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Pesquisas e Práticas Psicossociais

versão On-line ISSN 1809-8908

Pesqui. prát. psicossociais vol.12 no.2 São João del-Rei abr./jun. 2017

 

Grupo Operativo em Centros de Atenção Psicossocial na opinião de psicólogas

 

Operative Group in Psychosocial Care Centers according to psychologists' opinion

 

Grupo Operativo en Centros de Atención Psicosocial según la opinión de psicólogas

 

 

Thays Maria do NascimentoI; Wedna Cristina Marinho GalindoII

IPsicóloga pela UFPE - thaysnascimento20@hotmail.com
IIDocente no Departamento de Psicologia da UFPE - wedna.galindo@gmail.com

 

 


RESUMO

A pesquisa teve como objetivo compreender os sentidos que psicólogas, coordenadoras de Grupos Operativos em Centros de Atenção Psicossocial (Caps), atribuem a essa atividade. O Grupo Operativo, formulação teórico-metodológica de Pichon-Rivière, tem assumido papel significativo no Brasil, sendo preconizado pelo Ministério da Saúde como atividade a ser desenvolvida nos Caps. Esta é uma pesquisa qualitativa descritiva da qual participaram cinco psicólogas coordenadoras de grupos em Caps. Entrevistas individuais foram realizadas e posteriormente transcritas e analisadas. Os resultados indicam que o trabalho com grupos em Caps está muito distante dos fundamentos teóricos e metodológicos do Grupo Operativo. Há referências a conceitos, mas desarticulados de seus fundamentos. Determinações externas ao Caps, geralmente por gestores, impõem-se à rotina. As psicólogas referem aprendizagem para o trabalho, na própria rotina, denunciando fragilidades na formação acadêmica e em orientações por parte de gestores. Estudos posteriores merecem aprofundar aspectos descritos nesta investigação.

Palavras-chave: Saúde Mental. Centros de Atenção Psicossocial. Psicologia. Grupo Operativo.


ABSTRACT

The research aimed to understand the meanings that psychologists, coordinators of Operative Groups in Psychosocial Care Centers (Caps), attribute to this activity. The Operative Group, theoretical and methodological formulation of Pichon-Rivière, has played significant role in Brazil, advocated by the Ministry of Health as an activity to be developed in Caps. This is a qualitative descriptive research attended by five psychologists groups' coordinators in Caps. Individual interviews were accomplished and subsequently transcribed and analyzed. The results indicate that the work with groups in Caps is distant from the theoretical and methodological foundations of the Operative Group. There are references to concepts although disarticulated from its foundations. External determinations to Caps, usually by managers, are imposed on routine. The psychologists report learning to work, on its own routine, exposing weaknesses in academic formation and in guidance from managers. Further studies deserve deepen aspects described in this research.

Keywords: Mental Health. Psychosocial Care Centers. Psychology. Operative Group.


RESUMEN

La investigación tuvo como objetivo comprender el sentido que las psicólogas, coordinadoras de Grupos Operativos en Centros de Atención Psicosocial (Caps), atribuyen a esa actividad. El Grupo Operativo, formulación teórico-metodológica de Pichon-Rivière, ha asumido un papel significativo en Brasil, siendo preconizado por el Ministerio de Salud como una actividad que debe ser desarrollada en los Caps. Esta es una investigación cualitativa descriptiva de la cual participaron cinco psicólogas coordinadoras de grupos en Caps. Se realizaron entrevistas individuales que posteriormente fueron transcritas y analizadas. Los resultados indican que el trabajo con grupos en Caps se aleja mucho de los fundamentos teóricos y metodológicos del Grupo Operativo. Se hacen referencias a conceptos, sin embargo, están desarticulados de sus fundamentos. Decisiones externas al Caps, generalmente provenientes de gestores, se imponen a la rutina. Las psicólogas relatan un aprendizaje para el trabajo, en la propia rutina, denunciando debilidades en la formación académica y en las orientaciones por parte de los gestores. Estudios posteriores merecen que se profundicen los aspectos descritos en esta investigación.

Palabras clave: Salud Mental. Centros de Atención Psicosocial. Psicología. Grupo Operativo.


 

 

Introdução

No Brasil, os serviços públicos de saúde mental, inspirados em diretrizes da Reforma Psiquiátrica, têm atribuído ao trabalho em grupos papel importante dentre as novas metodologias de tratamento, haja vista sua contribuição nas medidas de ressocialização de pessoas em intenso sofrimento psíquico. A discussão acerca da Reforma Psiquiátrica no Brasil ganhou mais força nos anos de 1980, a partir do fim do período ditatorial e início da democratização do País. Entre os objetivos da Reforma, destacamos o de substituir o modelo hospitalar (asilo, manicômio) de caráter excludente e de tutela das pessoas por serviços substitutivos que considerassem o protagonismo dos seus usuários no próprio processo de saúde-doença (Amarante, 2007, 1995).

O movimento de Reforma Psiquiátrica gerou discussões acerca de mudanças no padrão normativo de tratamento psiquiátrico vigente e inspirou políticas públicas no campo de promoção da saúde mental. Nessa direção, foram elaborados mecanismos norteadores de atenção à saúde mental, que tomaram notória instrumentalização, em especial, por sua utilização nos Centros de Atenção Psicossocial (Caps). Estes, definidos como "um lugar de referência e tratamento para pessoas que sofrem com transtornos mentais, psicoses, neuroses graves e demais quadros cuja severidade e/ou persistência justifiquem sua permanência num dispositivo de cuidado intensivo, comunitário, personalizado e promotor de vida" (Brasil, 2004, p. 13).

