossocial no contexto jurídico como acompanhamento não acontece apenas por desconhecimento, vez que a própria definição de equipe de atendimento multidisciplinar na Lei Maria da Penha não diferencia esses papéis de maneira clara. Compreende-se que o artigo 30 da referida lei traz atribuições da equipe multidisciplinar com diferentes finalidades: uma de avaliação (por escrito, mediante laudos, ou verbalmente em audiência) e outra de acompanhamento (orientação, encaminhamentos, prevenção e outras medidas). É importante esclarecer que este artigo não se restringe à atuação exclusiva da equipe psicossocial do Poder Judiciário, mas são de responsabilidade deste, do Ministério Público e dos governos estaduais e distritais. Portanto, é fundamental esclarecer os diferentes papéis de psicólogos e assistentes sociais nos diversos contextos em que atuam, que por vezes é confuso para os próprios profissionais e também para as demais ciências, como o caso dos operadores do Direito.

Ademais, os encaminhamentos ao Serviço Psicossocial com objetivos de tratamento da violência doméstica e familiar refletem "uma compreensão moralista da violência doméstica e familiar por parte dos operadores de direitos, permeada de discursos que trazem embutidas visões de mundo que patologizam e individualizam o fenômeno" (Matos, 2013, p. 114). Guimarães (2011) critica o encaminhamento ao Serviço Psicossocial visando tratamento ou reestruturação familiar, vez que essa visão mascara o contexto social e cultural que contribuem para a manutenção da desigualdade das relações de gênero.

A característica interdisciplinar da atuação do Serviço Psicossocial no contexto judiciário exige o estabelecimento de diálogo constante entre os profissionais psicossociais e os magistrados. Essa atuação deve ser construída continuamente a fim de estabelecer mudanças paradigmáticas de atuação e intervenção da justiça nos casos de violência doméstica e familiar contra crianças, adolescentes e mulheres. Essa é uma trajetória já iniciada e é possível observar que alguns magistrados já compreendem e utilizam-se do assessoramento psicossocial em suas decisões, como constatado na próxima zona de sentido.

 

Zona de sentido 3: encaminhamento ao Serviço de Assessoramento Psicossocial com objetivo de assessoramento

Foi possível observar que o Serviço Psicossocial também ocupa um lugar de assessoramento para os operadores do processo judicial por meio das informações contidas no parecer técnico. As falas a seguir exemplificam a expectativa em relação à juntada do parecer no processo judicial, bem como a consideração de que esse documento se constitui como resposta suficiente e adequada.

Aguarde-se a juntada aos autos de relatório do Serviço Psicossocial.

As partes foram encaminhadas a acompanhamento psicossocial (fl. 271), tendo sido apresentado o relatório conclusivo de fls. 278/280, que configurou uma resposta suficiente e adequada ao fato ocorrido.

Em alguns casos, observou-se que as sugestões e alusões de gravidade das situações de violência doméstica foram acolhidas pelos magistrados, em relação à realização de audiência, advertência com as partes, conforme exemplos a seguir.

Diante do teor do relatório elaborado pelo Serviço Psicossocial, encartado às fls. 52 e verso, designe-se data para realização de audiência a fim de se avaliar a atual situação fática dos envolvidos.

As partes compareceram ao Serviço Psicossocial, tendo sido constatado que a situação de risco de ocorrência de novos episódios de violência persiste no presente caso, conforme relatório de fls. 27.

É interessante notar de que forma um parecer psicossocial pode assessorar em uma tomada de decisão, ainda que esse documento sinalize apenas com preocupação para uma situação que envolve risco de ocorrência de novas violências. Ainda que uma mulher manifeste-se pelo arquivamento do processo, a alusão de gravidade do caso apontado no parecer auxiliou o promotor, conforme exemplo a seguir:

[A vítima] Informou, ainda, que não foi coagida ou ameaçada a se retratar [...] constata-se que a vítima depende financeiramente do ofensor. Estas duas constatações também foram feitas no relatório do Serviço Psicossocial de fl. 40 e verso [...] embora a vítima tenha se manifestado no sentido de não prosseguir no feito, em face das peculiaridades do caso, o Ministério Público requer vista para manifestação.

Esse exemplo demonstra claramente o papel de assessoramento na análise de uma situação que exige uma atuação judicial cuidadosa, compreendendo as peculiaridades que envolvem o contexto de violência doméstica. A sinalização da dependência financeira caracteriza o caso em um contexto mais amplo de vulnerabilidade social, para além da individualização do problema. Observa-se, portanto, sinais de superação do paradigma positivista no sentido de um paradigma reparador, que inclui as necessidades da vítima de violência nas intervenções judiciais.

Outra situação que envolve a participação de um servidor do Serviço Psicossocial no momento da audiência também contribuiu para uma avaliação mais acurada do caso, contribuindo para as tomadas de decisão que seguem.

Aberta a audiência, o servidor do Serviço Psicossocial, disse que realizou a oitiva dos menores aqui no fórum e foi observado um bom relacionamento entre o genitor e os filhos e que, aparentemente, não há situação de risco imediato para as crianças. [...] Quanto a representação, diante da informação do Conselho Tutelar as fls. 35/36 do mencionado processo, bem como do relato do Serviço Psicossocial, realizado nesta audiência, não havendo risco para os menores, e também para a vítima, que se encontra na casa abrigo, indefiro o pedido de prisão preventiva.

