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Pesquisas e Práticas Psicossociais

versão On-line ISSN 1809-8908

Pesqui. prát. psicossociais vol.12 no.1 São João del-Rei jan./março 2017

 

O cotidiano do psicólogo em um núcleo de apoio à saúde da família: relato de uma experiência

 

The daily life of the psychologist in a family health support center: report of an experience

 

La vida cotidiana del psicólogo en un centro de apoyo a la salud de la familia: informe de una experiencia

 

 

Ana Carolina Perrella

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/Psicologia Clínica/ Núcleo de Estudos da Subjetividade. Doutoranda em Psicologia pela PUC-SP. Mestre em Psicologia (PUC Minas). ana.carolina.perrella@hotmail.com

 

 


RESUMO

Este artigo busca compartilhar o relato de experiência da autora como psicóloga num Núcleo de Atenção à Saúde da Família (Nasf), localizado no sudoeste da Bahia. Buscou-se compreender as forças atuantes na prática do psicólogo, a partir da análise de elementos considerados importantes para se pensar a experiência vivida, quais sejam: o processo de trabalho das equipes (Nasf e Saúde da Família), a gestão integrada do cuidado em saúde e a relação entre profissionais de saúde e usuários/território. Percebeu-se que o trabalho do psicólogo foi prejudicado por vários fatores que interferiram em seu "fazer", contribuindo para a instauração de uma clínica reduzida, especializada e fragmentada, dificultando assim o desenvolvimento de práticas potentes para a produção de subjetividades autônomas e participativas. O desafio que se coloca aos profissionais envolvidos no cuidado em saúde é construir junto com os usuários/coletivos ações cotidianas que ampliem as possibilidades de vida e de autonomia.

Palavras-chave: psicologia; atenção básica; cuidado em saúde; subjetividade; autonomia.


ABSTRACT

This article seeks to share the author's experience report as a Psychologist at a Family Health Support Center (Nasf) located in the southwest of Bahia. It was sought to understand the forces acting in the psychologist's practice, based on the analysis of elements considered important to think about the lived experience, namely: the work process of the teams (Nasf and Family Health), the integrated management of care in health and the relationship between health professionals and users /territory. It was noticed that the psychologist's work was crossed by several factors that interfered in his "doing", contributing to the establishment of a reduced, specialized and fragmented clinic, hindering the development of potent practices for the production of autonomous and participatory subjectivities. The challenge for professionals involved in health care is to build, together with the users/collective, daily actions that increase the possibilities of life and autonomy.

Keywords: psychology; primary care; health care; subjectivity; autonomy.


RESUMEN

Este artículo busca compartir el informe de la experiencia de la autora como psicóloga en un Centro de Atención Médica Familiar (Nasf) ubicado en el suroeste de Bahía. Se buscó comprender las fuerzas que actúan en la práctica del psicólogo, a partir del análisis de elementos considerados importantes para reflexionar sobre la experiencia vivida, a saber: el proceso de trabajo de los equipos (Nasf y salud de la familia), la gestión integrada de la atención en salud y la relación entre los profesionales de la salud y los usuarios/territorio. Se observó que el trabajo del psicólogo fue atravesado por varios factores que interferían en su "hacer", contribuyendo al establecimiento de una clínica reducida, especializada y fragmentada, obstaculizando el desarrollo de prácticas potentes para la producción de subjetividades autónomas y participativas. El desafío para los profesionales involucrados en el cuidado de la salud es construir, junto con los usuarios/colectivos, acciones cotidianas que aumenten las posibilidades de vida y autonomía.

Palabras clave: psicología; atención primaria; cuidado de la salud; subjetividad; autonomía.


 

 

Introdução

O Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Nasf) é um programa do Governo Federal, criado pelo Ministério da Saúde, em 2008, pela portaria nº 154, de 24 de janeiro de 2008. Tem como propósito ampliar a capacidade de cuidado das equipes de Atenção Básica (eAB) apoiadas, buscando com elas a resolução das demandas e dos problemas de saúde da população, bem como o manejo das ocorrências. Para atingir tais objetivos, o NASF atua em duas dimensões, a saber: clínico-assistencial e técnico-pedagógica. A primeira diz respeito às ações clínicas direcionadas aos usuários, e a segunda concerne às atividades de apoio educativo desenvolvidas com as equipes de trabalho (Brasil, 2014).