Os grupos, nas modalidades de "psicoterapia, grupo operativo, atividade de suporte social, entre outras" (Brasil, 2004, p. 32), são preconizados como atividades terapêuticas nos Caps, constituindo mais um mecanismo de "cuidado que visa à autonomia e corresponsabilização do sujeito em seu tratamento, atribuindo-lhe poder de contratualidade em seu processo de reabilitação psicossocial" (Firmo & Jorge, 2015, p. 219). Os grupos assumem, portanto, importante papel na dinâmica de empoderamento do sujeito acerca do seu tratamento, possibilitando uma postura ativa e crítica diante do processo saúde-doença. Ainda que os grupos sejam apresentados como modalidade terapêutica a ser realizada em Caps, os documentos oficiais não proporcionam subsídios teórico-metodológicos para a sua realização. Neste artigo, discutimos sobre a modalidade de Grupo Operativo como recurso terapêutico dos Caps, na opinião de psicólogas que coordenam atividades grupais.

A técnica de Grupo Operativo começou a ser sistematizada pelo médico psiquiatra Pichon-Rivière na Argentina, a partir da experiência em que pacientes "menos comprometidos" cuidassem daqueles "mais comprometidos", em período de paralisação laboral de enfermeiras (Bastos, 2010).

De acordo com Pichon-Rivière, grupo é um "conjunto de pessoas ligadas entre si por constantes de tempo e espaço e articuladas por sua mútua representação interna, que se propõe explícita ou implicitamente uma tarefa que constitui sua finalidade" (Saidon, 1986, p. 184). É importante entender que cada pessoa que compõe o grupo traz consigo, a partir dos vínculos que forma no decorrer da vida, um Esquema Conceitual Referencial Operativo (Ecro) que a fazem pensar e agir de determinada maneira e não de outra.

Os Ecros individuais, quando do encontro grupal, entram em confronto, gerando tensões (Pichon-Rivière, 1998a). Nessa dinâmica, dois medos básicos (ou ansiedades básicas) são presentes e possíveis de serem sentidos pelos participantes. Trata-se do medo de perda e do medo de ataque, caracterizados, grosso modo, pelo temor de perder referências pessoais e o temor de não ser aceito pelo grupo, respectivamente. A técnica dos Grupos Operativos possibilita uma nova condição para os seus participantes, ao se dispor a trabalhar com os medos básicos, favorecendo uma adaptação ativa à realidade (Pichon-Rivière, 1998b).

Caracterizado por estar centrado na tarefa, o grupo operativo tem como objetivo dar conta de uma tarefa explícita. Para tanto, realiza outra tarefa "implícita, subjacente à primeira, que aponta para a ruptura das estereotipias que dificultam o aprendizado e a comunicação" (Saidon, 1986, p. 183). A operatividade possibilita mudanças nos seus participantes, por mobilizar questões latentes e torná-las manifestas. Essa explicitação do que é latente é possibilitada pelo trabalho do facilitador em manejar os processos grupais, na perspectiva de que as pessoas ali reunidas obtenham mais clareza sobre as tramas que as envolvem e reconheçam diferenças e semelhanças pessoais. A perspectiva é a construção de referências coletivas (Ecro grupal).

A dinâmica grupal, segundo o grupo operativo, envolve pré-tarefa, tarefa e projeto, num contínuo que indica a constituição do grupo (Pichon-Rivière, 1988b; Saidon, 1986). Destaca-se também na dinâmica grupal o coordenador, cuja função é facilitar o vínculo e a autonomia do grupo na realização da tarefa, numa dinâmica triangular, que envolve o grupo, o facilitador e a tarefa (Pichon-Rivière, 1988b; Andrade, 1986). Outro elemento importante na dinâmica grupal são os papéis que, assumidos por qualquer participante, merecem ser considerados como informando sobre o que se passa no grupo a partir de comportamentos, sentimentos, pensamentos e até silêncios (Pichon-Rivière, 1988b; Pereira, 2001).

O uso da metodologia do Grupo Operativo em programas de saúde mental tem sido relatado na literatura científica. Peres e Figueiredo (2004) apresentam experiência de psicóticos que fazem uso de Neuroléptico de Ação Prolongada (NAP) no ambulatório de uma Unidade de Saúde Mental Militar. O trabalho com Grupo Operativo favoreceu o comprometimento dos usuários do serviço com o tratamento, uma vez que ressalta a capacidade de responsabilização e conscientização do usuário acerca do seu processo terapêutico. As autoras destacam que, no processo de reabilitação psicossocial proporcionado pela intervenção, o Grupo Operativo é caracterizado como "um momento de 'fala' e de 'escuta', no qual surgem manifestações do cotidiano, trocas afetivas, relações de poder e de trocas sociais" (p. 536).

Experiências com Grupo Operativo com usuários de substâncias psicoativas indicam o potente aporte dessa modalidade de trabalho com grupos. Lucchese, Vargas, Teodri, Santana e Santana (2013) relatam experiência em Unidade Básica de Saúde (USB) no município de Catalão, Goiás, do Programa Nacional de Controle do Tabagismo, em que foi mobilizada a aprendizagem dos participantes acerca do uso do tabaco. A experiência identificou postura mais crítica por parte dos usuários da USB e promoveu mudanças nas representações acerca do cigarro, impactando diretamente em mudanças no comportamento estereotipado de uso da substância.

A experiência relatada por Cassol, Terra, Mostadeiro, Gonçalves e Pinheiro (2012) é de Grupos Operativos de ensino-aprendizagem no tratamento de usuários de álcool e outras drogas em uma Unidade Psiquiátrica de um hospital-escola no sul do Brasil. Os Grupos têm contribuído significativamente para o enfrentamento ao abuso de substâncias psicoativas. Caracterizam-se por promover espaço para o diálogo, aprendizagem, manutenção da abstinência, além de fornecer apoio aos seus membros. Ao serem utilizados para a educação em saúde, os Grupos Operativos promovem mudanças na compreensão e percepção dos usuários referentes aos seus problemas de saúde, colaborando para uma construção coletiva e ativa das soluções.

