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Pesquisas e Práticas Psicossociais

versão On-line ISSN 1809-8908

Pesqui. prát. psicossociais vol.12 no.1 São João del-Rei jan./março 2017

 

Educação, gestão social e desenvolvimento local: algumas considerações sobre a experiência do MST na luta pela gestão social da escola

 

Education, social management and local development: some thoughts on the experience of MST in the fight for school social management

 

Educación, gestión social y desarrollo local: algunas reflexiones sobre la experiencia del MST en la lucha por la gestión social de la escuela

 

 

Adilene Gonçalves Quaresma

Programa de Pós-Graduação em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário Una. Doutora em Educação pelo Programa de Pós-Graduação Conhecimento e Inclusão Social da Faculdade de Educação da UFMG

 

 


RESUMO

Gestão social e desenvolvimento local são categorias cujos sentidos e finalidades podem ser "a favor do social" ou "contra o social". Tais categorias configuram perspectivas de análise da realidade diferentes, bem como perspectivas de projetos societais divergentes. Partindo desse pressuposto, o texto apresenta a análise sobre a relação entre educação-desenvolvimento local e gestão social da escola na experiência do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em Minas Gerais. Resulta de pesquisa realizada no Doutorado1 no período de 2009 a 2011 e compreendeu uma abordagem qualitativa, com entrevistas, aplicação de questionários e observação de atividades desenvolvidas nas escolas pesquisadas e no assentamento em geral. A análise realizada leva a concluir que, no espaço da implantação do seu projeto de educação, existe uma disputa entre uma concepção de gestão social da escola e da educação defendida pelo MST e o modelo gerencial do Estado, o que se configura como um desafio a ser superado pelo Movimento.

Palavras-chave: educação; desenvolvimento local; gestão social; MST.


ABSTRACT

Social management and local development are categories whose senses and purposes can be "in favor of the social" or "against social". These categories constitute analytical perspectives of different realities and perspectives of different societal projects. Based on this assumption, the text presents the analysis of the relationship between local education-development and school management in the social movement of the experience of the Landless Rural Workers (MST) in Minas Gerais. The text results of research conducted in Doctorate from 2009 to 2011; it comprised a qualitative approach with interviews, questionnaires and observation activities in the schools surveyed and in settlement in general. The analysis leads to the conclusion that within the implementation of its education project, there is a dispute between a conception of social management of the school and the education advocated by the MST and the management model of the state, which is configured as a challenge to be overcome by the Movement.

Keywords: education; local development; social management; MST.


RESUMEN

La gestión social y el desarrollo local son categorías cuyos sentidos y propósitos pueden ser "a favor de lo social" o "contra la exclusión social". Estas categorías constituyen perspectivas de análisis de diferentes realidades y perspectivas de los diferentes proyectos sociales. Con base en este supuesto, el texto presenta el análisis de la relación entre educación-desarrollo local y la gestión escolar en el movimiento social de la experiencia de la Trabajadores Rurales Sin Tierra (MST) en Minas Gerais. El texto resulta de la investigación realizada en Doctorado de 2009 hasta 2011 y se compone de un enfoque cualitativo con entrevistas, cuestionarios y actividades de observación en las escuelas encuestadas y asentamiento en general. El análisis lleva a la conclusión de que en la ejecución de su proyecto de educación, hay una disputa entre una concepción de la gestión social de la escuela y la educación defendida por el MST y el modelo de gestión del Estado, que se configura como un desafío a ser superado por el Movimiento.

Palabras clave: educación; desarrollo local; la gestión social; MST.


 

 

Introdução

Segundo Neto et al. (2012), para melhor compreender os processos sociais que perpassam a luta pela reforma agrária, é preciso considerar a articulação dos elementos conjunturais e estruturais que envolvem o problema, ou seja, sua análise precisa considerar os conflitos entre trabalhadores rurais sem terra e latifundiários, mas, também, a política geral do País nos diferentes períodos históricos, nas suas mais diversas configurações, bem como as descontinuidades e contradições que envolvem a Questão Agrária no Brasil. É nesse sentido que a discussão sobre a Educação do Campo, como bandeira de luta articulada à luta pela terra, é apresentada neste texto.

A luta por educação para os trabalhadores do campo tem como elemento constituinte, também, a política de educação para o País que, apoiada na dualidade estrutural da sociedade e na submissão do campo à cidade, deixou à margem da escola os filhos dos trabalhadores do campo. Tal realidade apresenta possibilidades de mudança a partir do movimento iniciado na década de 1990, tendo à frente o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

É como resultado dessa luta que a educação do campo, como a educação em geral, configura-se como direito e como política pública do Estado brasileiro também para os trabalhadores do campo. O MST é um dos movimentos sociais do campo que tem se posicionado na teoria e na prática criticamente em relação às orientações e práticas oficiais para a educação do campo.

Este texto tem por referência a pesquisa realizada pela autora em seu doutorado, concluído em fevereiro de 2011, no Programa de pós-graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. O objetivo da pesquisa foi analisar a pedagogia da relação trabalho-educação no Projeto Político-Pedagógico do MST em escolas de assentamento em Minas Gerais. Os sujeitos da pesquisa compreenderam professores, alunos e lideranças assentadas. Os alunos e professores que responderam aos questionários e participaram das entrevistas são do Ensino Fundamental e do 1º e 2º segmentos da Educação de Jovens e Adultos.