É importante salientar que o Nasf não se constitui como um serviço com espaço físico independente, ou seja, ele faz parte da Atenção Básica (AB) e por isso suas ações são desenvolvidas no próprio espaço das Unidades Básicas de Saúde (UBS) e no seu território de referência. Sobre o território, o Ministério da Saúde (Brasil, 2014, p. 29) diz que é um elemento fundamental na organização e na gestão do trabalho da AB, pois é nele que "se processa a vida e, como parte dela, o processo saúde-doença-cuidado". Noutras palavras, o território não se reduz a um espaço físico com limites geográficos precisos, visto que ele comporta em si dimensões físicas, sociais e subjetivas.

Nesse contexto, pode-se afirmar que o Nasf não se constitui em porta de entrada da AB para os usuários, visto que é um apoio especializado às equipes de Saúde da Família (eSF), nem tampouco pode ser confundido com o serviço ambulatorial e hospitalar. As ações do Nasf são executadas por uma equipe multiprofissional, composta por profissionais de diferentes áreas ou especialidades, de maneira integrada e apoiando os integrantes das equipes de referência, a partir do compartilhamento de práticas e saberes em saúde, buscando auxiliar na resolução de problemas clínicos e sanitários, ampliando, assim, a abrangência de ações das UBS e auxiliando na articulação com outros pontos de atenção da rede de serviços (Brasil, 2014).

O processo de trabalho do Nasf deverá ser criado com as eSF, priorizando as seguintes ações: atendimento (domiciliar ou individual) compartilhado, podendo ser realizado conjuntamente entre um profissional Nasf e, no mínimo, um membro da equipe vinculada; intervenções específicas do Nasf com usuários e famílias encaminhadas pelas eSF, a partir das discussões realizadas nas reuniões de matriciamento; ações comuns nos territórios de sua responsabilidade, desenvolvidas e articuladas com as equipes de referência apoiadas e outros setores (Brasil, 2009, 2014).

Para a execução de sua proposta, o Nasf se apoia, principalmente, em três instrumentos que se articulam entre si: o apoio matricial, a clínica ampliada e o projeto terapêutico singular. O primeiro instrumento - apoio matricial - consiste na integração da equipe de referência, no caso, a eSF, com núcleos profissionais, de diferentes formações ou especialidades, a partir do "compartilhamento de problemas, da troca de saberes e práticas entre os diversos profissionais e da articulação pactuada de intervenções" (Brasil, 2014, p. 13). O apoio matricial, no processo de trabalho do Nasf, vale-se das duas dimensões já mencionadas, a clínico-assistencial e a técnico-pedagógica.

O segundo instrumento, a clínica ampliada, consiste na articulação e no diálogo entre diferentes saberes para a compreensão do processo saúde-doença, a partir de um trabalho integrado, compartilhado e transdisciplinar entre as equipes de saúde (Brasil, 2010). Sundfeld (2010) pontua que esse cuidado em saúde inclui também o envolvimento dos usuários, inclusive na elaboração de seus projetos terapêuticos singulares, reconhecendo-os como cidadãos participantes desse processo. Nesse sentido, "ampliar a clínica significa ser capaz de reconhecer o que é necessário para cada pessoa e para cada coletivo em cada momento, de modo a ampliar as possibilidades de vida e de autonomia" (Cunha, 2012, p. 26).

Já o terceiro instrumento, o Projeto Terapêutico Singular (PTS), concerne a um conjunto de ações terapêuticas articuladas, destinadas a um sujeito individual ou coletivo, construído a partir de uma discussão de equipe que pode ser apoiada pelo Nasf. Geralmente, tal procedimento é destinado a situações mais complexas, que necessitam de uma maior atenção das equipes de saúde (Brasil, 2014).