Já foi argumentado anteriormente (Galindo & Francisco, 2013), a partir de relato de experiência com Grupo Operativo em Caps ad com usuários de álcool e outras drogas, que o trabalho com grupos se apresenta como importante contribuição da Psicologia à saúde coletiva. A experiência relatada indica que o trabalho de intervenção grupal, na perspectiva operativa, colheu como frutos, inclusive, mais engajamento e participação política dos usuários do Caps ad em Comissões, Conselhos, movimentos socais e profissionais.

À luz dos preceitos da Reforma Psiquiátrica, entendemos que os Grupos Operativos se mostram como importante estratégica terapêutica nos Caps, uma vez que contribui para a efetivação da autonomia do sujeito com relação à sua saúde, possibilitando uma postura ativa e crítica diante de sua realidade. Investigar sobre o que psicólogas que atuam em Caps têm a dizer sobre Grupo Operativo se constitui em tarefa importante, pois são essas profissionais que executam o trabalho de coordenação de tais grupos.

 

Metodologia

Trata-se de pesquisa exploratória descritiva, de cunho qualitativo. "Trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáreis" (Minayo, 2002, p. 21).

A pesquisa foi desenvolvida respeitando os aspectos éticos legais e recomendações do Conselho Nacional de Saúde (CNS, 2012) para as pesquisas que envolvem seres humanos e foi aprovada por Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), sob nº CAAE 45916815.6.00005208.

Participaram do estudo cinco psicólogas que trabalham em Caps da cidade do Recife e com experiência na coordenação de Grupos Operativos. A assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) antecedeu as entrevistas semidirigidas, que foram audiogravadas e, posteriormente, transcritas.

O processo de tratamento dos dados iniciou-se com a leitura flutuante (Bardin, 1977) do material, o que possibilitou a definição de categorias de análise. A categorização do material foi feita em duas etapas subsequentes e contou com recursos de editor eletrônico de texto em suas funções de formatar, recortar, copiar, colar, classificar, (Galindo, Francisco & Rios, 2013; Galindo, 2008; Kelle, 2002). Na primeira etapa, o material foi organizado a partir dos seguintes eixos que informam sobre o objeto de pesquisa: G - sobre Grupo; D - sobre Dinâmica grupal; T - sobre Terapêutica grupal; E - sobre Estrutura Grupal. Resultaram dessa etapa do tratamento dos dados, quatro arquivos (Eixo G, Eixo D, Eixo T, Eixo E), cada um deles com o material correspondente de todas as entrevistas. Nova leitura flutuante deu início à segunda categorização, na qual foram identificados os seguintes conteúdos referidos nas entrevistas, ao Grupo Operativo: a) determinações externas; b) fundamentos; c) formação; d) rotina no Caps; e) coordenação. A última etapa do tratamento dos dados teve início com a leitura de cada um dos cinco blocos (a, b, c, d, e) oriundos do tratamento do material e, em seguida, foram redigidas sínteses preliminares de cada bloco.

A análise dos dados propriamente dita ocorreu a partir de discussões entre as pesquisadoras, que, apoiadas nas sínteses, construíram linhas analíticas que subsidiaram a redação dos tópicos a seguir, de Resultados e Discussão. A interpretação do material foi orientada por uma dupla hermenêutica (Deslandes & Gomes, 2004), caracterizada pela reinterpretação das interpretações que as participantes da pesquisa fazem de sua realidade. A nossa análise, por exemplo, não focalizou como as psicólogas executam a coordenação dos grupos, mas como interpretam essa tarefa. Suas interpretações, por sua vez, remetem a contextos institucionais, culturais, estes, sim, objeto de nossas análises.

 

Resultados

A apresentação dos resultados em tópicos e subtópicos é motivada pelo esforço de tornar a leitura mais clara. Em item posterior, apresentamos a discussão dos resultados.

- Determinações externas

A coordenação de grupos em Caps é fortemente influenciada por balizas protocolares e operacionais, definidas seja em nível nacional seja em nível municipal, como premissas para o trabalho. Consideram-se como balizas operacionais as que se referem mais propriamente à gestão do serviço e definições de questões técnicas e estruturais.

As entrevistadas, por exemplo, apresentam a clínica psicossocial como referência maior para o trabalho nos Caps. "O Caps, ele é um serviço substitutivo, né? ele não é complementar [sic] ao manicômio e ele oferece mais, assim, atividades no [...] campo, no viés, no paradigma da clínica psicossocial" (E4,1)1 . Os grupos, por sua vez, como espaço terapêutico, são nomeados como espaço cujo objetivo é a consolidação dos direitos e deveres do sujeito no resgate de sua cidadania. Para tanto, é assegurado a todo usuário um espaço de fala, pois "tem que ser assegurado que é a sua escuta, a sua disponibilidade de tá ouvindo o outro e o outro enquanto singular" (E2,9).

Consideramos como protocolares essas expressões sobre as funções do Caps e dos Grupos, pois parecem ser verdades reproduzidas, como regras institucionais nas quais não se mexe, como repetições sem sentido para as próprias pessoas que estão falando. Essas definições impõem-se à rotina do Caps e terminam por determinar dificuldades no funcionamento dos Grupos Operativos. Destacam-se problemas com: a) Recursos Humanos: o município está "com uma rede muito defasada, então hoje na casa eu sou a única psicóloga" (E1,1); b) Recursos Físicos: as estruturas são precárias, com espaços pequenos para a demanda. "Não tem como caber mais gente pra acomodar, pra fazer os trabalhos das oficinas" (E3,9). c) Superlotação nos Grupos: para garantir atendimento à população, há atividades grupais com número excessivo de participantes, além de que o Grupo fica permanentemente aberto para novos integrantes; d) Coordenação dos Grupos: grande rotatividade de profissionais, além da inviabilidade de dispor de dois profissionais acompanhando os Grupos. "Quebra um pouco a questão de Pichon [...] ele preconiza que sejam dois [profissionais no grupo], mas infelizmente não dá pra ser dois técnicos aqui" (E5,2).