O objetivo do texto é mostrar como o MST estabelece a relação entre educação-desenvolvimento local e gestão social da escola, apesar do contexto do modelo gerencial implementado pelo poder público. As questões são apresentadas em dois tópicos: base teórica, na qual são abordados conceitos e questões sobre a gestão da educação no novo modelo gerencial do Estado Brasileiro; o desenvolvimento local e a gestão social como conceitos que compreendem perspectivas e projetos de sociedade diferentes; e o tópico resultados e discussão, no qual são apresentadas a análise e a discussão sobre a experiência do MST.

 

Base Teórica

As políticas públicas para a educação brasileira integram-se ao processo de reformas educacionais imposto pelo novo modelo de produção flexível. Em substituição ao taylorismo/fordismo, a produção flexível compreende, em linhas gerais, segundo Sennet (2000, como citado em Carvalho, 2009, p. 1141), três aspectos estruturais e organizacionais na moderna forma de flexibilidade dos processos de trabalho: a especialização flexível da produção, ou seja, maior variedade de produtos no mercado; a reinvenção descontínua das instituições, que compreende maior rapidez na tomada das decisões e na substituição das hierarquias verticais, rígidas e claramente definidas, por redes mais frouxas; e a concentração do poder sem centralização, que retira o supervisor do processo de produção e possibilita que "os trabalhadores tenham maior controle sobre suas próprias atividades e tende a adotar modelos de organização cooperativa e discursiva, em cujas tomadas de decisão os trabalhadores são envolvidos" (Carvalho, 2009, p. 1141). Esses três aspectos vão promover mudanças significativas no Estado e na sua forma de gerenciar suas atividades, sendo que, para Carvalho (2009, p. 1145):

Nessa reforma, na perspectiva de seus proponentes, o Estado deve responder com maior rapidez e eficiência às constantes mutações do mercado global e às demandas sociais, exercer um papel mais decisivo na reestruturação produtiva e diversificar as fontes de financiamento. Vê-se na reforma a possibilidade de se flexibilizar a ação estatal e de se liberar a economia, conduzindo-a a um novo ciclo de crescimento econômico e, ao mesmo tempo, proporcionar ao Estado maior governabilidade. Em face disso, o problema da eficácia administrativa torna-se questão central nos debates e nas reformas políticas dos anos de 1990, em meio aos quais o novo modelo de gestão pública que se apresenta é o gerencial.

A linha mestra do Estado nessa nova fase é a diminuição das suas funções, adotando a privatização, a terceirização e a "publicização", que compreende a transferência para o setor público não estatal de funções antes prestadas pelo setor estatal; a diminuição da regulação do mercado; e o aumento da governabilidade do Estado, que se sustenta na existência de instituições políticas que garantem a intermediação de interesses, legitimando os governos e aperfeiçoando a democracia, abrindo espaço para o controle social ou a democracia direta (Pereira, 1997, como citado em Carvalho, 2009).

Carvalho (2009) apresenta 16 estratégias do modelo gerencial adotado pelo Estado e diz que, com esse modelo gerencial, o Estado, de investidor, passa a ser o mantenedor, assumindo a função de regulador e facilitador da iniciativa privada, o que exime sua responsabilidade direta de produzir e fornecer bens ou serviços. Passa de executor direto para árbitro, consistindo sua intervenção em redistribuir ou realocar recursos, introduzir regras para orientar as relações entre os prestadores públicos e privados, em avaliar previamente necessidades e recursos disponíveis, em definir, antecipadamente, metas e, posteriormente, monitorar sua realização, separando a função de governar e a de executar.

Esse modelo gerencial é utilizado na gestão das políticas públicas em geral e da educação, tendo em vista adequá-la ao novo modo de produção flexível. Sendo assim, a gestão educacional passa a ser evidenciada, pois esta se configura como uma estratégia de sustentação da reforma, fundamental para o sucesso da aprendizagem e a melhoria da qualidade da educação, adequando-a às novas exigências do capital (Araújo & Castro, 2011).

Outro aspecto a ser considerado é que, além de orientar a educação para a adequação da força de trabalho ao modelo flexível de produção, segundo Oliveira (2004), as reformas educacionais implantadas na América Latina a partir de 1990 tiveram um duplo enfoque, ou seja, "a educação dirigida à formação para o trabalho e a educação orientada para a gestão ou disciplina da pobreza" (Oliveira, 2004, p. 1132). E completa:

Assim, tais reformas serão marcadas pela padronização e massificação de certos processos administrativos e pedagógicos, sob o argumento da organização sistêmica, da garantia da suposta universalidade, possibilitando baixar custos ou redefinir gastos e permitir o controle central das políticas implementadas. O modelo de gestão escolar adotado será baseado na combinação de formas de planejamento e controle central na formulação de políticas, associado à descentralização administrativa na implementação dessas políticas. Tais estratégias possibilitam arranjos locais como a complementação orçamentária com recursos da própria comunidade assistida e de parcerias. (Oliveira, 2004, p. 1132)

É em meio a essa duplicidade de funções, de desresponsabilização do Estado pelo financiamento e execução das políticas públicas educacionais que os embates, conflitos e consensos têm sido construídos ou não. Além disso, há um esvaziamento da função política da escola (Gramsci, 1968; Freire, 2005; 2008), e a priorização de uma função social "contra o social" (Maia, 2005) para "disciplinar a pobreza" (Oliveira, 2004).