Segundo Oliveira (2010), a formulação e o manejo do PTS ocorrem a partir da realização de três movimentos que se sobrepõem e se articulam: a coprodução da problematização, a coprodução de projeto e a cogestão/avaliação do processo. O primeiro movimento concerne à delimitação dos problemas de saúde a partir do olhar da equipe e do usuário. Ou seja, deve-se buscar um entendimento profundo do caso, mediante a implicação da equipe e do(s) próprio(s) usuário(s). Nas palavras do autor, é "o fazer junto e não pelo outro" (Oliveira, 2010, p. 278). O segundo movimento, nessa perspectiva, trata-se da construção das estratégias conjuntas (equipe e usuário) de intervenção, as quais comporão o projeto terapêutico. Já o terceiro movimento diz respeito à gestão coletiva do cuidado, o que não envolve somente as equipes (de apoio e de referência), os usuários e os familiares, mas também a gerência da saúde do município e os profissionais que fazem parte de outros equipamentos sociais. Importa frisar que o fortalecimento da rede de serviços é imprescindível nesse trabalho. Ademais, esse momento implica a reavaliação das ações do projeto terapêutico a fim de garantir a continuidade delas, verificando os efeitos produzidos e, ainda, os entraves surgidos durante o processo. Caso sejam necessárias, são formulados novos pactos entre os atores envolvidos.

Em síntese, o PTS pode trazer algo novo para o processo de trabalho em saúde pelo fato de ser uma construção compartilhada entre os profissionais e o próprio usuário, que é convidado a participar do processo, discutindo e negociando as ações e metas pactuadas pela equipe. Desse modo, o respeito à singularidade do sujeito, à corresponsabilidade dos profissionais, à construção de vínculos entre equipe e usuário, à participação deste na construção do PTS são aspectos fundamentais nesse processo.

 

Contextualização do Nasf acompanhado

O serviço de saúde que foi acompanhado durante um ano de trabalho da psicóloga está localizado no interior da Bahia, mais especificamente na região sudoeste do estado, contando com aproximadamente 76.881 habitantes1. As principais atividades econômicas do município são a pecuária, o comércio e, mais recentemente, a indústria. Se por um lado o surgimento dessa última contribuiu para a criação de empregos e, consequentemente, para o aumento da renda familiar, por outro, acarretou um crescimento populacional desordenado no município, uma vez que o polo industrial atraiu a migração de diversas pessoas do seu entorno.

Vale dizer que tal expansão aconteceu de forma isolada e acelerada, sem ser acompanhada por um planejamento urbano adequado, resultando assim no aparecimento de vários problemas sociais, quais sejam, pobreza, baixo nível de escolaridade, desemprego, tráfico de drogas, precariedade e dificuldade de acesso aos serviços públicos essenciais (habitação, saúde, saneamento, infraestrutura), entre outros.

É nesse cenário que a psicóloga se inseriu numa equipe Nasf, no período entre junho de 2013 e julho de 2014, para trabalhar com as necessidades de saúde dos indivíduos e grupos sociais do território supracitado, na perspectiva de "ampliar a capacidade de resposta à maior parte dos problemas de saúde da população da atenção básica", a partir da identificação dos meios mais efetivos para promover e proteger a situação de saúde da coletividade (Brasil, 2014, p. 12).

É importante frisar que o Nasf referido já existia há um ano antes da chegada da psicóloga, sendo composto até então por um psicólogo, um assistente social, um nutricionista, um farmacêutico e dois educadores físicos, que intercalavam seus horários de trabalho. Vale salientar também que a composição dos Nasf é definida pelos gestores municipais, variando de acordo com as necessidades do território (Brasil, 2008). De acordo com a Portaria nº 2.488, de 21 de outubro de 2011, as equipes Nasf podem ter em sua composição os seguintes profissionais: assistente social, nutricionista, farmacêutico, terapeuta ocupacional, fisioterapeuta, profissional de educação física, fonoaudiólogo, psicólogo, sanitarista, educador social e médico (do trabalho, acupunturista, pediatra, homeopata, ginecologista/obstetra, psiquiatra, geriatra, veterinário e clínico).

A implantação do Nasf no território mencionado, segundo os profissionais envolvidos nessa etapa, aconteceu sem haver nenhuma preparação prévia dos técnicos para o trabalho. Pode-se dizer que esses últimos, com exceção de um componente do grupo, iniciaram suas atividades em cinco equipes de saúde da família sem de fato conhecerem o serviço e seu funcionamento, uma vez que se tratava de uma política recente e inovadora, ou ainda, sem terem vivência de políticas públicas, mais especificamente na área da saúde coletiva.