- Fundamentos

Há referências das profissionais a diversas perspectivas teórico-metodológicas no trabalho com grupos. A Psicanálise está presente como "pano de fundo da minha escuta, de história mesmo, das relações parentais sabe?" (E2,8). Também são referidas a Fenomenologia, a Gestalt e o Psicodrama. A coordenação de grupos, por exemplo, "vai muito pelo meu viés de visão da Gestalt terapia, mas dentro da visão de Grupo Operativo" (E5,2). Há críticas à utilização de abordagens consideradas não correspondentes ao trabalho de Grupo Operativo. Profissionais dizem "que usavam técnicas de terapia comunitária e aí acreditando aproximar do Grupo Operativo" (E1,9).

Identificamos também que a Teoria de Grupo Operativo de Pichon-Rivière é acessada, de alguma forma, para os trabalhos no Caps. Porém, tal teoria é utilizada e desenvolvida de forma superficial, sem maiores aprofundamentos, ao passo que promove também uma insegurança na atuação dos próprios técnicos do serviço. "Eu acho que eu não sigo rigidamente a técnica dele [Pichon-Rivière] [...] talvez eu faça e nem me dê conta de que eu siga aquele método que ele criou" (E3,5).

Identifica-se certo descompromisso com fundamentos teóricos do trabalho com grupos no Caps, pois ganha destaque o posicionamento que cada técnico assume. Não há orientações metodológicas que direcionem a atuação dos profissionais para que a prática seja coerente com a teoria. As entrevistadas consideram que o trabalho de coordenação do grupo assume características que têm relação com valores pessoais e experiência profissional de cada técnico.

Eu sou psicóloga e faço um operativo, certamente outra psicóloga vai fazer um operativo de outra forma porque tem muito a ver com a forma como você acredita, a tua filosofia de trabalho, o que você acredita que pode ser interessante coletar naquele tipo de trabalho, em que você pode contribuir com aquela, para aquelas pessoas que estão em tratamento. (E3,6)

As entrevistadas destacam a prática/o manejo que, mesmo referenciado em alguma teoria, tem assumido papel prioritário no fazer grupo2, não necessariamente com fundamentos teóricos plausíveis. Assim, independentemente da abordagem teórica utilizada, identifica-se a expectativa de que o grupo seja realizado em benefício da promoção da autonomia dos participantes. "Eu acredito muito nessa questão do facilitar que a dinâmica aconteça, que o grupo se torne grupo, que o grupo possa sentir seus movimentos, né, e que a gente tá ali pra ajudar aquilo fluir" (E1,12).

- Formação

A formação dos profissionais de Psicologia para a realização de Grupos Operativos não está, de acordo com as entrevistas, vinculada ao processo de graduação ou pós-graduação, uma vez que as universidades promovem discussões muito pontuais acerca dos grupos. A formação para o trabalho com grupos está muito mais filiada ao processo autodidata de conhecimento e ao acúmulo de experiências diárias na facilitação de grupos.

Na faculdade eu fiz as leituras [...] dos processos terapêuticos de grupo e eu sou autodidata, eu procuro ler, buscar esse conhecimento. (E4,4)

Aos poucos fui adquirindo alguns manejos de como conduzir determinadas situações [...] é em constante [...] processo de construção. (E3,7)

Capacitações para o trabalho em Caps são referidas por iniciativa da gestão municipal, "a partir do viés das políticas [...] e dentro das diretrizes do Ministério da Saúde" (E4,4). Entretanto, as indicações são de que "faz tempo que a prefeitura não oferece [capacitação, e] da equipe original [que participou de capacitações] tem pouquíssimos profissionais" (E3,7).

Nos eventos sobre o trabalho em Caps, podem ocorrer minicursos sobre a coordenação de grupos, em especial para os Grupos Operativos. Porém, profissionais contratados mais recentemente não tiveram esse tipo de experiência. A fragilidade na formação para o trabalho com Grupos Operativos para profissionais dos serviços de saúde mental está presente no cotidiano e tem evocado a reivindicação de que os gestores devem "investir em capacitação [...] pra que os técnicos não 'fique' [sic] só no achismo" (E5,5).

- Rotina no Caps

Quatro subtópicos constituem o que chamamos de "Rotina no CAPS". Eles dizem sobre a forma como os Grupos Operativos são identificados pelas psicólogas, a sua denominação como "grupo de fala", a sua função terapêutica e suas dimensões individual e coletiva.

Identificação do Grupo Operativo

Os grupos no Caps variam de acordo com as condições de infraestrutura e o funcionamento da equipe, não havendo necessariamente uma padronização acerca das modalidades, bem como da dinâmica realizada no processo grupal. A modalidade nomeada de Grupos Operativos, por exemplo, tem sua disponibilidade limitada a alguns Caps visitados, sendo sua oferta influenciada ora por uma demanda do profissional que assume a coordenação do grupo, ora por uma demanda do quadro de atividades do Caps, moldado pela gestão do serviço. "Numa das reformulações do projeto terapêutico do Caps, foi sugerido o operativo e, aí, [...] foi sugerido que eu fizesse o operativo e eu comecei a fazer o operativo" (E3,2).