Nesse sentido, diversas questões colocam-se, por exemplo: qual é o resultado desse modelo gerencial para a educação em geral e para a Educação do Campo? Como no interior da sociedade e da escola essas políticas se configuram? Que dificuldades e avanços se colocam? Qual é o modelo de educação do campo que tem prevalecido? Qual o poder de ação dos movimentos sociais na gestão da educação? O que tem sido possível construir nesse espaço de disputa no qual se tem constituído a educação pública?

Quanto ao entendimento contemporâneo de sociedade civil, a ideia básica é de que esta (como em Gramsci) distingue-se das esferas do Estado e da economia, buscando assim evitar o liberalismo, no qual a integração social concentra-se no mercado; e o estatismo, que coloca a sociedade civil subsumida no Estado (como nos países socialistas). O que não quer dizer que "distinção" significa separação, ou seja, a sociedade civil não está "apartada" do Estado.

Para Nogueira (2003), a sociedade civil é considerada um espaço no qual são elaborados e viabilizados projetos globais de sociedade, articulam-se capacidades de direção ético-política e disputa-se o poder de dominação. Porém, tomando por referência a política neoliberal, apoiada no modelo flexível de produção, e na realidade da sociedade brasileira a partir de 1990, verifica-se um processo de ruptura da sociedade civil com o Estado, contrário, em princípio, à tese gramsciana de que a sociedade civil constitui-se como "parte orgânica do Estado". Assim, segundo Nogueira (2003), as correntes mais recentes tendem a tratar a

Sociedade civil como uma instância separada do Estado e da economia, um reino à parte, potencialmente criativo e contestador, visto ora como base operacional de iniciativas e movimentos não comprometidos com as instituições políticas e as organizações de classe, ora como espaço articulado pelas dinâmicas da "esfera pública" e da "ação comunicativa". (Nogueira, 2003, p. 2)

Mas o conceito gramsciano de sociedade civil não é hegemônico, hoje. Em diálogo com Gramsci, e apresentando novos elementos para classificar as tendências de abordagem da sociedade civil, atualmente existentes, Nogueira (2003) apresenta dois conceitos distintos: Sociedade Civil Liberista e Sociedade Civil Social.

A Sociedade Civil Liberista compreende o mercado no comando, em que a luta social faz-se em termos de competição e privadamente, sem interferência pública ou estatal. A sua relação com o Estado é de eventuais alianças ou combinações. Nessa concepção, a "sociedade civil" é vista como um "setor público não estatal", palco de organizações que são "públicas", porque estão voltadas para o interesse geral; mas que são "não estatais", porque estão soltas do aparelho de Estado. A disputa nessa sociedade não é pela hegemonia, mas por atuação em busca de vantagens ou por extração de maiores dividendos para si.

A concepção de sociedade civil que Nogueira (2003, p. 6) classifica como liberista é representada pelo chamado "Terceiro Setor", composto por "um vasto conjunto de organizações sociais voltadas para o atendimento de necessidades e carências de certos segmentos da população e unido por uma mesma legislação reguladora". Em termos de polarização e contraposição ao Estado, nessa noção de sociedade civil liberista, a sociedade civil limita-se a "ferir", "cutucar" os governos em alguns pontos, mas não o suficiente para desestruturá-los, pois é, muitas vezes, manipulada por eles. Para Nogueira (2003):

Em sua configuração de típico-ideal, essa sociedade civil produz incentivos basicamente competitivos: re-fragmentação, fechamento corporativo dos interesses, despolitização. Nela tendem a se articular movimentos direcionados para valorizar interesses particulares, atender demandas, fiscalizar governos, desconstruir e desresponsabilizar o Estado, enfraquecer ou desativar dispositivos de regulação. (Nogueira, 2003, p. 7)

A concepção de Sociedade Civil Social, por sua vez, situa-se além da sociedade política, do Estado e do mercado. Compreende políticas étnicas, religiosas, culturais, de gênero e processa-se em movimentação permanente, com autonomia e luta por aquisição de direitos e contestação ao sistema. Assim,

A sociedade civil sustenta-se, assim, sobre uma concepção dicotômica: nela estariam o universalismo, a ética, o diálogo, ao passo que no político estariam o particularismo, a força, a corrupção. Sua teoria trabalha com um construto formal de um modelo carregado de preferências valorativas, a partir dos quais se julga a integridade moral e a estatura política dos atores. Nessa concepção, portanto, a sociedade civil é um espaço situado além da sociedade política, do Estado e do mercado. Um espaço de onde se busca extrair dos governos, elementos para restringir o mercado e liberar energias societais autônomas. Nele, age-se para contestar o poder e o sistema, mas não para articular capacidades de direção ético-política ou fundar novos Estados. (Nogueira, 2003, p. 8)

Na sociedade civil social, existiria um espaço maior para questionamento e contestação do Estado e do mercado, ao contrário da sociedade civil liberista, que funciona como substituta do Estado naquilo que este não faz e em articulação com o mercado.

Mesmo com algumas diferenças, a sociedade civil liberista e a sociedade civil social sustentam-se sobre uma valorização da sociedade civil em si, ou seja, uma esfera própria, autônoma diante do Estado, a ele oposta; uma instância homogênea e integrada por intenções comuns, que se comporiam espontaneamente. Porém, para Nogueira (2003), passa-se uma ideia de sociedade civil vazia de tensões, disputas e contradições, que "luta", mas não está atravessada por lutas, por exemplo, "luta de classes", não se estruturando como campo de ações para organizar hegemonias. O que se verifica, portanto, é uma sociedade civil dispersa em suas ações, despolitizada em suas lutas, com raras exceções, e sem poder de intervenção tanto no Estado como no mercado. O campo de lutas estaria assim composto: Estado × mercado × sociedade civil (liberista e social).