Até o presente momento, o Nasf acompanhado está vinculado a oito equipes de saúde, sendo elas compostas por profissionais diversos, quais sejam, médico generalista, enfermeiro, auxiliar e/ou técnico de enfermagem, agentes comunitários de saúde (ACS). Essas equipes contam ainda com um cirurgião-dentista e um técnico em saúde bucal. Conforme a Portaria nº 3.124, de 28 de dezembro de 2012, o Nasf que está vinculado a, no mínimo, cinco e, no máximo, nove equipes de AB se enquadra na modalidade 1. Nesse sentido, o serviço mencionado, por garantir uma organização que contempla o acompanhamento de oito equipes de saúde, se caracteriza como Nasf 1.

 

Percursos metodológicos, análise de dados e resultados

Sobre os dados obtidos durante o trabalho no Nasf, no período entre 2013 e 2014, faz-se necessário dizer que foi criado pela psicóloga um diário de bordo, constituído por relatos que reúnem informações precisas e impressões emergidas no encontro com o campo, em especial nas reuniões de equipes de saúde e de gestores, nas conversas formais e informais com usuários e profissionais do serviço. A escrita dos relatos, distante de ser um momento burocrático, visa oferecer "um retorno à experiência do campo, para que se possa então falar de dentro de uma experiência e não de fora, ou seja, sobre a experiência" (Barros; Kastrup, 2009, p. 70).

Nesse sentido, as informações escolhidas e utilizadas neste artigo se deram em função de aspectos considerados relevantes para se pensar a experiência do psicólogo no Nasf, quais sejam: o fazer da Psicologia, a gestão integrada do cuidado em saúde, os processos de trabalho das equipes, a relação entre profissionais de saúde e usuários/território. Como aporte teórico, buscaram-se cartilhas e cadernos da atenção básica, do Ministério da Saúde, que discorrem sobre o trabalho do Nasf e da AB, além de autores que dialogam com a prática da Psicologia nas políticas públicas e com a proposta da clínica ampliada na saúde pública.

É importante frisar que os dados que serão analisados doravante foram selecionados pela psicóloga-pesquisadora por serem elementos importantes para a compreensão da experiência vivida. No tocante à inserção da psicóloga ao Nasf, cabe ressaltar que a sua chegada foi bastante esperada pelos profissionais daquele núcleo e das eSF, que haviam ficado por quase um ano sem a atuação do "especialista psi" em grande parte das suas intervenções. Isso porque, quando o Nasf foi implantado no município, o grupo contava com a presença de um psicólogo, mas, logo após dois meses de funcionamento do serviço, ele aceitou o convite do gestor da saúde para assumir a coordenação do Nasf, envolvendo-se então apenas com questões administrativas e burocráticas.

Com isso, havia muita demanda reprimida para a psicóloga que, ao se inserir no Nasf, encontrou bastante dificuldade, em especial na organização do trabalho, visto que a prática do cuidado na AB continuava sendo pautada por formas hegemônicas e tradicionais, fazendo prevalecer à lógica do "consultismo" no cotidiano da assistência em saúde. Percebemos que o desejo da maioria dos profissionais das equipes da Estratégia Saúde da Família (ESF) era que o psicólogo estabelecesse uma agenda de horários para atender individualmente os usuários que apresentavam um sofrimento psíquico. Vale enfatizar também que a metodologia do Nasf pauta-se no desenvolvimento de intervenções interdisciplinares e por isso os atendimentos individuais e específicos, realizados apenas por um componente do Nasf, devem ocorrer somente em situações extremamente necessárias (Brasil, 2009).

Por outro lado, a questão do excesso de demanda para o psicólogo mantém estreita relação com a dificuldade dos profissionais que compõem as equipes de apoio e de referência em trabalhar de forma integrada e articulada, compartilhando saberes e práticas. Observamos que a separação entre as diversas áreas de conhecimento acompanha o dia a dia dos trabalhadores, o que contribui para um olhar fragmentado do sujeito. Dessa forma, se algum usuário relatasse tristeza ou outro tipo de sofrimento, ele deveria ser encaminhado logo para o psicólogo. Nesse cenário, a escuta e o acolhimento daquela pessoa tornaram-se algo exclusivo e propriedade do "especialista psi". Apropriar-se dessa lógica contribui para a psicologização da vida social do indivíduo, o que, segundo Coimbra e Leitão (2003), significa compreender e explicar as diversas situações do cotidiano a partir do campo psicológico-existencial. Assim, os conflitos e até mesmo as patologias passam a ser atribuídos ao "território do psicológico, fazendo parte do psiquismo e da vida interior do sujeito" (p.12).