Há referências também a grupos que recebem o nome de "operativo", mas não possuem em seu modus operandi características que lhes façam aptos a tal nomeação, bem como situações nas quais o grupo possui uma dinâmica com traços operativos, porém recebe nomeações distintas. Tal dubiedade, seja na nomeação, seja na caracterização do grupo, mobiliza incertezas. "Eu não sei se [o que faço se] enquadra totalmente no que seria característico de Grupo Operativo não, mas são os grupos de mais fala e a gente chama o 'grupo reflexão'. Acho que não se enquadra em tudo no que seria Grupo Operativo não" (E2,1).

A definição sobre quem assume a coordenação do grupo é pautada tanto na própria definição dos grupos no Caps como nas experiências cotidianas da profissional. "A gente foi fazendo com o que a gente tinha de bagagem, de experiência, com o que a gente achava coerente, por isso que, por exemplo, a gente não chama todos os grupos hoje de Grupos Operativos" (E1,4).

Grupo Operativo como "grupo de fala"

As entrevistadas são unânimes em referir-se ao Grupo Operativo como um "grupo de fala", caracterizado por possibilitar a emergência da singularidade do sujeito que se expressa no espaço coletivo.

Eu creio que o objetivo do operativo é justamente facilitar a fala, essa fala espontânea, o que incomoda, aquilo que é importante, aquilo tá, [...] que ressalta naquele momento, aquilo que é difícil no tratamento naquele momento, sempre tentando direcionar pra o tratamento. (E3,10)

A fala assume um papel terapêutico no processo de tratamento do usuário, promovendo reflexões nos participantes do Grupo. "Ele [Grupo Operativo] facilita a fala e, de alguma forma, ele estimula a reflexão de algumas questões, não é fala pela fala apenas" (E3,11). No manejo do Grupo Operativo, cabe à coordenação possibilitar a eleição de uma temática, diante do conjunto de questões que emergem das falas.

A gente vai partir do que eles vão trazendo e aí a gente vai construindo a discussão e aí, logicamente, que vai surgir uma temática né? Na discussão, por que alguém vai trazer uma temática e aí eu vou pegar, pinçar essa temática e a gente vai começar a explorar essa temática. (E3,3)

Nesse cenário de "grupo de fala", surge no processo grupal aquilo que é denominado pelas entrevistadas como a "fala do grupo", fazendo referência àquele usuário que, num dado momento, fala em nome do grupo e estimula a discussão. "Sempre vai ter pessoas que falam mais, que se colocam mais, que se expõem mais e aqueles que ficam mais como observadores" (E3,3).

Falar em grupo é facilitado pela coordenação num processo que promove um espaço singular que não é possível no atendimento individual. Tal espaço é um dos motivos pelos quais o sujeito se sente fortalecido a se expressar no grupo. "Tem alguns usuários que se sentem mais à vontade para se colocar no grupo de que no atendimento individual, por exemplo" (E1,7).

Função terapêutica do Grupo Operativo

Os Grupos Operativos, segundo as psicólogas, são extremamente benéficos por proporcionar um espaço de fala dos usuários e compreensão de suas angústias, além de estimular reflexões por parte deles. "Pra muitos, ele é extremamente benéfico, uns se beneficiam realmente, né, sentem falta do grupo, esperam o Grupo Operativo, né, pra falar e colocam aquilo que eles estão vivenciando, as suas dores, as suas inquietações" (E5,4).

Quando da admissão de novos usuários ao serviço, os profissionais sempre propõem a sua inserção no Grupo Operativo, atitude sugestiva de que há uma valorização dessa atividade por parte da equipe técnica. Para tanto, apoiam-se no que observam nos usuários; "a gente consegue ver que estão funcionando [usuários] bem naquele grupo [de fala], eu acho que consegue coisas importantes" (E2,6).

A despeito desse reconhecimento, os Grupos Operativos ainda têm grandes desafios para se consolidar como atividade desenvolvida no Caps. É considerado como parte do processo terapêutico mais amplo que inclui o atendimento individual. "Eu sentia que aquela fala [no grupo], ela precisava de outros espaços para poder aquilo ter, fazer algum sentido, num atendimento individual" (E4,5).

Para os usuários, o Grupo Operativo é "como se fosse uma roda de conversa e um bate-papo com os amigos" (E4,2) destinado a uma conversa à toa, não tendo ainda sua função terapêutica reconhecida. As entrevistadas consideram que há dificuldades para os usuários se expressarem nos grupos, material que sugira intervenção "terapêutica", pois têm dúvidas sobre o que está acontecendo no grupo.

Indivíduo × coletivo nos Grupos

As entrevistas apontaram que os movimentos individuais assumem papel central nos grupos em Caps. O compartilhamento de questões individuais se dá por meio das relações de identificação entre os usuários, nas quais um tema inicialmente individual desemboca numa participação de todos num movimento de grupo. "Essa temática [que surge no grupo] não fica só pra aquela pessoa não, ela vai desdobrar porque eles vão acabar se identificando [...] e começam a trazer a própria vivência e aí o tema vai sendo desdobrado" (E3,3).

Há referências de movimentos grupais e individuais sendo vistos pela coordenação, quando do trabalho com grupos. Um movimento de grupo bastante mencionado nas entrevistas é o ato de boicotar seja o tema proposto, seja o próprio grupo. Um dos modos de boicote é pelo silêncio, que às vezes "reina, então o grupo inteiro ele fica calado, o grupo inteiro ele não fala, entende? Até aqueles que são mais falantes silenciam" (E5,4).

E, em alguns momentos, esse ato de boicotar parte de um usuário específico, "dependendo do usuário, eles se protegem muito [...] se acolhem [...], e aí quando tem aquela questão que sempre aparece o bode expiatório da história, né? Sempre tem o bode expiatório, sempre tem aquele que tá querendo boicotar o grupo" (E5,4).