É no contexto do surgimento do "Terceiro Setor" ou "Sociedade Civil Liberista", segundo Nogueira (2003),2 que a gestão do social no desenvolvimento do capital chega ao Brasil, na década de 1990, trazendo também a perspectiva do desenvolvimento local. Segundo Maia (2005, p. 3),

A gestão do social no desenvolvimento do capital é introduzida especialmente através do denominado terceiro setor, que chega ao Brasil e demais países da América Latina na década de 1990, por influência americana e europeia (Landim, 1999). Apesar das diferenças destas origens, o terceiro setor acaba constituindo-se, no nosso país, em "espaço" de disseminação dos valores e práticas neoliberais (Montaño, 2002) desenvolvidas junto às organizações sociais da sociedade civil, ampliadas com a presença de fundações e empresas filantrópicas advindas do campo do mercado.

E, segundo Tomasetto, Lima e Shikida (2009, p. 24):

A abordagem do desenvolvimento local ganhou destaque nas últimas décadas frente aos desafios impostos pela nova dinâmica econômica, ou seja, reestruturação produtiva, em que propostas administradas pelos governos locais e regionais procuram assegurar o desenvolvimento econômico de cidades e regiões.

Assim, os dois conceitos, na sua origem e em articulação, compreendem a promoção do desenvolvimento da localidade a partir da interação dos diversos atores sociais que se constituem nesse espaço, considerando as potencialidades locais, no qual a gestão é compartilhada e democratizada, mas subsumida aos interesses do capital. Para Castilho, Arenhardt e Le Bourlegadt (2009, p. 160), outro caminho é possível, ou seja:

O desenvolvimento local parte da perspectiva da valorização humana como sujeito de seu próprio desenvolvimento. A práxis do desenvolvimento pode ser entendida como o exercício para uma ação mais efetiva que envolve o indivíduo por meio da práxis comunitária na qual se encontra face a face com a comunidade. Assim, o indivíduo como ser social que pertence a uma classe ou grupo social, tem um espaço em que pode se exprimir, argumentar, criticar, denunciar, dialogar, exigir, reivindicar e transformar a sua realidade.

Para esses autores, a dimensão da classe ou grupo social, da práxis individual, coletiva e da transformação social integram o desenvolvimento local. Porém, conforme já apresentado anteriormente, a presença do Terceiro Setor deve-se à diminuição da presença do Estado nas políticas públicas, bem como ao modelo gerencial adotado. Nesse sentido, segundo Maia (2005, p. 5), "justificamos a nominação de 'gestão contra o social', aos processos de gestão no campo social, implementados a partir dos valores e propósitos do capital". Uma vez que essa gestão social faz-se no sentido do desenvolvimento do capital e no contexto da desresponsabilização do Estado pelas políticas sociais, o que se configura é uma gestão contrária aos interesses sociais. Mas o que seria então uma gestão social a favor dos interesses sociais?

Tomando por referência Maia (2005), a partir do Quadro Gestão Social em Construção, elaborado com base na análise de conceitos de gestão social de diferentes autores, bem como em uma categorização que compreende aspectos como valores, propósitos, focos, locus, agentes e metodologia, apresenta-se, a seguir, o que se apreende em relação à proposta de educação para o MST, indicando que aspectos esta compreende no sentido de preparação para o desenvolvimento local a partir da gestão social da educação.

Sendo assim, na análise de Maia (2005), tem-se o seguinte: os valores fundantes são democracia e cidadania; os propósitos são três: aqueles voltados às ações (gerenciais, sociais políticas), aqueles voltados aos processos sociais (conjunto de ações, desenvolvimento social) e aqueles voltados para o desenvolvimento social (afirmação, transformação); quanto ao foco, são: administração, economia, ciências políticas e sociais; quanto ao locus: organizações, tanto do Estado, quanto do mercado e da sociedade Civil; quanto aos agentes: estão nas diversas instâncias do Estado, do mercado e da sociedade civil; em relação à metodologia, o processo social.

Nesse sentido, estabelecendo relação com o que Maia (2005) apresenta sobre o que seriam os aspectos da gestão social e do desenvolvimento local "a favor do social", no caso do MST, considera-se que os princípios filosóficos e pedagógicos do seu projeto de educação, apresentados no Dossiê MST Escola: Documentos e Estudos 1990-2001, convergem para a gestão social e o desenvolvimento local "a favor do social". Quanto aos princípios filosóficos, são eles: 1. Educação para a transformação social, assumindo o caráter político do processo educativo que se vincula organicamente aos processos sociais para além da conquista da terra, visando à transformação da sociedade atual e à construção de uma sociedade com justiça social, democrática e apoiada em valores humanistas e socialistas; 2. Educação para o trabalho e cooperação, considerando a cooperação como elemento estratégico para uma educação que vise a novas relações sociais e a uma organização coletiva do trabalho; 3. Educação voltada para as várias dimensões da pessoa humana, compreendendo o caráter omnilateral do homem e, consequentemente, da sua educação, que deve integrar todas as esferas da vida humana, como a organizativa, a formação político-ideológica, a tecno-profissional, a formação do caráter e dos valores, a cultura e estética e a formação afetiva; 4. Educação com/para valores humanistas, considerando os valores que colocam no centro do processo de transformação a pessoa humana e sua liberdade; 5. Educação como processo permanente de formação e transformação humana, ou seja, como um processo constante e contínuo na vida do ser humano.