Para tentar driblar esses impasses foi preciso, nesse primeiro momento, colocar em análise as demandas produzidas nos serviços de saúde para, posteriormente, buscar ofertar outras práticas de cuidado. Noutras palavras, procuramos compreender qual a concepção que os profissionais e a própria comunidade possuíam em relação ao fazer da Psicologia no âmbito da saúde pública.

Percebemos a relevância de trabalharmos, ao longo da nossa atuação, a desnaturalização de nossa prática, pois ainda é muito presente no imaginário social a ideia de que o psicólogo é o produtor e detentor da verdade, sendo então o profissional que irá fornecer respostas às pessoas sobre os dilemas da vida, dizendo então como elas devem agir, pensar e sentir. Nesse sentido é preciso burilar novas formas de perceber a Psicologia, lapidando as arestas endurecidas que sustentam os discursos cristalizados engendrados em nossa sociedade, provocando assim abalos e rachaduras nessas narrativas e paisagens vigentes. Isso nos leva a crer que o nosso fazer é algo "artesanal", exigindo de nós, psicólogos, uma reflexão contínua sobre o que estamos produzindo com a nossa prática. Destarte, é mister "pensar nesse lugar instituído e naturalizado, percebido como a-histórico, neutro e objetivo que nós, muitas vezes, temos ocupado e fortalecido: o do saber-poder" (Coimbra & Leitão, 2003, p. 8).

Outra questão interessante observada logo após a entrada da psicóloga no Nasf concerne à falta de entrosamento, de articulação e de uma comunicação transversal entre os profissionais daquele núcleo e das eSF. Ficou evidente que grande parte dos trabalhadores que compunham essas últimas encontrava-se, naquele momento, resistente e até desacreditada no "fazer" do Nasf e isso refletia nitidamente no trabalho cotidiano das equipes.

A título de exemplo, podemos citar as reuniões de matriciamento que acontecem periodicamente entre as equipes Nasf e ESF, cujo objetivo é problematizar, planejar e executar ações conjuntas, englobando discussões de casos e temas (Brasil, 2014). Nessas reuniões, notamos que muitas das equipes da ESF não levavam casos para serem discutidos, além da ausência de muitos profissionais, especialmente a dos médicos e de alguns ACS, e da falta de integração e comunicação entre as equipes. Recorrentemente escutávamos dessas últimas alguns comentários que sinalizavam tal problemática, a saber: "o Nasf não resolveu o 'caso' trazido para a discussão de equipe"; "Essas reuniões não servem para coisa alguma"; "o Nasf não funciona".

Embora essas dificuldades digam respeito a uma vivência específica, elas também podem estar presentes em outras experiências de trabalho, pois, conforme Cunha (2012), as problemáticas que surgem no dia a dia de um serviço de saúde, em especial aquelas relacionadas à gestão compartilhada do cuidado, estão estreitamente relacionadas com o desafio da clínica ampliada e, por isso, não devem ser vistas como exceção, e sim como parte do processo de mudança e de qualificação do trabalho em saúde.

Importa lembrar que um caso discutido em reunião de equipe Nasf/ESF e envolvendo o cuidado de um usuário e/ou de uma família torna-se uma responsabilidade de todos os envolvidos no processo, não sendo então uma ação que compete exclusivamente ao Nasf. Trabalhar com a construção do projeto terapêutico singular (PTS) nos espaços coletivos de discussão e de reflexão é interessante nesse sentido, pois, durante a sua elaboração, são definidas as responsabilidades de cada um (usuário, eSF e Nasf), podendo haver então uma maior articulação entre as equipes e entre elas e os próprios usuários, propiciando assim o compartilhamento de tarefas entre todos os envolvidos (Brasil, 2014).

Notamos, por conseguinte, que em nosso cotidiano de trabalho foram raros os momentos em que os profissionais do Nasf lançaram mão de tal estratégia. Percebemos também que, nesse grupo, muito se falava sobre o PTS, mas foi bem maior a dificuldade de inseri-lo e de manejá-lo nas discussões em equipe (ESF e Nasf), sem burocratizar a condução dos casos. Podemos afirmar que somente após quase um ano de existência do Nasf a equipe começou a compreender de fato o significado e a relevância daquele instrumento na produção das ações em saúde, numa tentativa de produzir deslocamentos nos modos de trabalho das equipes.