O conjunto de informações levantadas pelo magistrado para decidir quanto a pedido de prisão contempla a participação e análise psicossocial, bem como do Conselho Tutelar. Essa integração de ações entre diversos serviços auxilia na garantia de direitos de vítimas e autores de violência doméstica. Corroborando com esse pensamento, o operador do Direito Ávila (2010, p. 475) afirma que a atuação psicossocial "tem sido de extrema importância para que Juiz e Promotor de Justiça possam se posicionar da forma mais correta possível às peculiaridades de cada caso, proporcionando uma resposta adequada a cada espécie de problema".

Com relação às sugestões de encaminhamento, foram encontradas várias decisões judiciais que contemplavam essas orientações relatadas nos pareceres psicossociais, conforme exemplos apresentados a seguir.

Expeça-se ofício de encaminhamento do relatório técnico de folha 53 e verso ao Programa Vida em Casa e ao CAPS, para as providências nele sugeridas [...] Prorrogo as medidas protetivas deferidas às folhas 36 e verso, pelo prazo de 90 (noventa) dias, considerando a manifestação do Ministério Público de folha 57 e do relatório técnico de folha 53 e verso.

Encaminhe-se o autor dos fatos ao Serviço de Estudo e Atenção a Usuários de Álcool e Drogas, conforme sugerido no relatório do Serviço Psicossocial.

A partir das necessidades observadas durante o estudo psicossocial de encaminhamentos à rede, é interessante notar que alguns juízes compreendem essa decisão como ação possível e adequada para as situações de violência doméstica e familiar, para além da resposta essencialmente jurídica. Essas intervenções são garantidas e incentivadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e pela Lei Maria da Penha. O art. 101 do ECA estabelece como medidas protetivas às crianças e aos adolescentes: inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente; requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico; inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio; orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos, entre outros. A Lei nº 11.340/06 também estabelece, no art. 23, como medida protetiva à Ofendida e seus dependentes, encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento. Portanto, essas ações estão previstas em lei, sendo importante sua utilização também pelos operadores do Direito.

As sugestões de encaminhamento realizadas pelo Serviço Psicossocial para a rede social de serviços e atendimentos são baseadas no princípio de atuação em rede de que é fundamental a articulação entre Judiciário, Executivo e órgãos não governamentais para atendimento adequado das demandas de violência doméstica. É fundamental que esses encaminhamentos sejam realizados com a participação da rede social e da própria pessoa ou família. Os princípios de interdependência, complementaridade e horizontalidade devem estar presentes nas intervenções em rede promovidas pelo Judiciário, tanto por parte do psicossocial quanto dos operadores do Direito. Nesse sentido, os atores do Poder Judiciário devem sair da posição impessoal de encaminhamentos de ofícios para uma intervenção pessoalizada e próxima das realidades institucionais e das famílias atendidas (Matos, 2013; Oliveira & Caldana, 2014; Wanderer, Aquino, Santos, Matos, Chaves & Silva, 2012).

 

Considerações finais

Os pontos de convergência e divergência paradigmáticas das ciências psicológicas, sociais e jurídicas devem ser pensados de forma a contribuírem para a permanência de diálogos interdisciplinares entre essas ciências. A compreensão mútua das possibilidades e limites de atuação de cada área é fundamental para o constante desenvolvimento de intervenções conjuntas. O parecer psicossocial é um documento fundamental para o estabelecimento dessa interdisciplinaridade. A presente pesquisa contribuiu para a análise real dessa interdisciplinaridade, na medida em que pôde verificar que, embora seja necessária a ampliação desse diálogo acerca do papel desenvolvido pelo Serviço Psicossocial na própria instituição ao qual está vinculado, considera-se que o assessoramento psicossocial existe para alguns magistrados.

A característica do contexto judiciário de estar inserido em um paradigma positivista, especialmente na área criminal, contribui significativamente para que as características complexas e dinâmicas das situações de violência doméstica e familiar contra crianças, adolescentes e mulheres não sejam contempladas nesse contexto judiciário. A instituição judiciária, incluindo o Serviço Psicossocial, encontra-se nesse momento de transição paradigmática, apresentando caráter contraditório, vez que atua como mecanismo de controle social, bem como na garantia de direitos aos jurisdicionados (Matos, 2013). Paradigmas baseados nos Direitos Humanos, nas redes sociais e na reparação das vítimas podem contribuir para esse momento de transição.

A pesquisa indicou aspectos a serem modificados na atuação psicossocial e na sua relação com os magistrados. Os resultados demonstraram a importância do parecer psicossocial apontar, de maneira mais clara, as sugestões técnicas e não apenas informar a gravidade das situações de violência. Ademais, considera-se que as sugestões de encaminhamento devem considerar aspectos sociais e comunitários, para além dos familiares e individuais, visando ampliar as intervenções e articulação de rede. Faz-se necessária também a atuação direta do Serviço Psicossocial com os magistrados, a fim de esclarecer seu papel de assessoramento psicossocial.

É importante ressaltar que a presente pesquisa foi realizada com casos de 2010 e a atuação e as modificações ocorridas no Serviço Psicossocial desde então não foram nela contempladas. Ademais, os registros das decisões judiciais não refletem a totalidade da atuação dos operadores do Direito e, consequentemente, o assessoramento psicossocial. É fundamental a realização de pesquisas sistemáticas e contínuas acerca da presente temática, uma vez que o assessoramento psicossocial ocorre principalmente por meio da elaboração do parecer.

 

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Recebido em 20/04/2015
Aprovado em 13/06/2016

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