Quanto aos princípios pedagógicos, que convergem para a preparação dos sujeitos, tendo em vista a "gestão e o desenvolvimento local a favor do social", dos 13 apresentados, ressaltam-se os seguintes: 9. Gestão democrática; 10. Auto-organização dos/das estudantes; 11. Criação de coletivos pedagógicos e formação permanente dos educadores/educadoras. Corrobora, nesse processo, a constituição em cada assentamento, de coletivos compreendidos em associações dos assentados, que fazem a gestão do assentamento e também da escola, na tentativa de concretizar o princípio gramsciano, orientador da formação dos trabalhadores sem terra no MST, de que a educação, além de propiciar a formação de seres humanos, com condições de controlar quem dirige, deve promover a formação de dirigentes (Gramsci, 1968).

Sendo assim, no que tange aos propósitos, os do MST são ações sociais públicas. Os processos sociais são um conjunto de ações que visam ao desenvolvimento social, compreendido na perspectiva da afirmação dos sujeitos para a transformação, uma vez que, com base em Nogueira (2003), insere-se o MST, no que esse autor denomina de "Sociedade Civil Social"; quanto ao foco do MST, pode-se dizer que atua tendo em vista todos os focos apontados por Maia (2005); quanto ao locus e agentes, constitui-se como organização social da sociedade civil, cujos agentes são todos os militantes, sem distinção hierárquica; quanto às funções ou graus de escolaridade e quanto à metodologia, também compreende o processo social na perspectiva indicada por Souza (2004, como citado em Maia, 2005, p. 15), ou seja:

O processo que se expressa através da conscientização, organização e capacitação contínua e crescente da população ante a sua realidade social concreta. Como tal é um processo que se desenvolve a partir do confronto de interesses presentes nesta realidade e cujo objetivo é a sua ampliação enquanto processo social.

É, portanto, a partir desses princípios filosóficos e pedagógicos que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) compreende que a educação é importante no processo de luta pela Reforma Agrária e defende a escola pública estatal, porém com gestão social dos aspectos administrativos e pedagógicos, pois acredita que só assim é possível construir uma escola de e para os trabalhadores do campo que capacite para a participação no processo social, conforme indicado acima por Souza (2004, como citado em Maia, 2005). O modelo de gestão e de desenvolvimento local defendido pelo MST opõe-se ao modelo gerencial estatal e orienta-se no sentido da gestão social da educação para o desenvolvimento local "a favor do social". Para o MST, transformar a realidade tem um sentido de transformação social para a qual a educação tem papel fundamental e articula-se à luta pela terra no cotidiano dos acampamentos e assentamentos.

 

Resultados e Discussão

O estudo compreendeu abordagem qualitativa com pesquisa bibliográfica, documental e de campo. A pesquisa de campo, realizada em 2009, foi dividida em duas etapas. A primeira objetivou analisar a compreensão dos professores e alunos sobre o processo de execução do Projeto Político-Pedagógico e, a segunda, a compreensão que estes tinham sobre o trabalho, a relação trabalho-educação e como era a prática educativa para estabelecer a relação entre trabalho e educação. Porém, a tensão entre o modelo de gestão da escola e do Projeto Político-Pedagógico da Secretaria Estadual de Educação e do MST emerge como um dificultador para a concretização do projeto de educação do MST, que tem o trabalho como um dos princípios educativos. Esse é, portanto, é o objeto de análise neste artigo.

Para a coleta dos dados, foram aplicados 118 questionários, com 19 questões fechadas para alunos e 21 para professores, com 35 questões abertas e fechadas. Foram realizadas, também, 22 entrevistas com professores, diretores, alunos e lideranças dos assentamentos, sendo analisados e utilizados trechos de 12 entrevistas e observações em atividades de sala e do assentamento em geral. Os alunos, professores e diretores pertencem a três escolas de Ensino Fundamental, com turmas do 1º ao 9º ano e do 1º e 2º segmento de Educação de Jovens e Adultos (EJA), das regiões do Vale do Rio Doce e Mucuri/Jequitinhonha, em Minas Gerais. A discussão apresentada aqui deriva da análise da problemática/categoria empírica, a gestão social da escola, que emerge durante a pesquisa de campo como questão que implica no desenvolvimento do trabalho como princípio filosófico-pedagógico no projeto pedagógico do MST nas escolas pesquisadas.

O MST, mesmo reivindicando do Estado a construção de escolas nos assentamentos, considera que a educação oferecida à classe trabalhadora não atende aos interesses dos trabalhadores do campo. Além do Projeto Político-Pedagógico da escola não atender aos interesses e especificidades dos trabalhadores do campo, a gestão gerencial também é questionada pelos militantes do Movimento. Nesse sentido, uma professora assentada diz:

Na verdade, conseguir, pra gente foi uma vitória conseguir legalizar a escola dentro desse padrão social aí, oficial e por outro lado a gente, na verdade [...] perdeu um pouco enquanto educador, enquanto direção da escola, [...] perdeu um pouco da identidade da própria história, de quem realmente construiu a escola, se foi o Estado ou se foram os Sem Terra do assentamento. E aí a gente perdeu um pouco essa autonomia também de brigar com a superintendência, de bater mesmo contra o Estado no sentido de construção desse projeto. [...]. E aí, no caso, nós tivemos uma vitória, mas ao mesmo tempo uma vitória de construir uma escola pelo MST, uma história de muita luta, de muita conquista mesmo, a gente conseguiu a escola e que hoje, [...] ela se encontra na situação de ser do Estado e ser mantida pelo estado, pelo ao menos teoricamente por que quando a gente vai para a prática a gente percebe que a escola, os próprios educadores aqui têm essa consciência de que a escola ela é realmente, foi realmente construída pelos assentados, pelo movimento Sem Terra, mas teoricamente ela se adapta a outros padrões. (Professora do 2º ano do Ensino Fundamental)3

A primeira questão que a professora levanta diz respeito ao processo de luta/construção da escola pelo Movimento versus o processo de financiamento/gestão da escola pelo Estado. Se, em um primeiro momento, o objetivo do MST é que o Estado construa, financie e faça a gestão das escolas, garantindo assim o direito à educação também para os trabalhadores do campo, em um segundo momento, a questão que se coloca é "de quem é a escola?", no que se refere ao Projeto Político-Pedagógico que se implementa, ou seja, a quem concretamente a escola atende? O que se ensina? Como se ensina? Quem toma as decisões? Quem participa das decisões? A escola deve atender os direitos e necessidades dos trabalhadores do campo, da Sociedade Civil ou do Estado? Mas o Estado não representa os interesses da Sociedade Civil? Qual é a relação Estado, Sociedade Civil e Movimentos Sociais do campo no que diz respeito às discussões sobre a educação? Qual é o papel de cada ator social na condução e concretização da educação do campo? Se a gestão praticada pelo Estado é uma gestão gerencial, como se contrapor a esse modelo? Outra questão é o poder que o Estado tem, uma vez que é ele quem paga, ou seja:

Tá, mas e aí, como é que a gente vai seguir a linha do MST sendo que quem paga a gente é o Estado? Quem dá as regras ali é o Estado? Se nós vamos para a linha do MST, nós somos demitidos, então como é que fica isso? E aí vem a questão dos vários pacotes, a escola, ela já vem com um padrão, com um cronograma do que ensinar para os alunos. Hoje você vê de 1ª a 4ª e de 5ª a 8ª já tem o quê que é para discutir, para dar na sala de aula, o 7 de setembro por exemplo. Então, assim a gente não tem essa questão da abertura para discutir, para dialogar até mesmo pela própria rejeição dos próprios funcionários: Tá nós vamos seguir isso aqui, mas e depois? Se nós não seguirmos isso que o Estado deliberou nesse projeto? Então, é muito complicado. (Professora do 2º ano do Ensino Fundamental)

A menção à fala dos educadores, "Tá, mas e aí, como é que a gente vai seguir a linha do MST sendo que quem paga a gente é o Estado?", leva às seguintes questões: o poder de controlar político, administrativo e pedagogicamente do Estado mantém-se com base no fato de ser ele quem paga ou outros elementos interferem nesse processo? Mas o dinheiro que o Estado utiliza para pagar é dos contribuintes! O fato de ter o controle financeiro e administrativo não dá poder total, em se tratando da escola pública, ao Estado. A Constituição Federal de 1988 e, posteriormente, a LDBEN nº 9.394/964 garantem a autonomia das escolas na gestão administrativa, financeira e pedagógica, mas não existe autonomia total do Estado e nem autonomia total da escola. Como construir então uma gestão escolar que avance no sentido de ampliar a participação da comunidade, mas fazendo a integração da comunidade com os princípios do MST e do Estado? Qual a legitimidade do Estado hoje para gerir financeiramente, administrativamente e pedagogicamente a escola, garantindo-lhe um sentido público e não apenas estatal e promovendo o desenvolvimento local social? A comunidade tem condições de concretizar uma gestão comunitária que melhore a qualidade da escola e, consequentemente, do assentamento e da comunidade? Os professores têm clareza sobre que projeto de sociedade e de educação querem ou estão concretizando? Qual a contribuição do modelo gerencial praticado para o desenvolvimento local e social? Vê-se logo que os interesses dos atores sociais não são convergentes e harmônicos. Como construir gestão social e desenvolvimento local nesse contexto? O debate e embates ideológicos que enfrentamos, atualmente, em torno da Base Nacional Curricular Comum (BNCC), por exemplo, reforçam essas questões e remetem à necessidade de debatermos o que são políticas públicas de governos e de Estado, bem como as visões diferentes sobre as políticas públicas pelas diversas orientações políticas.5

Outro problema é em relação à concepção de educação e de ser humano a ser formado.