Sobre o processo de construção do PTS, Oliveira (2010) pontua dois aspectos que merecem atenção no cuidado em saúde. O primeiro deles concerne o reconhecimento de uma situação problema. Ou seja, muitas vezes a equipe de saúde assume o lugar de detentora do saber científico e, ao detectar e legitimar os "problemas de saúde", ela dita os modos de enfrentamento desses problemas, a partir, exclusivamente, do seu olhar e do seu saber. Dessa forma, em um movimento unidirecional, a equipe desconsidera os desejos e interesses do usuário envolvido, negando então a sua capacidade de interferir na sua relação com a vida e com a doença. Isso pode produzir no usuário tanto movimentos de resistência e de não adesão às prescrições de saúde quanto movimentos de submissão e de pouca autonomia no seu cuidado.

Noutras palavras, ao não aderir ao tratamento proposto pela equipe, o usuário acaba sendo visto e estigmatizado por ela, muitas vezes, como uma pessoa resistente e descompromissada em relação ao seu processo terapêutico. O usuário, nessa situação, é culpabilizado pelo seu adoecimento. Contudo, pode acontecer também de ele não aderir ao tratamento e, por extensão, não participar da construção de sua terapêutica, tornando-se assim passivo no seu cuidado, dificultando a produção de autonomia. Sobre tais aspectos, Cunha (2012, p. 27) pontua que "a relação de poder dos profissionais de saúde com indivíduos e comunidades afetadas, quando se pensa na prática da clínica ampliada, tem que ser mais horizontal, mais cooperativa e menos impositiva".

O segundo aspecto concerne no risco de se fazer um uso do PTS mais com uma finalidade burocrática do que terapêutica. No tocante a esse ponto, Oliveira (2010) esclarece que os profissionais dos serviços de saúde, incentivados por políticas de produtividade, têm tornado suas práticas de planejamento, muitas vezes, burocráticas, endurecidas e pouco participativas. Desse modo, preocupados com a "produção" de procedimentos no serviço, os trabalhadores da saúde podem fazer do PTS, assim como de outros recursos, mais um instrumento para compor o arsenal técnico a ser utilizado em seu cotidiano de trabalho, para, posteriormente, inserirem a quantidade total de condutas clínicas realizadas pela equipe nos seus relatórios mensais que serão entregues à gestão. Sob esse prisma, temos o desenvolvimento de ações fragmentadas, imediatistas e isoladas, distantes da realidade dos usuários, cuja ênfase recai no aspecto quantitativo do trabalho, em detrimento do qualitativo, e isso dificilmente contribui para a produção de novos territórios existenciais. O engessamento da agenda de trabalhos das eSF foi algo observado em nosso cotidiano, produzindo certo desconforto e incômodo nos componentes do Nasf. Esse cenário contribui, segundo Cunha, para manter "certa cultura organizacional que nega a incerteza e a discussão coletiva e estimula um tipo de clínica, reduzida e especializada-fragmentada" (2012, p. 36).

Dessa maneira, a utilização do PTS, como também de outras ferramentas que compõem o arsenal técnico dos profissionais da saúde, em especial do Nasf, não nos dá a garantia de modificações nos processos de trabalho em saúde. Nas palavras de Ferreira Neto (2011, p.15), "alterar, instituir novas práticas, mesmo sendo inevitável, não garante avanços inexoráveis". Pelo contrário, pode apenas apontar para as mudanças produzidas nos regimes discursivos das políticas de saúde, mas não nos seus modos de trabalho. Podemos ter, assim, "novos" discursos e tecnologias encobrindo "velhas" práticas, segundo Sundfeld (2010). Essa autora comenta ainda que a "reforma da assistência pressupõe a reforma do pensamento de seus atores: profissionais e comunidade e, sobretudo, um sim às incertezas e inventividade do cotidiano" (p. 1094).