Os referidos bodes expiatórios são tidos, pelas entrevistadas, como aquele usuário que assume um papel de liderança dentro do grupo, com poder de definir temas e/ou movimentos. "Em um grupo grande sempre vai emergir alguém que é o falante" (E3,3); "um vai ser o foco, vai ser o bode expiatório daquele dia, vai ter atitudes de liderança e tal" (E1,12). O aparecimento desses papéis é manejado de forma a facilitar o movimento e as tensões individuais que se apresentam no grupo, até mesmo porque os papéis assumidos dizem muito acerca do funcionamento dos usuários que o assumem. "Tem aqueles que se destacam, que falam mais, tem aqueles que são mais reservados, mais calados, há troca" (E3,9).

Quanto ao impacto terapêutico, "tem usuário que não se beneficia no Grupo Operativo" (E5,4), e isso pode estar relacionado a questões físicas, emocionais e psicológicas.

Quando eles [os usuários] estão mais prejudicados fisicamente, emocionalmente, psicologicamente, o Grupo Operativo é muito mais difícil de andar porque a atenção é flutuante, eles não conseguem se concentrar no grupo, eles não conseguem muitas vezes entender o que tá sendo dito. (E5,4)

O encontro de usuários em grupo possibilita que pontuações sejam feitas não só pelo coordenador/técnico, mas também pelos demais participantes. "Uma pontuação que talvez se a gente fizesse pra ele fosse difícil, um outro [usuário] consegue colocar, coloca que já viveu, coloca como é que tá fazendo diferente" (E2,6). A partir da relação de identificação entre os usuários, portanto, os participantes do grupo passam a enxergar o outro como seu semelhante e, ao compartilharem sentimentos, pensamentos, acerca de cada história de vida promovem mudanças na direção de se "pensar [em] um outro lugar social" (E4,2).

- Coordenação

Os "grupos de fala" ficam, prioritariamente, sob a responsabilidade das profissionais de Psicologia, reconhecidas como as que "têm mais facilidade de deixar o grupo fluir, pra deixar o grupo seguir o seu próprio movimento sem aquela angústia de ter que dar conta de alguma coisa" (E1,11). Consideram que as psicólogas têm um diferencial estando na coordenação, por terem um movimento de fazer com que os participantes protagonizem o grupo. Os psicólogos são identificados como profissionais que "se esforçam mais pra deixar [de lado] suas angústias e deixar o outro protagonizar o grupo" (E1,11).

A coordenação do Grupo Operativo, entretanto, ainda é muito questionada no que se refere à condução do processo grupal, em especial por existirem dúvidas acerca de como a dinâmica grupal deve ser manejada. Investe-se uma singular atenção, por exemplo, à utilização de recursos planejados previamente para uso nos Grupos Operativos. Há referências das entrevistadas a coordenarem o Grupo a partir "do que eles [usuários] acreditam, eu nunca trago pronto, eu sempre vou construindo a partir do que me é trazido" (E3,3). Mas, também, é referenciado como "aquele grupo centrado na tarefa, né? [A coordenação] traz geralmente uma atividade" (E1, 2). A atenção é dirigida, portanto, à elaboração prévia/ou não da atividade grupal, por parte da coordenação, como indicadora da realização do Grupo Operativo.

Espera-se, de quem coordena o grupo, adequado manejo na eleição do tema a ser tratado. É importante "ter a habilidade, quem tá na coordenação, de tentar ir enxugando e vendo o quê que dali a gente pode tirar como um tema pra, pra desenvolver com eles" (E3,4), de modo que a dinâmica grupal tenha um fim terapêutico e não fique apenas como uma roda de conversas. Porém, nem todos os profissionais têm a habilidade para coordenar grupos, promovendo, de tal forma, equívocos no manejo.

Eu acredito que não é todo mundo que tem, assim, o manejo pra trazer esse tema, essa temática, e transforma-la num processo, né? E que a pessoa possa refletir e possa ocupar, buscar outras modificações, [...] que possa operacionalizar algo melhor na sua vida. (E4,4)

Igualmente, o coordenador precisa trabalhar com tensões que surgem no decorrer do processo grupal. "Prestar atenção no grupo e entender inclusive porque que aquele sujeito tá assumindo aquele papel, né? Tentar entender um pouquinho a história dele" (E2,6). É necessário olhar para além do ato de apontar, no caso de bode expiatório, ou liderar, mas "entender o porquê que aquela pessoa tá se colocando naquele lugar" (E2,6). Para tal, é importante que o coordenador estimule a participação dos usuários nos grupos, bem como a sua reflexão acerca das suas escolhas de vida.

 

Discussão

O trabalho com grupos em Caps, identificado na pesquisa, afasta-se dos fundamentos teóricos e metodológicos do Grupo Operativo, segundo Pichon-Rivière e seus seguidores (Pichon-Rivière, 1998a; 1998b; Saidon, 1986; Bastos, 2010; Andrade, 1986; Pereira, 2001). O que se percebe é um uso descontextualizado de termos sem articulação com seus respectivos fundamentos. Esse direcionamento parece facilitar uma confusão não só no modus operandi do profissional como também na sua própria compreensão de Grupo Operativo, o que, por conseguinte, compromete os resultados terapêuticos associados a essa modalidade de Grupo. Entendemos, assim como Munari, Ribeiro e Lopes (2002), que o respeito aos pontos nodais da teoria de Grupo Operativo de Pichon-Rivière é de suma importância para a realização congruente dos grupos, uma vez que a posição teórica interfere, direta ou indiretamente, sobre a condução do processo grupal.