Eu vejo como uma das grandes dificuldades, a cobrança do Estado nesta questão da globalização, da globalidade, é descritores para lá é descritores para cá e a gente acaba tendo necessidade de agarrar muito nesse, nisso do menino ter que ler escrever, interpretar e para trabalhar dentro desse contexto mais integrador, às vezes, a gente vê a necessidade de trabalhar com eles, mesmo de forma muito mais dialogada, de forma muito mais de reflexão e que levaria um tempo muito maior, entendeu? Do que assim, eles também não estão desgarrados de tudo que a sociedade vive e às vezes a gente vê uma dificuldade muito grande das crianças de separar isso, na mesma hora que ela já deu uma ideia para a gente que ela já tem uma concepção da própria identidade dela de Sem Terrinha e tal, às vezes, parece uma coisa muito consolidada, mas a gente vê que isso precisa ser muito mais cultivado, que não é uma questão que já está definida [...] e aí eu penso que é um trabalho mais lento e a gente tem uma cobrança de resultados, não do resultado humano, mas um resultado de aprendizagem mesmo, de conteúdo e em um tempo curto e aí eu vivo uma situação assim, que a gente tem que começar do começo mesmo para conseguir ter um avanço maior, aí eu acho que isso é uma dificuldade e outra está na concepção mesmo, em um todo, nem todos os educadores compreendem o que é a instituição, qual que é o poder da escola, para muitos, isso se resume no ler e escrever e não que a escola é um espaço de formar sujeitos também, escola, família e eu acho que falta isso por parte de muitos educadores dentro desta escola. (Educadora do 4º e 5º ano do Ensino Fundamental)6

A dificuldade apontada aqui pela educadora remete à Pedagogia das Competências e à Concepção Crítico-Dialética no que tange à concepção de educação e, especificamente, ao currículo. Ela critica o fato de as Diretrizes Curriculares da Secretaria de Estado da Educação orientarem-se em torno do domínio de capacidades e não em uma concepção de Formação Humana Integral. Para Oliveira, Souza, Veriano e Paschoalino (2009), o que se coloca no cenário educacional atual é o embate entre a Pedagogia das Competências e a Pedagogia Crítico-Dialética, ou seja, em relação aos conteúdos disciplinares na Pedagogia das Competências, eles são "pragmáticos e imediatistas, e se assentam na lógica da competência cimentada na individualização, assim o aluno torna-se responsável por sua trajetória pessoal no estudo e no trabalho, devendo manter-se continuamente em estado de empregabilidade" (p. 79); quanto aos procedimentos didáticos, "as técnicas didáticas devem ser centradas na atividade do aluno e, nessa perspectiva, o trabalho docente secundarizado" (p. 79). Por isso o currículo se orienta em torno de capacidades requeridas pelo mercado de trabalho.

Já a Pedagogia Crítico-Dialética, que em sua origem tem por base as discussões marxianas sobre educação; as discussões dos teóricos socialistas russos, como Makarenko; o socialista italiano Antonio Gramsci e, também, o francês Georges Snyders. Considera que o papel da escola, para além de transmitir conhecimentos, é produzir novos conhecimentos e formar integralmente pessoas com condições de transformar a realidade. Com esse papel, o currículo compreende os conhecimentos científicos, culturais, técnicos e tecnológicos em articulação com a realidade local e global, tendo em vista promover a integração significativa da teoria com a prática, dos conhecimentos com a realidade. Considera importante o foco no processo de aprendizagem do aluno, mas entende que a relação professor-aluno precisa se basear no diálogo e na troca, não desvalorizando o papel do professor como aquele que conduz o processo educativo a partir de uma relação democrática com o aluno; compreende a avaliação como processo que caminha com o processo de ensino-aprendizagem, elencando como funções principais da avaliação o seu caráter diagnóstico e formativo. Ou seja, percebe-se que tanto em relação à gestão da escola como em relação ao currículo e, consequentemente, em relação, a o que, como e por que ensinar, existe uma tensão constante entre o que preconiza o Estado Gerencial e o que o MST defende. A forma como o Estado apresenta e cobra o desenvolvimento do Projeto Político-Pedagógico, bem como da proposta curricular e metodológica, enfim a organização e execução do trabalho pedagógico da escola como um todo, apresentam obstáculos para a articulação com os princípios filosóficos e pedagógicos da educação do MST.

Mas mesmo com a tensão constante entre o Projeto Político-Pedagógico do MST e o do Estado, o Movimento luta pela construção das escolas públicas nos assentamentos e pela gestão social destas, questionando esse modelo gerencial e apresentando uma perspectiva de gestão social "a favor do social". Segundo Araújo e Castro (2011, p. 92),

As estratégias para nova gestão pública inauguram através do empoderamento, da responsabilização e da descentralização, um (neo) taylorismo (Abrucio, 1997; De Rossi, 2004), a partir do momento em que distribui tarefas e delega poder de decisão em níveis inferiores da escala organizacional. No caso da escola, aos próprios agentes do processo de trabalho, e não somente aos supervisores do tempo e da produtividade, como acontecia no modelo de produção taylorista/fordista. Nessa acepção, as pessoas passam a ser responsáveis diretamente por suas decisões no interior da escola, pelo seu sucesso ou pelo seu fracasso.

Ou seja, a gestão gerencial pública praticada é contra o social e a transferência de algumas responsabilidades do Estado para a sociedade civil não se fez acompanhar de uma destinação de recursos suficientes e de apoio técnico administrativo e pedagógico que permita criar escolas autônomas e de qualidade (Araujo & Castro, 2011). Ainda, segundo Araújo e Castro (como citados em Cabral Neto & Castro, 2007), esse novo modelo de gestão subtrai o sentido político dos termos autonomia, descentralização e participação, ou seja, esses termos são valorizados, mas no âmbito dos interesses de um Estado que reforma e administra o capital.