Retomando a discussão sobre os modos das equipes (Nasf e ESF) se relacionarem, sobressai a necessidade de se criar, frequentemente, um espaço de escuta e de reflexão dos profissionais que compõem as unidades saúde da família para, assim, compreender melhor suas decepções e suas insatisfações em relação ao processo de trabalho das equipes, além de auxiliá-los no entendimento das diretrizes e da metodologia do Nasf, buscando desse modo fomentar a instauração do diálogo e do trabalho conjunto. Notamos que para os componentes da equipe de apoio esses momentos sempre foram difíceis de vivenciar e por isso quase não aconteciam. Isso porque problematizar a "lida" cotidiana das equipes e serviços não é uma tarefa fácil, pois "toca" em nossas dificuldades, feridas e fragilidades, mobilizando, assim afetos, exigindo de nós sensibilidade para escutar o outro e a si mesmo e, também, um pouco de coragem para enfrentar caminhos desconhecidos e imprevisíveis. Ao mesmo tempo, tal problematização provoca entre as equipes de trabalho desestabilizações capazes de produzir rupturas nas condutas engessadas e automatizadas, dando lugar a novas possibilidades de intervenção.

Aventuramo-nos, assim, a lançar algumas hipóteses em relação às dificuldades e impasses surgidos no trabalho das equipes supracitadas. A nosso ver, as tensões cotidianas são frutos de um processo e não podem ser entendidas separadamente dos diversos elementos que compõem a trajetória grupal do Nasf pesquisado. A primeira hipótese concerne à forma como o Nasf foi implantado no município baiano. Ora, mesmo não participando desse momento inicial, arriscamo-nos a compartilhar algumas ideias suscitadas mediante a nossa inserção no programa. Conforme vimos anteriormente, a implantação do Nasf ocorreu sem haver nenhuma preparação prévia dos seus técnicos para o trabalho. Além de esses profissionais não conhecerem de fato o serviço e seu funcionamento, eles ainda não tinham nenhuma vivência nas políticas públicas, mais especificamente, na saúde coletiva.

Ferreira Neto (2011, p.31) nos ajuda a esclarecer esse último ponto dizendo que trabalhar no âmbito das políticas públicas é pisar em um campo minado, complexo e carregado de paradoxos. Acrescenta ainda que para se desenvolver um trabalho ético- político é preciso "sustentar uma postura menos ingênua e realizar um diagnóstico bem-feito das relações de poder, onde o mesmo está sendo desenvolvido". Caso contrário, como diz Fuganti (2009), podemos nos tornar cúmplices do poder que nos captura, contribuindo dessa forma para o enfraquecimento dos usuários das políticas de saúde, em vez da potencialização da vida. Nessa óptica, "desconstruir a cumplicidade em nós é essencial" (Fuganti, 2009, p. 672).

As queixas dos profissionais no tocante à fase inicial do grupo referem-se à falta de formação deles para atuarem no matriciamento das equipes de referência, assim como à falta de apoio da gestão local no momento da "chegada" do grupo às unidades de saúde. Sobre a gestão, a expectativa da equipe mencionada naquele instante era que tivesse sido realizada uma sensibilização inicial entre os programas (Nasf e ESF), no sentido de favorecer uma aproximação entre eles, buscando entender as expectativas dos envolvidos nesse processo, bem como elucidar a metodologia de trabalho do núcleo de apoio, relacionando-a com o "fazer" cotidiano dos trabalhadores em saúde e com a realidade local em que estão inseridos. Nessa esteira, o início das atividades do Nasf acompanhado poderia ter sido um disparador de "bons encontros" pelo fato de poder potencializar a "produção de sentido e significado comum" (Brasil, 2014, p. 37) nas formas de trabalho das equipes. Essas narrativas levam-nos a crer que os acontecimentos experimentados pelo coletivo enfraqueceram o seu caminhar, afetando e interferindo em seu modo de agir, pensar e sentir. Isso é posto em relevo no momento em que o grupo relata, numa das reuniões de equipe do Nasf, que se sentiu perdido, desmotivado e inseguro quando se iniciaram as atividades nas unidades de saúde. Talvez, o Nasf tenha deixado rastros desses afetos em seus encontros com as eSF.

Outro aspecto relevante sobre esse momento diz respeito à análise do território. Ou seja, compreender as particularidades locais, incluindo aqui as suas necessidades e potencialidades, facilita a construção das ações conjuntas entre os programas Nasf e ESF. Sendo assim, o reconhecimento do território pela equipe de apoio é de suma importância, tornando a sua atuação mais efetiva e adequada às necessidades da população (Brasil, 2014).