O boicote, por exemplo, é um dos movimentos grupais que recebe destaque pelas entrevistadas devido a sua grande frequência nas sessões grupais, sendo interpretado por elas como recusa à participação na atividade. A denominação bode expiatório, por sua vez, é definida pela iniciativa de se expressar no grupo e associada ao papel de liderança. Ambos os conceitos não são apresentados em consonância com referências teórico-metodológicas que deveriam lhes dar embasamento. O ato de boicotar pode ser sinal de resistência à mudança e manutenção de estereotipias, que informa sobre a dificuldade do grupo em avançar na realização de sua tarefa (Saidon, 1986). A partir das análises que empenhamos dos dados, é notório que as diversas expressões de papéis grupais não recebem o tratamento devido por parte das entrevistadas, comprometendo assim a ação terapêutica prevista.

A identificação e o manejo de papéis grupais, como os referidos pelas entrevistadas de bode expiatório e de liderança, por exemplo, sugerem empenho em compreender sobre o sujeito e o que se passa com ele. Mas, de acordo com as referências teóricas, os papéis no Grupo Operativo são assumidos por qualquer participante e merecem ser compreendidos como expressão da dinâmica grupal (Saidon, 1986).

Nomeado como grupo de fala, o Grupo Operativo é identificado por facilitar a expressão dos seus participantes, do que pensam, sentem, condição para garantir o seu bem-estar individual. O compartilhamento de questões individuais possibilita identificações entre participantes, o que garante, por exemplo, a acolhida da temática de trabalho proposta por um membro e envolvimento dos demais.

Interpretado pelas entrevistadas como movimento grupal, essa dinâmica não caracteriza a metodologia operativa de grupos. Entendemos que a compreensão que as entrevistadas expressam dessas situações incorre em equívocos significativos que comprometem o trabalho. As expressões pessoais no grupo, inclusive as que aparentemente destoam da tarefa grupal explícita, merecem ser tratadas em benefício da quebra de estereotipias e consolidação do grupo, não devendo ter seu objetivo reduzido a uma reflexão/elaboração individual (Pichon-Rivière, 1998b). Concordamos com Carniel (2008) quando pontua que os Grupos Operativos permitem uma visão mais ampla do processo grupal, possibilitando a compreensão de situações e movimentos, individuais e grupais, que muitas vezes são deixados de lado por outras modalidades de grupo. Essa realidade não foi observada na pesquisa.

Destacamos que a "adoção" por parte do grupo de um tema/questão apresentado por um participante, ao menos no formato em que é descrito pelas entrevistadas, mereceria manejo adequado por parte da facilitação, com atenção para o trabalho em torno das ansiedades básicas, típico da pré-tarefa grupal (Saidon, 1986). Não nos parece producente, no sentido da realização da tarefa, a descrição de certa harmonia grupal, o que se refere à identificação de um tema de trabalho a partir da expressão de um indivíduo. Em tese, conflitos, tensões, desentendimentos fazem parte da dinâmica grupal e isso não foi mencionado pelas entrevistadas.

Ao contrário, a demarcação do tema da sessão grupal aparece nas entrevistas como uma das principais funções do coordenador do grupo, diante das dificuldades de delimitação por parte dos usuários. A função da coordenação nessa situação deveria ser pontuar e interpretar o movimento grupal e não protagonizar a tomada de decisões sobre o trabalho do grupo.

Segundo as entrevistadas, nem todos os usuários do Caps funcionam na dinâmica dos Grupos Operativos, havendo a necessidade de um cuidado para que a singularidade do sujeito seja respeitada. A exigência protocolar de elaboração de Projetos Terapêuticos Singulares, levando em consideração as especificidades de cada usuário, garante o cuidado para com as diferenças pessoais. Entretanto, não identificamos por parte das entrevistadas nenhum esforço para compreender por que alguns usuários não funcionam no Grupo Operativo. De forma geral, entendemos que não funcionar significa não falar, não se expressar na situação grupal.

A valorização da fala como expressão pessoal e dispositivo de mudança individual pode ser associada à confissão cristã que Foucault (2007) indica como estratégia do mundo ocidental de saber sobre o sujeito, o que para o pensador esteve associado ao exercício de poder, dominação e conformação dos sujeitos em modos aceitáveis de subjetivação. Segundo Foucault (2006), a reflexividade (pensamento sobre si mesmo), comum ao sujeito moderno, assume a forma de método, a partir do qual o sujeito pode ser sistematizado, uma vez que é levado a se conhecer a partir de procedimentos metódicos. Essa parece ser a orientação das profissionais entrevistadas, de contribuir para que o sujeito, a partir de sua fala, saiba de si. Consideramos, portanto, que a ênfase no imperativo fale! merece ser problematizado como posicionamento muito mais de controle das subjetividades do que mesmo de emancipação.

A coordenação dos Grupos Operativos, prioritariamente, é assumida por psicólogos, profissionais identificados com habilidades para promoção de escuta dos participantes e por terem condições de considerar o grupo como protagonista do processo. Contudo, entendemos que manejos equivocados por parte da coordenação comprometem o preceito de promoção de autonomia defendido tanto pela Reforma Psiquiátrica (Amarante, 2007, 1995) quanto pela metodologia operativa de grupos (Pichon-Rivière, 1998b).

O modo como o papel do coordenador é apresentado nas entrevistas denota uma compreensão equivocadanão só do processo grupal, mas também da própria função da coordenação do Grupo Operativo. As respostas que as profissionais dão ao grupo nas sessões aproximam-se de improvisos, descontextualizadas de uma compreensão embasada da dinâmica grupal. O debate sobre elaborar previamente ou não o material a ser trabalhado no grupo também é indicativo da fragilidade na tarefa de facilitação grupal, cuja atenção merece ser, prioritariamente, voltada para o movimento grupal e não para o material a ser utilizado na sessão grupal.