Mas qual seria o outro caminho, se a opção dos governos estaduais e federais, de FHC a Dilma e, agora, Temer foram as reformas e não as mudanças estruturais ou, como diz Avritzer (2016), adotou-se o "presidencialismo de coalizão"? Sendo assim, nesse contexto, algumas questões se colocam: considerando a diversidade de atores sociais e de demandas em torno da educação atualmente, os espaços e as formas de decisão no interior das instituições que compõem o aparelho estatal e da escola contemplam essa diversidade? O risco do particularismo existe, mas a governança e regulação social do novo modelo gerencial governamental que atende aos interesses do modelo de acumulação flexível não é pior? Será que essa multiplicidade de atores e projetos em disputa não abre caminho para que a escola e as políticas educacionais sejam menos governamentais e mais estatais, públicas de fato?7 Será que nesse exercício de construção, envolvendo atores diversos, mesmo com conflitos/consensos, novos caminhos, novas possibilidades de ação política não aparecerão? Em que aspectos a participação social e a representação da Sociedade Civil Social precisam avançar? Que mecanismos a Sociedade Civil precisa desenvolver para gerir melhor as políticas e as instituições públicas "a favor do social"? Como a Sociedade Civil Social pode se organizar para garantir as políticas públicas sociais conquistadas nos últimos anos, fazendo com que estas se tornem políticas de Estado?

Os princípios filosóficos do MST, apresentados anteriormente, bem como os princípios pedagógicos, principalmente os analisados neste texto, podem ser assim nomeados: Gestão democrática; Auto-organização dos/das estudantes; Criação de coletivos pedagógicos; e formação permanente dos educadores/educadoras. São possibilidades que o MST coloca em ação para concretizar a "gestão a favor do social".

 

Considerações Finais

O texto toma como objeto de análise a gestão social praticada pelo MST nas suas escolas a partir do que este defende nos seus princípios filosóficos e pedagógicos. Para tanto, buscou-se situar esse Movimento na sociedade civil, bem como compreender como concretiza sua concepção de gestão social no interior da escola gerida pelo modelo gerencial estatal. Nesse sentido, algumas considerações se colocam não no sentido de finalizar, mas de apontar para novas questões.

Primeiramente, considera-se que as mobilizações da sociedade civil, seja Liberista ou Social, têm se dado no sentido de ocupar os espaços vazios do Estado Gerencial e exigir a elaboração e execução de políticas públicas que atendam às diversas necessidades da sociedade, por exemplo, de mais verbas para a educação, como foi pleiteado no Plano Nacional de Educação 2014-2024, aprovado pela Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Para isso, a sociedade civil tem, principalmente a partir de 2013, ocupado as ruas e as redes sociais com suas bandeiras diversas e até mesmo divergentes. Nesse sentido, como demonstrado no texto, gestão social e desenvolvimento local podem convergir "a favor do social" ou "contra o social", de acordo com Maia (2005).

Segundo, retomando Castilho, Arenhardt e Le Bourlegadt (2009), existe uma possibilidade de o desenvolvimento local, bem como de a gestão social, partirem da e para a valorização humana e cada pessoa ser responsável pelo seu próprio desenvolvimento. Além disso, consideram que essa práxis pode ser um exercício para uma ação mais efetiva que possibilite, a todos, o acesso às políticas públicas com qualidade e com participação democrática na gestão destas; bem como exprimindo, argumentando, criticando, denunciando, dialogando, reivindicando como sujeito de classe e de um ou mais grupos sociais.

Terceiro, é urgente, também, construir no interior das escolas, práticas de gestão e pedagógicas que possibilitem a gestão social para o desenvolvimento local a "favor do social". Mesmo no conflito/consenso Estado-Sociedade Civil, há possibilidades de reconstruções e construções de práxis que operem com base no desenvolvimento local com gestão social a "favor do social". A experiência do MST traz alguns elementos, como a defesa de uma concepção de educação que comunga com os princípios da concepção Crítico-Dialética, bem como com as discussões de Paulo Freire, um dos teóricos de referência do Movimento; a gestão democrática, apoiada na autogestão, que integra alunos e pais na gestão da escola em articulação com a gestão do assentamento; a criação de coletivos pedagógicos e formação política permanente dos educadores/educadoras para subsidiar a luta que se coloca, por exemplo, em torno da Base Nacional Curricular Comum (BNCC) e também para enfrentarmos o contexto político que vivemos atualmente.

O MST, em sua experiência educacional, vem tentando essa construção, apesar das dificuldades. A principal dificuldade é operar essa construção no interior da escola estatal, que em vários contextos não é pública e faz uma gestão contra o social.

 

Referências

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Recebido em 23/07/2015
Aprovado em 04/10/2016

 

 

1 Projeto aprovado pelo Conselho de Ética na Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (COEP/UFMG) sob o número 035/09 em 19.08.2009 e pelo Colegiado do Programa de Pós-Graduação Conhecimento e Inclusão Social da Faculdade de Educação da UFMG, em 30.09.2008.
2 É importante esclarecer que, tendo em vista, os conceitos de Sociedade Civil Liberista e Sociedade Civil Social, bem como a identificação do "Terceiro Setor" com Sociedade Civil Liberista, de acordo com Nogueira (2003), desfaz-se a ideia de que Sociedade Civil e Terceiro Setor são sinônimos, conforme aponta Maia (2005).
3 Entrevista concedida à pesquisadora no dia 4 de setembro de 2009.
4 Ver Paro (1997).
5 Ver Souza (2006).
6 Entrevista concedida à pesquisadora no dia 11 de setembro de 2009.
7 As políticas públicas de governo existem condicionadas a um mandato governamental e as políticas de Estado são incorporadas à estrutura do Estado e sua continuidade está colocada para além das mudanças de governo. Ver Silva (2010).

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