Para tanto, é preciso haver a construção de vínculos entre as equipes e os usuários do serviço. Nas palavras de Oliveira (2010), é necessário ir a campo para conhecer as formas de vida das pessoas em seus habitats, provocando momentos de encontro, de escuta e de acolhimento, oportunizando o vínculo e a construção de algo em comum. O autor enfatiza ainda que tais encontros são importantes e, por isso, devem acontecer não somente pela necessidade de se coletar informações, mas, principalmente, pela possibilidade de favorecer a relação entre profissionais e usuários.

Ainda sobre a relação entre equipe e comunidade, importa ressaltar outro ponto observado durante a nossa atuação. Além da coleta de informações, as equipes também vão à busca dos usuários vinculados ao serviço, no afã de inseri-los nas atividades desenvolvidas por elas. Mas, a participação da comunidade, nesse caso, se limita a fazer parte dos projetos desenvolvidos nas unidades de saúde e que já se encontram prontos, sem de fato ter havido o envolvimento dos usuários na construção deles. Para mobilizar e garantir a presença dos usuários em tais ações, as equipes lançam mão de alguns artifícios, como brindes e lanches. Nesse sentido, essas ações acabam funcionando mais como mecanismos disciplinares e de controle, tutelando e enfraquecendo os sujeitos, ao invés de disparar "maneiras ativas de existir" (Fuganti, 2009, p. 678).

Verificou-se, então, que há ainda uma necessidade de aprofundar a reflexão com as equipes de trabalho, provocando-as a pensar sobre o significado da participação e da autonomia na produção do cuidado em saúde. Cabe ressaltar que a ampliação da autonomia dos indivíduos e coletivos é compreendida como um dos principais resultados almejados com o cuidado da saúde, sendo fruto de ações técnicas e também da produção de relações de acolhimento, vínculo e responsabilização (Brasil, 2014, p. 15).

Nossa segunda hipótese acerca dos fatores que facilitaram o aparecimento de alguns entraves no processo de trabalho das equipes concerne a certas particularidades da metodologia do Nasf. Ocorre que o "fazer" desse núcleo não é algo que se encontra pronto, com ações e estratégias definidas, bastando então que cada profissional aplique o seu arsenal teórico-conceitual para que tudo esteja resolvido. Pelo contrário, esse trabalho precisa ser construído, inventado, e não de forma isolada e confinada a um só saber, por todos os atores, sobretudo pela própria comunidade, para que sejam promovidas de fato ações integradas e "mais abrangentes que aquelas encontradas em trabalhos segmentados ou uniprofissionais" (Brasil, 2014, p. 15).

 

Considerações finais

Percebemos que o trabalho do psicólogo no programa acompanhado foi atravessado por vários fatores que interferiram em seu "fazer", entre eles: a lógica do "consultismo" ainda muito presente na rotina da assistência em saúde; a fragmentação dos saberes e das práticas, contribuindo para a psicologização da vida cotidiana; o uso de novas tecnologias na gestão do cuidado, sem necessariamente romper com os modelos tradicionais e hierarquizados de produzir saúde; a "burocratização" na organização e na realização das atividades na atenção básica; as tensões constantes no processo de trabalho do Nasf e ESF, experimentadas como impedimentos e obstáculos, em vez de serem vivenciadas como disparadores de um agir mais inventivo e criativo; o distanciamento entre os usuários/território e os trabalhadores que compõem os serviços supracitados, dificultando o desenvolvimento de práticas potentes para a produção de subjetividades singulares, autônomas e participativas.

A nosso ver, o grande desafio dos profissionais (equipes-gestores-rede assistencial) envolvidos nas práticas do cuidado em saúde é pensar e construir ações cotidianas com o outro (usuário-família-comunidade) que não sejam meras reprodutoras de subjetividades tuteladas e sujeitadas. Acreditamos que o cotidiano seja "o lócus em potência de transformação das práticas, pois que é sobre ele, e com ele, que os diferentes sujeitos (re)inventam e afirmam processos de autonomia em seus modos de vida-trabalho" (Campos & Guerrero, 2010, p. 818). Apostamos então nos encontros capazes de produzir novas formas de relação consigo mesmo e com os outros, aumentando a potência da vida.

 

Referências

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Recebido em 01/09/2014
Aprovado em 13/12/2016

 

 

1 Dados obtidos por meio do censo demográfico realizado pelo IBGE, em 2010. Disponível no site http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=291640&search=bahia|itapetinga

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