É digno de nota que a formação para o trabalho com Grupos Operativos tem sido feita na própria prática com grupos no Caps, no dia a dia, criando e recriando formas de funcionar diante das situações que surgem no processo grupal. Nesse sentido, concordamos com Soares e Ferraz (2007), que defendem discussões sobre fenômenos grupais entre profissionais de saúde como forma de contribuição para o trabalho com grupos.

A formação acadêmica para o campo do trabalho com grupos é deficitária. Processos formativos coordenados pelo Estado, em qualquer instância, caracterizam-se pelo desinvestimento. O descompasso entre a formação de psicólogas(os) e a atuação no SUS, constatado na pesquisa, já vem sendo tematizado por pesquisadores (Ferreira Neto, 2011, 2004; Yamamoto & Oliveira, 2010), que indicam na história da Psicologia como profissão e formação - voltada para atuação nas clássicas áreas de clínica, escola e indústria - um dos aspectos importantes dessa situação.

Nesse vácuo da formação, cada profissional busca apoio para seu trabalho, nas clássicas abordagens teóricas da Psicologia Clínica, como a Psicanálise, a perspectiva fenomenológica, o psicodrama. Entretanto, como advertem Campos e Guarido (2010), a clínica psicológica na saúde pública precisa reinventar-se diante das demandas que se apresentam diferentes da clínica individual privada. Tal tarefa, ainda inconclusa, parece não ter sido assumida pelas entrevistadas.

Some-se, aos desafios da formação, a rotina de trabalho marcada por dificuldades, como baixa quantidade de profissionais para as atividades na unidade, que parece determinar as decisões de manter grupos superlotados e profissionais sobrecarregados de tarefas. Além disso, o funcionamento do Caps - definido por regras projetadas exteriormente, como balizas protocolares e operacionais, ao serem assumidas como premissas para o trabalho - parecem ser reproduzidas sem discernimento, perpetuando, muitas vezes, discursos e manejos equivocados. Os processos de trabalho envolvidos na rotina de psicólogas em Caps merecem atenção. Elas parecem reduzidas a (mais) uma ferramenta que deve funcionar a partir de regras definidas externamente a elas, sem sua participação.

Esse cenário é expressivo do que aponta Vasconcelos (2008) sobre a lógica capitalista que mantém o trabalhador de saúde aprisionado ao ritmo típico da produção industrial - em série, com velocidade, sem crítica, sem a participação no processo produtivo como um todo. As análises de Traverso-Yépez (2008) sugerem que, em sociedades capitalistas, a saúde pública é explorada como uma mercadoria, aprisionada na lógica de mercado.

Destaca-se, nessa realidade, a tendência a não considerar aspectos subjetivos de profissionais de saúde e usuários e da relação entre eles. A dinâmica que se apresenta é sugestiva da fragilidade do Estado para cumprir os requisitos (recursos humanos, infraestrutura) para garantir o funcionamento da política pública de atenção à saúde mental. Ao não problematizarem essa situação, as entrevistadas encontram saídas que podem ser entendidas como pseudossoluções, visto que não enfrentam, de fato, o cerne do problema. Ao superlotarem salas de grupo, ao assumirem um grande volume de trabalho, as profissionais terminam por reproduzir a lógica capitalista de exploração do trabalhador.

 

Considerações finais

O trabalho de pesquisa possibilitou uma aproximação da realidade do fazer grupos em Caps. Identificamos um trabalho mecânico e burocrático por parte das psicólogas em fazer um grupo denominado operativo para compor uma demanda externa a elas. Por conseguinte, não se tem um ambiente operativo nos Caps que contribua para o protagonismo dos usuários em seu processo de saúde mental. A terapêutica a partir da adoção dos Grupos Operativos como modalidade de trabalho grupal, portanto, é inviabilizada.

Merece destaque também as frágeis condições de trabalho nos Caps, que estão associadas diretamente com o desempenho dos profissionais, como superlotação de usuários nos grupos, recursos humanos reduzidos, ausência de formação continuada. Mudanças nessa perspectiva envolvem decisões de atores políticos como gestores e legisladores em defesa de políticas de atenção à saúde mental, cujo impacto no trabalho de profissionais de saúde seria significativo.

A despeito da fragilidade de formação para o trabalho com Grupo Operativo, as psicólogas lançam mão de estratégias possíveis para realização dos grupos no Caps, fazendo de sua prática diária no serviço de saúde mental a sua escola, na qual encontram, com erros e acertos, de criação e recriação, formas de conduzir a dinâmica grupal. O movimento de aprender a facilitar os Grupos Operativos na própria prática e pautar o seu trabalho nesse aprendizado parece ser um esforço das psicólogas na construção de sentidos para o seu trabalho com grupos no Caps.

Esse movimento decorre, significativamente, de uma lacuna deixada tanto por instituições de formação de profissionais de saúde quanto pelos gestores da política pública de atenção à saúde mental, que têm falhado em sua tarefa de oferecer subsídios para o trabalho. São indispensáveis, portanto, investimentos por parte das instituições formadoras e dos gestores públicos na formação para o trabalho com Grupo Operativo.

Sugerimos que outras pesquisas sejam realizadas sobre a temática, inclusive acompanhando a rotina dos grupos, posicionamento metodológico que poderá aprofundar achados apresentados em nossa pesquisa. Estudos que envolvam usuários, familiares e gestores também podem contribuir para a compreensão da adoção do Grupo Operativo como modalidade de trabalho com grupo em Caps.

 

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Recebido em 25/04/2016
Aprovado em 21/06/2017

 

 

1 Material oriundo das entrevistas é apresentado entre aspas, em itálico, seguido de indicação, entre parênteses, do número da entrevista e número da página onde se encontra.
2 Fazer grupo é um termo coloquial usado pelas profissionais para referirem-se à coordenação de Grupo.

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